Capítulo III
Capítulo III
Na segunda-feira, Draco chegou a Grosvenor Square às duas horas em ponto. Hermione voltara a se esconder atrás do escudo de gelo que criara para se defender, e conversava, muito calma, com sua secretária, a Srta. Tate.
Discutia com ela alguns detalhes do cardápio para o baile à fantasia que organizava todos os anos em prol dos hospitais londrinos, quando o mordomo veio avisá-la da chegada de Draco.
— Lorde Malfoy, milady.
Hermione levantou o olhar quando o marido entrou, e se lembrou de como outrora se sentira feliz quando ele chegava à casa de seu irmão para visitá-la. Mas agora não sentia nada.
Retribuiu com displicência o cumprimento e voltou a atenção para sua secretária.
— Estes são os pratos que o chefe de Sua Alteza sugeriu?
— Sim, senhora.
Hermione bateu com a pena na escrivaninha com expressão deliberada de dúvida, levando muito tempo para estudar a lista de pratos, antes de falar:
— Confesso que não estou certa de que devemos servir enguias, Tate. Lady Snowden é uma de nossas contribuintes mais generosas, e ela não suporta enguias.
— Isso não me surpreende. — Draco se acomodou numa cadeira próxima. — Lesmas combinam bem melhor com ela.
Tate deu um princípio de gargalhada, logo interrompido pelo olhar severo de Hermione. Tudo bem que lady Snowden se movia, falava e andava tão devagar que seria capaz de irritar um santo, mas isso não dava a Tate o direito de recompensar Draco com uma risada franca. Hermione não achava mais graça na jovialidade do marido, e não ia permitir que os empregados o fizessem. Desse modo, decidiu que era melhor fingir que ele não estava na sala. — Bem, será melhor substituirmos as enguias por...
— ...escargotl — Draco sugeriu. Ela olhou para Tate.
— Lagostas — disse, descartando o menu e passando para outro item. — Agora, quanto à lista de convidados, Tate, gostaria que você apresentasse a que fiz para lady Deane.
— Claro, milady. — Tate suspirou, resignada, detestando a idéia de apresentar a lista de Hermione à arrogante lady Deane.
— Deixe-me .ver quem mais... Sir George Plowright, sir... — Hermione se espantou ao ver Draco quase pular da cadeira.
— Não acredito que vai convidar aquele pretensioso!
— E por que não, milorde? Sir Plowright é um homem rico e sempre faz contribuições generosas — respondeu, mesmo com a convicção de que não lhe devia explicações. — Não consigo entender por que tanto interesse pela lista de convidados de meu baile de caridade.
— Você é minha mulher e, como estamos nos reconciliando, tudo o que lhe diz respeito me interessa.
— Nós não estamos nos reconciliando!
— Convidar sir George é implorar por confusão. — Draco a ignorou. — Da última vez, ele se envolveu em luta corporal com Blaise, e desta vez posso eu mesmo perder a paciência e lhe dar uns sopapos.
— Então, não há com o que se preocupar. Você não consta da lista.
— Não diga! Tate, acrescente meu nome e tire o de sir Plowright.
— Se pretende se reconciliar comigo, dar-me ordens e interferir em meu trabalho tornará isso muito mais complicado. Mas concordo. Tate, risque o nome de sir George. Não quero nenhuma luta corporal em meu baile. Agora, pode se retirar.
— Sim, milady. — Tate pegou as folhas de papel, despediu-se de ambos e fechou a porta atrás de si.
Draco falou antes de Hermione:
— Seus baús estão prontos? Qual residência escolheu?
— Malfoy, não preparei minhas coisas. Deixe-me dizer algumas palavras antes que você se exalte. — Ela ficou de pé, olhando-o por cima da escrivaninha. — Nós dois sabemos que, se quisesse, você poderia me arrastar daqui contra minha vontade, mas também sabemos que eu poderia fugir para o continente ou para a América, e assim nunca mais me encontraria. O divórcio não é possível, por isso, gostaria de propor um acordo.
— Ora! As coisas estão começando a melhorar. Diga o que tem em mente.
— Antes que eu concorde em voltar para sua casa, gostaria de ter um tempo, para me acostumar com a idéia — disse ela, com dignidade.
— A que idéia se refere? A de fazer amor comigo de novo? — Não havia suavidade na entonação de voz de Draco, apenas determinação. Ele parecia muito zangado. Mas como, se ele era o errado?!
— A de voltarmos a viver juntos.
