Prólogo

     Olhei para os lados e não vi ninguém. Estava andando por uma viela escura e, àquelas horas da noite, a única coisa de que tinha consciência era do perigo que espreitava as sombras. Meu coração palpitava tão vorazmente que parecia desejar saltar pela minha boca e correr tão mais rápido que eu para longe, muito longe. Eu ouvia o som do gotejar da calha do prédio vizinho e sentia o cheiro de ocre, um odor ruim e pútrido, que invadia minhas narinas sem pedir permissão. Minha visão humana e fraca mal enxergava além de cem metros, no entanto conhecia aquelas ruas tão bem que mal precisava de claridade.

 

     Havia casas tranqüilas e silenciosas ali, cuja maioria circundada por mato alto e jardins porcamente cuidados resvalavam suas sombras monstruosas pela rua estreita. As outras moradias, armazéns abandonados e um ferro velho fechado, imergiam-se em silêncio e devassidão. Quem dera eu sumir de lá...

 

     Um único poste iluminava o final da rua; De luz frágil e sibilante, por onde pequenos mosquitos ziguezagueavam ainda atraídos por ele.

 

     Segurei o que carregava no bolso como se valesse minha vida. Um dia eu não tive nada, mas hoje... Hoje eu tinha tudo e não ia deixar que ninguém tirasse isso de mim. As estrelas diversificadas no céu sabiam disso, pois me vigiava desde o início minha saga.

 

     - Lá está ele! – Gritou alguém ao longe.

 

     Diferente do que qualquer pessoa normal que estava sendo perseguida, eu comecei a rir. Ri com vontade enquanto apressava meu passo. Olhei por sobre o ombro em seguida, voltando para a realidade. Arregalei os olhos ao ver os dois homens que surgiam na esquina pontuda e guardada por um capinzal alto. Cada qual carregava três cães imensos e negros em suas coleiras de couro. Eram animais ferinos e grotescos, cuja estatura chegava na altura da cintura de seus donos.

 

      “Cães de Sombra, segundo o livro.” Pensei ao notar que tais cães não tinham pêlo nem forma, eram apenas criaturas devassas feitas por porções enormes de escuridão. Seus olhos azuis brilhavam como faróis, agitando-se no ar e aguardando pela ordem de liberação. Suas bocas grandes dançavam no ar expondo os dentes negros e a língua que saltava para fora, de canto.

 

     - Peguem-no. – Ordenou um dos perseguidores ao largar as correntes.

 

     Os animais empinaram seus narizes e partiram em minha direção. Tudo o que eu precisava era força... Só mais um pouco. Não importava o que acontecesse no final. Saltei o cercado do casebre vizinho e senti o chão desaparecer abaixo de mim; Não, ele não desaparecera, só estava mais embaixo. Estatelei-me dentro do valão aberto e tentei ficar de pé, mas minha perna havia quebrado. A dor rapidamente me possuiu, mas tive certeza de que aquele seria só o início.

 

     De longe, pude ouvir os grasnidos das feras de sombras. Deus! Ninguém sabe como é ser perseguido por aquilo. Segurei minha perna ferida com uma das mãos e a outra, meu embrulho precioso no bolso do casaco. Ao redor de mim vi apenas terra e canos saltando para fora do barro, como mãos de um monstro sedento por carne humana. Minha carne.

 

     Vi a primeira das sombras caninas saltando para dentro do buraco; Que azar o meu.

 

 

 

 

 

Às vezes acordar e olhar o que há ao redor não é suficiente. Percebi isso muito cedo, quando não tinha nem dez anos de idade. Você simplesmente acorda, brinca, estuda, realiza suas atividades de necessidade básica e acaba se acomodando. Às vezes eu queria apenas sumir... Às vezes eu queria apenas morrer e nascer de novo, ter uma nova chance de provar para os outros o meu valor. O que eu tenho de especial? Nada. Meu nome é Oliver, Dopping Oliver. E essa é minha história que contarei desde o início.

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