Refugio



—Capítulo 11—


Refugio


 


      


Era difícil concentrar-se em um sonho, quando parecia que seu corpo inteiro estava ardendo, como se estivesse preso a um ferro em brasa. Sua consciência ia e voltava em intervalos irregulares. Captava algumas conversas rápidas entre sua prima e mais alguém, mas não conseguia entender o que elas falavam. Logo sua mente voltava à escuridão, pontilhadas por sonhos incoerentes, onde seus pais eram assassinados pela Comensal Morgan, que logo em seguida começava a lhe atacar, antes que ele mergulhasse em um fosso, onde estavam os corpos de todos os seus amigos. Tentava acordar, mas nem em seus raros momentos de consciência ele conseguia sair daquela sensação angustiante.


Não soube quanto tempo aquilo durou. O tempo parecia ter se tornado um mero detalhe naquele momento. Foi com um grande esforço que conseguiu abrir os olhos. Suas pálpebras pareciam anormalmente pesadas. Aos poucos foi tomando consciência do próprio corpo e como se sentia dolorido, principalmente em sua perna, onde parecia faltar um pedaço. Tentou levantar-se, mas era como se tivesse saído de uma grande ressaca.


—Ele acordou! —Gritou alguém não muito longe. Tentou virar a cabeça para ver quem era, mas seu pescoço parecia rígido de mais.


Ouviu passos apressados ao longe e logo a luz acendeu. Fechou os olhos com força mais uma vez, sentindo-os arderem pela claridade súbita, antes de acostumar-se com a luminosidade. Dois vultos se aproximavam da cama, agitados. Aos poucos sua visão foi focalizando. Reconheceu rapidamente sua prima. Ao seu lado, estava uma garota de cabelos ruivos e olhos castanhos, bem claros.


—Gillian? —Murmurou o garoto, sentindo a voz repentinamente rouca, por tanto tempo sem usar-la.


—É! Sou eu, cabeção! —Disse a garota, com um ar bem humorado. —Você nos deu um baita susto!


—O que aconteceu? —Perguntou Pedro, tentando sentar-se na cama.


—Você estrunchou quando a gente aparatou. —Disse Sophia, pondo uma mão em seu ombro, para que ele permanecesse deitado. —Por sorte a Gil nos encontrou logo depois.


—Eu estava voltando do mercado. —Disse Gillian, dando de ombros. Pedro sentiu a cama afundar um pouco mais e supôs que ela tivesse sentado. —Ouvi alguém aparatar.


Pedro olhou para o teto por um instante, absorvendo o que elas falavam. Levou a mão até a perna, sentindo a gaze áspera que rodeava. Podia sentir claramente a perna, mas era como se o local ainda estivesse vazio.


—Sorte a Hermione Granger ser boa em poções. —Disse Gillian. —Ela sempre me achou desastrada de mais para aparatar. Então preparou algumas poções, pro caso de, bem...acontecer o que aconteceu com você.


Pedro murmurou um “hm” de compreensão, enquanto ainda passava a ponta dos dedos por sobre o curativo. Depois de um longo tempo em silêncio, o garoto apoiou as mãos na cama para sentar-se.


Só então reparou no cômodo. Era bastante simples. A cama tinha lençóis limpos, amarelos. Havia uma penteadeira desarrumada e, espalhados pelas paredes, vários pôsteres de bandas trouxas e bruxas. Haviam um colchão ao lado de sua cama, desarrumado como se alguém tivesse pisoteado.


—Quanto tempo eu apaguei? —Perguntou Pedro, levando a mão à cabeça, sentindo-se meio zonzo.


—Duas semanas. —Disse Sophia, pondo a mão na testa do primo. —A febre passou.


—Duas semanas. —Sussurrou Pedro, indiferente ao toque da prima. Escondia agora os olhos entre as mãos, sentindo-os arderem um pouco. — Isso é tempo de mais. Preciso sair daqui...


—Eu não acho aconselhável. —Ponderou Gillian, olhando o amigo por um tempo, antes de desviar o olhar para o lado de fora. —Não enquanto as coisas não se acalmarem.


