29 de Setembro a 1º de Outubro

29 de Setembro a 1º de Outubro



Capítulo 1
de 29 de Setembro a 1º de Outubro


Dia 1, Terça


...Mas que diabos foi isso?


Harry retomou a consciência, finalmente focando a visão em algo. O teto. O familiar teto… da ala hospitalar.


‘Droga, não de novo’, foi seu primeiro pensamento.


‘O que aconteceu dessa vez?’, foi o segundo.


Quadribol? Não, ele não estava usando uniforme de Quadribol, e sua cabeça era a única parte do corpo que doía. Não a cicatriz, mas toda a área em torno da… na verdade, toda sua cabeça. Uma dor latejante atrás dos olhos, na nuca, no pescoço…


Ouviu um gemido fraco, percebeu que não era dele e procurou pela fonte de origem.


Malfoy. Gemendo e parecendo que tinha acabado de voltar a si, na cama ao seu lado direito. Rodeado por um monte de adultos — Madame Pomfrey, Dumbledore, Lucius Malfoy— o que?


“Harry!”, Pomfrey espiou Harry quando uma voz familiar se anunciou do lado esquerdo da cama. Harry se virou rapidamente.


“Professor Lupin?”


Lupin sorriu. “Como você se sente?”


“Como se precisasse de um chocolate”, Harry disse, desorientado, e Lupin sorriu. “O que aconteceu?”


Lupin colocou a mão no bolso, retirando uma barra de chocolate que deixou na cama perto de Harry enquanto Madame Pomfrey apressava-se até ele.


“Como você está se sentindo, Potter?”


“Bem, eu acho — minha cabeça dói um pouco”, Harry começou, e ela assentiu prontamente.


“Isso é esperado, você foi atingido em cheio. Sente-se”, ela pediu, colocando um pequeno frasco de poção na mesa próxima a ele. “Coma o chocolate e beba o que está nesse frasco. Do que você se lembra?”


Harry sentou devagar, ainda meio confuso. Parecia ter mais pessoas ao redor — não só Dumbledore, Pomfrey, Lucius Malfoy e Lupin, mas também McGonagall e Snape — e ele não conseguia se focar na voz de ninguém. O que estava acontecendo?


“Não lembro de muito — eu, eu estava saindo da classe, acho…”


“Que maldição?” a voz de Malfoy se fez ouvir e ele sentou. Harry franziu as sobrancelhas quando um murmúrio de desconforto tomou conta dos adultos ao redor, nenhum parecendo disposto a responder. “Que maldição?”, Malfoy perguntou de novo.


“Rapazes,” Dumbledore disse devagar, “Eu sinto informar que vocês foram… bem, ligados”.


Silêncio.


“O quê?” Malfoy disse fracamente.


“Um feitiço de ligação estava na porta em que vocês dois passaram, pronto para ser lançado na presença de emoções fortes. Quando passaram por ele, vocês estavam discutindo sobre algo, e…”


“Não. Por deus, não”, Malfoy olhou para os adultos, os olhos arregalando conforme cada rosto refletia a expressão sombria de Dumbledore. “Isso — isso não é possível”. Ele encarou o pai, que apertou os lábios e confirmou com a cabeça. Silêncio. “Isso… isso é… insano! Não!”


“Draco-”, o pai dele começou, e Harry sentiu uma centelha de medo quando Malfoy o interrompeu e levantou da cama.


“Não! Isso não pode ser verdade!”


“Sr. Malfoy, eu sinto muito, mas nós temos certeza”, Dumbledore disse.


“Merda! NÃO!”


“Espera, do que vocês estão falando?”, Harry interrompeu. “Como assim?”


Malfoy encarou Harry, incrédulo. “Um feitiço de ligação, seu imbecil”.


Harry olhou de Malfoy para os adultos, absolutamente perdido e um pouco desconcertado porque ninguém estava dizendo nada sobre a linguagem rude de Malfoy. Esperava que pelo menos o pai o reprimisse, mas Lucius Malfoy estava abalado, quase doente, nada como a figura autoritária, fria e controlada que sempre costumava ser.


“Mas o que… o que isso significa?”


“Você nem sabe — oh, que maravilha”, Malfoy socou o criado mudo e lhe deu as costas em desgosto.


“Potter, a ligação é o casamento bruxo-” Pomfrey começou, e Malfoy interrompeu.


“É uma merda de maldição de casamento, Potter”, Malfoy grunhiu. “A maldição estava na porta, nós fomos atingidos, nós estamos casados. Que parte da história é difícil demais para o seu pequeno cérebro grifinório entender?”


“Mas como pode- o casamento não é uma maldição, como pode-”


“Potter. Me deixe explicar”, a professora McGonagall disse firmemente. “No mundo bruxo, um casamento não é um casamento até que um feitiço de ligação seja lançado, unindo os dois cônjuges. Normalmente isso é feito de modo voluntário, mais ou menos do mesmo jeito que os trouxas fazem votos-” Lucius Malfoy fez um som de indignação, mas não interrompeu “-mas, ao contrário dos votos dos trouxas, um elo desse tipo impõe certos comportamentos aos cônjuges. E, ao contrário do mundo trouxa, um feitiço de ligação pode ser lançado como uma maldição, sem o consentimento das duas partes. Obviamente, é ilegal lançar essa maldição, mas mesmo assim ela funciona, unindo ambos os lados”.


Harry franziu as sobrancelhas, confuso. Uma maldição que forçava as pessoas a se casarem contra a própria vontade? Soava como uma piada sem graça. Ele olhou rapidamente pelo hospital, esperando ver os gêmeos Weasley gargalhando pelo sucesso de mais uma de suas brincadeiras de alucinação.


Não teve tanta sorte. “Mas isso é ridículo! Poções de amor eu entendo, mas como você pode ser forçado a casar?”


“O feitiço obriga vocês a agirem como cônjuges. Durante os primeiros meses do casamento, vocês vão precisar morar juntos, estar perto um do outro quase o tempo todo, fazer tudo o que um casal casado faz, ou sofrerão conseqüências”.


