Discussões e Decisões.



Discussões e Decisões.
                                                              (Lilá's POV)


Os dias que seguiram-se àquela noite na enfermaria foram, digamos, bastante estranhos. Uma semana depois do ocorrido, Ron e eu já não sabíamos como agir quando nos encontrávamos. Os olhos azuis dele fitavam-me durante as aulas, curiosos e tentadores, e eu sustentava o olhar, demonstrando que estava segura do que eu realmente queria: ele. Mas era só um par de olhos castanhos intrometerem-se na história, e os olhos dele já fugiam de mim, sorrateiros. Soube que a dona desses olhos enfadonhos e intrometidos quase havia surtado ao saber que Rony tinha estado na enfermaria do colégio, e que ela não estava lá para ampará-lo. Hermione era uma verdadeira pedra no meu sapato. Uma pedra, não: uma pedreira, uma montanha toda! Pelo visto, ela e Ron haviam feito as pazes de novo depois do acidente, uma vez que o trio maravilha de Hogwarts estava novamente andando unido por aí. Entretanto, Parvati contara-me que havia ouvido Hermione comentando com Neville (fofoca em Hogwarts é mato, vocês sabem) que Rony estava estranho desde seu retorno da Ala Hospitalar. Meio avoado, segundo ela. Pensando demais, e que isso não era nada normal.

Será que eu deveria contar isso como um ponto para mim?

De qualquer forma, eu não estava vendo vantagem nenhuma na situação. Ainda não tinha o meu Uon-Uon ao meu lado, e nosso último beijo só havia servido para me deixar mais desesperada por ele. Poxa, ele não podia fazer isso comigo! Me beijar daquele jeito, e depois me deixar a ver navios, implorando por atenção como um cãozinho sem dono. Tudo bem, eu o beijei primeiro, mas isso não conta. O fato é que pensar tanto assim no Rony não estava sendo saudável para mim. Ainda mais quando eu estava no meio de uma aula de Transfiguração, completamente alheia a tudo ao meu redor, fitando a parede ao fundo da sala, enquanto girava distraidamente minha pena cor-de-rosa entre os dedos.

- ... e depois do movimento de rotação com a varinha, basta dizer o feitiço com exatidão. Lembrem-se de que por tratar-se de transfiguração em seres vivos, a concentração deve ser a maior possível. – a professora Minerva crispou os lábios, correndo os olhos pela sala (dividida entre sonserinos e grifinórios). Não pude ver quando seu olhar fixou-se em mim. – Creio que possa me dizer qual a origem desse feitiço, senhorita Brown.

E foi só ao ouvir meu nome, que o frio gancho da realidade me puxou de volta a sala de aula. E aquilo não era nem um pouco agradável. Tentei desesperadamente buscar por alguma anotação na lousa, mas não havia nada. Céus, o que ela havia perguntado mesmo? Todos os alunos da sala me olhavam, esperando. Alguns riam, outros pareciam ter pena de minha situação. Aaah, minha nossa senhora das alunas desesperadas...

- Hã... – balbuciei, parecendo atordoada. Uma mão se ergueu no ar com tanta firmeza, que eu não tive dúvidas: Hermione estava atacando de sabe-tudo-irritante de novo. Merlin, sempre ela! - ...desculpe professora, mas eu não sei a resposta.

Engoli em seco, envergonhada. Foi difícil admitir minha burrice com tanta gente olhando, e eu acabei me sentindo um pouco humilhada. McGonagall me olhou daquele jeito azedo tão característico dela e meu corpo se encolheu na cadeira, em resposta.

- Eu honestamente esperava mais de você, senhorita Brown. Se quer um conselho, deveria sair do seu mundo de bolas de cristal, e dar atenção ao que realmente importa.

Pude ouvir Hermione resmungar algo, concordando com a professora. Depois que a garota respondeu à questão, e depois de elogios do tipo “brilhante como sempre, senhorita Granger”, a aula finalmente chegou ao fim. Os alunos acotovelavam-se em direção à porta, numa aposta de quem saia mais rápido da sala. Parecia que todos estavam tendo um surto de alergia crônica à Transfiguração, visto a maneira que corriam para fora do aposento. Eu não estava com pressa. Estava com raiva, isso sim. Como se pode competir com alguém tão... tão perfeita, como Hermione?

- Lilá, você não vem? – Parvati chamou-me, com a bolsa sobre os ombros e pronta para sair. Eu acenei com a cabeça, concentrada demais em guardar meus pertences. Ou pelo menos, tentando parecer assim.

- Em um minuto...

- Okay, eu vou procurar Padma. Preciso pegar algumas de minhas roupas que estão com ela.

