O começo de tudo...



1º de agosto.


Não estranhe a falta do ano, pois esse nada importa pra mim. O que importa mesmo é a data. Daqui a exato três meses terei completado onze anos. Finalmente. Não que seja lá algo muito importante, onze é só um número depois do dez e antes do doze, mas apesar da insignificância dessa idade sinto que algo de interessante vai acontecer agora.


 


Antes de continuar narrando esse dia, que apenas está no começo, vou me apresentar: Me chamo Francesc Silas Fábregas, um nome bem estranho, eu sei, mas posso explicá-lo ou ao menos tentar. Nasci e fui criado (ainda sou) em uma cidade espanhola de nome Sevilla. Pra quem tem um mínimo de conhecimento de História e Geografia, deve saber que se trata de uma cidade na província de Andalucía, Espanha (já tinha dito que era uma cidade espanhola, mas é sempre bom lembrar, já que o próprio povo daqui esquece...). Até aí ta tudo meio vago ainda, eu sei (tantos eu sei, devem me fazer parecer convencido, né? Pra mim tanto faz...), mas o mais importante que se pode tirar desse monte de idiotice que eu disse anteriormente é: 1º: Francesc, Francisco, Francesco, é tudo a mesmíssima coisa, a diferença é só o endereço mesmo, afinal tudo vem do catolicismo... Silas nem me pergunte o que quer dizer o Google ta aí pra isso... Aliás, sabia que Google é o número 1 com 100 zeros atrás tipo: 1000000000000000000000000000... Não precisa nem contar pra saber que não têm 100 zeros, né espertinho? Pois bem, não têm mesmo, por que eu sou um preguiçoso de marca maior. Onde eu estava mesmo? Ah, ta! Nome. Eu disse que ia tentar explicar e não que conseguiria tal feito! Meu nome é assim porque minha mãe é católica fervorosa, o sobrenome dela é Silas e o do meu pai Fábregas, fim. Mas voltando ao assunto que realmente importa, a segunda coisa que pode ser tirada da minha origem é que como bom espanhol eu sou lindo! Brincadeirinha... Vou me descrever fisicamente agora, mas não espere nada poético do tipo olhos brilhantes como... Blábláblá! Pois bem, lá vai: Cabelo castanho escuro (bem escuro, é preto para os mais desatentos), curtos atrás, um pouco mais compridos na frente, é difícil de explicar parece um cabelo de desenho japonês! Pelo menos é o que a víbora da Louise insiste em dizer (minha irmã gêmea, longa e triste história... Nem queiram saber!). Olhos também escuros. Não podiam ser diferentes, afinal minha cidade já foi moradia dos mulçumanos, que trouxeram suas características mais morenas a uma pálida Espanha. Pois é. Sou bem comunzinho mesmo... Meu corpo então, nem se fala... To esperando a tal da puberdade até agora...


Algo finalmente me fez abrir os olhos e parar de pensar besteiras, algo não, alguém: Minha mãe.


- Cesc, acorda! Daqui a pouco sua vó chega e você ainda ta aí hibernando!!!


Minha nossa Senhora das causas perdidas, como é que minha amada mãe consegue trazer tanta coisa ruim junta num fôlego só? Primeiro: Tô de férias e algo me diz que é cedo de mais para uma pessoa de férias acordar! Segundo: Como assim ‘Daqui a pouco sua vó CHEGA?’ Não me leve a mal, adoro a minha vó, mas adoro mais ainda quando ela ta lá na Cataluña, terra dela! E terceiro: Minha mãe tinha que me dá uma cutucada, né? Hibernando... Ela se acha muito engraçada mesmo! Depois dessa não é possível que ela espere uma resposta educada!


- Devia estar feliz por eu não entrar em estado vegetativo depois de um berro desses!!!- De fato minha mãe esperava um pouco mais de educação da minha parte...


- É O QUE? É bom eu ter escutado mal, se não você vai ver!- Gelei. Minha mãe é muito legal e tal, mas ter que receber sua sogra de surpresa sempre altera drasticamente o seu humor.


- Deve ter ouvido mal sim, adorada mãe! Mas eu repito: Dentro de 15 minutos estarei pronto!


- É bom mesmo!- Voltei a respirar depois dessa afirmação. Graças a Deus minha mãe é parecida comigo: Ignora o que não importa.


Fui para o banheiro, não sem antes dá uma olhadinha pela janela... Chuva. Aparentemente não tem aquecimento global que mude o clima dessa cidade, estamos definitivamente em época de chuvas. Mas não posso reclamar, é melhor do que quando o sol resolve aparecer e nunca mais ir embora... Em 2003, fez 47º Celsius, achei que eu ia morrer!


Entrei no meu banheiro e fui direto tomar banho, afinal precisava acordar de vez. Pra isso coloquei o chuveiro no frio. Péssima idéia! Demorei mais do que devia pra tomar banho e quando cheguei à sala, lá estava vovó no seu cintilante vestido verde furta-cor, que se me permite dizer, é assustador!


- Cesc, criança! Como cresceu!- Tentei forçar um sorriso, palavra-chave: tentei!- Algum problema querido, parece doente!


- Nada não vó, é só fome!- Ou seria medo?- É que eu ainda não tomei café...


- Não tomou café? Olalla! Quer matar meu netinho de fome?- Minha mãe fechou a cara automaticamente.


- Como se eu pudesse! Esse ai quando ta com fome come até tijolo!- Não sei quem ficou mais chocado, eu ou minha vó que fez uma cara engraçada e me puxou pra si de um jeito totalmente protetor. Louise se controlou pra não rir.