“Tudo… não, espera-”


“Não, isso nem sempre quer dizer consumar a relação sexualmente”, Pomfrey cortou. “As pessoas podem ser ligadas sem serem casadas — acontece com gêmeos algumas vezes, ou amigos próximos que decidem desfrutar os benefícios de um elo sem o aspecto sexual. Mas a maioria dos elos é de natureza sexual, a não ser que haja uma boa razão para que eles não sejam-”


“Tal qual odiar um ao outro?”


“Isso normalmente não é um problema”, ela disse. O queixo de Harry caiu.


“Por Mordred², feche a boca, Potter, você está parecendo ainda mais idiota do que o normal”, Malfoy repreendeu.


Harry o ignorou. “Mas por que alguém iria querer uma coisa dessas?”


“Existem benefícios, é claro. Poderes mágicos aumentados e esse tipo de coisa. Assim como tudo que se aplica a um casamento sem o feitiço, como companheirismo, amizade, balanço emocional”.


“Mas como algo assim pode acontecer se você nem quiser nada disso para começo de conversa?”


“O feitiço de ligação ajuda esses benefícios aparecerem impondo um comportamento que os estimule. A maioria dos casamentos começa com pelo menos a concordância em casar, mas não é impossível fazer um casamento dar certo a partir de um elo forçado”.


“Como?”


“Como você não tem escolha a respeito, é obrigado a fazê-lo dar certo”, Snape disse secamente. “Trouxas acham que é importante começar com flores, romances e doces para criar compromisso. Os bruxos são mais espertos”.


“E como é que você pode saber?”, Harry disse antes que pudesse se impedir de soar desdenhoso. Mas Snape não pareceu notar.


“Embora não seja da sua conta, eu fui casado, Potter. Por sete anos muito felizes, com uma mulher que eu mal conhecia quando fomos ligados pelo feitiço”.


Malfoy olhou para ele. “Isso é completamente diferente”.


“Muitos casamentos bruxos começam com mais nada além disso, Draco”, disse Lucius Malfoy em voz baixa e Malfoy olhou para ele também. “Você sabe que eu e sua mãe mal nos conhecíamos antes do nosso elo. Você sabia que algo assim aconteceria um dia, concordou em casar com quem nós escolhêssemos-”


“Concordei porque era para ser uma aliança que beneficiaria a família e… e eu sabia que vocês não me forçariam a casar com alguém que eu odiasse e-”


Lucius fez uma careta e balançou a cabeça. “Eu sei. Mas você não tem escolha. Fique calmo-”


“Não me peça para me acalmar, merda!”, Malfoy gritou, e Lucius arregalou os olhos, ficando de pé.


“Ele está chateado, Lucius, ele precisa de tempo para–” Snape começou a dizer, mas Lucius interrompeu, encarando o filho severamente.


“Draco! Você está chateado, eu entendo, mas isso não é desculpa para-” Lucius tentou colocar uma mão no ombro de Malfoy, mas engasgou e se afastou quando Malfoy recuou e gritou de dor. “Eu… me desculpe, eu esqueci-”, ele abaixou a mão, sem tocar Malfoy, que o encarou apavorado. “Sente-se, por favor”.


Malfoy se jogou numa cadeira, com os braços cruzados.


“Me desculpe”, Lucius disse suavemente, e suas palavras e maneiras fizeram Harry se arrepiar. Ele nunca tinha visto Lucius Malfoy tratar o filho com nada além de fria reserva, e lá estava ele, a imagem do pai preocupado, parecendo querer confortar o filho, mas sem saber como. Por deus. “Draco, me desculpe”, Lucius repetiu.


Malfoy apoiou os cotovelos nos joelhos e se inclinou para frente, enfiando a cabeça entre as mãos. Harry olhou de um adulto para o outro, o temor crescendo ao ver suas expressões resignadas e desoladas.


“Espera — bruxos nunca acabam com esse elo?”, Harry perguntou desesperadamente. “Não se divorciam?”


“As duas partes têm que concordar em dissolver o elo-”, Snape começou.


“Com certeza nós dois concordamos-”


“-e apenas quem lançou o feitiço pode terminá-lo. Normalmente não é um problema porque quem lança em feitiço é o casal em questão, mas no caso de uma ligação involuntária…”


“Você quer dizer que seja lá quem fez isso vai ter que terminar? Nós não podemos acabar nós mesmos com o feitiço?”


“É fascinante quanto tempo leva para que conceitos tão simples entrem na sua cabeça, Potter”, Malfoy comentou, sem levantar a cabeça das mãos.


“Podem ter certeza que nós faremos tudo o possível para achar a pessoa ou as pessoas responsáveis”, disse Snape, “mas as chances de conseguirmos são muito pequenas, a não ser que alguém confesse. Esse feitiço é altamente ilegal, sr. Potter. Ninguém vai admitir tê-lo lançado. E, quem o fez, certamente irá cobrir seus rastros”.


“Mas… mas eu nem sou gay!”


Malfoy rodou os olhos e seu pai fez outro som de desgosto. “Francamente… trouxas”, ele resmungou.


"Nós entendemos que no mundo trouxa existe uma certa confusão sobre relacionamentos sexuais entre pessoas do mesmo sexo”, Pomfrey começou, “mas, no mundo bruxo-”


“Eu nunca ouvi falar de um único casamento gay no mundo bruxo!”


“Você não é parte do nosso mundo há muito tempo”, McGonagall disse, “e você só fica na escola, onde a maioria das pessoas não é casada. É raro, mas existe. É verdade que muitas pessoas acham um pouco irresponsável bruxos casarem com alguém do mesmo sexo, já que nossos índices de nascimento não são tão grandes quanto deveriam, mas nós não temos esse tipo de preconceito cego existente no mundo trouxa”.


“‘Eu nem sou gay’”, Malfoy o imitou. “Francamente, que coisa mais Grifinória, focar no problema menos relevante”.


“Então qual é o problema mais relevante? O fato que, se eu tiver que viver com você, posso te matar?” Harry respondeu.


“Isso não é assunto para brincadeiras, Potter”, disse McGonagall com firmeza. “Parte do por que de feitiços de ligação serem tão ilegais é que eles podem resultar nos cônjuges matando um ao outro. É uma situação extremamente estressante para se ser sujeitado. Vocês dois precisarão ser monitorados de perto para nos certificarmos que essa… animosidade entre vocês não saia do controle e resulte em danos sérios”.


