Determinação



Aparatei na rua principal de Saint. Claire. Estava escuro, pois as tochas estavam apagadas.

Um pouco antes de sair, e discretamente por que Fleur não deixaria eu fazê-lo se ela visse, fizera dezenas de feitiços para protegê-la dos mais diversos males, e usei um feitiço de desilusão em mim mesmo.

Andei até o centro da cidade, olhando para o chão. Não estava nem um pouco alerta – por pura burrice – mas estava interessado nas pegadas. Eu vivi muito tempo caçando para saber que era um lobo de porte grande.

Gente burra. Provavelmente havia um lobisomem na vila, vivendo entre eles. Não são todos que são arranhados ou mordidos no rosto.

Cheguei no centro da vila, e olhei para os lados para me certificar de que não tinha ninguém na rua. Se bem que discrição não era o ponto forte do meu plano. Apontei a minha varinha para o chão a alguns metros de distância de mim, e forcei-me a me concentrar. Era tão difícil executar o mais simples dos feitiços quando sob pressão emocional.

-Bombarda Maxima! – Gritei. Por conta do feitiço, o chão tremeu e explodiu, como uma erupção de terra. O estrondo foi imenso, e ouvi alguns vidros de janelas racharem. Eu mesmo tive de me equilibrar para não cair.

-Estupefaça! – Ouvi, pelo menos umas vinte vezes. Cada um apontava para um lado diferente, e dois deles passaram relativa e assustadoramente perto. Eles não conseguiam me enxergar, portanto a maioria dos feitiços fora direcionado à cratera que eu formara no meio da cidade.

As pessoas – na maioria homens – que haviam me lançado os feitiços estuporantes saíram de suas janelas e foram até as portas. Eles sussurravam entre si, e olhavam temerosos para todos os lados. Ouvi inclusive a palavra “meteoro” sendo cogitada.

-Sonorus. – Sussurrei, apontando para minha garganta.

-Cidadãos de Saint. Claire. – Falei, testando a minha voz. Como eu esperava, ela parecia vir de todos os lados ao mesmo tempo, impossível de identificar de onde. Os dementadores viriam logo, devia ser rápido. – Quem vos fala é William Weasley, cuja casa vocês destruíram e cuja filha roubaram. – Disse, me aproximando devagar da multidão que se aglomerava. Qualquer pedra que eu chutasse, qualquer ruído, denunciaria minha posição. E de qualquer forma, qualquer reflexo e qualquer luz seriam distorcidos em mim como o efeito da luz quando passa pela água, portanto era importante que eu me mantesse na surdina sem fazer movimentos bruscos. – Quero saber onde se encontra, e agora.

O que se pronunciou parecia falar por todos eles, o líder do conselho provavelmente. Era um homem corpulento e de cara nada agradável, mas foi solene quando me dirigiu a palavra.

-Nobre homem, não sabemos onde se encontra sua filha, pois nada temos com o seqüestro da mesma.

claro que foram vocês. – Sibilei. – Há doze cadáveres de seus amigos no pátio de minha casa!

-Uma perda lamentável, admito. – Disse. – Mas foi um mal necessário para atingirmos nosso objetivo, e matá-lo.

-E vocês estão falando com o quê? Um espírito? – Perguntei, rindo. Havia um garoto há pelo menos um passo de mim, perfeito.

Pela primeira vez, apareceu confusão em seus rostos, o que também se estampou no meu.

-Não... Estamos? – Perguntou o homem gorducho.

Então eles achavam mesmo que estavam falando com um espírito... Então eles deviam achar que eu estava morto... E se eles achavam que eu estava morto, foi por que não foram eles que fizeram o trabalho sujo.

Dei um passo rapidamente e uma mulher notou meu avanço, soltando um gritinho e se atrapalhando ao sacar a varinha, derrubando-a. Mas antes que os outros percebessem o que ela fizera, eu já agarrara um adolescente um pouco mais baixo que eu pela camisa, apontando a varinha primeiro para mim, para me desiludir, e depois para o pescoço dele. Me afastei da multidão, afim de que eu pudesse ficar de frente para todos, e notasse caso alguém quisesse me cercar.

-Isso lhes parece ação de um espírito?

Todos prenderam a respiração e gemeram em uníssono. Eles me encavam, perplexos.