—Se acalmarem? —Perguntou Pedro, franzindo a testa de leve. — Ok, eu sei que as coisas estão difíceis, mas enquanto o Ministério estiver...


—O Ministro foi morto, Pedro. —Disse Gillian, ainda sem olhar para o amigo. —Você-sabe-quem tomou conta do ministério.


—O que?! —Exclamou Pedro, arregalando os olhos. —Voldem...


—Não diga esse nome! —Gritou Gillian, olhando repentinamente assustada para o garoto.


Por um breve instante, aquela reação da ruiva varreu da cabeça de Pedro o fato de que, agora, o Ministério da Magia era comandado por Comensais da Morte. Gillian nunca parecera ter medo do nome Voldemort. Aliás, por muitas vezes o garoto notava que ela simplesmente “esquecia” que aquele nome causava tanto medo no mundo bruxo.


—Gil... —Disse Pedro, abaixando as sobrancelhas. —é só um nome. Você nunca teve medo antes.


—Você não entende. —Disse a garota, levantando-se bruscamente. Começou a andar de um lado para o outro, parecendo bem agitada. —O nome está em um tabu. Se alguém disser o nome dele, BUM! Na mesma hora milhares de Comensais da Morte aparecem e te levam... seja lá para onde for.


Pedro olhou para a ruiva por um instante, a boca meio aberta, numa expressão de confusão e ao mesmo tempo de incredulidade. Virou lentamente o olhar para a prima, que apenas encolheu os ombros.


—Achei melhor não arriscar.


—Tudo bem. Foi... melhor... —Disse Pedro, ainda meio aturdido. Levou a mão até a cabeça, sentindo-se como se tivesse levantado rápido de mais. —Então... Você-sabe-quem...é o novo Ministro da Magia?


—Não... —Disse Gillian, parecendo acalmar-se, sentando-se novamente na cama. —Claro que não. Ele não ia se arriscar assim. Ele está usando outros.


Pedro encarou Gillian demoradamente, avaliando bem as noticias. Sim, fazia mais o estilo de Voldemort usar outros para controlar o que queria. Nunca atuava por fora dos bastidores. Respirou fundo e, tentando não encarar o olhar de preocupação das duas, voltou a olhar o quarto.


—Onde estamos? —Perguntou num tom vagamente interessado.


—Minha casa, óbvio. —Disse Gillian, levantando-se da cama e andando pelo quarto distraidamente. —Eu encontrei vocês, não é? Só podia trazer-los para cá.


—Faz sentido. —Murmurou Pedro, ainda meio distante.


—Tem sido horrível... —Disse Gillian, encolhendo os ombros, parecendo murchar um pouco. —Você não tem idéia, Pedro... eles...


E soltou um muxoxo de impaciência, sem conseguir esconder a raiva em seu olhar. Pedro franziu a testa de leve, encarando a garota. Nunca vira aquela expressão em seu rosto. Na verdade era quase impossível pensar numa Gillian com raiva.


—O que está acontecendo? —Perguntou Pedro, com um certo receio, virando o olhar para a prima.


Sophia moveu-se incomodada para o lado, antes de pegar um Profeta Diário sobre a penteadeira desarrumada. Sacudiu-o no ar para desamassar algumas folhas, antes de entregar ao primo. O garoto pegou o jornal entre as mãos, ainda encarando a prima, antes de olhar para o jornal.


—Droga. —Murmurou Pedro, segurando o jornal com força, como se fosse rasgar-lo. Em letras garrafais o Profeta anunciava a criação da Comissão de Registro dos Nascidos Trouxas. Embaixo, havia uma lista de nomes com data e hora para se apresentar.


Um silêncio modorrento pairou sobre eles, quase de uma forma sólida. Gillian continuava de costas para ele e Sophia encarava o chão, remexendo os dedos, incomodada, sobre o próprio colo. Pedro continuou sentado olhando para a foto de Dolores Umbridge, presunçosa, assumindo o cargo na recém criada comissão. Apertou o jornal com força antes de atirar-lo de lado. Respirou fundo e colocou as pernas para fora da cama.


—Hey! Onde pensa que vai? —Perguntou Sophia, indo rapidamente na direção do primo


—Banheiro. —Disse o garoto, singelamente. —Estou segurando há duas semanas. Acho que não dá mais.