“Essa não parece uma solução tão ruim nesse exato momento”, Harry murmurou, e Malfoy rodou os olhos.


“Quão idiota você é, Potter? Porque você está mesmo atingindo novos níveis aqui-”


“Sr. Malfoy”, McGonagall cortou. “Por favor, cale-se”. Ela se virou para Harry.


“Enquanto o elo é recente, vocês estarão ligados às emoções e ao bem-estar do outro. Se um cônjuge morrer ou for ferido seriamente, o choque é suficiente para matar o outro. Especialmente se o outro cônjuge for a causa da morte ou dos ferimentos”.


Harry sentou, sem ânimo.


Houve um longo silêncio, quebrado por McGonagall.


“Rapazes, eu acho que vai levar algum tempo para vocês aceitarem isso. Acredito que seria melhor se Madame Pomfrey explicasse um pouco do que vocês podem esperar, enquanto nós discutimos como fazer para que vocês passem por isso sem maiores problemas”.


“Você quer dizer que vocês vão discutir sem a gente-” “Vocês vão decidir-” os dois garotos falaram juntos em indignação, e Lucius Malfoy os interrompeu.


“Draco, você não está em posição de tomar qualquer decisão agora. Você nem entende completamente o que um feitiço de ligação significa”, ele apontou.


“Isso não quer dizer que você pode decidir tudo por mim”, Malfoy disse, agitado, e as sobrancelhas de seu pai se arquearam em surpresa. Assim como as de Harry. Pelo que ele sabia, o pai de Malfoy decidia tudo para o filho, desde quais aulas ele tinha até com quais pessoas ele socializava. Malfoy tinha que estar muito surtado para pensar em se rebelar.


“Senhores, ninguém irá decidir nada por vocês”, McGonagall disse. “Nós simplesmente iremos discutir algumas possibilidades até que vocês possam se juntar a nós, mais bem informados sobre a situação, e participarem da conversa”. Lucius Malfoy olhou surpreso para ela, e uma parte distante do cérebro de Harry refletiu que era gratificante vê-lo tão abalado. Se o próprio Harry não estivesse totalmente abalado, teria achado a expressão no rosto de Lucius Malfoy absolutamente hilária.


“Está tudo bem, Harry”, Lupin disse gentilmente. “Vá, converse com Poppy”.


ooooooo


Harry subiu na cama do hospital algumas horas depois, ainda em estado de semi-choque.


Depois de uma perturbante sessão de informações com Pomfrey, eles tinham voltado a se encontrar com os adultos para resolver os aspectos práticos de como viver numa proximidade constante. Harry estava feliz por Dumbledore ter pensado em chamar Remus Lupin, como a pessoa mais próxima a uma figura paterna que ele tinha no momento. O equilíbrio e bom humor de Lupin tinham sido um alívio durante o processo de acertar os planejamentos escolares e os arranjos para os garotos viverem juntos, além da estressante discussão sobre Quadribol e a sensação crescente de que aquilo não era mesmouma piada de mau gosto.


Hermione e Ron, quando finalmente aparecerem, algumas horas depois, não tinham sido tão reconfortantes, embora a culpa não fosse deles. As expressões aliviadas por vê-lo são e salvo se tornaram horrorizadas quando os dois souberam da maldição; Ron mais do que Hermione, porque ele foi criado sabendo o que era um feitiço de ligação. Sabia o suficiente, por exemplo, para impedir Hermione quando ela quis dar um abraço em Harry; a maldição fazia com o toque de qualquer outra pessoa que não o cônjuge fosse doloroso pelos primeiros meses. Mas os dois não sabiam o que dizer a Harry, e os olhares hostis e preocupados que lançavam a Malfoy — que, por sua vez, os ignorava solenemente — só fizeram Harry perceber que esse era um de seus piores pesadelos se tornando realidade. Ele odiava Malfoy tanto quanto Ron e Hermione. Mas, ao contrário deles, não podia simplesmente sair do quarto e evitá-lo.


Malfoy não tinha pedido para que nenhum de seus amigos viesse visitá-lo na enfermaria.


Felizmente, Harry não teve que encarar os olhares alheios no Grande Salão. O jantar havia sido trazido para o hospital e eles comeram tão distantes um do outro quanto conseguiram. Na verdade, tão distantes que Harry não entendia por que não podiam voltar para os dormitórios, já que não precisavam ficar tão perto fisicamente. Mas Pomfrey tinha assegurado que ficar em quartos diferentes seria muito doloroso.


E lá estavam eles. Aprontando-se para dormir, no hospital. Até então, pelo menos os dois tinham concordado em uma coisa: queriam que tudo voltasse ao normal tão rápido quanto possível. Nada de tirar uns dias de férias para acertarem as coisas ou para conhecer um ao outro melhor e nem nenhuma das sugestões que os adultos tinham feito. Os professores diretores de cada casa iriam explicar a situação para os outros alunos depois do jantar, responder a possíveis perguntas e lidar com qualquer falta de informação, e eles voltariam para as classes amanhã, mudando para um quarto próprio depois das aulas.


Harry olhou para Malfoy, que já estava na cama ao lado, encarando o teto, sem qualquer expressão no rosto. Por um comum acordo subentendido, eles não tinham conversado muito um com o outro, exceto por pequenas provocações enquanto ouviam Madame Pomfrey.


Harry deitou na cama, também olhando para o teto, e começou a pensar nas informações ditas por Pomfrey. Provavelmente cinco ou seis meses de contato forçado. Tendo que estar no mesmo quarto, a não mais do que três metros e meio de distância um do outro, sob o risco de estarem afastados causar extremo desconforto e eventual colapso se eles ignorassem a necessidade de se aproximarem. Necessidade de se tocarem de poucos em poucos minutos. Percepção sexual crescente um do outro e necessidade de contato sexual, em poucas semanas depois do feitiço ter sido lançado. Estar conectado ao humor um do outro, de modo que dores físicas ou desconfortos emocionais em um resultariam em dores e desconfortos no outro.


Perfeito. Simplesmente perfeito. Um dos maiores prazeres da vida de Malfoy parecia consistir em fazer Harry sentir dor e desconforto. Harry teria ficado feliz em pensar nisso se voltando contra Malfoy, se ele não soubesse que fazer Malfoy se sentir mal iria prejudicá-lo também.