-Solte meu filho, seu monstro! – Disse um homem. Em um momento de puro ódio, eu abaixei minha varinha e pressionei uma unha relativamente cumprida no pescoço do garoto.

-Não fuja, não corra, não esperneie. Eu não vou te machucar, pode acreditar nisso, e nem vou deixar que nada te aconteça, caso seus amigos forem burros de tentar me atacar. – Sussurrei. E pressionando um pouco mais forte, blefei. – Se eu arranhá-lo agora, ele se transformará em um lobisomem cada lua cheia, meu caro.

Ele arfou, e apontou sua varinha para mim.

-Você deixaria de amá-lo?

Minha pergunta surpreendeu a todos. O homem olhou perplexo para meu rosto, e para o rosto de seu filho, que tremia. Percebi que ele era um dos poucos garotos que nunca tivera medo de mim, e que me cumprimentava quando eu ia à vila. Ignorei categoricamente minha própria pergunta retórica, e afrouxei um pouco o abraço que eu dava em seu pescoço, e continuei.

-Quem pegou Victoire?

-Não sabemos. – Disse uma mulher. Bufei, mas ela continuou. – Foi um distinto que passava uma temporada por aqui, como dizia. Ele veio mais ou menos quando nossos problemas com você começaram, há um mês atrás. Nós nunca vimos seu rosto por que ele sempre anda com um capuz. Eu não lembro o que eles nos contou, mas ele tinha uma doença horrível, ou seu rosto se desfigurara num incêndio, mas seu nome era Hati. Ele ao ouvir rumores de nossos problemas sugeriu que a fonte deles fosse você, e que se quiséssemos, lideraria uma pequena “excursão” até sua casa. Aceitamos de pronto, e lá nós fomos. Encontramos àquela sua francesa impertinente, que matou muitos dos nossos. – Sorri com satisfação, pelo medo que outros exibiam ao tocarem na figura de Fleur. – E Hati entrou na sua casa, e ouviu-se um rugido de raiva. Quase inumano – E revirou os olhos, como se tivesse falado algo incrívelmente engraçado. -. E depois ele voltou com sua filha nos braços. Ele falou sobre sua esposa estéril, e sua vontade de ter uma filha. E partiu imediatamente.

Apertei a varinha forte no pescoço do garoto, sem querer. A raiva era tanta, que eu perfuraria sua garganta só com a minha força, e quando ele se engasgou, eu notei o que eu estava fazendo, e parei.

-Irônico. – Disse, falando comigo mesmo. – Depois do Fenrir, há um Hati também? – Notando que ninguém entendera minha associação, engoli minha explicação sobre mitologia nórdica e continuei. – Hati é o nome de um dos filhos do Lobisomem Fenrir Greyback, irmão de Skoll.

Eles sussurraram e soltaram pequenos guinchos.

-Mas é claro que ignorantes como vocês não pensaram na hipótese sobre os problemas vindos com o viajante serem causados pelo viajante! Vocês têm noção do que causaram? – Disse, notando que eles também eram vítimas naquela história. O que não tornava-os menos culpados. – Há dementadores atrás de nós! Nossa casa foi destruída! Vocês estavam atrás do lobisomem errado! Ah, aliás, EU NÃO SOU UM LOBISOMEM!

Não sei por que, mas eu acho que desta vez, quase perfurando a garganta de um garoto com minha varinha, eles acreditaram em mim.

-Para onde ele foi?

-Não sabemos, e esta é a verdade.

-Vocês deviam morrer, cada um de vocês, e esta é a verdade!

-Você está machucando o meu filho! – Gritou o homem, colérico.

Ele tinha razão, eu novamente estava apertando seu pescoço. Era a lua cheia, com certeza.

-Solte-o agora. – Disse.

-Claro, já estou vendo eu soltando-o e vocês me enfeitiçando pelas costas.

-Solte-o!

-Não me dê ordens! – Disse, tomando a briga como particular. Como se ele tivesse entendido aquilo como um desafio, apontou a varinha direto para mim e gritou:

-Avada Kedavra!!

Eu fiz o mais rápido que pude. Passei uma rasteira no garoto, e joguei-o no chão, me jogando encima dele instantâneamente. Senti um estalo, e um osso dele devia ter quebrado. Antes isso do que ser atingido por uma maldição da morte.

-O que você tem na cabeça, seu palerma! – Gritei com todo o meu pulmão. Eu não podia me ver fazendo isso no lugar do homem. Ele pôs a vida de seu filho em risco!

