Capítulo V




Capítulo V



A Bond Street ficava a apenas dois quarteirões de Grosvenor Square, e, como o dia estava bonito, Draco sugeriu que caminhassem. Hermione concordou, mas quando ele lhe ofereceu o braço, recusou. Assim, andaram até lá sem se tocar. Dois empregados os seguiam a distância para carregar os eventuais pacotes.


Quando chegaram ela parou indecisa.


— O que você quer comprar, Draco?


— Não tenho a menor idéia. Este é seu território, não meu. As únicas lojas que freqüento são as de calçados e as livrarias. Vez ou outra, o alfaiate. — Fez um gesto largo. — Vá na frente.


Hermione olhou ao redor.


— Talvez a BelFs seja um bom lugar para começar.


— Bell's?


— Sim. Eles vendem cortinas. Ouvi dizer que a BelFs recebeu alguns veludos bem bonitos, e você irá precisar de cortinas novas em vários quartos. Embora, talvez, decida pintá-los primeiro. — Colocou o dedo na boca, hesitando. — Veremos.


De repente, Draco riu.


—Lembra-se de quando você começou a redecorar Malfoy Park? Pintou o quarto principal de vermelho e odiou assim que ficou pronto. Mas eu gostei e queria conservá-lo. Que briga tivemos por causa disso!


— E você ganhou.


Pararam diante do estabelecimento.


— Interessante como eu sempre cedia à sua vontade naquele tempo.


Ele a seguiu ao interior da loja lotada.


— Ah, eram necessários muitos beijos para convencê-la a ficar do meu lado... E essa era a melhor parte.


— Acho que você deveria parar de falar nessas coisas.


Hermione corou de novo, encantando Draco.


Seguiram até o balcão comprido, em que estavam empilhadas diversas peças de veludo.


— Incomoda você quando menciono como costumávamos nos beijar e fazer as pazes? — Draco sussurrou, de modo que ninguém ao redor pudesse ouvir.


Ela o encarou, exasperada.


— Precisa mesmo andar atrás de mim como uma sombra?


— Creio que não vai responder, não é? Sabe que está parecendo um porco-espinho, hoje?


— Tenho cinco boas razões para isso, milorde. Não; seis, se contarmos Elsie.


Draco avistou uma peça de veludo verde-musgo, a preferida dela.


— O que acha desta?


Hermione inclinou a cabeça, examinando.


— Talvez ficasse bem em sua biblioteca. Com as paredes manteiga e todos aqueles livros com capa de couro, ficaria atraente. O que acha?


— Você gosta?


Hermione olhou para os tecidos espalhados no balcão.


— Isso não faz diferença.


— Para mim, sim, Hermione. Ela nada disse.


— Você gosta? — ele repetiu.


Hermione mudou o peso de um pé para o outro, respirou fundo e o fitou.


— Sim, sim, eu gosto. Satisfeito, agora?


Uma pequena concessão, mas ele a aceitaria. Sorriu.


—  Que bom! Por isso o escolhi.


— Como poderia saber que eu ia gostar?


— Lembrei-me de que você sempre adorou verde-musgo. Ponto para mim.


— Não é preciso ficar tão feliz consigo mesmo. Percorreram todo o balcão conversando com formalidade


dali em diante, como se ele a tivesse contratado para decorar sua residência. Draco queria um sorriso, uma gargalhada, um beijo. Fazia tudo para agradá-la.


De repente, algo lhe ocorreu, e pegou um retalho de uma cor que ela detestava.


— Não quero mais verde-musgo em minha biblioteca. Prefiro este aqui.


Hermione o encarou como se ele tivesse perdido o juízo.


— O quê?!


Draco ficou o mais sério que pôde.


— Prefiro este ao verde.


— Mas é cor de laranja! — afirmou, horrorizada.


Ele olhava para o tecido, fingindo estudá-lo, fingindo-se de inocente.


— Gosto de laranja. O que há de errado nisso?


— Eu odeio! É uma cor medonha!


— Mas, querida, eu gosto. — Ela se descontrolou.


— Nossa biblioteca não terá nada cor de laranja!


— Finalmente! — Draco atirou a peça de tecido para o ar, atraindo a atenção das senhoras — Até que enfim uma vitória!


Hermione pareceu desconcertada.


— Do que está falando?


Ele sorriu, sem importar-se que todas as damas de Mayfair reparava neles.


