1º a 4 de Outubro

1º a 4 de Outubro



Capítulo 2
de 1º a 4 de Outubro


Dia 3, Quinta (continuação)


‘Devo lembrar que estou vivendo com um sonserino, um bastante desagradável e vingativo’, pensou Harry na hora do almoço.


O dia até então não estava indo muito bem. Eles tinham chegado oito minutos atrasados na aula de Transfiguração, e, embora tudo que McGonagall tenha feito a respeito foi parar no meio de uma sentença e esperar que os dois se sentassem antes de continuar, Malfoy estava irritado desde então. Em um contraste agudo com seu mal-humorado silêncio dos últimos dois dias, ele tinha optado por uma longa e sólida enxurrada de abusos verbais durante a parte prática da lição.


Não ajudara em nada o fato de que estavam na aula de Malfoy, e que cada um de seus comentários maldosos era seguido por um coro de risadas dos outros sonserinos. Harry tinha quase que literalmente mordido a língua para se impedir de responder, sabendo que qualquer coisa que ele dissesse seria ridicularizada por Malfoy e seus amigos.


“Brilhante, Potter. Um trabalho do qual qualquer aluno do segundo ano se orgulharia. Pena que você está no sétimo”.


“Aquele único vislumbre de entendimento ficou muito sozinho no seu cérebro sem nenhum outro pensamento para lhe fazer companhia? Foi por isso que ele decidiu te abandonar?” — Pansy Parkinson tinha achado esse comentário muito engraçado.


“Por Merlin, Potter, nós temos que transformar a pena em uma flor, não em uma erva daninha”.


“Você só está fingindo toda essa estupidez infame, não é? Para dar ao resto de nós um falso senso de superioridade?” — Esse último tinha resultado em McGonagall subtraindo cinco pontos da Sonserina pela grosseria de Malfoy, o que não tinha feito muito pelo ego de Harry.


Então veio Defesa Contra as Artes das Trevas. Harry pôde sentar com seus amigos durante a primeira parte da aula, mas a segunda metade envolvia um pouco mais de movimentação, já que estavam praticando feitiços em espíritos agourentos. Goyle, Crabbe e Pansy Parkinson acabaram perto deles, se juntando a Malfoy para ridicularizar Harry e Hermione, que eles tentavam dominar o espírito agourento de Harry. Os repetidos conselhos de Hermione para Harry não dar ouvidos ao “babaca peçonhento” não ajudaram em nada.


“Sinceramente, Potter, acho que estou casado com um aborto!” Malfoy comentou, e os sonserinos riram.


“Nós não somos casados”, Harry respondeu. Malfoy olhou para ele confuso.


“O quê?”


“Nós podemos estar ligados por um elo, mas nós não somos casados”, Harry disse com veemência.


“É a mesma coisa”.


“Não é, não. Não chame disso”. Hermione respondeu.


Malfoy trocou um olhar desconcertado com os amigos. “Por que não?”


“Um casamento é muito mais do que uma estúpida maldição que te liga a um imbecil repulsivo que você gostaria muito de matar durante o sono. Um casamento envolve amor e compromisso — é uma coisa boa”, Harry disse.


Malfoy deu um sorriso de desprezo para os dois. “Ooh. Que bonitinho. Um casamento tem que ter poesias, corações e doces, não é?” — Parkinson riu. — “Que coisa mais trouxa. Mas tudo bem, como você quiser: sinceramente, Potter, querido, acho que estou casado com um aborto”.


Harry corou furiosamente, o que fez os sonserinos se acabarem de rir e deu para Malfoy a dica para mais zombarias pelo resto da aula.


“Não pense muito, meu caro. Não é seu ponto forte”.


“Luz da minha vida, essa sua completa falta de habilidade para entender as instruções mais simples — é algo natural ou você treinou para aperfeiçoá-la?”


Ele tentou se confortar lembrando que pelo menos os dois estariam entre os amigos de Harry durante a maior parte da tarde. Mas, como tinha visto em Defesa Contra as Artes das Trevas, isso não adiantava muito se houvesse movimentação na aula. Eles tinham encostado acidentalmente em outros alunos durante as partes práticas de Transfiguração e Defesa Contra as Artes das Trevas e acabaram ficando muito perto um do outro para evitar a dor do contato alheio.


“Apresse-se”, Malfoy repreendeu Harry quando entraram no Grande Salão. O loiro rapidamente se aproximou da mesa mais próxima e pegou alguns sanduíches, como tinha feito no dia anterior.


“Malfoy, espera aí. Eu não quero comer no pátio de novo”.


“Não, nós vamos para o hospital, lembra? Temos que ver Pomfrey todos os dias”


“É verdade”. Harry pegou a comida sem muita vontade e seguiu Malfoy para o hospital. Onde Pomfrey iria acenar com a varinha para seu corpo inteiro, “monitorar” o “progresso” dos dois e provavelmente fazer um monte de perguntas que ele não queria responder. E lembrá-lo que aquela bagunça envolvia muito mais do que ter que se acostumar com novas aulas e um novo lugar para dormir. Uma coisa que ele realmente não queria ser lembrado.


ooooooo


“Certo, então”, começou Madame Pomfrey. “Eu vou fazer um monte de perguntas para vocês dois todos os dias, e quero que respondam honestamente. Nós faremos isso no lugar mais privado possível, então não têm de se preocupar sobre o outro saber o que você disse. Também entrei em contato com uma medibruxa do St. Mungus, que trabalha com feitiços de ligação que não dão muito certo. Não que isso seja comum, mas de vez em quando acontece que um casal que tenha aceito o elo por razões políticas” — ela cuidadosamente não olhou para Malfoy quando disse isso — “descubra que é incompatível. Ela chegará em alguns dias para nos ajudar”. Pomfrey alisou a capa, soando um pouco menos autoritária pela primeira vez. “Estou meio perdida. Não só porque o elo de vocês foi involuntário, mas também porque não é algo comum que esse feitiço seja lançado entre pessoas do mesmo sexo. E, é claro, também há o problema de vocês mal terem atingido a maioridade. Isso para não mencionar toda a animosidade entre os dois”.


“Que legal ser único”, Malfoy murmurou.


“Sim, bem, os jornais estão se divertindo bastante”, disse Pomfrey.


“Jornais?” Malfoy e Harry falaram ao mesmo tempo.