— Tolice, Hermione. O que pretende é ganhar tempo para ver se eu desisto e vou embora.
Exatamente. Olhou para ele com frieza, tentando não sentir nada.
— Foi isso o que você fez, Draco.
— Aí vem você, outra vez. Parece até que a culpa pelo estado lastimável de nosso casamento é só minha. Gostaria que tentasse enxergar por meu ponto de vista.
Hermione o observou chegar perto e se inclinar bem próximo a ela, colocando as mãos na escrivaninha. Aquelas mesmas mãos que a acariciaram um dia com volúpia.
Como sofrerá ao imaginá-lo afagando outras mulheres. Mesmo naquele instante, depois de tudo o que Draco tinha feito, ainda doía. Mas, não deveria doer mais. Não, não podia permitir que seu escudo de gelo começasse a derreter.
— Não fui eu a infiel, não fui eu quem mentiu, Draco. Mas fui eu quem passou nove anos sozinha.
— O fato de um homem ter uma amante não significa que não esteja sozinho, Hermione.
Será que ele estava tentando fazê-la se apiedar? Hermione olhou mais uma vez para aquelas mãos, e, como em tantas outras ocasiões, colocou seu orgulho entre os dois, voltando a atenção para os papéis espalhados na mesa.
— Então, vá procurar uma outra amante e eu esperarei para ler nas colunas sociais o quanto você está solitário.
— De novo, não — Draco murmurou, com um suspiro. Deu a volta para ficar atrás do espaldar da cadeira em que Hermione estava. — Isso é o que sempre acontece quando ficamos mais de dez minutos no mesmo recinto. Começamos a culpar um ao outro, sempre procurando ver o pior. Há poucos minutos, quase a fiz rir, e de uma hora para outra, isso. Como é possível?
Hermione mordeu o lábio.
Draco se aproximou mais. Seus lábios tocaram o ombro dela.
— Não quero que passemos a vida procurando novas maneiras de nos magoar, Hermione. Isso acaba comigo.
— Eu também não, mas também não pretendo voltar a viver com você.
— Deixou isso bem claro por todos esses anos. Não era necessário repetir.
Tudo o que ela dizia parecia ser a coisa errada.
— Enfim, pretende honrar meu pedido ou não? — Hermione quis saber como se a resposta fosse indiferente.
— Isso é adiar o inevitável.
— Talvez sim, talvez não.
— Não irei embora, Hermione. Não desta vez.
Claro que iria. Draco sempre ia. Era só uma questão de tempo até que tornasse a abandoná-la. Um rosto bonito ou um corpo esbelto o atrairia, e ela teria de se sentar com aquela mulher em algum evento social. Era sempre assim!
Draco, como que lendo seus pensamentos, passou as mãos pelos cabelos, impaciente.
— De quanto tempo você precisa? O resto de nossas vidas.
— Três meses.
— Nem pensar! Terá três semanas.
— Você não fala sério, Draco!
— Três semanas, Hermione. E, durante esse período, vamos passar a maior parte do tempo juntos.
— Isso não será possível. Temos nossos compromissos e...
— Eles terão de ser reorganizados. Será como determinei.
O pânico tomava conta de Hermione.
— O que tem em mente? Não temos amigos em comum, exceto Blaise e Gina, e mesmo assim porque eles se recusaram a tomar partido. Não possuímos os mesmos interesses, nada sobre o que falar... enfim, nada em comum.
— Tínhamos muito sobre o que conversar e muito o que fazer, lembra?
Havia um pouco de ternura nessa última frase, mas ela o ignorou.
— Nós nem sequer comparecemos às mesmas festas, Draco, pois nos movemos em círculos diferentes.
— Mas isso vai mudar. Não demorará muito e lorde e lady Malfoy começarão a receber os mesmos convites. Cuidarei disso pessoalmente.
— Meu Deus! — disse, assustada. — Eu estava certa. Você vive para me torturar!
— Você me pediu tempo, e eu o estou concedendo. Temos um acordo e, se, se recusar a cumpri-lo, farei uma petição ao Parlamento e estaremos vivendo sob o mesmo teto dentro de dois dias.
Draco falava sério. Quando Hermione via aquele olhar duro, sabia que não poderia demovê-lo.
— Muito bem, então — capitulou. —Três semanas. Mas eu o aviso, Draco Malfoy, que farei todo o possível para que compreenda que essa tentativa de reconciliação é inútil.
— Estou avisado. Esteja pronta na quarta-feira, às duas horas.