— Você disse "nossa biblioteca". Ela olhou para o lado, sem-graça.


— Não fiz isso.


— Fez, sim, e não pode apagar as palavras.


— Foi um truque, não é, Malfoy? Você não gosta de laranja.


— Claro que não. No entanto, isso não altera o fato de que você a chamou de nossa biblioteca. Sabe o que significa? Mais um ponto para mim!


— Como assim?


— Se eu conseguir muitos pontos, eu venço.


— Então trata-se de um outro jogo?


— Não, é o mesmo jogo, e o nome dele é Conquistando Hermione.


Apesar dos esforços, um sorriso veio brincar no rosto dela.


— Quer dizer que, além de ser a adversária, também sou o prêmio?


— Exato! Quantos pontos terei de marcar para vencer? Ela emitiu um som que poderia bem ser uma risada, mas baixou a cabeça e continuou a examinar os panos. — Quantos, Hermione?


— Muitos milhares.


— Não é justo. Estabeleça um limite.


— Está bem. Que tal dezoito mil, setecentos e quarenta e dois?


— Só isso? Muito fácil para mim. E significa que ganhei um outro ponto.


Ela ergueu o rosto.


— Por quê?


— Porque, se me odiasse como diz, teria dito um milhão de pontos, pelo menos.


— Você é insuportável! — Hermione pegou uma peça bege com estampa de folhas verdes. — Que tal este para sua sala de música?


— Melhor este aqui. — Draco mostrou um veludo cor de lavanda e, de novo, tentou ficar sério, mas não conseguiu.


Hermione esboçou um sorriso largo.


— Lavanda, Draco? Certamente não para a sala de música, mas poderíamos usá-lo em seus aposentos particulares.


Draco colocou o tecido no balcão, aproximou-se de Hermione e, falando bem baixo, completou:


— Isso a traria para perto de mim?.


— Não.


— Então, esqueça. Estava disposto a fazer o sacrifício, mas vejo que seria em vão. Creio que só serviria para uma coisa.


— Para quê?


— Um casaco para sir George.


Foi impossível para Hermione reprimir a gargalhada, e ela esqueceu, por um segundo, que deveria odiá-lo.


De repente, o humor desapareceu de seu semblante, dando a impressão de que o sol se punha em pleno dia. Ele se virou para ver o motivo de tamanha mudança.


Uma linda mulher de cabelos loiros, com um vestido cereja, se inclinava no balcão no centro da loja, rindo e conversando com outra senhora. Ela captou seu olhar e fez um aceno de reconhecimento. Draco respondeu ao cumprimento e desviou o olhar de lady Darwin.


Havia muito tempo não encontrava a baronesa. Talvez mais de dois anos. Ela parecia estar bem, e Draco ficou feliz com isso.


Draco se virou a tempo de ver Hermione desaparecer pela porta da Bell's. Sentiu um frio no estômago, temendo que qualquer pequeno progresso que pudesse ter feito na reconquista de sua esposa tivesse se transformado em cinzas.


Draco tentou sair da loja atrás de sua esposa, mas, assim que deu a volta no balcão, duas senhoras carregadas de pacotes, paradas à soleira, tentavam decidir quem deveria passar primeiro. Draco teve de esperar uma eternidade até conseguir alcançar a calçada.


E foi bem a tempo de ver Hermione virando a esquina da Brook Street, caminhando o mais rápido que podia.


— Hermione, espere! — Correu atrás dela, chamando seu nome, esquecido dos olhares dos transeuntes.


Não dava a mínima para o fato de estar em Mayfair, a bem comportada e comedida Mayfair, onde ninguém gritava, ninguém corria.


Alcançou Hermione perto da Davies Street.


— Aonde vai?


— Para casa.


Ele a pegou pelo braço.


— A mansão de Grosvenor Square não é sua casa.


— Agora é. — Ela se livrou do toque indesejado. — E continuará a ser, se depender de mim.


— Não podemos falar sobre isso?


— Quer conversar, em vez de fugir? Já é uma mudança. Mas, não. Não quero falar, porque não há nada a dizer. Não quero ver você, nem ocupar meu tempo em sua companhia, nem escolher tecidos para sua biblioteca. Tudo o que desejo é ir embora, por isso, me deixe. Não gosta de ter Bertram como herdeiro? Problema seu. Não tenho nada a ver com isso!