E ele nem queria pensar sobre essa questão do “contato”.


Certo. Amanhã era quarta-feira. Aula dupla de Poções, logo no começo da manhã, com a mesma mistura de casas de sempre. Então, ao invés de Estudos dos Trouxas, ele teria Transfiguração com os Sonserinos e os Corvinais. Almoço, e depois aula de Feitiços com os Grifinórios, levando Malfoy junto. Em seguida, a aula de Aritmancia de Malfoy. Pelo menos Hermione também estaria nessa classe, ela poderia fazer-lhe companhia e ajudá-lo a entender a matéria. Na última aula, ele estaria sentado na classe de Runas Antigas com Malfoy, mas trabalhando em Astronomia, já que eles não tinham conseguido conciliar essas duas classes e decidiram tentar ir revezando entre elas. Eram matérias fáceis mesmo.


Por deus, como o mundo tinha mudado tão drasticamente em tão pouco tempo.


Harry suspirou. Ele queria estar no dormitório, ouvindo as conversas de Ron, Neville, Dean e Seamus. O que será que seus colegas de quarto estariam fazendo naquele momento. Conversando sobre ele? Chateados porque, de uma hora para outra, Harry tinha saído do dormitório e do time de Quadribol? Falando sobre como seria ter o idiota do Draco Malfoy por perto toda vez que quisessem ver Harry? Tentando adivinhar o que ele estava fazendo? Será que sentiam saudades?


Ele com certeza sentia saudades. Saudades da casa. Saudades de tudo.


Harry se virou, com as costas para Malfoy, e tentou se obrigar a dormir.


ooooooo


Dia 2, Quarta


Draco abriu os olhos, momentaneamente desorientado. Onde- oh.


Oh, não. Fechou os olhos com força, querendo voltar a dormir, esperando em desespero que pudesse tornar real qualquer que fosse o sonho daquela noite, e a realidade daquela manhã em apenas um pesadelo.


Abriu os olhos de novo. Não. Não tinha tido essa sorte.


Olhou para a outra cama. Potter ainda estava adormecido, o rosto em paz e relaxado, e Draco foi acometido por uma vontade quase incontrolável de socá-lo. Forte. Por ousar parecer tão tranqüilo quando eles estavam lá, no hospital, encarando o primeiro dia dos restos de suas vidas juntos.


Draco virou as costas para Potter, querendo se convencer que estava no hospital apenas por uma lesão durante um jogo de Quadribol. Mas preferiu não pensar nisso, porque teria que se lembrar de Quadribol, e aquilo era doloroso demais àquela hora da manhã. Infelizmente, quase todos os outros pensamentos que lhe viram à mente também eram muito dolorosos para se lidar naquele horário.


E era estranho, ele pensou, como sua mente não se decidia entre afastar com toda a força as informações que Pomfrey dissera na noite anterior ou repassá-las em todos os detalhes. Especialmente a parte sobre a eventual necessidade de um tocar o outro — e a boca de Draco se contorceu em desgosto, pois ele não sentia nenhum desejo de tocar Potter naquele momento de qualquer outra forma que não envolvesse violência. Mas parecia que eles iriam se sentir forçados a se tocarem, primeiro causalmente, então para conforto e, eventualmente, de modo sexual. Draco fez uma careta quando pensou nisso. Não era uma boa imagem mental. Não que a idéia de tocar outro garoto fosse tão repugnante, mas Harry Potter, de todas as pessoas. Que revoltante. Apenas um pouco melhor do que tocar um sangue-ruim.


Draco suspirou e fechou os olhos de novo. Poderia ser pior, ele tentou dizer a si mesmo. Ele poderia ter passado por aquela porta discutindo com Hermione Granger.


Na verdade, não. Não dava para pensar que aquilo não era tão ruim. Granger teria sido terrível, uma vergonha para a família puro-sangue Malfoy, mas, no final das contas, ela era apenas uma sangue-ruim. Desde Draco não tivesse filhos com ela (e ele com certeza se certificaria disso), teria sido tolerável. Ela não era a inimiga do Lorde da família.


Draco não conseguia imaginar como sua família sobreviveria a essa desgraça. O Lorde das Trevas certamente não acreditaria que a lealdade de Lucius continuasse inabalável. Talvez, em alguns anos, quando o feitiço já estivesse um pouco desgastado, e, o elo, mais fraco, seria possível para Draco sobreviver com poucos efeitos colaterais quando Voldemort acabasse com Potter. Mas… o confronto deveria acontecer logo. E Voldemort com certeza não iria confiar totalmente em um homem que sabia que seu único filho poderia morrer se Potter fosse assassinado ou ferido.


Ótimo para a posição de seu pai como braço direito de Voldemort.


Por deus, isso era terrível.


“Olá, senhores, hora de levantar”, Madame Pomfrey entrou no quarto e Potter acordou. Draco assistiu seu rosto passar pela mesma desorientação que ele havia sentido, seguida pela percepção odiosa de onde ele estava e do que aquilo significava. Potter olhou para ele e os dois se encararam com o mesmo olhar vazio de desgosto. Draco desviou o rosto.


“Agora, eu vou ter que examinar vocês dois-”, Pomfrey acenou com a varinha para Draco e ele hesitou um pouco. “Só uma checagem rápida, sr. Malfoy… parece estar tudo bem com você…” Ela se virou para Potter e repetiu o movimento, “Com você também… como vocês dormiram?”


“Er, bem", murmurou Potter. Ela olhou para Draco, e ele concordou com a cabeça.


“Separados?”


“Sim!”, os dois responderam em tons idênticos de vergonha e irritação.


Pomfrey fixou o olhar em ambos. “Eu tenho que perguntar. Estou monitorando o estado do elo de vocês. Nos próximos meses, irei fazer muitas perguntas que vocês vão achar invasivas e provavelmente embaraçosas, é melhor se acostumarem”. Ela bateu palmas e dois elfos domésticos apareceram com bandejas de café da manhã, e outros dois com pilhas de roupas e livros. “Aqui estão seus livros e suas roupas. O chuveiro é ali”, ela apontou, “e vocês têm 45 minutos até as aulas começarem. Alguma pergunta?”


Draco e Potter a encararam.