— Aonde vamos?
— Vou levá-la a minha casa em Bloomsbury Square.
Ela o encarou com desconfiança.
— Para quê?
— Sossegue, Hermione, não vou seqüestrá-la. Só quero que conheça o lugar. Se a escolher como nossa casa em Londres, poderá desejar fazer algumas reformas, antes.
— Duvido.
— Terá direito a gastar quanto quiser.
— Obrigada pela generosidade de colocar o dinheiro que recebe de Harry a minha disposição, mas...
— É meu dinheiro também. Os investimentos e as propriedades do visconde são bem lucrativas agora, e isso graças a nós dois.
Hermione detestava quando ele se mostrava razoável. Isso a fazia sentir-se na obrigação de ser razoável também, e ela não queria ser racional quando se tratava de Draco Malfoy.
— Agradeço a oferta para redecorar sua mansão, mas para mim isso é um exercício de futilidade.
— Sua má vontade com minha proposta me ofende. Não consigo entender por que não está feliz.
— Feliz?! — Encarou-o, indignada.
— Sei que adora decoração, Hermione. E isso lhe dará uma excelente desculpa para fazer compras a minha custa. Diante de tal oportunidade, a esposa de qualquer outro homem se atiraria em seus braços para cobri-lo de beijos.
— Fique esperando por isso sentado!
— De fato, mal posso esperar. Quando esse dia chegar, temo que morrerei de alegria, e então você lamentará não ter me coberto de beijos antes.
—Não faça isso comigo. Não, por favor. Deixe-me em paz, vá embora! —Hermione respirou fundo e soltou o ar bem devagar. — Não sei que parte de você odeio mais, Draco. Se a sarcástica, que pode ferir como uma faca, ou a amistosa, que todos adoram.
— Houve uma época em que você gostava de ambas. Porém, a ironia é que nenhuma das duas expressa minha real natureza. — Com esse comentário enigmático, ele se inclinou e se afastou.
— Estou falando sério, Malfoy! Não estamos nos reconciliando!
— Essa é uma possibilidade a considerar, Hermione. Vou aumentar minha aposta no Brook's. Assim, o prêmio será muito maior quando eu ganhar.
Ela achou que fosse desmaiar.
— Nossa reconciliação está nas casas de apostas?!
Draco se voltou e a olhou, surpreso diante de tal indagação.
—Claro que sim. Além do Brook' s, no White' s e no Boodles também. Lady Malfoy estará de novo no leito matrimonial antes do fim da estação? O que lorde Malfoy fará se ela não vier?
Hermione soltou um gemido de mortificação.
—Deus tenha piedade de nós, pobres mulheres, e nos proteja dos homens e de seus clubes!
— Anime-se, Hermione! — Draco sorriu. — Entenda como um cumprimento à sua teimosia e vontade férrea. Hoje, as apostas estão, de longe, a seu favor.
Encostando-se no batente, Draco cruzou os braços.
— Mas não lhe contarei mais nada do que é conversado nos clubes masculinos sob pena de sermos privados das delícias da companhia feminina para sempre. — Ele tornou a se virar e desapareceu, mas sua voz ainda ecoou pelo corredor: — Quarta feira, Hermione. Duas horas.
Como era irritante aquele homem! Sempre dava um jeito de ter a última palavra.
Passar algum tempo com ele era a última coisa que Hermione desejava. Contudo, ainda assim era melhor do que viver com Draco, e ela conseguira três semanas. Só podia esperar que seu plano funcionasse. Até porque não tinha outra opção.
Dois dias depois, Draco se perguntava se teria sido uma boa idéia convidar Hermione para conhecer sua casa, na cidade.
Ele alugara aquela residência em Londres dois anos atrás, quando o casal decidira parar de fingir que tinha uma vida em comum. Naquele momento, enquanto dirigiam-se de carruagem para lá, o único som que se ouvia era o da chuva leve no teto de couro.
Hermione mantinha a distância costumeira, e, voltada para a janela, se recusava a olhar para o marido.
Quando o veículo parou na frente da mansão, um criado veio recebê-los, desdobrando os degraus da carruagem. Draco saiu primeiro e ofereceu a mão a Hermione, que hesitou, mas acabou aceitando o auxílio. Em seguida, ambos adentraram a residência.
Comparada com Enderby, a casa de campo em Chiswick, aquele lugar era bastante simples. Havia poucos criados, alguns tapetes e quadros, muitos livros e pouco mais que isso.