Chegaram ao fim do quarteirão e começaram a atravessar a Duke Street, mas um grande veículo ia passando, e Draco teve de agarrá-la para que ela não atravessasse.


— Por Deus, Hermione! Tenha cuidado!


Ela aguardou que o veículo se afastasse, soltou-se de Draco e atravessou, dessa vez prestando atenção por onde andava. Ele continuou a segui-la até que alcançaram o outro lado da via pública, mas, quando Hermione entrou na praça, Draco parou e ficou vendo ela afastar-se. Adoraria que, pelo menos, Hermione olhasse para trás para ver se ele a seguia. No entanto, isso não aconteceu.


Draco pensou em segui-la, mas como a própria Hermione afirmara, não havia nada a dizer. Encontrar Peggy Darwin fora a pior coisa que poderia ter acontecido. Logo naquele momento em que começavam a se entender.


Talvez fosse melhor mesmo deixá-la ir.


“Claro que você irá embora. Você sempre vai.”


De repente, Draco mudou de idéia, atravessou a praça e entrou na casa a tempo de vê-la no topo da escadaria.


— Hermione! Ela não parou.


— Quem é que está fugindo, agora? — ele gritou atrás dela. Suas palavras ecoaram pela sala, mas não houve resposta. Ignorando a curiosidade dos empregados de Tremore, Draco subiu os degraus, dois de cada vez, correndo para alcançá-la. E conseguiu impedi-la de trancar a porta do quarto no segundo andar.


Celeste Harper, a camareira, se achava lá dentro, colocando alguns vestidos sobre a cama.


— Harper, deixe-nos a sós — Draco pediu, ofegante.


— Não, Celeste, fique exatamente onde está — ordenou Hermione.


Celeste obedeceu Draco. Ela sabia quem pagava seu salário. Assim, fez uma rápida reverência e retirou-se.


— Como ousa seguir-me até meus aposentos e dar ordens a minha camareira, Draco Malfoy?! Esta não é sua casa. Saia daqui agora ou chamarei Harry para expulsá-lo!


— Esconder-se atrás de seu irmão não vai resolver nada.


— Saia! Vá procurar companhia feminina em outro lugar.


—Não vou mais fazer isso. Por Deus, nunca mais. Não quero viver em eterna guerra com você por causa daquilo que não posso mudar. Não há nada que eu possa fazer para modificar o passado. Nada que eu possa dizer.


— Como não? Por que não tenta algo inteligente, ou algo que me faça rir? Não é assim que age quando tem de lidar com uma situação desagradável?


Aquilo o atingiu em cheio, mas Draco se recusou a deixá-la perceber como doera.


— Estranho, querida, mas não consigo pensar em nada divertido. Adoraria fazê-la dar risada, mas está além de minhas possibilidades. Não há nada que possa dizer sobre Peggy, Anne, Elsie ou qualquer outra mulher que eu tenha tido. Você terá de superar isso.


— Sei. Aceitar e esquecer. Muito conveniente para você.


— Quer que eu lhe conte sobre Peggy para que tenha ainda mais motivos para me desprezar? Quer?


Ela ficou quieta.


— Algumas das mulheres que levei para a cama não significaram nada. Anne Pomeroy, por exemplo. Usamos um ao outro. Sórdido, sem dúvida, mas foi só isso. Peggy e eu, no entanto, tínhamos algo em comum: nossos casamentos vazios, sem sentido.


Draco notou a tristeza no rosto de Hermione, mas não se deteve:


— Peggy e eu consolamos um ao outro. Creia, nós dois precisávamos disso.


— Pare! Não quero ouvir! — Hermione tapou os ouvidos.


— Você deve querer ouvir, pois vive me lembrando a toda hora. Fomos amantes por mais de um ano. Ela era uma boa companhia e uma mulher quente e adorável. E nós dois aproveitamos o tempo que durou.


— Já é horrível ter de encontrar suas amantes por aí, mas não sou obrigada a ficar aqui escutando você falar sobre elas. — Tentou sair do quarto, mas Draco a impediu.


— Por que não? Será que se importa? Mulheres de gelo precisam de alguém?


Ela virou o rosto. Como ficou de perfil, Draco pôde ver seus lábios tremerem, apertando-se numa linha fina.


—Eu poderia dizer que Peggy não significou nada para mim, porque é isso o que os maridos dizem a suas esposas. Mas, neste caso, seria uma mentira.