Eu assenti e Parvati saiu da sala em passos rápidos. Apenas eu e mais alguns alunos ficamos por ali, guardando vagarosamente os livros pesados nas mochilas surradas. Eu não tinha pressa. Não tinha nada de bom para fazer mesmo... quem sabe fosse aproveitar um pouco do sol fraco que banhava os jardins, ou estudar alguns livros de Adivinhação que eu havia pego na biblioteca. Ou mergulhar no tédio. Estava tão perdida em meus pensamentos, que acabei esbarrando em dois dos meus tinteiros, derrubando-os com um baque leve e espalhando tinta preta por todo o chão próximo à minha carteira.

- Ah, mas que grande droga... – reclamei, abaixando-me para recolher os frascos e limpar minha sujeira. Por que quando algo está ruim, tudo fica ruim? Simultaneamente, outra pessoa  se aproximou e repetiu meu gesto no intuito de ajudar-me. Mesmo sem fitar-lhe o rosto, eu reconheceria aquelas mãos em qualquer lugar.

- Ei, não seja tão reclamona, poderia ter sido pior... – começou o ruivo, em tom animado – poderia ter caído sobre a sua roupa toda.

Eu ri, e nós dois nos levantamos quase ao mesmo tempo. A sala agora estava vazia, exceto por nós dois. Ele estendeu-me um dos tinteiros, enquanto o outro permanecia bem seguro em minha mão manchada pela tinta. Afastei uma mecha de cabelos do meu rosto, sem me dar conta que agora uma grande mancha negra e retilínea estava marcada em minha pele. Dãr, mãos sujas, como eu sou idiota!

- Você está certo, poderia ter sido pior – suspirei, com falso conformismo – Por acaso não se lembra daquele feitiço de limpar as coisas, não é?

Rony riu alto, como se aquela pergunta fosse a coisa mais absurda que já ouvira na vida.

-Mas que pergunta idiota, é claro que não!

- Eu imaginei... – respondi, entre risos, desviando os olhos para a mancha negra que jazia no chão. Não sei porque, mas aquela mancha tinha algo de agourento para mim. Talvez fosse apenas um pressentimento bobo, que fiz questão de afastar de minha mente. – Bom, acho melhor sair logo daqui, antes que eu acabe tendo que esfregar esse chão com as próprias mãos.

- Tem razão. Mas antes... – ele se aproximou perigosamente, os olhos fixos no meu rosto. Ele parecia bastante sem jeito, e minhas bochechas logo enrubesceram. Por que eu tenho que ser tão vulnerável a ele? – tem uma mancha de tinta no seu rosto. Posso?

Rony fez menção de limpar a tinta impregnada ali, esperando pela minha autorização. AH, LIMPA LOGO, RONY, que frescura! Você sabe que eu te deixaria fazer muito mais, se quisesse. Oh Merlin, eu juro que não pensei isso no mal sentido, acreditem!

- Claro, por favor! – exclamei, contendo meus pensamentos. Os dedos dele correram pela lateral do meu rosto, retirando delicadamente a tinta dali.

- Pronto.

As orelhas de Rony estavam muito vermelhas, e eu tive vontade de rir por isso. Ele estava ainda mais sem jeito que eu, e eu achava isso muito, muito fofo. Contive um suspiro apaixonado e limitei-me a sorrir em agradecimento, terminando de guardar meus pertences na mochila e pendurando-a sobre os ombros. Tratei de sair daquela sala, com Ron em meus calcanhares. Os corredores estavam tão cheios de alunos e suas felicidades estridentes, que minha vontade foi voltar para a sala de aula vazia e me trancar ali. Eu e minha solidão.

Não
, decretei mentalmente. Até um corredor com uma concentração insuficiente de oxigênio com o Ron é melhor do que uma sala fresca e arejada, sem ele. E para a minha surpresa, foi ele quem puxou assunto enquanto caminhávamos.

- Hãn... então... o que tem feito?

Olhei diretamente nos olhos dele, carregando a voz com uma nota de diversão ardida.

- Tenho tentado descobrir por que é que você tem me evitado, é claro.

Rony tossiu, como se tivesse levado um soco no peito. Sua expressão tornou-se uma falsa máscara de surpresa, como se aquela acusação fosse uma injúria.
Desculpe, Ron, mas você não é bom com mentiras.

- Eu não tenho te evitado, Lilá. - e ao ouvir as palavras do ruivo, soltei um risinho agudo e sarcástico, duvidando das palavras dele. Ajeitei os cabelos atrás da orelha, enquanto continuávamos a caminhar ombro a ombro pelos corredores apinhados de alunos tagarelando a plenos pulmões. Eu não os ouvia; apenas o timbre da voz de Rony era captado pelos meus ouvidos.