“Certo, então. Apressem-se, senhores”, e ela saiu.


ooooooo


Snape sequer olhou para os dois quando eles entraram na sala de Poções e discutiram onde iriam sentar. Até então, tinham se falado apenas com monossílabos, exceto por ocasionais “Anda logo” ou “Sai da minha frente”.


“Anda”, Draco disse impacientemente, sem gostar do fato que os outros alunos estavam os encarando, mas tentando disfarçar.


“Não”, Potter murmurou de volta. “Eu quero sentar aqui”.


Draco nem considerou a hipótese. De jeito nenhum ele iria se sentar perto da sangue-ruim e do Weasel³. “Não seja ridículo”.


“Pode ir sentar onde você quiser”, Potter disse, colocando seus livros na mesa perto de Granger. “Eu vou sentar aqui”. Draco estreitou os olhos, sem querer dar o braço a torcer, e então olhou para o lugar em que sentava normalmente, tentando medir a distância de cabeça.


Talvez uns quatro, cinco metros. Certo, então. Ele andou até a mesa e sentou perto de Goyle, preferindo ignorar a expressão assustada do garoto, e respondendo aos hesitantes cumprimentos dos outros sonserinos com um aceno curto de cabeça.


Na metade da aula, ele estava quase pronto para admitir que tinha sido uma má idéia. O que tinha começado como um mal-estar fraco tinha se transformado em aborrecimento, e então numa sensação inquietante de que ele precisava ir se sentar perto de Potter. A sensação estava ficando cada vez mais forte, e ele já não conseguia se concentrar na aula. Snape estava dizendo alguma coisa sobre como colher alguma planta… qual?… para evitar que alguma poção ficasse… de algum jeito.


Ótimo, Draco pensou. Bastante preciso. Ele se forçou a prestar atenção em Snape, apesar da irritação que não parava de crescer. Parecia que ele estava cercado por zumbidos de abelhas. Balançou a cabeça, tentando se livrar daquilo. Não, não funcionou. Esfregou os olhos, soltando o ar pela boca em irritação.


“Malfoy? Você está bem?” Goyle perguntou baixinho.


“Sim”, ele murmurou, sem se mexer.


Levante-se. Levante-se, ande até o outro lado da sala, mande Granger cair fora e sente-se no lugar dela. Você vai se sentir melhor.


Ele ignorou a vozinha, respirando fundo de novo e se concentrando em Snape.


“A flor Malva da Índia deve ser usada em até três dias depois de ser colhida, quem pode me dizer por quê?” Snape olhou para Draco, seus olhos estreitando um pouco. O professor moveu o olhar para o fundo da sala, depois de volta para ele. Draco ficou nervoso, esperando que Snape não o escolhesse, porque ele realmente não tinha idéia. “Potter?”, Snape disse. Draco pulou. Houve um breve silêncio, seguido por um audível cutucão. Draco se obrigou a não olhar.


“Um— desculpe, professor, qual foi a pergunta?”, a voz de Potter parecia bastante instável.


Snape deu aquele sorriso-maldoso-sem-mover-um-músculo-facial que ele sabia tão bem, e os sonserinos da sala riram. “Eu perguntei, sr. Potter, por que a flor Malva da Índia deve ser usada até três dias depois de ser colhida”.


Silêncio. “Eu não sei, senhor”.


“Então vamos ver se você consegue deduzir. Essa é uma pergunta que até o Longbottom deve saber responder. Diga, qual é a função da Malva nesta poção? E, não, srta. Granger, não sussurre a resposta para ele”.


Mais silêncio. “Eu não sei”.


O não-sorriso de Snape aumentou, e Draco, inexplicavelmente, sentiu-se corar quando as provocações dos sonserinos ficaram mais altas. “Qual é a função da poção, então, sr. Potter?”


“Eu não sei”, Potter respondeu de modo triste.


“Qual é o nome da poção?”


“Eu.nã”, Potter disse claramente, dessa vez com raiva na voz. Draco sentiu seu coração bater mais rápido, a raiva crescendo nele também. Droga, Snape sabia exatamente o que estava errado, por que ele não podia escolher outra pessoa para-


Não, Snape estava certo. Potter não estava prestando atenção e Snape sabia por que e estava fazendo a coisa certa. Fazer Potter parecer um idiota na frente de todo mundo para que ele não repetisse o mesmo erro em outra ocasião — ele se sentaria onde Draco quisesse sentar da próxima vez. Isso era bom. Ele deveria se sentir grato a Snape.


Só que, graças ao maldito elo, Draco estava sentindo a raiva de Potter ao invés de gratidão.


“Qual é o nome dessa aula?” Snape perguntou.


“Poções!” Potter gritou.


“Finalmente, uma pergunta que você conseguiu responder. Muito bem, um ponto para a Grifinória pela resposta. E dez pontos a menos da Grifinória pela sua completa incapacidade de responder qualquer outra coisa”. Houve um murmúrio de raiva dos grifinórios e uma onda de risos abafados dos sonserinos. “Eu sugiro que você encontre um jeito de se concentrar, Potter. Irei te chamar de novo”.


Draco fechou os olhos com força, tentando repelir a raiva e o ressentimento de Potter e a necessidade crescente que ele sentia de mudar de lugar e acabar com o sofrimento de ambos.


Não. Não. Não, não, não, não.


Snape estava falando de novo, sobre sabe-se lá o que, e ele ouviu uma outra voz mais perto, que não pôde identificar porque os zumbidos estavam cada vez mais altos e-


“Ai, MERDA!”, Draco gritou, uma dor quente e branca queimando seu braço. Ele se afastou da fonte da dor e abriu os olhos para ver Goyle, de boca aberta para ele, e o resto da classe observando em surpresa. Ele virou para frente, esfregando os olhos e tentando se ajeitar.


“Algum problema?”, a voz de Snape cortou os zumbidos.


“Eu não queria… Desculpe, professor, eu esqueci”, Goyle disse estupidamente, “Eu… ele não parecia muito bem e não respondeu quando eu perguntei se estava tudo bem, eu só encostei no braço dele, senhor-”


Snape fez um som impaciente. “Goyle, vá para aquela mesa vazia. Potter, sente-se no lugar do Goyle. A razão pela qual a Malva deve ser usada em até três dias depois de ser colhida é que-” e Draco perdeu o resto da frase enquanto Goyle pegava suas coisas e ia para a mesa do lado lançando um olhar de desculpas para Draco. Potter largou os livros em cima da mesa e sentou sem voltar-se para ele.