“Imagino que vocês não estiveram no café da manhã?”, eles concordaram com a cabeça. “Vocês são o assunto do momento no Profeta Diário”.


“Oh, deus”, Malfoy cobriu os olhos.


“Bem-vindo à primeira página”, Harry disse amargamente. “Não é isso o que você sempre quis?”


Pomfrey limpou a garganta e começou a falar antes que Malfoy pudesse responder. “Hoje, enquanto eu estiver falando com um de vocês, o outro vai conversar com a Madame Pantere”, ela indicou uma bruxa mais velha que trazia a insígnia do Ministério. “Ela irá tentar encontrar quem lançou a maldição -”, Pomfrey levantou a mão quando a expressão deles se animou, “-não que alguém espere achar qualquer resposta aqui. Vocês sabem que é muito provável que essa situação seja permanente. Madame Pantere se esforçará para localizar o responsável, mas as chances são poucas”. Os dois assentiram, desanimados. “Certo, vamos começar. Malfoy, vá com a Madame Pantere, ela irá te examinar e fazer algumas perguntas. Potter, venha comigo”.


Harry a seguiu até uma pequena repartição, perto de onde Madame Pantere e Malfoy estariam, mas, aparentemente, a prova de som, já que a voz dos outros dois tinha sumido. “Como você está, Potter?”


“Bem”.


“Como está o elo? Você sente necessidade de estar perto do sr. Malfoy, ou de tocá-lo?”


“De estar perto, sim. Não de… não de tocar”.


“Você se sente ligado ao estado emocional dele?”


“Você quer dizer se eu sinto o que ele está sentindo?”, ela concordou, “Sim, mais ou menos”.


“Quer me dizer o que isso significa para você?”


“Não”.


“Mas diga mesmo assim”.


“Eu… eu sei o que ele está sentindo. Se são sentimentos fortes, eu consigo meio que… eu os sinto também, mas eles não são… meus”, ele parou, sem saber como explicar.


“Parece estar certo. Você se sente atraído por ele?”


Harry fez uma careta de desgosto. “Não”.


“Não, eu imaginei que não. Normalmente leva uma semana ou duas. Mas vocês são adolescentes, pode ser mais rápido”. Ela anotou alguma coisa. “Você já teve alguma experiência sexual com garotos?”


“Não”.


“E com garotas?”


“Er… na verdade, não”.


Pomfrey olhou para ele, surpresa. “Nada?”


“Er, eu já beijei uma garota…”, ele murmurou, corando. “Mas, hmmmm, além disso, er, não”.


“Oh”. Pomfrey parecia um pouco impressionada. “Malfoy sabe?”


“O quê?”


“Que você quase não tem experiência sexual?”


“Como é que eu vou saber?”


“Você precisa falar disso com ele, você sabe”.


“Eu não quero”.


“Você prefere que ele saiba agora, antes que isso seja um problema, ou mais tarde, no meio de… bem, situações em que seria estranho trazer o assunto como tópico de uma conversa?”


“Eu realmente prefiro não falar sobre isso de jeito nenhum. Com ninguém. Especialmente com ele”.


“Eu imagino”, Pomfrey disse com simpatia. “Infelizmente, essa não é uma opção”.


“Por que não?” Harry protestou.


“Potter, pense. Vai ser perceptível que você nunca fez nada antes, e, se você não tiver mencionado nada, vai ser meio estranho”.


Harry esfregou a testa, desejando muito ter um Vira-Tempo para poder voltar a uma época em que nada daquilo tinha acontecido.


“Você vai ter que falar com ele”. Harry franziu as sobrancelhas, e Pomfrey se inclinou para mais perto. “Não vou te forçar, esse é seu casamento, você tem que-”


“Eu gostaria que as pessoas parassem de chamar desse jeito!”, Harry explodiu. Pomfrey lhe lançou um olhar tão confuso quanto o de Malfoy tinha sido antes com o pedido. “Não é um casamento. É um erro!”


“É os dois, Potter”, ela disse devagar, sem entendê-lo.


Harry apertou os lábios, desistindo do assunto. Sua objeção à palavra ‘casamento’ parecia ser uma daquelas coisas que apenas quem nascera trouxa poderia entender.


“Você vai falar com ele? Não vou te forçar, mas é uma boa idéia-”


Harry suspirou. “Sim, está bem”. Isso ia ser muito estranho, ele pensou, cansado. Tudo aquilo era muito estranho, e só de pensar em ter aquela conversa com Malfoy, de todas as pessoas… ele não sabia nem por onde começar.


“Agora não dá tempo, mas hoje à noite, depois das aulas, quero que voltem aqui. Pode ser um pouco mais fácil se vocês conversarem aqui, um lugar mais… impessoal”.


“Mas você disse que ainda ia demorar antes que qualquer-”


“Não dá para ter certeza. Essas coisas não seguem um planejamento definido”.


“Está bom”.


“Anime-se, Potter. Nós vamos ajudá-los a passar por isso. A medibruxa do St. Mungo tem várias sugestões de como lidar com os problemas que vocês devem estar enfrentando. Na verdade…”, Pomfrey pegou um pergaminho e começou a desenrolá-lo. “Ela me mandou uma lista. Não vai dar tempo de ler tudo agora, mas podemos começar. Certo?”


Harry olhou para a lista enorme e mordeu um sanduíche. Oh, ótimo. Que divertido.


ooooooo


Malfoy saiu da repartição em que Pomfrey estava com uma expressão de desgosto no rosto e eles se apressaram para a aula de Aritmancia, cada um perdido nos próprios pensamentos.


“Ela falou com você sobre usar a lareira do nosso dormitório?”, disse Malfoy de repente.


“Para conversar com pais e ou algo que os valha?”


“Sim”.


“Sim. Foi uma das sugestões da curandeira do St. Mungo”.


“Que perda de tempo”, Malfoy balançou a cabeça. “Como é que falar com qualquer um vai ajudar? E como é que eles querem que eu estude com toda essa falação acontecendo?”


“Não sei. Trouxas acreditam bastante nesse tipo de coisa”.


“Só falar sobre problemas?” Harry concordou, e Malfoy revirou os olhos. “Típico”.


“Você sabe que eles não querem usar feitiços para animar ou coisas do tipo, porque-”


“Eu sei, eu sei, eles não sabem como a maldição vai interagir com outros feitiços e não querem se arriscar. Eu ainda prefiro um feitiço para animar a essa história sem sentido de ficar conversando”.