Sophia olhou para o primo por um instante, como se não acreditasse muito no que ele dizia, antes de afastar-se, murmurando um “desculpe”, meio constrangida. Sem ligar para aquilo, Pedro levantou-se. Sua perna estrunchada parecia um membro que passou muito tempo no gesso. Arriscou colocar o pé no chão, mas sem sentir muita firmeza, saiu mancando, apoiando-se no máximo de objetos que podia.


—Primeira porta a direita, no corredor. —Informou Gillian, os braços ainda cruzados sobre o peito, olhando meio divertida para o amigo.


Pedro meramente confirmou com um aceno de cabeça e voltou a cambalear na direção do banheiro. Empurrou a porta e tateou a parede até achar o interruptor. Trancou-a e ficou um instante com o ouvido encostado na porta, antes de dar dois passos para trás, sentando-se no vaso sanitário. Puxou a varinha e ficou um instante encarando a ponta.


Expecto Patronum! —Murmurou, fazendo um fio prateado escapar pela ponta da varinha. —Ah, vamos. Não é hora de falhar. Expecto Patronum!


Dessa vez, uma águia prateada irrompeu da ponta da varinha. Plainou um instante no ar, como se esperasse algum tipo de comando, antes de pousar no joelho de Pedro.


—Preciso que leve um recado. Para Chapolim Weasley. E APENAS para o Chap, entendeu? Se mais alguém tentar ouvir o recado, desapareça. Ok? —Perguntou para o patrono, que pareceu entender. —Preciso falar com ele o mais rápido possível. Preciso de uma linha segura. E de uma resposta ao mais rápido possível.


A águia abriu as asas em sinal de compreensão, antes de sair voando pelo banheiro. Atravessou a parede como um fantasma e plainou no ar por um instante, antes de sumir entre as nuvens. Com um muxoxo cansado, Pedro levantou-se do caso. Apertou a descarga sem motivo aparente, antes de sair do aposento.


 


 


 


—Você ouviu o que eu disse? —Perguntou Gillian, abaixando um pouco o jornal.


Havia passado dois dias desde que Pedro havia enviado o patrono para seus amigos. Desde então, passava muito tempo olhando para qualquer janela que estivesse por perto, esperando ver um vulto prateado voando em sua direção. Por muitas vezes era chamado de volta à realidade por Gillian ou por Sophia.


—Pedro! —Chamou Gillian mais uma vez, batendo de leve na mesa. O garoto sobressaltou-se de leve, virando o olhar em sua direção.


—Ahm? Oi, o que foi? —Perguntou, sacudindo a cabeça negativamente.


—O que tanto olha pela janela? —Perguntou a garota, com um ar de curiosidade, dobrando o jornal de qualquer jeito. —Não tenho vizinhas gostosas para você ficar bisbilhotando.


—Não é isso. —Disse o garoto, com um ar meio impaciente. —Só...estou pensando.


Gillian continuou a olhar-lo desconfiada. Sabia que ela não acreditava naquilo. Foi salvo de um interrogatório pelo som da porta se abrindo. Uma mulher loira, de seus cinqüenta anos, queixo proeminente e duro e olhos bastante verdes entrou na casa. Tirou a echarpe do pescoço e colocou-a de qualquer jeito nos ganchos atrás da porta, antes de ir na direção deles.


—Nada...nenhuma novidade. —Disse, retirando a varinha do bolso. Foi fazendo alguns movimentos com a varinha, enquanto seus cabelos escureciam.


—Não esperava que houvesse. —Murmurou Pedro, abaixando um pouco as sobrancelhas, enquanto via a mulher loira, lentamente, transformar-se em sua prima.


—Encontrei isso. —Disse Sophia, soltando os cabelos presos, antes de retirar dois folhetos do bolso do sobretudo puído e velho que usava. Jogou-os sobre a mesa, antes de sentar-se de qualquer jeito no sofá ao lado.