Que repugnante. Potter sentou ao seu lado e quase imediatamente o mundo voltou ao normal de novo — sem zumbido, sem irritação, sem vozes dizendo-lhe o que fazer. Sentindo-se infinitamente melhor, ele conseguiu acompanhar a aula de Snape com facilidade, se inteirando da parte que ele tinha perdido. É claro, qualquer idiota poderia deduzir que a Malva da Índia era usada por suas propriedades de cura e perderia o efeito depois de três dias.


Ele pegou a pena, escreveu as palavras de Snape e releu o que tinha anotado até então. Ficou surpreso. Sua caligrafia estava horrorosa, quase ilegível. Havia palavras faltando, misturadas… ele teria que pegar as anotações de alguém emprestadas para conseguir alguma informação decente sobre a última meia hora de aula. Espiou o pergaminho de Potter e riu da bagunça evidente nas anotações.


"Não enche", Potter murmurou. Draco deu um sorriso maldoso e voltou para suas anotações, bem mais animado, apesar da animosidade que envolvia Potter como uma nuvem.


ooooooo


Eles entraram juntos no Grande Salão. Tinham conseguido passar o resto da manhã sem falar um com o outro, mas agora os dois pararam ao perceber que não faziam idéia de onde sentar. Não tiveram problema em Transfiguração, que era logo depois de Poções, porque, como Potter estava na aula de Draco, teve que sentar onde o sonserino quis. E Draco quis sentar com seus amigos, que lançaram risadas maldosas para Potter e acolheram Draco entre eles como se nada tivesse acontecido, evitando qualquer menção à maldição. Draco tinha se divertido durante parte da aula imaginando o que os pais de seus amigos deviam ter dito a eles ontem. Parecia que, pelo menos por enquanto, a tática geral era de observação cautelosa. A família Malfoy tinha sofrido um revés sério, mas não era impensável que se recuperasse, e a maioria dos seus colegas tinha aprendido por experiências amargas a não tentar explorar seus momentos de fraquezas; os Malfoy sempre conseguiam vingança.


Mas isso não ajudava na sua situação atual. O Grande Salão estava enchendo de alunos, e lá estavam os dois, entre as mesas da Sonserina e da Grifinória.


Potter começou a andar na direção da mesa da Grifinória, e Draco o segurou pela manga da capa. “Onde você está indo?”


“Minha mesa. Eu tive que sentar com os seus amigos a manhã inteira. É sua vez”.


“Eu não vou sentar na sua mesa”.


“Por que não?”


“Não seja idiota”.


“Malfoy”, Potter desvencilhou o braço, “Nós temos que cooperar um com o outro, lembra? Dar e receber? Sabe o que eu quero dizer?”


“Eu cooperei desistindo de História da Magia, indo para sua aula de Feitiços e começando Herbologia”


“Eu desisti de Estudos dos Trouxas e-”


“Eu não vou sentar na mesa da Grifinória!”


“Bem, então onde você sugere que a gente coma? Porque eu não vou sentar na mesa da Sonserina!”


“Nenhum sonserino iria te querer lá de qualquer modo!”


“Então arrume uma alternativa!” Eles se encararam, sem se importar com as várias pessoas que assistiam à briga. Até que Draco andou para a mesa mais próxima, passou por dois corvinais assustados, pegou dois sanduíches e uma maçã e fez um gesto para Potter fazer o mesmo. Potter o imitou, seguindo Draco para fora do Grande Salão até o pátio mais próximo, e se deixou cair em um banco o mais longe possível de Draco.


ooooooo


Isso… Draco realmente não precisava disso. Ao fim de um dia inteiro passado com Potter, tentando ao máximo ignorá-lo e não pensar em como aquela situação era terrível, depois de passar o tempo todo em negação sobre tudo aquilo, isso era… realmente pedir demais.


A aula de Feitiços tinha sido horrível, já que ele teve que sentar perto demais da sangue-ruim e do Weaselby³, cercado por malditos grifinórios e lufas-lufas, sem nenhum único sonserino a vista. Depois disso, eles só tiveram aulas que já tinham antes da maldição.


Mas agora, no final do dia, ele precisava espairecer e talvez ir estudar na biblioteca, ou passar algum tempo com os outros colegas de casa, jogando os intermináveis jogos políticos da Sonserina nos quais ele era tão bom e gostava tanto. Ele precisava do conforto do seu quarto comunal e do seu dormitório. Por ser filho único, sempre odiou ter que dividir o quarto com outros garotos na escola, mas, nesse exato momento ele daria tudo para ver os rostos idiotas de Goyle e Crabbe e ouvir as besteiras Zabini.


Ao invés disso, ele teve que passar pelos seus colegas de casa com Potter no seu calcanhar, ir até o quarto e empacotar suas coisas para que os elfos domésticos os levassem até o novo dormitório dos dois. E, depois, teve que seguir Potter até a torre da Grifinória para que ele fizesse o mesmo.


E, agora, lá estavam eles. Em um espaço normalmente reservado para professores casados. Um quarto pequeno, parecendo ainda mais apertado com as duas camas de estudante. Uma sala de estar, grande o suficiente para alguns sofás, cadeiras e duas mesas. Um banheiro com uma banheira — nada de chuveiros comunais para dividir com outros alunos. Uma pequena dispensa.


Se o espaço fosse só seu, ele estaria bem contente. Infelizmente, ele tinha um colega de quarto.


Ele tinha uma vontade enorme ou de matar Potter ou de se acabar em lágrimas. E não podia fazer nenhum dos dois. Preferiu agir de modo automático, desempacotando suas coisas. Não se importou em arrumar nenhum das tranqueiras que tinha trazido do dormitório — isso seria admitir que agora aquela era sua casa, e ele com certeza não queria isso. Era melhor simplesmente guardar as roupas e livros, como Potter estava fazendo, e ignorar Potter, como tinha feito durante o dia inteiro. Depois, pegou as anotações de Herbologia que tinha recebido da professora Sprout e começou a estudar. Tinha acabado de sentar para ler quando sentiu Potter olhando para ele.