— Como se você se importasse em mentir para mim.


— Não posso dizer que não significou nada, mas também não foi amor, nem nada parecido. Éramos duas pessoas solitárias que se gostavam e se achavam carentes de calor humano.


— Peggy Darwin estava apaixonada por você.


— Tolice.


— Não, não é tolice. Ela o amava. Todos sabiam disso, menos você.


— Não era amor, Hermione. Apenas um jeito de fugir da solidão, só isso.


Ela balançou a cabeça, mas não o encarou. Draco se aproximou, tocou-lhe a face e viu lágrimas em seus olhos.


— Meu Deus! — Afastando-se, encostou na vidraça, odiando-a pelos oito anos de distância, odiando a si mesmo por ter dado motivos para que Hermione a impusesse. — Diga o que quer que eu faça, o que quer de mim?


— Nada. Você é quem quer, e é algo que não posso lhe dar. Acabou, Draco, não pode ter-me de volta. Algumas coisas não têm conserto. — Com isso, virou-se para deixar o aposento.


— Quantas vezes tenho de dizer que não posso fazer nada a respeito do passado?


—Pode, sim. Aprenda com ele, como eu fiz. Aprendi a nunca mais confiar em você.


Draco não tentou detê-la. Ficou ali, parado, fitando a camisola cor-de-rosa sobre a cama, e o riso daquela manhã ecoou em seus ouvidos. Decoraria toda uma casa com papel de parede rosa, se isso a fizesse sorrir. Mas de nada adiantaria.


Deu as costas para o leito e olhou pela janela, lutando contra a vontade de quebrar os vidros com a testa. —Droga, droga! — repetia, lamentando as palavras duras e cruéis que proferira minutos atrás.


Passara por aquilo outras vezes. Hermione ficava fria e distante; ele, com raiva, e ambos sofriam. Ela não conseguia perdoar, e Draco ia embora. Na rua, sempre encontrava alguma mulher interessante que não o julgava, não o desprezava, nem o fazia sofrer. Talvez Hermione tivesse razão. Havia certas coisas que eram irreparáveis. Nada que dissesse, fizesse ou tentasse fazer seria suficiente. Não para Hermione.


O duque e a duquesa de Tremore chegavam ao lar. Tinham levado seu bebê, Nicholas, para passear, e era Harry quem empurrava o carrinho. Quando o casal se sentou no banco do jardim, Luna colocou a criança em seus joelhos, e o duque a abraçou.


Formavam um casal feliz, rindo e conversando, enquanto o bebê tomava sol. Eram uma família.


Nesse momento, Hermione foi se juntar a eles. Segurava o chapéu, e seus cabelos maravilhosos brilhavam, refletindo a intensa luminosidade. Pegou Nicholas do colo da mãe e o ergueu no ar, para rodopiar e rir com ele. Algo tão duro e dolorido como uma pancada atingiu o peito de Draco.


Tentou desviar o olhar, mas não foi capaz. Apertou as mãos contra a vidraça e ficou ali, vendo sua esposa abraçar um bebê que não era seu filho. Jamais antes se sentira tão miserável, tão carente, nem com tanta raiva.


— Meu Deus, como ele está crescendo! — Hermione desceu o bebê e o aninhou em seus braços. — Não consigo segurá-lo assim no alto por muito tempo.


— Nicholas adora quando você brinca assim. — Luna fez menção de pegar o filho, mas Hermione se virou, mantendo a criança fora do alcance da mãe.


— Deixe-me ficar com ele mais um pouco, Luna. Não o vi o dia todo.


— Acontece que está na hora do soninho da tarde.


— Só mais um minuto... — E apertou o bebê contra si. — Quero aproveitar, pois logo ele estará andando e não irá mais querer ficar assim, em meus braços.


— Está muito perto disso, de fato. Harry sorriu.


— Quando ele estava em meu escritório esta manhã, agarrou-se na beirada do sofá e saiu andando. Toda vez que caía, tornava a se levantar e a tentar de novo. Sujeito teimoso esse meu filho!


.— Não me surpreende. — Hermione meneou a cabeça. — Ele...


O ruído das rodas de uma carruagem sobre as pedras a interrompeu. Os três se viraram para ver quem era. Draco deixava a mansão em seu coche, sem ao menos fitá-los.


