O LIVRO DOS MORTOS



A porta se fechou atrás dos dois garotos com um baque seco e surdo. Gina olhou para trás assustada, mas logo sentiu uma corrente de ar frio dentro do quarto e isso explicava porque a porta tinha se fechado. Draco soltou a mão da garota e deu uma boa olhada ao redor do quarto. Uma faixa laranja berrante ao redor da escrivaninha, prateleira de livros e armário significava que aquele lugar estava sob investigação do ministério. Draco ergueu as sobrancelhas.
— Eu sabia que isso daqui não estava nem um pouco bom.
— Não estou entendendo nada. Cornélio disse que não tinha caso para investigar.
— Ele deve ter feito isso para não ter escândalo.
— Faz sentido. – Gina olhou ao redor e atravessou a faixa amarela da escrivaninha. - Se eu fosse o psicopata do Myers onde esconderia o Livro dos Mortos? – Ela abriu e fechou todas as gavetas.
— Gin... – Draco falou andando até a prateleira – pelo que conheço o professor, acho que ele o colocou no lugar mais óbvio: na prateleira de livros.
— Será? É óbvio demais!
— Exatamente por isso. Por ser óbvio seria o último lugar que alguém procuraria. Você olha a prateleira da esquerda e eu olho da direita.

Os dois se separaram. Colocavam o dedo no título do livro e olhavam atentamente. Cerca de 500 livros depois, nada. Eles sentaram no chão, derrotados. Foi então que Draco se levantou e caminhou diretamente até uma prateleira no fundo da sala. Alguns poucos livros estavam empoeirados ali. “Vampiros”; “Mistérios do Egito”; “Magia Negra avançada”; Frankstein. Quando Draco pegou o último ele caiu, revelando possuir uma capa falsa. Em latim arcaico estava escrito “O livro dos mortos”. Seus olhos quase não acreditavam no que estava vendo. Ele se abaixou e o pegou. Fez menção em olhar o livro, mas Gina o deteve.
— Melhor sairmos daqui. – Ela disse olhando ao redor assustada – Encontramos o que queríamos.

Draco a olhou, estava vidrado. A empurrou com força para trás. Suas unhas cresceram em segundos e a pele do seu rosto repuxou.
— Eu tenho o poder. – ele falou com voz mórbida – e ninguém vai tirá-lo de mim.

Gina o olhou assustada. Puxou a varinha da manga.
— Draco, não me obrigue a fazer isso!
— Fazer o que sua tola? – A cada palavra a voz dele engrossava mais. Ele levantou uma das mãos e foi como se tivesse recebido um poder dos céus. Ela começou a brilhar, uma luz negra e sombria. – Não se atreva a me deter. A não ser que queira morrer agora.

Um clima estranho cercou os dois. Uma batida seca na porta. Draco olhou para trás e este foi o momento oportuno. Gina pegou um pano qualquer e em segundos pulou em cima do garoto, atirando o livro longe. Os dois caíram e quando Draco se levantou tinha voltado a ser o mesmo. Suas unhas voltaram ao tamanho normal, assim como seu rosto. Gina o abraçou apertado.
— Pensei que você ia me matar. – Ela sussurrou no ouvido dele – Pensei que...

Palmas. Os dois olharam para o lado, mas não viram nada. Mais palmas.
— É tão bonito ver um casal apaixonado. – Myers tinha aparecido no quarto como um fantasma e olhava para os dois com cinismo. Draco protegeu Gina com o corpo e o olhou com desafio, mas ele logo disse – Não vou fazer mal a vocês.
— Mais do que já fez é impossível. – Gina sussurrou olhando para a cicatriz no próprio pulso.
— Vocês estão me interpretando muito mal. – Myers praticamente flutuava pela sala. Ele olhou para o livro no chão, algumas folhas tinham soltado. – Tomem cuidado com esse livro. Ele é único no mundo inteiro. O único elo com o mundo dos mortos.
— O que você está fazendo aqui, Myers? – Draco perguntou. - Devia estar atrás das grades. Você tentou nos matar.
— Ora, Malfoy. – Ele disse sentando em uma das cadeiras de frente para os dois jovens. – Acompanho tudo de perto para que nada dê errado. Absolutamente nada. – A propósito, seu pai não vai ficar muito feliz em saber que você está aqui – Ele olhou para Gina com desprezo – com ela.
— É mesmo? – Draco perguntou sarcástico. – Então por que você não vai lá contar para ele?
— Porque não é interessante. Pelo menos, não ainda. O momento certo chegará. Agora vão. Vocês tem um longo caminho pela frente.

Draco estendeu a mão e apertou a mão de Gina. Quando ele olhou novamente para a cadeira, Myers não estava mais lá. Ele olhou ao redor assustado. Pegou o pano que Gina tinha usado no chão, envolveu o livro e, sem pensar duas vezes, saiu da sala. Nenhum dos dois disse uma palavra no caminho de volta. Os corredores estavam desertos e escuros. Gina sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Ela tinha medo até mesmo de dizer alguma coisa. A única coisa que fazia era apertar a mão de Draco cada vez mais apertado. Ela odiava essa sensação: ter medo de sentir medo. Era uma das coisas mais sem sentido de todo o mundo. Voltaram pelo zigue-zague dos corredores, ate chegarem no corredor do quarto dela. Draco a encostou na parede e a beijou ternamente na testa.
— Cuide-se. Por favor. – Sussurrou. – Quer ficar com o livro?
— Acho melhor não. Eu divido o quarto. Prefiro que fique com você. Mas por favor Draco, tome cuidado. Muito cuidado. Não o segure. Mantenha-se longe desse livro enquanto não descobrirmos como devemos fazer.
— Ok, tomarei cuidado. – Ele a olhou com carinho – Agora entre e vá dormir. Nos vemos no café da manhã.