Pedro olhou para Gillian por um instante, com as sobrancelhas erguidas, antes de pegar o folheto de cima. Era a foto de rosto de um garoto magricelo, de cabelos negros e despenteados e olhos verdes, emoldurados por óculos redondos. Em letras garrafais, informava tratar-se do “INDESEJAVEL Nº1”. Encarou por um instante o rosto de Harry Potter à sua frente, antes de largar o folheto no meio da mesa.


—É... previsível. —Disse Pedro, erguendo o olhar na direção de Gillian. —E o seu? O que diz?


—É...horrível. —Disse a garota, levando uma mão até os lábios, enquanto lia o panfleto. —Eles...estão dizendo que os nascidos trouxas roubam a magia dos bruxos. Ensinam a...reconhecer-los e...recomendam...atacar-los!


—Vold... —Parou ao ouvir Gillian e a prima gemerem baixinho. —Ok, ok...Você-sabe-quem nunca escondeu o ‘amor’ que sente pelos nascidos trouxas. —Disse Pedro, voltando a olhar pela janela. —E parece que ele não está medindo esforços para demonstrar isso.


Gillian e Sophia concordaram com murmúrios resignados. A morena anunciou que ia tomar banho e encaminhou-se para o corredor. Gillian recolheu os pratos e restos do café-da-manhã de cima da mesa, levando para a cozinha. Pedro permaneceu sentado, uma mão sobre o ferimento estrunchado. A dor já havia passado, mas ainda sentia a perna como se tivesse passado muito tempo no gesso. Olhou mais uma vez para a janela e deixou seu olhar perder-se na névoa que se formava sobre a cidade.


Um vulto prateado passou voando por um grupo de pombos e aterrissou no telhado do prédio à frente. Pedro franziu a testa, observando a forma difusa que se mesclava com o branco perolado do sol em contato com a névoa. Sacou a varinha do bolso da calça e mancou na direção da janela.


O grande animal saltou em sua direção. Deu um passo apressado para trás, na tentativa de desviar, mas ele simplesmente atravessou-o. Virou-se rapidamente para encarar um poderoso tigre que agora sentava-se à sua frente, balançando a cauda lentamente, parecendo mais um gato que cresceu de mais. Ficaram se encarando mutuamente, antes que o animal escancarasse a boca, mas, ao invés do rugido, foi uma voz familiar que saiu.


Chalé de Upper Flagey


E dissolveu-se no ar. Pedro ficou por um instante parado, observando a fumaça prateada que sumia lentamente, esperando que houvesse mais alguma coisa a ser dita. O som de passos rápidos chamou sua atenção. Gillian chegava aos tropeços, segurando a varinha, parecendo atrapalhada.


—O que foi isso?! —Perguntou afobada, quase escorregando, apoiando-se na parede, mantendo a varinha firme em outra mão.


—Um amigo. —Murmurou Pedro, olhando para os lados, como se ainda esperasse mais alguma mensagem. Por fim, quando se convenceu de que era apenas aquilo, levantou-se de um pulo. —Tem pó de flu aqui?


—Aaahm...tem...na gaveta da...estante... —Disse a garota, parecendo ligeiramente confusa. —Você não...está pensando em...a rede de flu está sendo vigiada!


—Eu sei... —Disse Pedro, meio vagamente, abrindo a gaveta e puxando um saquinho de pano de dentro. Soltou a cordinha e derramou um punhado na palma da mão.


Gillian ficou parada no mesmo local, abrindo e fechando a boca, com uma expressão de incredulidade. Pedro abaixou-se de frente para a lareira, fazendo um movimento rápido com a mão livre. Chamas bem laranjas surgiram automaticamente. Respirou fundo, jogou o pó dentro, fazendo as chamas mudarem para um verde esmeralda. Prendeu a respiração e enfiou a cabeça em meio às chamas.


Chalé de Upper Flagey... —Disse em meio as cinzas que rodavam ao seu redor.


Fechou os olhos e tentou ignorar a sensação nauseante da viagem via Flu. Quando tudo parou de rodar ao seu redor, voltou a abrir os olhos. Encarava agora uma saleta singela de um chalé. Dois pares de pernas estavam sentadas à mesa, parecendo conversar.


—...com meus próprios olhos, Chap... —Disse a voz de William, com um ar pesaroso. — Preferia que não.