— O que há de errado com ele? — Luna quis saber.


— Indigestão? — sugeriu Harry, esperançoso.


—Por favor, querido, que coisa mais indelicada! — repreendeu-o a duquesa.


— Suspeito que eu seja a causa de tamanho mau humor. — Hermione ficou a observar a carruagem desaparecer na curva da estrada, imaginando se, por acaso, Draco iria atrás de outra para se consolar. Se encontrasse alguma jovem interessante, pelo menos a deixaria em paz por algum tempo.


— Vocês discutiram?


Hermione voltou-se para sua cunhada.


— Não é o que sempre fazemos?


Harry soltou um suspiro e ficou de pé.


— Se vocês duas vão falar sobre Malfoy, peço licença para me retirar.


— Não vamos fazer isso. Meu marido é a última coisa deste mundo que desejo discutir.


—Fique, meu irmão.


— Não, não. Na verdade, preciso ir. Tenho um encontro com Dewhurst no White s para discutir alguns assuntos, e devo estar de volta a tempo de levá-las à casa dos Monforth, à noite.


— Eu não irei. Não suporto lady Sarah. Vou alegar enxaqueca e ficar aqui.


— Tenho mais motivos para não gostar de Sarah do que você, Hermione. — Luna riu. — Harry quase se casou com ela antes de me conhecer.


— Estremeço só de pensar nisso.


— Ora, nenhuma de vocês tem motivos para não gostar de lady Sarah. Afinal, não me casei com ela.


— Meu caro irmão, nem esse fato abençoado é suficiente para fazer-me apreciá-la. Luna, acho que nós duas deveríamos ficar em casa, jogar bridge e tomar algumas garrafas de vinho.


— E deixar o campo aberto para lady Sarah flertar com meu belo marido? Nunca!


— Isso não vai acontecer. — Harry deu um beijo na testa da esposa — Voltarei às sete para apanhá-la. — E se foi, deixando-as a sós.


— Vai mesmo me deixar sozinha com lady Sarah e ficar aqui?


— Sim, Luna. Pretendo passar uma noite tranqüila. — Hermione beijou a cabecinha do sobrinho.—Nicky me fará companhia. Melhor conversar com ele do que com lady Sarah.


Luna gargalhou.


— Quando diz coisas assim, chego a sentir pena dela. Fico feliz que goste de mim. — Algo acima dos ombros de Hermione chamou sua atenção. — Querida, lá se vai seu chapéu!


Hermione pôde vê-lo ser arrastado pelo vento. Devolveu Nicholas para a mãe e correu atrás para pegá-lo. Teve de andar por alguns metros, e conseguiu alcançá-lo no momento em que uma ventania ainda mais forte o levasse para mais longe. Ofegante, retornou para perto da cunhada.


— É melhor colocá-lo. — Luna dava tapinhas nas costas de Nicholas.


— Não gosto. — E preferiu amarrá-lo bem forte no pulso. — Com esse vento, teria de usar o prendedor, o que me daria dor de cabeça.


— Odeia usar chapéus, não é? Nunca os mantém no lugar. Veja, uma das flores está quebrada. — Luna passou o bebê para o outro braço para tocar a aba. — Não acredito que possa ser consertada.


Hermione olhou para as flores de seda que enfeitavam seu chapéu. Violetas. Escolhera-as também para seu buquê de casamento.


— Há certas coisas que não podem ser consertadas. — Suspirou.


— Talvez possamos ir às compras amanhã e você escolherá um novo. Pretendo ir à Bell's. Que tal me acompanhar?


Os dedos de Hermione se crisparam..


— A casa de tecidos?


— Sim. Ouvi dizer que acabaram de receber veludos maravilhosos. Gostaria de dar uma olhada.


A imagem da bela mulher de cabelos loiros debruçada sobre as peças de tecido voltou à memória dela.


— Eles não são tão bonitos.


— Então já os viu?


— Sim. Eu e Malfoy estivemos lá, esta tarde. — Fez uma pausa. — Lady Darwin também foi. Por isso que Draco e eu discutimos. Os dois foram amantes há quatro anos.


— Draco não tem amantes, agora, querida. Rompeu com Pansy Parkinson, e sabe-se que ela foi embora para a França.