“Você não quer falar com seus pais?”


“Não todos os dias”.


“Seu pai parecia estar preocupado com você”.


Malfoy franziu as sobrancelhas de leve. “Sim”.


“Por que sua mãe não veio?”, Harry perguntou, curioso.


“Quando?”


“No dia que — seu pai estava aqui, mas sua mãe não veio”.


“Não é da sua conta”.


Harry deu de ombros, e os dois caminharam até a sala de aula em silêncio. Na porta, ele perguntou. “Madame Pomfrey te disse que a gente tem que voltar para o hospital hoje depois da aula?”


“Sim. Mas não disse por quê”.


“Oh”.


“Você sabe?”, disse Malfoy enquanto entravam na sala.


“Er, sim”.


“O que é?”


“Nada”.


“Nada? Então por que temos que ir?”, eles sentaram nos seus lugares, com Hermione junto a Harry de um lado e Blaise Zabini e Millicent Bulstrode perto de Malfoy do outro.


“Por nada demais”. Harry pegou seu livro e suas anotações enquanto o professor de Aritmancia entrava na sala e cumprimentava os alunos.


“Certo, eu trouxe suas lições corrigidas- oh”, falou o professor, folheando uma pilha de pergaminhos. “Eu trouxe as do quinto ano. Esperem aqui, por favor”, ele disse e saiu da sala.


“Então, por que nós temos que voltar?”, Malfoy perguntou, enchendo seu pote de tinta.


“Nada”.


“Vamos!”, Malfoy disse, aborrecido. “É óbvio que não é nada. É um segredo?”


“Não”.


“Então por que você não me fala?”


“Eu não-”


“Há algo que você saiba e eu não sei?”


“Fale mais baixo”, avisou Harry, já que os alunos próximos tentavam disfarçar que estavam escutando.


“Oh, isso é alguma coisa que você quer esconder, não é?”, Malfoy olhou para Zabini e Bulstrode, que não tentavam disfarçar o fato de que acompanhavam a conversa.


“Esquece”, Harry disse.


“Uau, Potter, mal estou me agüentando de ansiedade agora”, Malfoy pôs a mão no peito dramaticamente, e Bulstrode riu.


“Fica quieto”, Harry disse por entre os dentes.


“Tem alguma coisa a ver com as perguntas que ela fez hoje?”, Harry colocou a mão sobre a boca de Malfoy, e o loiro se desvencilhou. “Tem, não é?”


“Não, não tem”.


“Dá para perceber pelo seu rosto, querido”. Malfoy riu. “Você está corando. E eu posso sentir como você está envergonhado. Você está se contorcendo por dentro. É muito divertido”.


“Maravilhoso”.


“Malfoy, cresça!”, disse Hermione, impaciente.


Malfoy não se deu o trabalho de respondê-la. “Então, sobre o que Pomfrey falou hoje? Sobre o estado do elo, se eu podia sentir suas emoções — eu tive que dizer que sim, e só por agora… — se eu estava atraído por você-”, Harry tentou se manter impassível, mas, pelo tom de prazer na voz de Malfoy, tinha falhado. “Mhmm, será que é isso…” Malfoy inclinou a cabeça. “Então, é isso, você já está sentindo alguma coisa?”. Pausa curta. “Não, não é isso…”


Harry apertou os lábios reprimindo a vontade de dar um soco na cabeça de Malfoy ou de lançar-lhe um feitiço de decomposição de pele.


“Nossa, Potter, você fica irritado muito fácil, hein?” Malfoy estava deliciado. “Você deveria fazer algo a respeito. Não é bom para os nervos”.


“Não dê ouvidos a ele, Harry”, disse Hermione, se inclinando para acariciar seu braço em conforto, mas desviou a tempo quando Harry estremeceu em aviso.


“É sobre as perguntas que ela fez, a respeito do histórico sexual?”, Malfoy perguntou, baixando a voz o suficiente apenas para ele ouvir. Harry tentou não se abalar, mas era tarde demais. “É isso, não é? Você já ficou com um monte de garotos, apesar do seu protesto de ‘Eu não sou gay’?” Malfoy encarou-o malicioso. Harry abriu o livro e fingiu que estudava uma tabela de Aritmancia.


Malfoy o observou por um momento. “Não, não é isso”, decidiu. “Então…”, ele olhou para Harry mais de perto e disse devagar. “Será que é o contrário?”. A pulsação de Harry acelerou. Malfoy abriu a boca, chocado. “Potter. Você não é virgem, né?”, ele gritou, escandalizado.


“Shh!”, Harry pediu, mas não adiantou — todo mundo sentado perto deles tinha ouvido, alguns alunos estavam se virando para olhar para os dois, e Malfoy tinha uma expressão horrorizada no rosto. Harry cobriu os olhos, completamente mortificado.


“Você é… por Mordred”. Malfoy abaixou a cabeça na mesa. “Eu vou achar quem lançou essa maldição”, ele murmurou. “Eu vou achar essa pessoa e vou matá-la. E então irei ressuscitá-la, para poder matá-la de novo”.


Harry escondeu a cabeça entre os braços, achando melhor não dizer nada. ‘Se você jogar uma maldição nele, irá senti-la também’, se lembrou. ‘Um pouco de desconforto ou dor, tudo bem. Mas o que você quer fazer com ele provavelmente vai te matar também por causa do maldito elo’.


“Como você pode-”, Malfoy levantou a cabeça, “Você tem quase 18 anos! O que esteve esperando esse tempo todo? Um convite formal?”


“Aparentemente, eu estive esperando por você”, Harry respondeu. Bulstrode e Zabini seguraram a risada quando Malfoy se virou para encará-los, e depois voltou a olhar para Harry.


“Oh, isso é hilário. Realmente, muito engraçado. Pena que sua inteligência brilhante não tenha te ajudado com as garotas. Então, era sobre isso que nós iríamos conversar depois das aulas? Sua completa falta de experiência?”. Harry levantou da cadeira e saiu pela porta. Malfoy o seguiu resmungando, incapaz de ficar na sala sem ele, e o resto dos alunos não perdeu tempo em começar a comentar.


“Isso é inacreditável!”, Malfoy disse quando eles estavam no corredor. “O que há de errado com você, Potter?”