—Pedro vai adorar isso. —Riu o ruivo, com um ar meio sarcástico.


—O que eu ia adorar saber? —Perguntou o garoto, singelamente.


As pernas afastaram-se rapidamente da mesa, derrubando uma das cadeiras no chão. Ouviu passos apressados e logo o rosto de Chapolim materializou-se à sua frente.


—Pedro!


Mas antes que pudesse falar qualquer coisa, William apareceu, empurrando o ruivo para o lado. A varinha saltou do mecanismo em seu pulso, parando em sua mão rapidamente, apontando para dentro da lareira. Pedro olhou para a varinha do primo por um instante, antes de soltar um suspiro pesado.


—Meu nome é Pedro Jude Ravenclaw, estudante de Hogwarts, da casa Corvinal. Meu patrono assume a forma de uma águia.


Por um instante, Pedro encarou demoradamente o primo. Nunca sabia se seus olhos esboçavam desconfiança ou não. Sempre oculto por óculos escuros. Seus cabelos estavam bem maiores e uma barba por fazer escurecia seu queixo. Por fim, o garoto abaixou a varinha, abrindo espaço para o ruivo aproximar-se também.


—Essa lareira é segura? —Perguntou Pedro, olhando ao redor.


—É. Ligação clandestina. Mas é bom não dar nenhuma informação a mais. Nada mais em nosso mundo é totalmente seguro.


—É, eu sei. —Disse Pedro, meio resignado. —Como estão as coisas?


—Estamos bem. Conseguimos tirar todos e trazer pra cá o mais rápido possível. —Disse Chap, sentando-se no chão, de frente para a lareira.


—A Mansão Gryffindor não era protegida pelo feitiço Fidelis? E sua casa também, Will.—Perguntou Pedro, franzindo a testa de leve.


Pedro viu quando o primo e Chapolim trocaram um olhar tenso. Franziu a testa, sentindo que havia algo de errado ali. Por fim, Chapolim soltou um suspiro demorado, voltando a falar.


—O Lucius...ele passou para o lado dele... —Disse o ruivo, evitando o olhar do amigo. —Ele havia estado na casa da Amanda...e na do Will...conhecia o segredo. Seria perigoso continuar lá. Então, viemos para cá.


—Bem típico. —Disse Pedro, parecendo bastante calmo. —Mas como sabem disso?


—Onde tem estado nas ultimas duas semanas? —Perguntou Will, franzindo a testa para o primo. Pedro franziu a testa de volta, sem entender. —Lucius apareceu ao lado de Pio Thicknesse no Profeta Diário, assim que ele assumiu o Ministério.


—Não sei porque a surpresa. —Disse Pedro, virando o rosto. Havia um brilho de ressentimento em seus olhos. —E a Liv? Alguém tem tido noticias dela?


—Não temos noticias dela desde que nos separamos no trem. —Disse Chap, sentando-se no chão, em perna-de-índio. —E você?


—Falei com ela na lareira antes de sair da mansão da família. —Disse Pedro, voltando a olhar para eles. —Mas ela não me deu muitas informações.


—Bem típico da Liv. —Disse William, ainda ajoelhado. —Onde está agora?


—Não posso dizer. —Disse Pedro, olhando ao redor, como se esperasse ver algo. —Não é seguro para ninguém. Agora eu preciso ir. Se cuidem.


—Pedro! — Gritou William, antes que o primo puxasse a cabeça de volta para o apartamento de Gillian. — Tome cuidado. Estamos sendo procurados.


— É...eu sei... —Disse Pedro, lançando um ultimo olhar aos dois amigos antes de afastar-se.


Tudo voltou a rodopiar. Por um instante, vislumbrou as diversas lareiras ligadas à rede de flu. Algo parecia precipitar-se por elas e imaginou que fossem pessoas se transportando.


Não demorou muito até perceber que eram mãos. Tateavam todos os cantos, como se buscassem por algo, fechando-se no ar, como se houvesse pego algo. Uma mão tocou seu rosto por breves segundos, mas virou-o rapidamente. Viu o vulto fantasmagórico da mão parado um instante antes de começar a deslocar-se rapidamente em sua direção. Agarrou com força o console da lareira do apartamento de Gillian, tentando tirar sua cabeça mais rapidamente.