— Não importa, Luna. Draco acabará arranjando outra. É o que sempre faz. Então, terei de vê-la e ouvir os comentários, como aconteceu com todas as demais. Sei que não deveria me importar em ver lady Darwin na loja hoje, mas doeu. O jeito como aquela oferecida olhou para Draco! Foi apaixonada por meu marido, não tenho dúvida. Claro que já faz parte do passado, mas, mesmo assim, ainda magoa. Dói cada vez, com cada mulher. E ele espera que eu retome nossa vida conjugal como se nada disso tivesse acontecido!


Luna ficou em silêncio por longo tempo. Quando tornou a falar com Hermione, fez-lhe uma pergunta totalmente inesperada:


— Seria assim tão terrível voltar a viver com seu marido?


Hermione sustentou o olhar da cunhada.


— Depois de tudo o que Draco me fez, como pode me perguntar isso?!


— Sei tudo sobre lady Darwin e Pansy Parkinson e todas as demais, mas não seria possível que superasse isso, Hermione? Vocês não poderiam começar de novo, do ponto de partida?


— Não se pode recomeçar com um homem que é um mentiroso, um interesseiro. Não confio mais nele.


— Construir a confiança demora, e isso é algo que vocês não desenvolveram, apesar de estarem casados há nove anos. Talvez necessitem de uma oportunidade para construir uma base sólida e se conhecerem melhor. Hermione, mantendo-se na defensiva, arrancou a flor quebrada do buquê e a atirou longe.


— Malfoy e eu nunca tivemos uma convivência amigável. Nem quando estávamos recém-casados e eu ainda via a luz das estrelas em seus olhos. Brigávamos sem cessar.


Quando não estávamos fazendo amor. Hermione torceu a borda do chapéu e arrancou outras florezinhas, pensando nos dias que ela e o marido compartilharam, as brigas acaloradas e depois as apaixonadas reconciliações. Não queria mais brigar com Draco, mas também não pretendia se reconciliar com ele. E, sem dúvida, não queria mais falar dele.


Luna, entretanto, parecia não ter esgotado o tema.


— Vocês estão mais maduros, agora. Não há uma maneira de aprenderem a conviver?


— E um casamento é só isso? Aprender a conviver?


Os olhos violeta de Luna cintilaram por trás dos óculos.


— Acredite ou não, é assim na maioria das vezes. Não é nada romântico, concordo, mas é a realidade.


Viver com Draco não só parecia nada romântico, mas impossível.


— Você está casada e feliz, Luna. Por isso não compreende.


— Compreendo seu orgulho e sei que tem motivos de sobra para não confiar nele. Mas os homens também têm orgulho, e muito. Malfoy mais que a maioria, suponho. E decerto não iria abrir o coração para você se...


— Coração?! Draco não tem coração!


— Engana-se. Seu marido esconde muito bem, mas, de fato, creio que Malfoy seja como eu.


— Ora, não diga tolices!


— É sério, Hermione. Você é muito diferente de mim. Apega-se com facilidade às pessoas e confia nelas sem reservas. Até que lhe dêem motivos para deixar de confiar. Aí, desculpe-me por dizer, mas você se torna mais fria que o inverno da Escócia.


Aquilo a magoou. Draco havia feito a mesma descrição.


— Quer dizer que sou incapaz de perdoar, que sou uma espécie de rainha de gelo?


— Suas paixões são intensas e duradouras, minha querida. Você vê tudo em termos exatos. Branco ou preto. Certo ou errado. Amigo ou inimigo. Nem todos são assim, Eu não sou. E creio que o visconde também não é. Somos mais moderados, mas tão orgulhosos quanto você. Só que nos expressamos de maneira diferente. Em geral disfarçando nossos sentimentos.


— Não acredito que esteja se comparando a Draco. Você não é como ele. Nunca mente, e seria incapaz de brincar com a sensibilidade de quem quer que seja. Não seria infiel com aqueles que a amam. Não fugiria das situações difíceis. Se estivesse errada e magoasse a outra pessoa, reconheceria seu erro e pediria perdão. Conheço Malfoy muito bem. Portanto, você não sabe do que está falando.


Luna colocou a mão no ombro de Hermione.


— Você o amou um dia. Tenho certeza disso.


— Isso não é novidade para ninguém. E sofro ainda mais por fazer papel de tola diante dos outros.