— Veja, é por isso que pensei que você poderia querer comprar algumas coisas.
Hermione não respondeu. Tirou o chapéu e balançou-o para despejar as gotinhas de chuva que grudaram na palha. Draco recordou que a esposa sempre odiara chapéus. Mulheres como ela, que tinham o brilho do sol nos cabelos, costumavam detestá-los.
Hermione observava as pedras do vestíbulo e a escada de madeira polida, as paredes cor de manteiga. De repente, sem nenhuma palavra, foi para os fundos, carregando o chapeuzinho. Draco a conduziu pelos cômodos do andar de baixo, depois à cozinha e aos aposentos dos empregados, mas ela permanecia calada.
— Poderíamos achar uma casa maior para a próxima temporada — Draco afirmou, ao levá-la a uma das salas. — Esta é muito pequena para receber.
Nem assim Hermione se manifestou, e os piores temores de Draco começaram a tomar forma. Quando ela brigava e discutia pelo menos ele sabia com o que estava lidando. Mas aquele silêncio era enlouquecedor.
Porém, quando entraram no salão principal, Hermione estancou de um modo que ele quase se chocou contra ela.
— Meu Deus! Não posso acreditar! — Hermione tentava segurar o riso. Deu alguns passos adiante e ficou olhando para ele, surpresa. — Papel de parede cor-de-rosa! Você alugou uma casa com papel de parede cor-de-rosa! Quem diria?!
— Eu diria que é quase vermelho.
— Vermelho, Malfoy?! — Ela meneou a cabeça. — Não me venha com desculpas, é cor-de-rosa, sim. Quem poderia supor que Draco Malfoy teria um salão dessa cor?!
Ele a fitava, sentindo-se como que preso ao chão, ouvindo aquela risada. Era algo de que se via privado fazia anos, mas ainda era tão familiar! Nenhuma mulher ria como Hermione. Tão inocente e tão sensual, aquele riso sempre fora capaz de fazê-lo sonhar. E o desejo aflorou com toda a força.
— Malfoy, qual o problema?
— Eu me recordo desse som, Hermione. Sempre adorei sua risada. Ela, então, ficou séria. O relógio da sala tocou, e Hermione desviou o olhar. — Já são quatro horas! — Caminhou para a porta. — É melhor me mostrar o resto logo, Draco. O jantar da sra. Fitzhugh começa às oito, e precisarei de tempo para me arrumar.
No segundo andar, Draco virou à esquerda e levou-a por um pequeno corredor. — Os quartos ficam aqui. Este será o seu; o meu é anexo, e Hermione entrou, observou as paredes cinzentas, as cortinas azuis e a mobília de madeira polida, mas não emitiu opinião. — Você pode pintar da cor que quiser e redecorar à vontade. Draco se deu conta de que ela estava rígida e apertava as abas do chapéu. Seguindo seu olhar, viu-a fitar fixamente sua cama.
— Eu lhe asseguro que nenhuma mulher jamais dormiu ali.
Hermione abriu um armário vazio e ficou olhando para dentro do móvel, como se aquilo fosse coisa de suma importância.
Ele desejou lembrar-se de algo que a fizesse rir de novo, ou então que ela dissesse que sim, que gostaria de pintar as paredes, ou de trocar alguma mobília. No entanto, o que Hermione disse o pegou desprevenido:
— Quais são suas intenções, Malfoy? Quando as três semanas acabarem, se eu não pedir o divórcio... enfim, se voltarmos a viver juntos, pretende impor seus direitos de marido de imediato?
Surpreso, não conseguiu responder, por isso tentou ganhar tempo:
— O quê?
— Ouviu-me muito bem, e é uma pergunta bem direta. Pretende me forçar?
— Por Deus, Hermione! Será que não sobrou nada? Costumava haver paixão entre nós. Recordo-me de como você gostava quando eu a tocava. E Deus sabe como eu adorava quando você me tocava. Era muito bom, lembra?
Ela enrubesceu, seu queixo tremeu, mas não disse nada. Draco seguiu avante. Tinha de fazê-la lembrar-se de como era no começo de sua união:
— Não acredito que tenha se esquecido de como fazíamos amor, como era quente, quase selvagem, como você...
— Pare com isso!
— Será que agora estamos condenados a falar de amor como se fosse algo que irei lhe impor? Não sobrou nada da magia que havia entre nós? Será que conseguimos destruir tudo?
— Eu não destruí nada! Foi você!