—Argh! —Exclamou assim que viu-se mais uma vez diante do console da lareira de Gillians. Puxou a varinha rapidamente e apontou para as chamas. —Signun Obduco!


As chamas passaram do verde para o laranja novamente e aumentaram assustadoramente antes de, subitamente, sumirem. Pedro ficou um instante sentado, no chão, a respiração rápida e o olhar atônito, antes de desabar de costas, os braços abertos. Gillian olhava curiosa para ele e, só então notou, sua prima também o observava com um ar de confusão.


—O que aconteceu? —Perguntou Sophia, lançando um breve olhar para Pedro e logo em seguida para a lareira.


—Esse maluco usou a rede de flu! —Exclamou Gillian, apontando para o amigo, com os olhos ligeiramente arregalados.


—Eu precisava falar com uns amigos. —Disse Pedro, apoiando as mãos no chão para se levantar. —Precisava de informações.


—E, pelo jeito, quase foi pego. —Disse Gillian, estreitando o olhar na direção do amigo. —Pensei que tinha ficado claro que agora há centenas de funcionários do Ministério apalpando as lareiras indiscriminadamente.


—É...eu esqueci. —Disse Pedro com certo sarcasmo. Apoiou as mãos no chão e ergueu-se. Sentiu um pouco de dor na perna antes de apoiar-se, voltando a olhar para elas. —Estão todos bem.


As duas continuaram olhando para ele por um instante antes de, com suspiros idênticos, darem as costas e voltarem à seus afazeres. Ficou um instante parado, repassando mentalmente as noticias que havia ouvido de seus amigos, antes de cambalear até um sofá. Por mera distração, puxou a varinha de carvalho e corda de coração de dragão do bolso, girando-a entre os dedos.


 


 


 


—O senhor me chamou? —Perguntou o garoto, enquanto abria uma fresta da porta, pondo a cabeça para dentro.


—Ah, sim, sim. —Disse Dumbledore. Estava virado de costas, contemplando os terrenos do castelo através da janela. —Entre Sr. Ravenclaw. Sente-se.


Pedro murmurou um “certo”, antes de fechar a porta atrás de si. Caminhou lentamente até a cadeira em frente a escrivaninha e sentou-se, observando o diretor que parecia perdido em pensamentos.


—Essa visão é linda, não acha, Sr. Ravenclaw? —Perguntou gentilmente o velho diretor, ainda contemplando a vista.


—Ahm...claro, diretor. —Disse Pedro, visivelmente incomodado. Ajeitou-se na cadeira, parecendo medir as palavras antes de falar. —Mas...não acho que me chamou aqui para comentar a paisagem.


—Não...obvio que não. —Disse Dumbledore, virando-se para ele, com um sorriso distante. Nunca vira o diretor tão envelhecido como naquele momento.


Dumbledore sentou-se à mesa, diante do garoto e entrelaçou os dedos à frente do rosto. Por um instante, pareceu contemplar o anel em seu dedo, na mão enegrecida. Então, voltou a falar, numa voz suave e baixa.


—Eu sei o que pretende. —Disse Dumbledore, erguendo o olhar para o garoto.


—Ahm... —Pedro franziu a testa de leve, aparentemente confuso. —e do que estamos falando, diretor?


—Pedro... —Disse Dumbledore. O garoto franziu ainda mais a testa. Era a primeira vez em seis anos que o diretor o chamava pelo primeiro nome. —nada disso vai te trazer conforto, alivio...ou eles de volta.


—Ah... —Disse Pedro, a compreensão subitamente espalhando-se por seu rosto. Desviou o olhar do diretor e fitou demoradamente o retrato de um dos diretores, antes de murmurar. —se estamos falando do que acho que estamos falando...e, sim, eu tenho certeza de que estamos falando do que eu acho que estamos falando...isso só interessa a mim.


—Você me lembra muito seu pai. —Disse Dumbledore, com um sorriso saudoso no rosto, ainda encarando o garoto. —Obstinado. Sempre. Quando queria algo, não desistia nunca.