— Concordo, mas não deve ser fácil para um homem ser desprezado pela mulher que amou e que o amava tanto. Tê-lo mandado embora de sua cama... O lado físico é muito importante para os homens, bem mais do que é para nós. Acho que sabe disso, querida.


Hermione arregalou os olhos.


— Está do lado de Draco, Luna?


— Não. Estou procurando entender o lado de seu marido, isso sim.


Saber que sua melhor amiga tomava a defesa de Draco era demais para Hermione.


— Draco Malfoy é um caçador de fortunas, um interesseiro. Mentiu para mim e me abandonou. Depois teve uma amante após outra. E a sociedade diz que eu sou a culpada!


— Todos têm consciência de que a responsabilidade não é toda sua. Eu ouço os comentários. Há gente que condena Draco por não ter arrastado você para a cama e exigido um herdeiro há anos. Existe os que duvidam da masculinidade de seu marido, e isso é muito duro de suportar. Malfoy parece não dar a mínima para a opinião geral, mas eu creio que ele esconde o que lhe vai no íntimo.


Hermione esfregou a nuca, irritada, lembrando-se da cena no museu.


—Não sei como alguém poderia questionar a masculinidade de Draco. Com tantas mulheres que já teve, não tem de provar mais nada.


— É assim tão difícil imaginar por que Malfoy recorreu a tantas amantes?


“Peggy e eu consolamos um ao outro. Creia, nós dois precisávamos disso.”


— Você está sendo cruel, Luna. Está afirmando que sou culpada.


— Não. Só estou tentando imaginar o que Draco enfrentou durante esses oito anos. Não o conheço muito bem, e posso estar totalmente enganada quanto ao caráter dele. Harry diria isso, pois, para ele, Draco deveria ser enforcado, arrastado em praça pública e esquartejado por ter magoado sua irmãzinha.


— Harry o odeia porque sabe julgar muito bem o caráter das pessoas. Melhor do que eu, sem dúvida.


— Tem certeza? — Luna sorriu. — Foi você quem olhou para uma moça pobre e sem família e achou que eu seria melhor esposa para seu irmão que lady Sarah. Pelo que me recordo, Harry nem sabia de minha existência.


— Demorou um pouco para eu convencê-lo. Mas estava certa a seu respeito, e não me arrependo.


— Se isso é verdade, então devo dizer que você é ainda melhor do que pensa para julgar o caráter alheio. Apaixonou-se por Draco e, mesmo sendo muito jovem, não creio que fosse uma tola. Ele devia ter algumas qualidades, e você as pressentiu. Caso contrário, não o teria amado.


— Quando me apaixonei, não sabia nada sobre Draco. Mas não importa. Não o amo mais. O amor acabou, e quando isso acontece, não há como recuperá-lo.


— Engano seu. Apaixonei-me por Harry duas vezes.


— Querida, chega, sim? Não quero me apaixonar de novo. Não por Malfoy. Eu lhe asseguro.


O bebê acordou e começou a chorar. E Hermione sentiu o estúpido desejo de fazer o mesmo.


— É inútil falarmos de amor — sussurrou.


— E quanto a filhos, Hermione? Não gostaria de tê-los? Aquela questão penetrou seu coração como se fosse uma faca. Havia tempos desistira de ser mãe, e já estava acostumada àquela idéia.


— A sociedade toda me condena por não ter tido uma criança. Vai fazer o mesmo?


— Não se trata de condenar, amor. Só perguntei se deseja ser mãe.


— Evidente que sim! Sempre quis, sempre soube o que queria da vida. Costumava sonhar com um marido que me amasse. Eu o amaria também e teríamos muitos filhos. Quando me casei com Draco, achei que meu sonho tinha se tornado realidade. — Soluçou, e seus olhos umedeceram — Isso quando eu ainda era uma garota romântica e idiota.


— Não há nada de idiota em querer ter um marido e filhos para amar. Você já tem um marido. Ele também quer filhos. Já parou para pensar que essa pode ser a segunda chance para que realize seu sonho?


— Com Malfoy? Não, Luna. Mesmo se eu voltasse a desenvolver algum tipo de afeição por ele, o que é pouco provável, que diferença faria? Draco não me ama, nunca me amou e nunca me amará. E eu não o quero mais. Só isso.


— Se prefere assim...


— Prefiro. Ainda que o amor não tivesse nada a ver com isso, que o casamento fosse um simples conviver, Malfoy e eu não temos chance. E chega dessa história.


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