Mas para a minha sorte e o azar da Louise, meu pai chegou para acalmar as coisas e colocar ordem no lugar... Ou assim eu esperava!


- Mamãe, que saudade! Faz muito tempo que chegou?- Preciso mencionar que meu pai abraçou a minha vó sem nem ao menos esperar eu sair da frente? Louise nem disfarçou, aquela cretina! A sorte é que meus, até então, saudáveis pulmões me permitiram ter fôlego suficiente pra murmurar algo.


- Deus! Vocês estão me matando!- meu pai pareceu perceber o meu mal estar e soltou o abraço, ou deveria dizer aperto, de urso que ele deu em mim e minha vó. - Caramba! Assim vão acabar matando o único herdeiro homem da família!- Tinha que cutucar a fera! Minha amada maninha fez cara de poucos amigos por causa do comentário, afinal ela odeia o fato de que é uma das seis netas mulheres dos Fábregas e eu, o único neto homem. HÁHÁ! 1x0 pra mim.


- Como se alguém tivesse coragem de se referir a você como homem!- 1x1! A garota é mesmo minha irmã... Mas não vou sair por baixo!


- Hora maninha não precisa ficar azeda, sabe que eu não ligo pra essas coisas de sexo! Todos temos o mesmo valor diante de Deus!- O placar continua 1x1, mas com certeza ganhei pontos com os velhos com o comentário religioso... Sou tão mal!- Falando em valor- Fiz uma pausa poética pra continuar meu “puxa-saquismo”- Cadê o vovô?


Minha irmã fingiu que vomitava, meu pai soltou um risinho pelo nariz, mamãe revirou os olhos e murmurou algo que eu não entendi. Mas a vovó teve a reação que eu queria e que importava, abriu um sorriso orgulhoso e me puxou para um abraço de lado.


- Está no carro trazendo seus presentes!- Disse ela toda feliz e distraída enquanto apertava as minhas bochechas.


- Presentes?- Não contive minha alegria, afinal pobre é uma miséria mesmo!- Mas meu aniversário é só daqui a três meses!- Mas quem está contando?Eu é que não!


Vovó fez uma cara de falsa surpresa e começou a dizer algo sobre o dever de dar presentes aqueles que nós amamos, sem datas especiais pra isso. Pobre vovó! Perdeu minha atenção quando falou em presentes... Eu e a minha falta de educação tremenda saímos porta a fora em busca dos preciosos presentes. Uma grande ironia essa! Comecei o dia irritado com uma visita surpresa dos meus avós e agora não consigo enxergar nada mais promissor do que isso nas minhas férias. Mas havia...


Foi só eu colocar os meus pés pra fora de casa, que me bati com algo que eu nunca imaginei ver pessoalmente na vida: Uma coruja!


Como um Fábregas de respeito que sou tive a atitude mais sensata que podia, já que estava no chão me encolhi e comecei a falar alto (eufemismo para gritar).


- Socorro um monstro preto quer me matar!- Minha querida irmã, metida a corajosa, estendeu a mão para o bicho, até que num gesto gracioso pra ela, onde a coruja pousou igualmente graciosa e depositou uma carta, pelo menos eu acho que era uma...


- Nossa! Uma carta pra mim! De quem será?- Depois que a coisa preta foi embora, me levantei e consegui me recompor a tempo de dizer:


- Tendo em vista o pombo correio, creio eu que o remetente seja o próprio diabo!- Ela me mandou uma cara digna de um carrasco, com a qual nem me assustei afinal já me acostumei com essa reação diante dos meus comentários puramente construtivos...


Mas nem pude me deliciar com a expressão revoltada da minha irmãzinha, porque lá vinha de novo mais um monstro, dessa vez o bicho era branco, não me peçam detalhes que eu não me dei ao luxo de ficar com os olhos abertos por muito tempo.


Largou um envelope aos meus pés e voou rápido pra longe do meu alcance, ainda bem, por que eu já estava me preparando pra fazer um escândalo. Não pense besteira, não sou GAY! E também não tenho nada contra eles, os gays, porque contra os bichos eu tenho tudo contra... Mas não posso evitar agir como uma garotinha assustada, os animais e eu não nos damos nem um pouco bem... Até aqueles peixes dourados de aquário preferem se suicidar a ficar perto de mim... Não os culpo, são irracionais mesmo, afinal quem em sã consciência iria querer ficar longe de mim?


Peguei a carta no chão, olhando pro céu, vai que a coruja resolve voltar? Olhei para cara da minha irmã que agora estava com os meus pais ao seu lado. Os olhos dela a cada linha que lia, pareciam que iam saltar das órbitas. Fico me perguntando, será que isso pode acontecer? Involuntariamente cruzei os braços e abaixei a cabeça num momento de reflexão. Quem me acordou do meu devaneio foi o meu avô.


- Que caras são essas?- Olhei pra cima pra ver de que “caras” se tratava- Que carta é essa que tem ai Cesc?- Passei o envelope já esquecido em minhas mãos para o meu avô, seja lá o que for é igual ao da minha irmã, é chocante e não precisa ser lido por mim agora. Desisti até de ir ver os meus presentes, algo mais urgente me chamava, e esse algo falava alto e não podia ser ignorado, se faz sempre presente e me atormenta toda manhã. Meu estomago ronca nas situações mais inusitadas possíveis, mas como já disse antes, não pode ser ignorado, então dei meia volta e fui até a cozinha vê o que tinha de bom pra comer naquele dia, que ainda prometia muito.

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