—Que bom que tem boas lembranças dele, diretor. —Disse Pedro, voltando a encarar Dumbledore. —Eu vou atrás de quem acabou com todas elas.


—Boas lembranças nunca se acabam. —Disse Dumbledore, contemplando o aluno por cima de seus oclinhos de meia-lua. —Já uma alma partida, nunca se regenera.


—Era...só isso? —Perguntou Pedro, voltando a encarar os próprios joelhos, sentindo as mãos meio tremulas.


O silêncio caiu sobre eles. Durante longos minutos, Dumbledore ficou encarando o aluno, enquanto este preferia encarar o tapete à seus pés. Por fim, com um suspiro demorado, o velho diretor voltou a falar.


—Você já não é mais o garotinho perdido no meio de Londres para quem eu posso indicar o caminho certo. —Disse o diretor, vencido. —Pode ir, Sr. Ravenclaw. Logo o Sr. Potter estará chegando.


Pedro ergueu o olhar e ficou olhando para o diretor. Sentiu um estranho aperto no peito ao olhar para aquela feição tão envelhecida. Havia algo tem Dumbledore...algo em seu olhar...


—O senhor teve tanto tempo para tentar me dissuadir. —Disse Pedro, mantendo-se sentado. —Por que só agora...?


—Creio...que o senhor descobrirá por si, Sr. Ravenclaw. —Disse Dumbledore, com um sorriso bondoso de sempre. —Agora, vá.


Por um longo instante, Pedro seguiu olhando as feições do diretor. Então, derrotado e sabendo que não conseguiria mais nenhuma informação dele, levantou-se e caminhou na direção da porta. Ficou um instante com a mão na maçaneta, antes de olhar para o lado.


—Fawkes está lindo. A ultima vez que o vi, estava prestes a queimar. —Murmurou casualmente. Dumbledore não lhe respondeu. Com um ultimo suspiro, abriu a porta e deixou o gabinete do diretor.


 


 


 


O som de buzina do lado de fora chamou sua atenção de volta ao mundo dos viventes. Sacudindo a cabeça como se espantasse um enxame e abelhas, o garoto retornou a realidade.


Será que Dumbledore já sabia, naquela tarde, que iria morrer? As vezes o velho diretor dava impressão de saber de mais sobre tudo. Será que até disso ele tinha consciência?


Mas, se sabia, por que não fizera nada para impedir? Será que estava simplesmente velho e cansado e queria desistir de tudo, deixando para eles o fardo de enfrentar uma guerra mágica, sem nenhum tipo de amparo ou esperança? Ou confiava cegamente no Potter, a ponto de achar que um garoto de dezessete anos seria capaz de resolver tudo sozinho? Com um suspiro longo e demorado, parou a varinha bruscamente durante um giro e brandiu-a com violência sem direção. O folheto que Sophia havia pego na rua deu uma cambalhota no ar e caiu suavemente no chão, à seus pés. Ficou encarando por um instante os emblemas de caráter oficial do Ministério, antes de levantar-se, mancando na direção do quarto.


 


 


 


Agosto foi passando lentamente, sem que houvessem grandes novidades. Pouco saiam de casa e, quando saiam, tinham que ter cuidado de estarem completamente disfarçados. Nenhuma coruja entrava ou saia da casa e a lareira não foi usada uma segunda vez. Até mesmo o Profeta Diário que conseguiam era roubado ou disfarçado.


O primeiro dia de setembro chegou com um ar frio e cortante e o céu nublado. A névoa não cedera em momento algum, devido a presença dos dementadores, mas, com a eminente chegada do outono, as pessoas começavam a relevar aquilo.


A porta do apartamento abriu e fechou rapidamente. Quando o homem loiro de sobretudo negro, bem fechado ao corpo, de queixo quadrado e proeminente entrou na sala, Sophia e Gillian rapidamente levantaram, puxando suas varinhas. O homem ergueu as mãos em sinal de rendição.


—Meu nome é Pedro Jude Ravenclaw, era aluno da Corvinal até o período letivo passado, quando decidi sair da escola. Meu patrono é uma águia, assim como minha forma animaga.


As duas continuaram apontando as varinhas para ele, antes de trocarem um breve olhar. Abaixaram-nas ainda cautelosas, olhando desconfiadas para o homem.