“O que foi?”, perguntou.


“Então é isso? Você só vai começar a estudar?”


“Eu perdi o primeiro mês inteiro de Herbologia”, disse rispidamente. “Não quero prejudicar minhas notas. Você deveria começar com Aritmancia. Não é uma matéria fácil”.


“O jantar é dentro de uma hora”.


Draco deu de ombros e virou a página.


“Onde nós vamos sentar no jantar?”


“Não no Grande Salão”.


“Vamos perder os avisos”.


“Eu não me importo”.


“Eu me importo”.


“Bom para você”.


“Malfoy, eu quero ir para o Grande Salão e estar no meio de outras pessoas. Por mais que aprecie o seu silêncio, não pretendo ficar trancado aqui com você para sempre”.


“Não é a sua idéia de lua-de-mel ideal, Potter? Me desculpe, vou pedir para meu pai reservar um cruzeiro pelo Mediterrâneo para nós dois”, ele virou outra página. “Depois que eu tiver entendido essa matéria estúpida”.


“Malfoy. Eu vou para o Grande Salão jantar. Eu vou sentar com os meus amigos”.


“Eu digo para os elfos em qual cama depositar seu corpo quando eles te trouxerem, depois que você desmaiar”.


Ele podia quase ouvir Potter contando até dez. “Por que a gente não senta com a Grifinória hoje e com a Sonserina amanhã?”


“Porque meus amigos vão vomitar se tiverem que sentar perto de você enquanto estiverem comendo”.


“Então a gente senta com a Grifinória de novo. O metabolismo dos grifinórios não é tão delicado”.


“Cai fora”.


“Eu adoraria. Infelizmente, tem o probleminha da maldição”.


Draco o ignorou.


“Malfoy”, a voz de Potter estava começando a ficar exasperada. Draco continuou a ignorá-lo.


“Olhe para mim quando eu estou falando com você”. Draco bocejou e virou outra página. Isso era novidade. Potter já tinha agido assim com ele algumas vezes nos anos anteriores — fingindo indiferença, se recusando a responder, deixando Draco perturbado. Draco nunca tinha tentado antes, mas podia entender por que Potter o fazia. Era bem gratificante. Tinha que se lembrar disso no futuro.


“Malfoy!”, Potter parecia bravo de verdade agora, e Draco sorriu para si mesmo enquanto mantinha os olhos nas anotações de Herbologia. Potter deu um soco na mesa na frente de Draco, fazendo o sonserino pular de susto e olhar para ele.


“Qual é seu problema, Potter?”, ele perguntou lentamente, deliciado em como o rosto de Potter estava vermelho.


“Pare de agir como um imbecil e fale comigo!”


“Eu não irei sentar na mesa da Grifinória para o jantar, e você não vai poder sentar na mesa da Sonserina. Eu sugiro que a gente peça para os elfos domésticos trazerem o jantar aqui. Acho que isso resolve esse dilema doméstico”.


Potter encarou Draco por um momento, então levantou e se jogou em cima da cama.


ooooooo


“Tem gente na porta”, o retrato do Sir Xander, o alemão caçador de vampiros, anunciou algumas horas depois.


“Quem?”


“Hermione Granger e Ronald Weasley”.


“Fale para eles entrarem-” “Fale para eles caírem fora-”, eles disseram ao mesmo tempo.


“Esse também é meu dormitório”, Potter disse baixinho. Draco pensou por um minuto, medindo as opções. Estava tentado a simplesmente recusar e ver o que acontecia. Mas Potter — droga! — tinha razão. Eles não iriam conseguir ficar sozinhos o tempo todo. O próximo impulso de Draco foi dizer a Potter que, se ele quisesse estar com os amigos, tinha que ser fora do quarto deles, mas, infelizmente isso queria dizer que Draco teria que sair também. E ele não tinha a menor intenção de ser visto em público com amiguinhos de Potter.


Além do mais, se ele quisesse trazer seus amigos para lá também, iria precisar da permissão de Potter.


“Tudo bem, seus amigos podem entrar — desde que os meus também possam vir para cá”.


Potter olhou para ele de um jeito estranho. “É claro”, ele disse, como se fosse óbvio. Draco acenou com a cabeça.


“Harry, onde você estava no jantar?” Granger perguntou assim que ela e Weasley entraram. Draco não se deu o trabalho de cumprimentá-los, apenas se enfiou nos livros.


“Aqui”, Potter murmurou.


“Oh, Harry-”


Draco pegou sua varinha e lançou um feitiço de silenciador ao redor da sua mesa, bloqueando os sons dos amiguinhos desprezíveis de Potter e se enterrando em Herbologia.


ooooooo


Dia 3, Quinta


‘Por deus, não’, Harry pensou quando acordou no dia seguinte.


Não dava para ficar pior, dava?


Ele espiou a outra cama, onde Malfoy ainda estava dormindo. Ele parecia bem mais agradável do que quando estava acordado, sem os sorrisinhos irritantes e as expressões de reprovação. Mas, nos últimos dois dias, Malfoy não estava muito desse jeito. “Amuado” parecia ser a expressão que ele tinha escolhido.


Dormindo era melhor.


Harry olhou para ele, pensativo. Tinha passado os últimos dois dias lidando com a realidade da vida cotidiana, deliberadamente sem se deixar pensar no que aquilo significava. Ainda parecia inconcebível que eles tinham que viver juntos, menos ainda como um casal. Cada vez que seus pensamentos enveredavam esse caminho, ele se distraía lembrando que Pomfrey havia dito que nem todos os elos são como casamentos. Talvez o deles fosse um dos poucos afortunados que consistiam em simplesmente viver juntos, por mais repugnante que a idéia parecesse. Colegas de quarto pela vida inteira. Não tanto assim, na verdade — de acordo com Pomfrey, essa necessidade de ficar perto fisicamente não iria durar para sempre. Algum dia, tudo isso seria uma memória distante e infeliz de um ano em Hogwarts que tinha sido arruinado por ele ter que passar grande parte do seu tempo com Malfoy, que agora vivia do outro lado do mundo.


Certo.