“Nada!”, ele disse, furioso. “Eu só não tive tempo para-”


“Oh, por favor — isso não é… como é que você nunca fez sexo antes?”


“Eu suponho que você já tenha feito”.


“É claro!”


“Com garotos?”


“Bem, não, mas-”


“Então você não tem direito de falar sobre a minha inexperiência-”


Hermione apareceu correndo, rodeando Malfoy. “Você é um imbecil desprezível-”


“Engraçado, e assim mesmo eu consigo ter uma vida social. Granger, isso não é da sua conta. Suma daqui!”


“Você fez isso virar da conta de todo mundo gritando daquele jeito no meio da sala. Qual é o seu problema? Você não tem o mínimo de decência?”


“Cale a boca”, Malfoy a dispensou, voltando-se para Harry. “Essa é a coisa mais-- volte aqui!”, ele gritou quando Harry se virou e começou a andar. “Para onde você está indo?”


“Para longe de você!”


“Você não pode, seu idiota! E nós temos aula de Aritmancia!”


“Eu não ligo! Não vou voltar pra lá!”


“Seu babaca-”, Malfoy segurou Harry pelo ombro, fazendo-o virar, e então gritou de dor quando Hermione o segurou.


“NÃO! Hermione, não faça isso!”, Harry exclamou, sentindo o choque que passou pelos dois.


Malfoy esfregou o braço, ofegando um pouco de dor. Lançou um olhar de censura para Hermione, então se voltou para Harry. “Volte aqui. Eu não vou perder uma aula por causa disso. Se você quer ser um virgenzinho patético, pelo menos não seja um virgenzinho patético que faz as minhas notas de Aritmancia caírem”.


Harry trincou os dentes.


“Algum problema?" perguntou o professor de Aritmancia, aparecendo com uma pilha de pergaminhos.


“Não, senhor”, eles disseram automaticamente.


“Então, por favor, entrem na sala”, ele indicou.


“Eu… não estou me sentindo bem-”, Harry começou, e Hermione o interrompeu.


“Nós já vamos, senhor”.


“Hermione-”


O professor deu de ombros e entrou na sala de aula. Malfoy foi atrás dele.


“Harry. Ele está certo”, Hermione disse, os lábios retorcendo de desgosto pelas palavras. “Você teria que voltar para a sala eventualmente de qualquer jeito”.


ooooooo


Bem, que dia divertido, pensou Harry consigo mesmo quando finalmente voltaram para o dormitório, depois de passarem no hospital. Aritmancia tinha sido uma tortura, com os sorrisinhos, olhares e comentários sussurrados pelos sonserinos. Ele se sentiu completamente exposto e humilhado, mas o fato de que as aulas de Astronomia e Herbologia que vieram em seguida eram da Grifinória ajudou um pouco. Malfoy, mesmo tendo continuado com seu repertório de insultos e sarcasmos, proferidos baixos o suficiente apenas para Harry ouvir, pelo menos não tinha nenhuma platéia de sonserinos para incentivá-lo ou se juntarem a ele nas gozações.


O hospital tinha sido um tipo de tortura diferente, mas ele ficou aliviado por Pomfrey estar lá para manter a conversa em termos clínicos e controlar os comentários de Malfoy. Ela tinha feito os dois contarem suas experiências anteriores, dado a eles uma lista de recomendações e mais um livro para ler. Também tinha explicado o que esperar nas próximas semanas e como lidar com aquilo. Além disso, tinha advertido Malfoy que ele sofreria as conseqüências se fizesse Harry se sentir desconfortável sobre o assunto, pois isso poderia impedi-lo de relaxar e de permitir que as coisas progredissem facilmente. Malfoy revirou os olhos e fez mais alguns comentários maldosos, mas acabou mergulhando em um silêncio mal-humorado de novo.


“Senha?” Sir Xander perguntou, acordando da soneca e coçando as costas com sua estaca de madeira.


“Hades”, Malfoy retrucou, passando por Harry com um empurrão antes de entrar. Harry o empurrou de volta e jogou a mochila em cima de uma cadeira e a capa em cima de outra.


“Você nunca guarda as coisas de modo apropriado, Potter?”, Malfoy disse, irritado.


“Estou surpreso que você guarde. Você não tem elfos domésticos para esse tipo de trabalho?”


“Não 24 horas por dia, seu idiota”, Malfoy deixou suas coisas de lado e aproximou-se da lareira. “Eu vou primeiro, quero acabar com isso logo”, ele se abaixou na frente das chamas.


“Tudo bem. Vou fazer minha lição de casa”.


“Sério? Não vai choramingar que ‘é quase hora da janta, será que a gente não pode poooooor favoooor ir comer com meus amiguinhos’?”


“Depois da aula de Aritmancia de hoje, eu não tenho a menor vontade de aparecer no Grande Salão, obrigado”. Harry respondeu enquanto revirava a mochila. Malfoy lhe lançou um sorriso debochado e voltou-se para a lareira, onde apareceu o rosto da sua mãe.


Harry acomodou-se em uma das cadeiras confortáveis da sala de estar, carregando o livro de Aritmancia. Ele não estava muito feliz de ter que começar essa matéria no sétimo ano. Embora o curso se concentrasse em áreas completamente diferentes da Aritmancia ensinada do terceiro ao sexto ano, e que, tecnicamente, qualquer pessoa poderia iniciá-lo sem ter o conteúdo dos anos anteriores, ele se sentia perdido. Iria precisar muito da ajuda de Hermione para passar naquela matéria.


Enfiou-se nas complexas equações do texto e das anotações de Hermione, espiando ocasionalmente para ver se Malfoy tinha acabado de conversar com os pais. Eles pareciam estar tendo uma conversa agradável, embora o rosto de Lucius Malfoy tenha retomado a expressão aborrecida que ele sempre sustentava quando estava perto do filho. E Malfoy, agora que o choque inicial da maldição tinha passado, voltara a tratar o pai com a obediência respeitosa de sempre.


Com a mãe, era diferente. Pela sua expressão, ela parecia estar bastante preocupada com o filho, a tal ponto que o garoto estava ficando irritado.


“Suas aulas estão indo bem?”, ela estava dizendo.


“Sim. Herbologia não é problema. Eu só não estava fazendo essa matéria antes porque é tão simples que eu mesmo poderia ensinar. Meu problema é com Runas Antigas, não é fácil acompanhar perdendo metade das aulas”.