Draco não se importava em saber de quem era a responsabilidade. A verdade era que Hermione ainda o excitava, e ele precisava descobrir se poderia fazer o mesmo com ela. Se não conseguisse, tudo estaria perdido.
Quando Draco deu um passo para se aproximar, Hermione deu outro para trás, e bateu no armário às suas costas.
— Outro dia falou que nossa vida em comum foi um inferno, Hermione, mas, quando olho para trás, vejo que costumava ser bem divertida. Você preferia fazer amor de manhã, e depois tomávamos o desjejum na cama. Geléia de amora sempre foi sua favorita.
Ela se virou para fugir, mas Draco foi mais rápido e a impediu, colocando os braços nas prateleiras do armário ao fundo, prendendo-a. Ficou bem próximo, sentindo a delicada fragrância que não demorou a reconhecer: violetas. Hermione sempre cheirava a violetas.
Draco recordou as manhãs, tanto tempo atrás, quando acordava envolvido por aquele aroma, sentindo o calor do corpo macio. Cerrou as pálpebras, respirando fundo, lembrando-se da viagem de núpcias pela Escócia e, depois, três meses num sítio deserto, só fazendo amor. O outono em Northumberland e o leito de madeira maciça em Malfoy Park.
Um calafrio percorreu-lhe a espinha ao pensar em todas aquelas manhãs, quando lambia geléia de amora dos lábios de Hermione. Talvez ela estivesse certa ao dizer que a vida deles juntos fora um inferno, porque seu corpo estava ficando em brasas.
— Você era muito ruim em xadrez e por isso sempre perdia. — Draco continuava de olhos fechados. — Jamais esquecerei os passeios a cavalo e como você atirava longe seu chapéu, e ria... e como eu adorava seu riso! Lembro-me de nossas brigas, mas também de como eram deliciosas as reconciliações! Essa era a melhor parte.
Quanto a ela, as memórias não pareciam tão boas, pois cruzou os braços e seus olhos se estreitaram. Hermione tinha aquele olhar gelado que Draco tanto odiava.
— Impressionante, Malfoy.
Ele se inclinou mais e beijou-lhe o pescoço.
— Querida, vamos fazer as pazes. — Draco a sentiu tremer e sorriu, satisfeito e aliviado. — Você ainda gosta quando faço isso.
— Não, não gosto. Não gosto de nada em você. Não mais.
— Descruzou os braços e o empurrou.
Draco a encarou, e dessa vez viu uma mulher. Claro que magoada, confusa, desesperada, mas pôde ver também que Hermione era sua esposa e que o desejava.
— Já estamos em guerra há anos. O que acha de uma trégua? — Draco murmurou, aproximando-se ainda mais.
— Quero sua palavra, Malfoy. Prometa que, se eu voltar a viver com você, nunca irá me impor seus direitos de marido.
Nada neste mundo poderia fazê-lo esfriar mais depressa do que aquelas palavras. Assim, Draco arqueou a cabeça para trás e expeliu o ar dos pulmões. Como a vida poderia ser bem mais simples se ele tivesse um outro tipo de esposa, uma que cumprisse seus deveres e que gostasse disso. Mas não. Casara-se com Hermione; linda, doce, mas mimada e voluntariosa. Tornou a fitar seus olhos.
— Você um dia me chamou de canalha e de mentiroso. Portanto, de que lhe serviria minha palavra?
— É minha única garantia. Espero que pelo menos sua palavra de honra como um cavalheiro signifique algo para você.
—E assim você poderá atirar minha promessa e minha honra em meu rosto, em momentos como este.
Ela não negou, nem confirmou a afirmação, pois sabia que não importava. Draco nunca a forçaria, e sabia disso. Hermione não estava com medo dele. Temia a si mesma.
Agora Draco compreendia a timidez da esposa. Ambos sabiam que o ponto em que um homem e uma mulher podem parar ou completar o ato de amor é muito difuso. Hermione receava não resistir e ultrapassar aquele ponto. Procurava uma saída, um jeito de acreditar que Draco era mesmo o vilão de sempre.
Ele sorriu.
— Por que ri?
— Nunca a forçarei, Hermione, sabe bem disso. Se é minha palavra que quer, você a tem.
Um sorriso de satisfação iluminou o semblante dela.
— Acha que isso é uma vitória? Que minha promessa a coloca no controle da situação?
— Sim — afirmou, triunfante.
