Costume



“Me aproximei da coruja parda que piava fracamente, me encarando. Ela trazia o Profeta na pata, e me olhava ameaçadoramente. Eu estava a atrasando, claro. Ela devia estar ali, nos escombros do Chalé desde que amanhecera, observando a desolação.

Do jornal eu conseguia distinguir algumas formas agitadas e fotos ansiosas, cheias de pessoas andando de um lado para o outro.

Uma manchete imensa, inteligível.

Tomei o jornal à força, e ela começou a me bicar e arranhar com as garras, exigindo o pagamento.

Entre plumas, bicos, garras e pios, consegui ler a manchete principal:

‘Assassinato Brutal em Wineseptre: Garota de quinze anos morta por criatura desconhecida’.

...

Merda.

Não, merda não é a palavra adequada.

MERDA!!”



Com sinceridade? Não tenho a mínima idéia do que aconteceu naqueles tempos. Foram dias negros de pura aflição, confusão. Aliás, foram dias? Meses? Minutos? Sei lá, tanto faz.

Entretanto eu ainda me agarro às vezes a lembranças. Não sei se alguma dela retrata alguma coisa que aconteceu mesmo, mas eu lembro de ter bebido água quando chovia, e comia quando um animal passava por mim. Mas eu tenho certeza de que eu não larguei em momento algum o chalé das conchas.

Lembro principalmente de, anteriormente à minha insanidade momentânea, ter entrado no chalé e pego uma pá. Cavei o buraco mais fundo que consegui, e lá joguei Hati. Quero dizer, não joguei. Vesti-o com as roupas de Ron e tentei penteá-lo.

Deitei-o em seu leito e ainda antes de me empoleirar para fora da cova, detive-me a encarar seu rosto.

Só não lembro o que eu exatamente senti. Mas ali, velando meu “pai”, senti algo doce. É a única maneira que eu poso descrever o que eu senti.

Devia ser prazer por ver a fonte de meus problemas morta. Ou uma compaixão inesperada, como essas coisas bizarras que vêm com o kit “lobisomismo”.

Quando eu me refiro àquela época, eu me refiro como meu “retiro espiritual.”

O que eu mais fiz foi pensar. Não tome isso como ócio, sério. Pensar pode se tornar exaustivo quando seus pensamentos são perturbadores, e também podem fazer-te suar quando você se aventura demais por sua mente. Às vezes eu não conseguia dormir por conta dos pesadelos, e dos fantasmas que passavam freqüentemente por mim. Os fantasmas de Victoire, Fleur, e Hati. Eles me faziam companhia.

Refleti muito. Às vezes meus pensamentos tomavam cursos totalmente diferentes dos pensamentos que eu devia estar ponderando sobre.

Às vezes eu me perguntava sobre meus objetivos como profissional, ou sobre as minhas expectativas como pai.

Minha mente vagou tanto...

E os sentimentos tomaram posse de mim.

O amor que eu sentia por Fleur e por Victoire. O medo, eu quase podia tocar no medo que eu sentia, de tão real que ele era.

A culpa. Mais um fantasma para o meu grimório de assassinatos sem razão.

O medo, de novo. Mas agora por causa da cicatriz em minha barriga. No que eu me transformaria? Que segurança eu podia trazer para minha família quando eu era o que eu era? Arthur bem me disse muitas vezes para não julgar Lupin como eu fazia sempre que ele se mostrava relutante em ter um filho com Tonks, ou de se casar com ela. Agora eu sabia bem o que era aquilo. Sabia o que era estar disposto a abdicar de sua própria felicidade para a segurança das pessoas que amávamos.

Não vou mentir que eu não pensei em me unir à matilha de Greyback. Não era essa minha melhor opção? Estaria ao lado de Victoire, e Fleur continuaria a salvo.

Mas ao fazer isso eu estaria não só aceitando o monstro que eu era, como também explorando vários dos aspectos sombrios da minha monstruosidade.

Não, não, não ia me unir à Greyback em suas carnificinas, ou em suas jornadas para atacar crianças e as transformar em lobisomens. Eu ia seguir os passos de Lupin, e tentar me integrar na sociedade. Não estávamos, afinal, em uma nova era?

Talvez não.


Era um dia chuvoso. Quer dizer, chuviscava. Pelo menos eu suponho que eram gotas de água aquelas pequenas coisas que mordiscavam a minha pele.

Estava entardecendo, eu acho. Eu estava com um pouco de fome, e minhas pálpebras estavam pesadas.

Estava confuso, como todo o dia. Não entendia bem o que se passava por mim, e beirava a insanidade completa.

Não soube de imediato se o que aconteceu a seguir foi algo bom ou algo ruim.

-E eu relutando em apostar nas opções óbvias. – Aquela voz foi cortante. Fechei meus olhos com força. Não seria a primeira vez que eu lutaria com uma voz em minha cabeça. – Você está em condições deploráveis, meu amigo. – Aquela voz era tão grosseira, rouca... Parecia minha parte lobisomem tentando falar comigo.

-É eu sei. – Respondi em voz alta. Ajudava, às vezes.

-Você não precisa estar assim, você sabe também.

-Não, não sei.

-Por que você continua a se esconder da realidade?

-Eu não estou me escondendo da realidade. E você sabe tão bem quanto eu.

-Só se eu fosse você.

Abri os olhos instantaneamente.

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