“Eu imagino. Talvez fosse melhor se a gente contratasse um professor particular?”


“É, pode ser”.


“Como… como você está se sentindo, Draco?”, disse a mãe de Malfoy, soando insegura.


“Bem”, Malfoy murmurou, parecendo desconfortável. Harry limpou a garganta e lançou um feitiço silenciador ao redor de si, dando privacidade para Malfoy e esperando que ele fizesse o mesmo quando fosse sua vez. Não que ele confiasse que Malfoy não iria ouvir sua conversa com Lupin, mas talvez ele decidisse que não valeria a pena escutar o que um lobisomem tivesse a dizer para Harry.


Ele se enfiou de volta no livro de Aritmancia, até que um cutucão forte em no ombro desviou sua atenção. Malfoy estava de pé atrás da cadeira, dizendo alguma coisa. Harry desfez o feitiço de silêncio.


“Desculpe, o que foi?”


“Eu disse que acabei”, ele começou a andar em direção ao banheiro. “Pode ir falar com o seu pseudo-pai lobisomem. A não ser que ele esteja ocupado aterrorizando os outros. Já está perto da lua cheia?”


Harry ignorou o comentário e foi até a lareira.


“Olá, professor”, disse, aliviado, quando o rosto de Lupin apareceu. Deus, ele nem tinha percebido o quanto precisava falar com alguém até ver Lupin.


“Harry. Como você está?”


ooooooo


Dia 4, Sexta


Draco acordou, a cabeça zumbindo por algum motivo, sentindo que havia algo… droga. Ele não conseguia definir, mas sentia falta de alguma coisa… que droga! O que era? Continuou deitado, olhando para o teto e tentando definir o que sentia. Por que não conseguia dormir? Olhou para o relógio — 2:07. Ele não deveria estar acordado, mas estava, e muito desconfortável…


Sentou na cama e olhou para Potter, que se remexeu, um vinco no rosto adormecido. E Draco sentiu uma vontade incontrolável de se aproximar dele.


Oh, maldição! Ele se deixou cair sobre o travesseiro. Lá vamos nós. Não havia nada de sexual na sensação, mas os poucos metros existentes entre as duas camas pareciam ser demais.


Maravilhoso. O que ele ia fazer agora? Colocar a cama para mais perto, para que Potter pudesse ver no outro dia que ele tinha perdido o controle durante a noite?


Mordeu um lábio, observando Potter se mexer de novo na cama, e decidiu agir. Levantou e foi até o banheiro, apertando com força a mandíbula conforme o desconforto crescia quanto mais ele se afastava de Potter. Esperava que esse desconforto fosse suficiente para acordar o outro. Quando ele voltou, Potter estava sentado na cama, esfregando uma mão no cabelo bagunçado.


“Malfoy?”


“Sim”.


“Onde você estava?”


“Banheiro”.


“Oh”. Potter voltou a deitar.


Os dois ficaram em silêncio por alguns minutos.


“Malfoy?”, Potter disse.


“Sim?”


“Você está conseguindo dormir?”


‘Sim, é claro’, era a resposta na ponta da língua, mas ele se conteve. Potter não teria perguntado se estivesse se sentindo bem. Se Draco respondesse que sim, o outro podia não querer mostrar fraqueza e não admitir que estava tendo problemas para voltar a dormir, e os dois iriam permanecer naquele estado até que um explodisse. Ele pensou por um momento. “Você está conseguindo?” perguntou, tentando manter a voz casual.


Houve uma pausa longa. “Não”.


“Por que não?”


Outro longo silêncio. “Desconfortável demais. E você?”


Draco hesitou, mas suspirou e desistiu. “É, eu também”. Ele sentou. “Pomfrey disse que isso ia acabar acontecendo”.


“Sim. Só não esperava que fosse tão cedo”. Potter desceu da cama. “Eu vou colocar as duas camas mais perto, está bem?”, ele começou sem esperar que Draco respondesse.


“Er-”


“Melhor assim?” Potter perguntou quando voltou a deitar.


“Por deus, sim”, Draco respondeu antes que pudesse se censurar, espantado com a onda de alívio que sentiu por as duas camas estarem tão perto e Potter estar deitado a poucos centímetros. Ele mordeu o lábio quando Potter riu, mas não era uma risada de gozação.


“Por um instante, senti como se um monte de formigas estivesse andando em cima de mim”, Potter estremeceu.


“Para mim, parecia que tinham abelhas dentro da minha cabeça”, Draco disse. “Quem inventou essa maldição era um sádico”.


“Com certeza. Ah, assim está bem melhor”, Potter fechou os olhos, contente. Draco concordou em silêncio e ajeitou o travesseiro, voltando a dormir rapidamente.


ooooooo


“Malfoy!” Draco abriu os olhos. Potter estava sentado na cama, se inclinando sobre a cama de Draco e o chacoalhando para acordá-lo. Draco piscou, desorientado com a proximidade de Potter, mas se lembrou da noite anterior e olhou para o outro lado, corando de leve.


“Nós dormimos demais de novo, temos que levantar agora!”, Potter disse, pulando da cama. Certo. Poções, primeira aula. Draco olhou para o relógio — 8:00. Ele sentou, escolhendo as roupas, feliz por ter tomado banho antes de dormir.


“Você viu minha gravata?”, perguntou enquanto os dois se trocavam e reviravam o quarto a procura dos livros. Potter jogou a gravata, e ele foi até o banheiro para escovar os dentes e pentear o cabelo. Passou as mãos pelo rosto — o espelho não mostrava sombra alguma, mas ele estava precisando de uma poção barbeadora. Seu rosto estava começando a arranhar. Mas, não, não havia tempo.


“Malfoy? Me empresta tinta?” Potter entrou no banheiro e começou a pentear os cabelos com rapidez.


“Sim… se nós sentarmos com meus amigos nas aulas de Poções e Defesa Contra as Artes das Trevas”.


“Pode ser Poções e Herbologia?”


Draco pensou por um momento. “Certo. Pronto para ir?”


“Sim-” Potter colocou o pente de lado e passou por Draco para fora do banheiro. O sonserino acabou de colocar a gravata, e os dois correram para a aula de Poções.