Harry repassou os acontecimentos do dia anterior enquanto tomava banho e se trocava — a horrível desorientação em Poções, as alfinetadas de Snape, e como de repente depois que ele sentou perto de Malfoy tudo ficou melhor. O constrangimento por aquela situação toda — e a pequena sensação de recompensa quando ele tinha visto que as anotações de Malfoy sobre a aula não estavam tão bagunçadas quanto as suas, mas não faziam sentido algum. Pelo menos ele não tinha sido o único afetado.


Ele sentia saudades de Hermione. E de Ron. Só de pensar que eles estavam levantando e seguindo suas rotinas matinais sem ele, que todos seus amigos estavam na Torre da Grifinória enquanto ele estava lá, preso com aquele imbecil… era quase insuportável.


Hermione e Ron tinham aparecido na noite anterior e ficaram com ele um pouco, mas, eventualmente, tiveram que voltar para o dormitório. E ele não pôde ir com os dois. Tudo que ele pôde fazer foi ficar pronto para dormir e deitar, com Malfoy a poucos metros dele, olhando para o teto e se perguntando como iria sobreviver a outros dias como aquele.


Uma coisa ele faria. Iria persuadir Malfoy a concordar em ir para o Grande Salão nas horas das refeições. Eles tinham que ficar entre outras pessoas. Talvez as aulas de hoje fossem ajudar — durante quase a tarde inteira, Malfoy teria que ver aulas de Harry. Talvez ele ficasse com saudades dos seus amigos sonserinos. Harry só podia manter essa esperança.


Malfoy se mexeu, suspirando de leve no seu sono, e Harry odiou o pensamento de ter que acordá-lo. Queria poder deixar Malfoy dormir e ir tomar café da manhã e depois para as aulas. Infelizmente, se Malfoy não levantasse, os dois ficariam atrasados.


“Malfoy”.


Malfoy não se mexeu.


“Malfoy”, Harry repetiu, um pouco mais alto. Malfoy sequer esboçou uma reação. Harry se aproximou da cama do outro, chacoalhando seu ombro. “Malfoy. Acorda”. Malfoy acordou de sobressalto e olhou para Harry. E então fechou os olhos com força.


“Oh, deus, você de novo”, ele murmurou, a voz sonada.


“Sim, eu de novo. Levanta”.


“Não”.


“Não?”


“Não. Vai embora”.


Harry se afastou, confuso. O que deveria fazer agora? Não lhe agradava a idéia de começar o dia brigando e arrastando um mal-humorado Malfoy para o café da manhã e depois para as aulas.


Certo, não faria isso. Ele deitou na cama e abriu um livro.


Vinte e cinco minutos depois, Malfoy perguntou, com a voz arrastada. “Que horas são?”


“8:20”.


“O quê?”, Malfoy sentou na cama. “Nós temos que estar na sala em dez minutos!”


“Eu sei”.


“Então por que você não me acordou?”


“Eu tentei. Você não quis”.


“E você simplesmente me deixou voltar a dormir?” Malfoy levantou da cama, pegando suas roupas e seu uniforme escolar.


“Eu não sou seu despertador”, Harry disse docemente e se levantou, totalmente vestido e pronto para sair. Ele perderia o café da manhã, isso era óbvio, mas valia a pena só pela visão de Malfoy em pânico com a idéia de entrar atrasado na aula da McGonagall.


“Muito-” a voz de Malfoy ficou abafada enquanto ele tirava a camiseta, “-engraçado, Potter. Hilário, para falar a verdade”, ele rapidamente vestiu calças limpas. “Você realmente deveria considerar a idéia de uma sociedade com os gêmeos Weasley-”, o loiro colocou uma camisa limpa e começou a abotoá-la, percebeu que tinha pulado um botão e começou tudo de novo, com um rosnado, “-já que você obviamente não tem utilidade para mais nada”. Malfoy jogou os livros na mochila e percebeu que um estava faltando.


“Se você está procurando seu livro de Defesa Contra as Artes das Trevas…”, Harry disse de modo bondoso, e Malfoy olhou para ele, aliviado “… então eu sinto muito, mas não sei onde ele está”.


Era interessante, Harry pensou, como esse negócio de ‘sentir os sentimentos do outro’ funcionava. Estava sentindo um pouco da raiva e do desconforto de Malfoy agora, era verdade, mas eles eram completamente sobrepostos pelo seu prazer com a situação. Depois de todo o constrangimento na aula de Poções ontem, agora ele se vingava um pouco pensando em Malfoy chegando atrasado e desarrumado para a aula da diretora da casa de Harry. Não que McGonagall tinha favoritos, como Snape, mas, mesmo assim, era uma imagem boa de se pensar.


E então Malfoy pegou um livro e arremessou contra ele. Harry mal teve tempo de desviar antes que o livro passasse raspando pela sua cabeça e atingisse a parede, fazendo um barulho alto. Harry encarou Malfoy, surpreso. Malfoy não costumava partir para agressão física quando ficava com raiva — ele era o rei das respostas e gozações sarcásticas; as intimidações físicas geralmente ficavam a cargo de Crabbe e Goyle, como se Malfoy não se rebaixasse a atividades tão serviçais. Mas lá estava ele, furioso e pegando outro livro para jogar em Harry.


“Malfoy, se enxerga! Nós não temos tempo para isso!”


Malfoy atirou o livro mesmo assim, mas logo depois voltou a vestir o uniforme, procurando pela gravata.


“Mas eu sei onde sua gravata está”, Harry disse, divertido. Malfoy não se deu o trabalho de olhar para ele. “Eu até a trago para você”. Ele esperou um pouco. “Se nós sentarmos com meus amigos na aula de Defesa Contra as Artes das Trevas”.


Malfoy fez uma cara como se quisesse arremessar outro livro contra ele, mas concordou com a cabeça, e Harry sorriu e pegou a gravata da Sonserina, que tinha caído atrás da mesa de Malfoy.


“Anda logo”, Malfoy murmurou, e os dois saíram correndo para a aula de Transfiguração, o loiro passando a mão pelos cabelos e arrumando a gravata.


‘Eu tenho que me lembrar que estou vivendo com um Sonserino’, Harry pensou. ‘Não se preocupe em ser justo ou decente; manipulação e interesse próprio são as únicas coisas que eles entendem’.

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