- É claro que tem, não seja bobo. Primeiro,você não falou comigo desde o dia em que esteve na Ala Hospitalar. Depois, ficou tão grudado em Harry e Hermione... – o ruivo ouvia minhas palavras, enquanto a máscara de surpresa era substituída por uma de culpa – Ron, eu vi você fazendo até tarefas atrasadas. Tarefas atrasadas, quando é que você faz isso?

Weasley riu, sem graça, erguendo as mãos em rendição. Touché! Ele sabia que eu estava certa, e seu estoque – muito pequeno – de argumentos em autodefesa pareciam ter acabado. Ele gracejou:

- Desde quando você se tornou tão esperta?

- Desde quando você achou que eu não o fosse? – nós dois rimos. Já estava acostumada a ser subestimada pelas pessoas. Mas ver Ron admitindo que eu realmente sabia ligar os fatos era algo que fazia uma massagem e tanto no meu ego.

- Ok, eu estive te evitando. Mas você tem que entender por que fiz isso. – ele parou de caminhar e eu imitei seu gesto. Estávamos um defronte ao outro, agora. Os olhos dele suplicavam – Eu estive confuso. Er... eu tive medo de falar com você, é isso.

- Medo? – eu franzi o cenho, inconformada. – Eu não costumo morder, nem nada. Não sou um animal descontrolado, embora algumas pessoas me vejam assim, eu acho.

Ele passou as mãos pelos cabelos, tentando clarear as idéias e consertar o que havia dito. Uma de suas mãos pousou em meu ombro direito, e seus olhos passaram a me encarar firmemente. Eu estremeci diante daquele olhar tão profundo e senti minhas pernas virarem gelatina.
Meu Deus, o que é que esse ruivo tem?

- Não foi esse tipo de medo. Foi medo de te magoar, de me magoar. De te perder, ou de me perder em você. Medo de jogar tudo pro alto, e magoar meus amigos... ah, Lilá, você precisa entender...

- Me faça entender. - desafiei.

- É um bocado difícil explicar.

E eu entendia. No lugar dele, eu não teria medo, pois realmente sabia o que queria. Mas quem podia culpá-lo? Somos seres humanos, afinal. A fraqueza é quase um acessório de fábrica. Desviei os olhos para o chão, fazendo um biquinho.

- Seus amigos realmente me odeiam, não é?

- Bem, o Harry não... na verdade, ele diz que você é bonita, e até engraçada. Ele não tem nada contra você. Mas a Mione... ela te acha uma completa inútil, se quer saber a verdade. E eu não entendo o porquê.

Por que será, não é, Ronald?
Acho que só ele ainda não havia sacado o que toda Hogwarts já sabia há anos! Sorri fraco, dando de ombros. Não gosto da idéia de ser odiada, mas não ia desistir de lutar pelos meus ideais só porque Hermione Granger podia me azarar a qualquer minuto.

- Eu não me importo, Ron. Não mesmo. E entendo que você tenha ficado com medo. Mas você precisa decidir, sabe? Eu não posso ficar aqui para sempre, margeando sua vida, a espera do momento em que você esteja pronto para me assumir como parte dela. – meus olhos produziram lágrimas demais para uma situação normal. Oh não, eu não podia começar a chorar! Não agora. Minha voz embargou, e meus lábios tremeram. – Não quero ser um acessório que você use só quando não tiver a atenção dos seus amigos. Quero ser o que você precisa sempre.

Rony parecia aflito enquanto eu continha minhas lágrimas bravamente. Era tão difícil... eu havia guardado tantos sentimentos e palavras por tanto tempo, que alguma hora eles acabariam por transbordar. E se não transbordariam em lágrimas, tinham que explodir de outra forma... um abraço, talvez. Um abraço bem forte, daqueles que nos tiram o ar de tanta intensidade. Não fiz esforço para conter meu impulso de abraçá-lo, e abracei o ruivo de súbito. Ele cambaleou para trás, enquanto eu escondia o rosto em seu pescoço. Atordoado, passou os braços pelas minhas costas, abraçando-me também. Acho que ele não sabia o que dizer, então, quem tornou a falar fui eu, sussurrando rente a pele dele. Algumas pessoas que passavam pelo corredor nos lançavam olhares curiosos.

- Não podemos ficar nessa indecisão para sempre. – funguei baixinho – Preciso de um decreto seu, para saber de que forma vou seguir a minha vida, Ron. 

Me desgrudei dele, enxugando a única lágrima que teimara em rolar pela minha bochecha. Não chorava mais, e pretendia continuar assim. Rony olhou-me com ternura, as orelhas novamente enrubescendo. Provavelmente, ele também precisava de um desabafo. Talvez também estivesse com as palavras entaladas na garganta. O ruivo pegou uma de minhas mãos, e eu já estava me preparando para o pior. Acho melhor sermos apenas amigos, Lilá, eu podia ouvir claramente em meus pensamentos,
somos melhores quando estamos separados...