“Nós precisamos lembrar de colocar um feitiço-despertador”, Draco murmurou, o estômago roncando. “Odeio perder o café da manhã”. Potter concordou e os dois entraram na sala só um pouco antes de Snape aparecer. Foram para mesa de Draco, e Millicent Bulstrode encarou Potter antes de cumprimentar o loiro animadamente. Draco sorriu ao se lembrar de cena na aula de Aritmancia e da humilhação de Potter no dia anterior. Tirou os livros da mochila, sentindo-se animado quando Snape começou a aula.


“A gente terminou aquela poção anti-resfriado?” Potter lhe deu uma cotovelada e perguntou, olhando para suas anotações enquanto Snape escrevia na lousa.


Draco espiou as anotações de Potter. “Sinceramente, Potter, isso está uma bagunça”, comentou. “Como é que você pode aprender qualquer coisa escrevendo garranchos como esses? Sim, nós terminamos a poção anti-resfriado. Vamos começar a anti-pneumonia hoje”. Ele deu um sorriso maldoso e aumentou um pouco a voz. “O engraçado é que, sendo virgem e tudo mais, você deveria ter tempo livre para fazer anotações decentes”.


Uma onda de risadas passou pelos alunos perto deles e Snape se virou enquanto Potter dava outra cotovelada em Draco com raiva e sussurrava “Cale a boca!”.


“Sr. Potter, quer dividir com o resto da sala o que é tão engraçado?”


“Não, senhor”, murmurou.


“Cinco pontos a menos da Grifinória, Potter”, Snape se voltou para a lousa.


Draco riu e abaixou a cabeça para as próprias anotações.


ooooooo


“Então é aqui que você vive agora, Draco? Nossa. É legal”, Pansy Parkinson disse quando ela, Blaise Zabini, Granger e Weasley entraram com ele e Potter no dormitório dos dois, no final do dia.


"Um pouco vazio, não é?" Blaise perguntou. Draco deu de ombros.


“E a companhia também é bem ruim”, Pansy disse, e Potter e seus amigos a ignoraram enquanto sentavam.


Draco sorriu, inesperadamente feliz por ter seus amigos sonserinos por perto. Eles todos tinham ido estudar na biblioteca, mas acabaram expulsos por MadamePince por fazerem muito barulho. Draco tinha juntado os livros, desanimado ao considerar como sentia falta do seu salão comunal, onde ele podia estudar sozinho ou com os amigos se quisesse, ou dar um tempo e relaxar, conversar. Como ele e Potter não faziam mais parte de suas casas, tinha se conformado com a idéia de voltar para o dormitório apenas tendo Potter como companhia novamente, até que Granger sugeriu que todos eles fossem estudar lá.


“O dormitório de vocês é grande o bastante para caber todos nós, Harry”, disse ela, e Pansy e Blaise fizeram uma careta ao perceber que Granger já tinha visto o quarto de Draco enquanto Potter falava algo sobre ele não ser tão grande. Draco, crente que Pansy e Blaise nunca iriam querer ficar perto de Granger e Weasley, estava prestes a dizer que não queria visitantes quando Pansy falou:


“Eles já estiveram lá? E eu achando que você não estava recebendo ninguém!”, ela deu um sorriso maldoso. “Ou vocês só aceitam grifinórios?”


“Não, é claro que não-”, Draco começou a dizer, e Pansy balançou a cabeça, falando antes que Blaise dissesse alguma coisa.


“Ótimo. Vamos lá, então”.


“Oh, meu deus, isso não é divertido. É uma noite de sexta-feira e cá estamos nós, estudando”, Pansy reclamou enquanto sentava em um dos sofás de dois lugares. “Malditos NEWTs. Já estou morrendo de nervoso por causa deles. Draco, você já copiou minhas anotações da aula de ontem de Runas?”


“Sim, elas estão aqui”, ele passou os pergaminhos para Pansy e voltou a sentar. Draco notou que, em meros quatro dias, já havia um padrão de disposição de lugares que todos tinham se acostumado: Draco e Potter no meio, geralmente de costas um para o outro ou pelo menos tão distantes quando possível, os amigos de Potter do lado dele e os amigos de Draco do outro lado. O único problema é que, agora, eles tinham acabado com Draco e Pansy dividindo um sofá, meio próximos demais, e Potter em uma poltrona perto dele, meio longe demais.


Droga, se ao menos essas sensações fossem contrárias. Ele e Pansy já tinham ficado várias vezes, ele gostava dela o suficiente — nada sério, pois os dois sabiam que acabariam em um casamento de interesses com outras pessoas. Mas ela não era uma má companhia e era boa o suficiente na cama. Draco queria poder ver a proximidade dela como uma chance de a noite acabar de um jeito romântico, ao invés de sentir-se nervoso por saber que, com um movimento em falso, ela poderia fazê-lo sentir como se sua pele estivesse pegando fogo.


“As traduções fizeram algum sentido?” Pansy perguntou.


“Não muito”.


“Mas elas são complicadas, mais ainda com você perdendo aula desse jeito. Por que ele não larga Astronomia?”, ela olhou acusadoramente para Potter.


Draco deu de ombros. “Não teve como. Mas não tem problema, minha mãe provavelmente vai me arranjar um professor particular”.


“Mesmo assim. Você não deveria ter que-”


“Não tem problema”, Draco repetiu com firmeza. Pansy jogou o cabelo para trás e voltou para as anotações.


“Bem. Aqui, deixa eu te explicar essa terceira tradução, se eu conseguir lembrar como é”.


Draco se inclinou para mais perto para ver o que estava escrito. Ele se jogou com força para trás quando ela levantou o rosto inesperadamente, quase o tocando.


“Ai, desculpa. Olha, esse terceiro verso é…”, e ele logo se perdeu nos intrincados escritos de Runas, sem olhar para cima até perceber que Granger se aproximava da porta do quarto.


“Onde está o livro?”, ela perguntou, e Draco sentiu um sobressalto alarmante.


“Hermione, não precisa, eu pego-”, disse Potter, mas Granger já estava abrindo a porta. “Eu disse que eu pego”, Potter balbuciou, corando quando as sobrancelhas de Hermione levantaram diante das duas camas quase juntas.


“Minha nossa, vocês estão progredindo rápido, hein?”, Pansy comentou enquanto espiava o as camas. “Todas aquelas piadas de virgem já estão ficando velhas, Potter? Ou não se aplicam mais?”. Potter a encarou, abrindo a boca para responder. Draco levantou rapidamente e o segurou pelo braço.