— Tem razão, mas não me importo. Sempre gostei de deixá-la no controle. — Draco beijou-a no pescoço. — É melhor levá-la de volta a Grosvenor Square, pois sei que você demora horas para se arrumar, e nenhum de nós quer se atrasar para os compromissos.
O caminho de volta foi feito em silêncio, mas Draco não se importava. Ele mesmo não tinha vontade de falar. Estava muito feliz, pois sabia que algo mudara naquela tarde. A frieza que Hermione demonstrava era uma defesa. Bem no fundo, embaixo de toda aquela mágoa, de seu coração partido e do orgulho ferido, ela ainda sentia desejo por ele. Poderia ainda odiá-lo, podia querer bater nele, mandá-lo para o inferno, mas ela amolecera. Um pouquinho, só por um instante, mas Hermione tinha amolecido.
Porém, Draco sabia que não ia ser nada fácil. Ela era tão apaixonada no amor quanto no ódio, e ele teria de seduzi-la.
Quando chegaram à mansão de Tremore, uma empregada veio recebê-los e apanhar a capa e o chapéu de Hermione.
— Até logo, Malfoy. — E ela começou a se afastar.
— Hermione, nós nos veremos na sexta. Esteja pronta às duas horas.
— Aonde iremos? Ele sorriu.
— Você verá. Só posso lhe dizer que será um passeio ao ar livre.
— E eu não tenho direito de opinar? Por que é você quem escolhe os lugares a que devo ir?
— Porque sou seu marido e você jurou me obedecer.
Ela não pareceu nem um pouco impressionada, por isso ele completou:
— Tenho um plano em mente.
— Era o que eu temia.
— Nós iremos fazer um piquenique.
— O quê?! — Hermione o fitava como se Draco tivesse enlouquecido.
— Sempre, adorou piqueniques, minha querida. Duas horas é o horário ideal, pois sei que sente fome lá pelas três.
—Está tudo decidido então, e eu não posso opinar? —Não contudo poderá escolher nosso destino da próxima vez. Sim, porque haverá a próxima vez, e a próxima, e a próxima...
—Muito bem, não adianta mesmo teimar com você. — E lhe deu as costas, agastada e resignada, e Draco ficou a observar ela subir as escadas. E exultou de alegria quando a viu tocar o lado do pescoço que ele beijara.
Na sexta-feira, Hermione acordou rezando para que chovesse. Porém, parecia que até Deus estava contra ela. O dia amanheceu lindo, e a tarde de abril era quente e agradável, perfeita para um piquenique.
Voltar a fazer um piquenique com Draco a assustava. Ela sempre adorara piqueniques, e, desde a separação, nunca mais participara de nenhum.
Agora, parada ali no saguão, de frente para seu marido, o temor se multiplicara.
— Onde?
Draco respondeu com uma gargalhada, totalmente inexplicável para Hermione.
— Não precisa me olhar como se a tivesse convidado para correr nua comigo pelo mercado.
— Malfoy, por favor! Não seja grosseiro!
— Iremos ao Hyde Park — disse, ainda rindo.
— O que significa um passeio numa carruagem aberta. Nós dois juntos!
— Não vejo o que isso tem de tão assustador.
— Você e eu passeando em carruagem aberta até o Hyde Park! Com um clima destes, metade da população estará lá. Todos nos verão juntos!
— Somos casados, Hermione.
— Eu não vou! — afirmou, apavorada.
— Por quê? Não quer que ninguém me veja beijar seu pescoço?
Era aquilo mesmo o que ela temia.
— Pare de dizer essas coisas! — Hermione lançou um olhar significativo na direção dos empregados.
— Qual é o problema, afinal? Não quer que nossos conhecidos saibam que nos reconciliamos?
— Nós não nos reconciliamos! E eu não vou ficar passeando com você pelo Hyde Park, dando a impressão de que reatamos.
— Se não vier comigo...—Draco parou, fitou os empregados, depois falou bem perto do ouvido de Hermione: — ...eu mesmo arrastarei você daqui e a colocarei dentro do veículo. Os vizinhos do duque com certeza nos verão, e, como sei que você lutará para dar cada passo, eles saberão que nossa reconciliação não vai muito bem. Acha melhor assim?
— Deu sua palavra de que não usaria a força — lembrou-o, num sussurro.
— Não. Eu jurei que não usaria a força para levá-la para a cama — murmurou de volta. — O resto, para mim, é válido.
— Então falta eu acrescentar "bruto" em minha lista de qualificações a seu respeito.
— Como já lhe disse, a força bruta é bem útil,em certas ocasiões.