Gina entrou no quarto escuro sem fazer o menor barulho. Babete dormia profundamente. Pegou seu pijama debaixo do travesseiro e entrou no banheiro. Tirou a roupa e colocou o pijama de ursinhos. Foi até a pia, abriu o armário e pegou a escova e a pasta de dentes. Quando fechou o armário deixou tudo cair e soltou um grito horrorizada. Viu a imagem de um monstro refletida no espelho, sua própria imagem, como se fosse uma múmia. Os olhos saltados, brancos. A boca escancarada, como num grito eterno. Ela fechou os olhos e quando os abriu novamente ali estava seu reflexo. Os cabelos vermelhos e lisos, os olhos claros, a pele de bebê. Ela suspirou aliviada. Mas ao mesmo tempo, sabia que alguma coisa muito errada estava acontecendo. Deixaria para conversar com Draco de manhã.



Draco entrou em seu quarto e trancou a porta. Alguma coisa lhe dizia que ele era apenas um coadjuvante em um grande emaranhado de conspiração. Algo estava extremamente errado, mas ele não sabia dizer o que era. Abriu seu armário e tirou uma das gavetas. Colocou o livro no fundo, certificando-se de que ninguém conseguiria acha-lo. Colocou a gaveta de volta e sentou-se na cama. Aquele livro era poderoso demais, disso não havia dúvidas. Mas porque se transformar em um monstro? Como faria para lê-lo? E o que Myers tinha falado sobre vocês tem um longo caminho pela frente ? Pela primeira vez desde que saíra da pirâmide sentiu medo. Temia por Gina e por sua própria vida. Apesar de que seu pai não deixaria nada de mal lhe acontecer. Mas tinha alguma coisa muito errada em tudo. Levantou-se, foi até uma prateleira e pegou o livro “Decodificando o Livro dos Mortos”. Olhou para a capa e ali estava “Jack Myers”. Ele não pôde deixar de rir. Ironia do destino ou não, Myers tinha escrito aquele livro. Pegou uma pena e um pergaminho, deitou na cama e começou a ler.




A manhã estava feia, fria e cinzenta. Gina acordou com o barulho de Babete arrumando sua mochila. Quando abriu os olhos e colega de quarto sussurrou.
— Bom dia, bela adormecida. – Sorriu – Acho bom acordar, caso contrário vai perder a primeira aula e o café da manhã.
— Que horas são? – Gina perguntou se espreguiçando.
— Pouco mais de sete e meia. – Ela jogou a mochila nas costas e fez um rabo de cavalo. – Estou indo, nos vemos no café. Bom dia.

Gina sentou na cama e esfregou os olhos várias vezes. Estava cansada. Tinha a impressão de que não tinha dormido sequer dez minutos. Sonhos estranhos tinham lhe perturbado a noite inteira, mas ela não conseguia se lembrar de nada. Levantou e foi até o banheiro. Escovou os dentes e penteou os cabelos. Trocou de roupa, pegou a mochila e saiu do quarto. Andou a passos rápidos até o salão. Draco estava sentado em uma das mesas e parecia distante.
— Bom dia. – Ela disse jogando a mochila em uma cadeira e lhe beijando levemente os lábios. - Como está?
— Inquieto. – Ele respondeu sorrindo levemente. – Passei a noite lendo o livro “Decodificando o Livro dos Mortos”.
— Descobriu alguma coisa? – Ela perguntou aflita.
— Sim. Para começar – ele sorriu novamente, um sorriso triste – Apenas quem está morto pode ler aquele livro.

Gina olhou para Draco atônita. Teve vontade de rir, mas algo a impediu. Morto? Mas aquilo não fazia o menor sentido. Ela o olhou novamente, olhos arregalados.
— Como assim, Draco? Quer dizer que Myers está morto?
— Isso eu já não sei dizer com certeza. – Um sinal sonoro alto tocou, avisando aos alunos que eles deviam ir para a aula. – Eu vou te passar as minhas anotações. Leia e tire suas próprias conclusões. Eu já não sei mais o que pensar. De repente tudo ficou muito confuso. – Ele se levantou e a olhou nos olhos – Preciso ir para a minha aula e você precisa ir para a sua. - Gina pegou as anotações que Draco lhe estendeu e guardou-as dentro da mochila. - Nos vemos na hora do almoço. Não se preocupe, vai dar tudo certo.

Ele se abaixou e a beijou levemente na testa. Sussurrou um “cuide-se” e saiu apressado do salão. Gina olhou para a comida a sua frente e sentiu seu estômago revirar. Lembrou dos rituais que tinha presenciado. O cheiro de carne morta inundou seus pulmões. Lembrou-se de Seth deitado na cama. Aquilo era nojento. Colocou a mochila nas costas e voltou correndo para o seu quarto. A última coisa que queria era assistir aula.


Gina jogou a colcha em cima da cama, tirou o tênis, pegou os pergaminhos e sentou-se na escrivaninha. Pegou a primeira folha e começou a ler.

O Livro dos Mortos é um dos livros mais antigos que existe na humanidade, sendo mais antigo que a própria Bíblia (livro sagrado dos trouxas). É o único elo que a sociedade contemporânea possui com o passado e com o além. (...) Como o próprio nome diz, o livro só pode ser lido por quem está morto. É um longo ritual de ressurreição. (...) Quem o toca sem estar pré-destinado sofrerá um penoso castigo. (...)


Ela soltou as folhas e seus olhos se encheram d’ água. O fim estava próximo.

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