“Não”, ele sugeriu, se virando para Pansy enquanto o rosto de Potter assumia uma expressão confusa. Ele fechou a boca e entrou no quarto para procurar o livro que Granger queria.


Pansy lhe lançou um sorriso malicioso. “E então? O elo está progredindo mais rápido do que o esperado, Draco?”


“Não”, ele murmurou. “Só que é mais fácil se não ficarmos muito separados. Nada aconteceu ainda”. O loiro limpou a garganta. “E não é da sua conta, de qualquer modo. Onde é que nós estávamos mesmo?”


“Depois que você se tornou um homem casado, você deixou de ser divertido”, Pansy disse, e Blaise riu.


“Muito engraçado. Mas nós não deveríamos estar revisando a terceira tradução?”


“Sim, está bem. Olha, acho que o problema é que você também não foi na aula de terça-feira, quando ele explicou a fraseologia indicativa que nós teríamos usar na tradução para quinta”.


“A o que?”


“Fraseologia indicativa”, ela repetiu pacientemente, e ele mergulhou na explicação de Pansy sobre as aulas da semana.


‘Blaise é mesmo um caso perdido’, Draco pensou meia hora depois, quando Blaise fazia outra pergunta que mostrava que não tinha entendido nada nem dos conceitos mais simples. Deixou sua mente divagar, um pouco entediado, enquanto Pansy corrigia outro erro de interpretação na lição de Blaise. Mas o próprio Draco não estava entendendo tão bem. A expressão no rosto de Pansy ao ouvir algumas de suas perguntas deixava claro que ele não estava funcionando no seu nível normal. Deveria aproveitar para revisar as frases mais difíceis enquanto Pansy ajudava Blaise ao invés de ficar olhando como um idiota para o nada e imaginando que os pontinhos no papel de parede eram abelhas. Abelhas que zumbiam alto, tornando difícil que ele se concentrasse.


“Harry?” a voz de Weasley o assustou, e ele se virou para ver Weasley movendo a mão na frente do rosto de Potter. “Alguém aí?”


“Desculpe”, Potter murmurou, balançando a cabeça. “O que você disse?”


“Eu estava falando sobre a redação de Aritmancia”, Granger explicou. “É para entregar na terça que vem. Você precisa das minhas anotações?”


“Um, sim, sim… Que dia que tem que entregar mesmo?”


“Na terça”, Granger disse devagar. Potter concordou com a cabeça e se virou para olhar para Draco.


Draco respirou fundo. ‘Lá vamos nós de novo’, pensou desanimado enquanto os dois se encaravam irritados. Ele estava ouvindo zumbidos, a mente de Potter tinha saído para dar um passeio, havia cerca de dois metros entre o sofá em que ele estava e a poltrona de Potter e, obviamente, as três coisas estavam ligadas. O pior é que não havia nenhum jeito discreto de diminuir o desconforto, todo mundo teria que mudar de lugar.


Não é tão ruim assim, ele tentou se convencer, mas falhou em conter um grito de dor quando Pansy encostou no seu ombro.


“Ah, droga. Me desculpe”, ela disse, olhando rapidamente para Granger. “Desse jeito não vai dar, Draco. Estou acostumada a tocar em você. Blaise, vai para lá, Potter, senta aqui no meu lugar. Ou melhor, todo mundo pula uma cadeira para o lado e o Blaise pega aquela poltrona para ele. Certo, então-”, e Draco e Potter assistiram enquanto todos mudavam de lugar sem fazer nenhum comentário. Granger e Pansy trocaram um olhar agradecido, e os dois grupos retomaram suas conversas como se nada tivesse acontecido.


“Por favor, Blaise”, disse Pansy, “não seja tão idiota, os bruxos góticos nunca teriam uma palavra para trem, eles não tinham trens! Francamente, um pouco de história geral seria uma boa nessa escola”.


ooooooo


Dia 6, Domingo


“Está indo bem, eu acho. Estou me acostumando com ele”, Harry disse baixinho para Lupin pela lareira na noite de domingo. Não que ele precisasse se preocupar em falar baixo; Malfoy tinha, como de costume, lançado um feitiço silenciador ao redor de si — mas era meio estranho falar sobre alguém quando esse alguém estava presente. Especialmente quando ele estava tão perto que dava para tocá-lo.


“Você parece estar se sentindo sozinho”, Lupin observou gentilmente.


“Sim, bem… eu sinto falta da Grifinória. Os finais de semana sempre eram divertidos na Torre… a gente sempre dormia até tarde e passava o dia inteiro sem fazer nada, mas era legal”.


“O que você fez hoje?”


“Acordei tarde, mas não tinha muito o que fazer além de estudar. Encontrei um pessoal na biblioteca, mas… não é a mesma coisa. Eles todos vivem juntos, eu não mais. Seamus e Dean estavam rindo de uma brincadeira que fizeram com alguém do terceiro ano e eu não tinha idéia do que eles estavam falando. E Ron e Neville estavam-” Harry se impediu de continuar. Ele estava choramingando, era melhor parar. “Desculpe”.


“Harry, não tem problema”.


Harry balançou a cabeça, encarando o chão, e se virou quando sentiu Malfoy cutucar seu ombro.


“Onde está sua lição de Herbologia?”, perguntou, e Harry apontou para a mesa. Malfoy emitiu um “tsk, tsk” de reprovação pela quantidade de papel amontoado no lado da área de estudo que pertencia a Harry.


“Como está o elo?” Lupin perguntou. Harry deu de ombros. “Tão bom assim?”


“Não é tão ruim”, Harry admitiu. “Ele não é horrível o tempo todo”, ele espiou Malfoy, que estava lendo a lição de Harry com um vinco na testa e parecia ter lançado outro feitiço silenciador. O grifinório suspirou.


“O que foi?”


“É que… você sabe que a gente passa na Madame Pomfrey todos os dias, né?”


“Sim…”


“Ela trouxe aquela bruxa do Ministério para nos examinar algumas vezes… e… e ela disse que parecia que a maldição nem tinha sido lançada do jeito certo”.


“Como?”


“Eu não entendi muito — queria que a Hermione estivesse lá, ela com certeza saberia o que dizer. Tudo que eu peguei é a mulher identificou uma ‘falta de experiência com esse tipo de feitiço’. Ela explicou por que, mas não entendi nada do que ela falou”.