—Você estava ruivo quando saiu. —Disse Sophia, sentando-se novamente, mas mantendo a varinha na mão.


—Um Comensal me reconheceu e começou a me seguir. Despistei ele, mas tive que mudar o disfarce. —Disse Pedro, sacando a varinha, enquanto fazia seu rosto e seus cabelos voltarem ao normal. —Aparentemente não se pode matar um Comensal da Morte sem ser perseguido.


—E só agora você percebe isso. —Resmungou Gillian, sentando-se na cadeira, um pouco chateada.


—Temos novidades. — Disse Pedro, tirando um exemplar do Profeta Diário do bolso de dentro do sobretudo. Sacudiu-o no ar para abrir-lo melhor, antes de entregar para Sophia.


Gillian levantou-se de sua cadeira e juntou-se à Sophia para ler. Pedro soltou o sobretudo e largou-o sobre uma cadeira, antes de voltar a olhar para as duas. A medida que liam, as sobrancelhas das duas iam se erguendo em direção à seus cabelos. Por fim, com idênticos “ah”s indignados, elas voltaram a olhar para ele, com a boca meio aberta.


—Não pode ser verdade! —Exclamou Gillian, com um ar contrariado. —Eles..eles não podem fazer isso!


—Já fizeram. —Disse Pedro, com um ar tão contrariado quanto o da amiga.


—Snape...diretor. —Disse Sophia, voltando a olhar o jornal, como se esperasse que a noticia simplesmente desaparecesse. —Isso é...terrivel.


—E dois Comensais da Morte como professores. —Disse Pedro, sentando-se numa cadeira de frente para elas. —Voldem... —e parou de falar assim que ouviu o gemido dolorido das duas. —Você-sabe-quem conseguiu o que queria. Tem todo o controle sobre Hogwarts agora.


O silêncio das duas foi mais doloroso do que se elas tivessem concordado. Pedro abaixou a cabeça e ficou olhando para o chão por um instante. Parecia que pensava em algo. Movia os lábios como se procurasse palavras. Por fim, quando achou que o silêncio já estava pesado de mais, ergueu a cabeça para olhar-las, fitando as duas demoradamente.


—Sabem que dia é hoje?


—1º de Setembro, não? —Disse Sophia, com um ar confuso, olhando para o primo sem entender. —Por que?


—E o que faríamos hoje? —Perguntou Pedro, erguendo mais as sobrancelhas.


—Hoje...é o dia em que...pegaríamos o trem para Hogwarts. —Respondeu Gillian, meio incerta. —Você não está pensando em voltar para Hogwarts, não é?


—Não, não estou. —Disse Pedro, apressadamente. —Mas hoje é o dia de retornar. Você-sabe-quem vai querer assegurar que todos os alunos embarquem. Então ele vai colocar Comensais da Morte para garantir que saia tudo como ele quer.


—E você quer ir lá? —Perguntou Gillian, enquanto Pedro acenava a cabeça afirmativamente. A garota olhou para o amigo por um instante, antes de soltar um suspiro cansado. —Sabe, acho que você não estrunchou só a perna. Deve ter estrunchado o cérebro também. Ou ao menos o bom senso. Cara! Você acabou de dizer que está sendo procurado por ter matado um Comensal e quer se meter num lugar onde, provavelmente, tem um monte deles?!


—Vocês não entendem?! —Perguntou Pedro, meio desesperado. —Se vão ter Comensais da Morte lá, é possível que Rodolphus Lestrange esteja lá. Duvido muito que ele mande a Bellatrix, mas o Rodolphus não é tão importante.


Ergueu o olhar mais uma vez para as duas, buscando algum apoio. Gillian continuava a olhar-lo como se ele estivesse louco e Sophia encarava o chão, evitando o olhar do primo. Por fim, sentindo-se incrivelmente frustrado, o garoto deu as costas.


—Ótimo. Vocês não precisam vir. Mas eu preciso ir logo. —E olhou para o relógio na parede. —O Expresso vai partir em uma hora.


E, sem esperar nenhuma resposta, caminhou em passos duros na direção do quarto.


 

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