Vendo sem enxergar



Capítulo 16: Vendo sem enxergar


Othelo acordou em uma cama confortável, mesmo sem poder ver podia perceber que estava em uma casa boa e de família rica, tateou até a porta, mas no meio do caminho tropeçou em um banco pesado de madeira e caiu provocando um barulho surdo.


Ele ouviu passos leves e sentiu um braço delicado ajudando-o a se levantar e depois passando um pano de fibra delicada em seu rosto, aparentemente umedecido.


- O senhor não pode sair tateando assim nessa condição! – repreendeu a voz com tranqüilidade e carinho, os quais o vidente não estava acostumado.


Ele queria enxergar, mas já estava tão acostumado a depender do tato e da audição para tudo que simplesmente perguntou com uma voz ressequida, como se tivesse sido esquecida a muito tempo:


-Posso tocar no seu rosto moça?


-Pode... – respondeu Sarah com um quê de desconfiança.


O homem levou as suas mãos secas ao rosto dela e tateou com cuidado os contornos, percebeu que se tratava de uma moça jovem, rapidamente teve um vislumbre de uma garota assumindo uma responsabilidade pela qual achava que havia se livrado há anos, ela estava sentada em uma enorme cadeira com alguns detalhes entalhados que ele não pode ver claramente, em sua cabeça estava um diadema, mas de alguma forma ele sabia que era apenas um réplica, ela tinha olhos tristes...


- Olá Senhor! – uma outra senhora entrou no quarto e ele pode perceber que ela era mais velha que a moça, mais madura e concentrada também, pelo modo que a jovem se afastou percebeu que a senhora que entrou no quarto deveria ser sua parente.


-Olá – respondeu Othelo intimidado pela presença da mulher.


- O meu nome é Rowena, creio que o seu é Othelo, estou certa? – perguntou de forma simples e direta, esbanjando de calma e de cuidado ao pronunciar cada palavra.


-Sim... – ele arqueava uma sobrancelha com a pergunta formando-se em sua cabeça – a senhora é o quê? Outra pessoa que é possuída pelos demônios?


Rowena respirou fundo e após alguns segundos respondeu com uma traquilidade invejável, sentando-se na cama ao lado do cego.


-Senhor Othelo, não sei o que lhe disseram, mas esse dom que possui não é algo vindo do inferno, ou do céu, é algo que vem do seu sangue, é de família. O senhor não foi criado pelos seus pais?


A pergunta pareceu doer como um ferro em brasa no senhor que pareceu se contrair com as palavras que a fundadora disse, não sabia o que eram pais, fora criado em um orfanato religioso onde os padres e monsenhores o deixaram cego aos sete anos, dizendo que era necessário para que ele expulsasse aquele demônio que havia dentro dele; seus poderes se manifestaram como um turbilhão de imagens e algo com um ataque epilético, depois ele confessou a um padre os acontecimentos que iam se dar no próximo mês com detalhes e a descrição que ele fez bateu perfeitamente com o ocorrido; a partir de então passaram a vê-lo como um monstro, um amaldiçoado, decidiram cegá-lo e a lembrança do ácido caindo em seus olhos ainda era vívida e causava dores que ele jamais iria esquecer, os anos se passaram e ele aprendeu a controlar suas visões e a usá-las para poder enxergar o que não via com os olhos brancos.


Rowena viu suas lembranças com uma nitidez assombrosa e ficou pasma com a crueldade cometida contra aquele vidente, era de fato impressionante que ele tivesse vivido tanto em tais condições e principalmente que tenha chegado tão longe ao ponto de dominar a habilidade sem ajuda alguma.


Othelo queria ver aquela senhora que soava tão segura e cheia de si, pediu em um murmuro baixo apenas para segurar sua mão, ele havia se acostumado a prever o futuro das pessoas pelo tato uma vez que já não contava com a visão.


Uma senhora loira e robusta estava deitada, com uma expressão abatida em seus olhos fundos e apagados; a garota mais moça que ele havia visto a minutos trazia algumas toalhas molhadas e passava suavemente pelo rosto de Rowena:


-Não se preocupe mãe, eles vão encontrá-lo...


-Não é com o diadema que me preocupo! – respondeu a mulher com um tom cansado.


-Você se preocupa com a traidora... – comentou Sarah com nojo das palavras.


Helena entrou no quarto e o senhor não pode mais ter acesso a visão, mas percebeu que ela e a outra moça, a Sarah trocaram algumas palavras rápidas e então Helena saiu deixando sua mãe e irmã com um vidente confuso e aturdido com o que acabara de ver.


***


-Moça, a senhorita está linda! – falou a costureira de uma maneira calma ajeitando um alfinete no vestido branco que Helena usava.


Era um vestido bem trabalhado, mas sem ser esnobe demais, branco, longo, e rendado na parte de cima, não tinha decote algum e vestia perfeitamente no corpo da moça, o véu não era extremamente longo, mas tinha uns 3 metros a partir da cabeça e devia pesar muito, Sarah ajudava a irmã a provar a roupa e aconselhava a costureira vez por outra.


Arthur entrou no quarto e ficou encostado na porta admirando Helena naquela linda roupa branca, pelo espelho a frente da moça via-se o sorriso em seu rosto, enquanto ela rodopiava com o vestido parecendo uma criança, Sarah também se divertia com a irmã, e Arthur não fazia questõ de ficar ali apenas parado, observando sua noiva e cunhada se divertindo com um vestido de casamento.


-Arthur! – Sarah falou reclamando com ele – o noivo não pode ver a noiva em seu vestido antes do casamento! Dá azar! – seu tom era divertido, mas havia o mesmo quê de autoridade que Rowena normalmente tinha.


-Bobagens... – murmurou o grifinoro ainda tentando espiar Helena vestida em seu vestido de noiva.


-Não, senhor...! Não me faça lançar uma maldição em você as vesperas do casamento! Saia logo daqui!


Contrariado Arthur deu o braço a torcer e saiu ainda com a lembrança de Helena rodopiando no vestido branco.

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