“O Malfoy entendeu?”


“Ah, acho que sim. Ele ficou muito bravo e disse algo mais ou menos como, ‘Nós fomos amaldiçoados por um amador’”.


“Você pediu para ele te explicar?”


“Malfoy? De jeito nenhum”, Harry disse automaticamente e olhou de novo para Malfoy, ainda sem noção de que era o tema da conversa, mesmo estando tão perto.


“Há chances de capturarem quem lançou?”


“Não muita. Ela disse que pode ter sido um estudante. Ou um professor, lançando o feitiço meio errado para que parecesse que foi um aluno. Ou alguém fora de Hogwarts. Vai saber”.


“Mas o que isso significa?”


“Ela não sabe, mas não acha que nosso elo vai progredir ‘do modo padrão’, seja lá o que isso signifique. Nós podemos sentir mais coisas do que o normal, ou menos, mas ela também disse que qualquer coisa fora do comum pode ser porque o elo foi involuntário e nós dois somos tão jovens e…” Harry não conseguia mais falar.


“Eu sinto muito”, Lupin disse depois de uma longa pausa.


“É… eu também”.


“O que a Madame Pomfrey disse sobre o progresso das coisas até agora?”


“Ah, ela acha que está tudo esplêndido”, Harry disse amargamente.


“Você não concorda?”


“Esplêndido significa que nós temos que ficar juntos o tempo todo e, e… nós precisamos nos tocar — eu não tinha percebido isso, mas ele notou que nós estamos nos empurrando e nos batendo ainda mais do que antes. Ótimo, não é? Uma ligação que é baseada em empurrões e socos?”


“Não é a melhor base para um casamento”. Lupin fez uma careta assim que terminou de falar. “Desculpe, sei que você não gosta que usem essa palavra”.


“Estou me acostumando. Hermione é a única pessoa que não chama assim. Até o Ron — outro dia ele disse algo como ‘agora que você é casado’. É tão estranho. Todo mundo aceita que é um casamento. Mas não é”.


“Lily disse algo parecido com isso uma vez”.


“Como assim?”


“Acho que Sirius estava reclamando que os pais queriam que ele se casasse com uma mulher que ele nunca tinha visto. E Lily disse algo como ‘Isso não é um casamento de verdade’. Ela não entendia por que nós não víamos a diferença”.


"Hmm”.


“É tão diferente assim para os trouxas?”


“O quê?”


“Os trouxas acreditam mesmo que é necessário ter amor e romance em um casamento para fazê-lo ser real?”


“Não, acho que não…” Harry percebeu que não tinha idéia. “Na verdade, eu não sei. Eu parei de viver no mundo trouxa há seis anos. Não sei muito sobre casamentos trouxas. Mas também não sei muito sobre os casamentos bruxos”.


“Eu imaginei que não”.


Harry olhou para o chão, perdido em pensamentos.


“Harry?”


“Sim? Desculpe”.


“Você me parece meio para baixo”.


“É, acho que estou”.


“Não seria bom chamar alguns amigos para visitar seu novo dormitório?”


“Eles vieram outro dia, mas não é a mesma coisa. Eles são só visitantes. Acabam voltando para o salão comunal, e eu fico preso aqui”.


Mais silêncio, e Harry se virou quando Malfoy tocou seu ombro.


“Potter? Está ficando tarde”.


“Sim”, Harry disse desanimado. “Já estou acabando”. Malfoy concordou com a cabeça, deixou os livros de lado e começou a se arrumar para a cama.


“Falar comigo ajuda em alguma coisa?” Lupin perguntou de modo gentil.


“Acho que sim. Não sei”, Harry suspirou. “É melhor eu ir para cama”.


Lupin parecia estar tão perdido quanto Harry. “Harry…”


“Obrigado. Por… por me ouvir. Eu… eu falo com você amanhã. Boa noite”.


Harry se aprontou para dormir mecanicamente, deitou e ficou olhando para o teto, incapaz de afastar os sentimentos de tristeza e confusão.


Tudo estava mudando tão rápido. Há menos de uma semana, ele sabia que, a não ser que Voldemort resolvesse aparecer de um dia para o outro, ele era parte dormitório masculino do sétimo ano da Torre da Grifinória, da aula de Estudos Trouxas e do time de Quadribol. E, agora, lá estava ele. Sem dormitório, em aulas diferentes e fora do time, deitado ao lado de um garoto que ele tinha odiado durante boa parte dos últimos seis anos. Olhou para Malfoy, já adormecido, o rosto relaxado e em paz.


Tudo tinha mudado rápido demais, e continuaria a mudar rápido demais. Eles estavam perto um do outro o tempo todo. E agora estavam se tocando o tempo todo — se empurrando, se acotovelando, trombando… e tocando nos braços um do outro quando se falavam, se inclinando por trás dos ombros do outro para espiar as anotações durante as aulas, se encostando quando entravam juntos no dormitório. Ele até tinha percebido outro dia, durante a aula de Poções, que sua perna estava encostada na de Malfoy por baixo da mesa, e ele não tinha idéia há quanto tempo os dois estavam sentados daquele jeito. Só tinha percebido porque Malfoy tinha se virado para falar com Pansy algo maldoso sobre a lição de casa do grifinório, e a perna de Harry de repente ficou mais fria. Não tinha notado o contato; apenas a falta dele.


Algo um pouco mais notável tinha acontecido naquela manhã, quando ele acordou com a mão de Malfoy em seu ombro, o sonserino ainda adormecido. Os dois ainda estavam em camas separadas, mas cada vez mais próximos. Tanto que ele temia que qualquer hora um deles iria acordar no meio da noite porque tinha caído no espaço entre as camas. Pomfrey tinha comentado que logo eles teriam que se acostumar a dormir na mesma cama.


E eles iriam. Se acostumar, quer dizer. Ele estava se acostumando com tudo aquilo. Os dois ainda se irritavam, mas agora conseguiam ser civilizados um com o outro por mais tempo, e às vezes nem era estranho, era só o dia-a-dia. Era difícil continuar a ficar irritado cada vez que seu… colega de quarto… perguntava se você tinha visto a gravata dele. As coisas estavam começando a se tornar rotineiras.


Mas Harry sabia que o que devia vir a seguir nesse “progresso” não seria tão fácil de se acostumar. Especialmente porque era o que ele mais temia.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.