Hermione não duvidou nem por um momento de que Draco cumpriria a ameaça. Além do mais, um lugar público seria melhor do que ficar a sós com ele, de novo.
— Vamos, então. Quanto mais cedo formos, mais cedo acabará.
— Essa é a Hermione que conheço. Espirituosa, aventureira, pronta para experimentar de tudo.
Dirigiram-se para a carruagem, estacionada na frente da mansão. Quando Hermione entrou, ajudada pelo marido, encontrou uma cesta e uma sacola de couro no chão.
Quando namoravam, costumavam fazer piqueniques e Draco sempre dava um jeito de ficar a sós com ela e roubar alguns beijos. Funcionara antes, e ele achava que iria funcionar de novo.
Como Hermione previra, havia muita gente no Hyde Park. O excesso de veículos e de gente cavalgando fez a viagem parecer ainda mais longa.
Ela podia ver os cidadãos olhando e comentando uns com os outros, sem dúvida especulando sobre a reconciliação de lorde e lady Malfoy.
Detestava ser assunto de falatórios, e já suportara o suficiente os rumores e mexericos durante todos esses anos. Havia uma certa discrição, porque Hermione era irmã de um duque, mas as amantes de Malfoy a tornaram o alvo favorito da sociedade. Porém, a vida impecável e regrada que levava transformou-a num tema monótono. Naquele momento, contudo, graças ao desejo absurdo de Draco de reatar, seu nome estava, de novo, envolvido em falatórios.
Ambos acenavam a seus conhecidos, cumprimentando-os ao passar por eles, pois a etiqueta mandava que assim fosse. Ainda bem que Draco só parou quando chegaram a um lugar mais deserto.
Os dois empregados que os acompanhavam carregaram os utensílios para o piquenique e estenderam a toalha no local indicado por Draco. Hermione se sentou, e a saia de seda branca espalhou-se a seu redor. Puxou-a um pouco para dar espaço, e o marido se acomodou do lado oposto. Os criados, então, distribuíram os pratos, a prataria, a sacola de couro e a cesta com a refeição. Draco fez um sinal para que se afastassem. Eles ficariam a uma distância conveniente para não ouvirem a conversa, mas prontos para servir quando eles quisessem.
— Hermione? — chamou, forçando-a a olhá-lo. — Não importa o que as pessoas pensam.
— Claro que importa! Amanhã as apostas no clube estarão sem dúvida a seu favor. Você será aplaudido por, enfim, fazer sua esposa cumprir seus deveres.
— Se disserem isso é porque não a conhecem. — Draco tirou uma garrafa de Champanhe gelado da sacola de couro.
— Champanhe, Malfoy? Está mesmo disposto a me impressionar. O que mais trouxe? Ostras, talvez... Ou quem sabe morangos cobertos de chocolate.
— Não. Algo muito melhor. — E Draco colocou uma porção de quitutes bem tostados diante dela. — Aqueles bolinhos de aveia de que tanto gosta. — Em seguida, tirou um pote de geléia.
Hermione adorava bolinhos com geléia. Draco parecia saber muito a seu respeito, e ela se deu conta de que aquele era seu grande trunfo. Ele sabia a que horas sentia fome, quais seus pratos favoritos, que gostava de ser beijada no pescoço...
— Tenho certeza de que a geléia é de amora.
Ele abriu o pote, consultou seu interior, depois olhou para Hermione, com um sorriso nos lábios.
— Veja só, que coincidência! Acho que é mesmo de amora; sua favorita.
— Isso tudo é um tipo de teatro para me fazer gostar de você outra vez!
— Evidente. — Muito alegre, ele serviu o champanhe. — Já está funcionando?
— Acredita que sua vitória é só uma questão de tempo, não é? — Hermione tomou um gole da bebida. — Muita pretensão sua achar que me conquistará com essas táticas simplórias.
Draco parou de passar geléia num bolinho e fingiu consternação.
— Isso quer dizer que não vai querer nenhum destes?
Ela estreitou os lábios e inclinou a cabeça, engolindo o orgulho.
— Trouxe creme?
— Claro!
Hermione não resistiu.
— Certo, passe me um dos bolinhos.
Draco partiu ao meio e o entregou a ela com uma colher.
— Sabia que ia funcionar.
— Pelo contrário. — Hermione usava a colher para espalhar o creme no doce. — Não sou tola. Bolinhos, geléia, champanhe... nada disso vai me comover.