- Eu quero ficar com você. Quero que fique comigo...

Meu mundo parou, e eu arfei. Ele apertou minha mão na dele.

- Não quero que você seja um acessório, quero que seja a principal. O meu caminho certo, entende? Eu pensei muito sobre isso, e veja bem, pensar não é minha atividade preferida... mas inferno, eu sinto sua falta. Você traz a tona o melhor de mim, Lilá, sem exigências ou críticas. E você merece ter o meu melhor, se é que eu tenho algum...

OH CÉUS, eu estava prestes a ter um ataque de felicidade súbita, mas me controlei. Um sorriso bobo aflorou em meus lábios, enquanto eu sustentava o olhar terno que aquele garoto me lançava. Eu sorvia cada palavra que saia da boca de Ronald Weasley como se elas fossem o ar que meus pulmões necessitavam naquele corredor que antes parecia tão apertado para mim.

- Então, eu só quero saber se você quer ficar comigo. Dane-se o que vão pensar, sabe? Se quer tentar de novo, sem falsas promessas de que será fácil e perfeito, ou de que será pra sempre, mas com a idéia de que farei de tudo para ser o melhor que eu posso ser para você...er... e que você poderá contar comigo para te avisar quando seu cabelo estiver uma droga, quando tiver remela no seu olho e pra te lembrar todos os dias que eu te acho a garota mais linda do mundo, mesmo nos dias em que você se sinta um nada. E eu poderei contar com você para me deixar copiar suas tarefas, me ouvir reclamar, ou gritar comigo quando eu estiver sendo idiota. – ele riu, seco. A voz estava rouca pelo nervosismo.

Eu não sabia mais se ria ou chorava. Aquela declaração era tão Rony que tinha feito todos os meus sentidos entrarem em colapso. Agora já não eram só as orelhas que estavam vermelhas. Rony parecia uma espécie de tomate gigante, e as mãos suavam nas minhas. Diante da minha falta de reação, ele continuou.

- Enfim, eu só quero saber... Lilá, o que acha de a gente, hãn... diabos, quer ser minha namorada? Quer tentar de novo, e dessa vez, fazer dar certo?

Meu cérebro estava a milhão. Eu ainda processava as palavras dele – que me olhava com cautela, o rosto vermelho pela timidez -, tentando guardar em minha mente cada vírgula de tudo aquilo que ele havia me falado. Eram as palavras mais bonitas e carinhosas que eu já tinha ouvido na minha vida toda. De verdade! Aquela pergunta de Rony era quase retórica. Ele sabia a resposta, mas mesmo assim, parecia esperar por uma. Se eu queria ser namorada dele? Então, eu me aproximei dele, e colei meus lábios nos do ruivo em um selinho leve e carinhoso, fechando os olhos e aproveitando a sensação de conforto que aquela proximidade me proporcionava. Tão logo me afastei, sorri, deixando nossos narizes a centímetros de distância. Podia sentir o hálito quente de Ron chocar-se contra o meu rosto, descompassado. Ainda estávamos de mãos dadas.

- Só aceito se a parte da remela nos olhos for verdade.

Foi a vez dele sorrir. O garoto fechou os olhos e roçou os lábios entreabertos nos meus, fazendo-me prender a respiração.

- Eu juro. E ainda posso acrescentar meleca no nariz, se você quiser.


Mais risadas. Nunca havia prestado atenção nisso, mas até nossas risadas combinavam.

- Me convenceu, Rony. – brinquei – E voltar a ser sua namorada é o que eu mais quero desde que nós terminamos, você sabe.

Por um segundo, ele pareceu confuso.

- Eu sei?

Não consegui repreender uma risada, e preferi abraçá-lo a responder àquela pergunta boba. Nos abraçamos por segundos que pareceram uma eternidade. Não me importava com os olhares curiosos que atraíamos ali, em pleno corredor. Estava preocupada apenas em sentir a segurança que estar nos braços de Ron me trazia, e em notar como o cheiro dele era bom e protetor. Eu me sentia completa. Mais que completa... eram tantos sentimentos, que eu não conseguia mais encontrar palavras para defini-los. Nos separamos. Uma troca de olhares, uma fungada desconfortável de Ron... outro sorriso. E de mãos dadas, tornamos a caminhar pelos corredores apenas aproveitando a companhia um do outro, trancados em nosso universo particular onde pelo menos naquele instante, tudo estava maravilhosamente bem.


Não demoraria muito para que se espalhasse por toda a escola a notícia de que Lilá Brown e Ron Weasley estavam juntos de novo.


E demoraria muito menos para que ela chegasse aos ouvidos de uma certa garota muito irritante.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.