— Tenha piedade de mim. Olhe só a que papel ridículo estou me prestando para reconquistá-la.
Ela não conseguiu evitar. Teve de rir quando Draco engoliu metade do bolo recheado de creme e de geléia.
— Pobrezinho, veja como está sofrendo!
Draco assentiu com um movimento de cabeça, pois a boca estava cheia demais para falar.
— Estou mesmo sofrendo. Sabe que eu prefiro damasco... — Draco tirou um pouco de geléia do canto da boca com o polegar — ...mas amora tem lá suas vantagens.
Hermione entendeu ao que o marido se referia. Seu corpo e seu coração também. Estremeceu quando Draco pôs o pedaço de bolinho no chão, mas não conseguiu se mover quando ele começou a se aproximar.
— Sua boca está toda suja de geléia.
— Não é verdade. — Ela franziu o cenho.
Draco se esticou todo e pegou um pouco de geléia com o dedo. Virou-se para Hermione e tocou-lhe o canto da boca.
— Agora está.
Era o jogo que costumavam jogar anos atrás. Naqueles piqueniques, quando ninguém estava olhando, Draco passava geléia nos lábios dela para depois tirá-la com beijos. Após se casarem, isso se tornou um ritual: café na cama, geléia de amora, fazer amor.
Ele chegou mais perto com aquele olhar e, de repente, todos os esforços de Hermione para se manter gélida se mostraram vãos. Havia algo naqueles olhos cinza que a fazia sentir-se lânguida e quente.
— Não quero que passe a tarde toda com geléia no rosto, minha querida. O que as pessoas iriam dizer? Eu poderia tirar para você.
Ela lutou para controlar-se.
— E muita gentileza sua, mas estamos em público.
— Não importa, somos casados.
Hermione tentou afastá-lo com as mãos, antes que ele a beijasse.
— Não estou a salvo de suas investidas nem em um lugar como este!
— Não estará a salvo disso em nenhum lugar.
— Isso não é adequado!
— Ora querida, não me venha falar do que é adequado ou não, quando está com o rosto todo sujo de geléia.
Ela tentou limpar-se antes que ele prosseguisse com o jogo.
— Agora piorou. — Draco sorriu largo. — Espalhou ainda mais. Há uma grande mancha vermelha em sua face. — Ergueu a mão, e os dedos a acariciaram. — Bem aqui.
Hermione respirou fundo. Fazia tanto tempo que o marido não a tocava daquele jeito, com carinho, com desejo... Depois de oito anos ela ainda sentia arrepios quando ele a tocava, como se o tempo não tivesse passado.
— Todos estão olhando — disse, desesperada.
— Nesse caso, vamos dar a eles algo interessante para comentar. — Draco a beijou e, por um instante, Hermione sentiu que ia desfalecer.
Já tinha se esquecido do gosto daqueles beijos, do prazer de suas carícias.
Mas será que não aprendera nada? Será que não sabia que nada daquilo era real... Estava sendo manipulada, como antes.
Draco lhe ministrara a uma lição que nenhum homem pode dar a uma mulher: que amor e paixão são coisas bem diferentes E Hermione não seria enganada de novo Isso a fez recobrar-se. Afastou-se para poder respirar e olhou em torno. Seus temores se confirmaram.
— Todos estão falando de nós.
— Dizendo coisas horríveis, imagino. Beijar sua própria esposa em público é de péssimo gosto. Mas está bem, da próxima vez deixarei que você fique com o rosto sujo de geléia.
— Creio que você poderia, ao menos, não colocá-la em meu rosto.
— Mas aí não seria divertido.
— A vida para você é sempre divertida, não é?
— E não deveria ser?
Fora para ela também, mas não era mais. Hermione mergulhou a ponta do guardanapo no champanhe e esfregou a face, com vigor.
— Saiu? Não minta para mim, Draco.
— Saiu, sim, mas esfregou com tanta força que agora seu rosto está todo vermelho.
Hermione enrolou o guardanapo e o atirou nele. Estava tentada a olhar de novo para ver quem continuava por perto, mas desistiu. No dia seguinte, decerto, ouviria os comentários. Pela manhã, todos os seus conhecidos estariam sabendo que Malfoy andou beijando a esposa no parque, e que ela não se mostrava muito contrariada. Diriam também que já passara da hora de ela voltar para a casa do marido e aprender a ser uma esposa de verdade.
Porém, não tinha a menor intenção de fazer nem uma coisa, nem outra.
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Ja já chega o capítulo 4 ;p
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