Mas eles estavam estranhamente em silêncio. E me encaravam.

Ou encaravam o garoto, que eu ainda estava deitado acima.

Sob meu corpo, ele estava estranhamente imóvel, talvez com medo.

Morto.

O feitiço atingira seu corpo, e eu não vira. Com um lampejo de percepção, daqueles que você tem quando a adrenalina corre aos rios em seu sangue, e que você sente cada mínima parte de seu corpo, senti a pele de suas costas frias na minha barriga sob a camisa. Sua mão no meu braço, e minha mão no seu pescoço. Ele estava morto.

Minha culpa.

Rolei para o lado, e virei-o de barriga para cima. Ele estava de olhos vidrados, me fitando. Me culpando. Eu prometera que o protegeria, e não cumpri. Fiquei imaginando o quanto ele já brigara com o pai por ter me discriminado. Olhando aquele rosto esbranquiçado, já sem vida, eu prendi a respiração, como se eu tivesse levado um soco no estômago. Eu sabia seu nome, e ele havia me cumprimentado no dia anterior. Eu causara a morte de Jeff.

Levei minha mão até seus olhos, antes que eu mesmo desabasse a chorar, e quando ia fechá-los.

-NÃO TOQUE NELE! EXPELLIARMUS! – Eu senti uma pancada aguda de dor no flanco esquerdo do meu corpo quando eu fui arrastado por um metro e depois rolei por mais algum tempo. Detive-me a procurar a minha varinha, mas ninguém estava disposto a me atacar. Todos estavam apavorados, chorando. E aquele pai... Eu não queria estar no seu lugar.

Ele arrancava seu cabelo, enquanto gritava “O que foi que eu fiz? O que foi que eu fiz?” e pedia perdão ao cadáver de seu filho.

Eu me abaixei, e fitei seu rosto. Era a encarnação do sofrimento. E eu não podia fazer nada quanto aquilo. Se minha culpa já era grande, me detive à imaginar o quanto aquele pai não estaria destroçado por dentro. Matar o próprio filho, quando a intenção era protegê-lo... Será que havia tortura pior do que essa? Involuntariamente, comecei a chorar também. Segurei minha varinha mais forte quando de repente, em um acesso de fúria, o pai de Jeff veio correndo até mim. Mas para minha surpresa, ele se ajoelhou, ficando da minha altura, e se aproximando muito.

-Por favor, eu te imploro. Eu te suplico! Me mate! Me mate agora, sem piedade, por favor!

Era um destroço humano, mas mesmo assim eu simplesmente não podia. Não podia matar aquele homem que só tentara me matar para proteger o seu filho.

-Me mate, agora!

Dementadores ao fundo. Senti frio. Eles vinham se aproximando.

-Por favor, não me faça sofrer mais!

Pensei em Victoire, e no medo de perdê-la.

Dementadores se aproximando cada vez mais.


-ME MATE! ME PROVE QUE NÃO ÉS O MONSTRO QUE ACREDITÁVAMOS!

Me levantei.  Dei as costas e pus o peso do meu corpo no pé esquerdo, para me aparatar. Os dementadores estavam me trazendo memórias horríveis, e pensamentos piores ainda. Não podia ficar ali mais nenhum instante. Nem imaginar a mim mesmo matando Victoire. Tarde demais.

-Por favor...

-Avada Kedavra! – Disse, me virando rapidamente. Ele nem teve tempo de processar que realmente ia morrer. Seu corpo tombou sem vida, e eu senti vontade de me unir à ele e Jeff no mundo dos mortos. Segurei-me para não fazer nenhuma besteira, e girei em torno do meu próprio eixo.

Baque.



Já estava na caverna novamente. Fleur me olhou assustada, e depois para meus braços. Victoire não estava lá. Ela se atirou nos meus braços, e tremia. Me olhou aparvalhada quando eu desabei no choro.

Chorar não era um costume meu, mas já estava virando rotina.

-Calma, Bill. Calma. O que houve? – Disse ela, tentando me conter. Ela soou tão Molly.

Eu expliquei entre soluços tudo o que havia acontecido, e ela foi tentando esconder seu horror. Agora eram 10 as pessoas “inocentes” que eu matara. Com Jeff, 11.

-Não foi sua culpa, Bill.

-E se fosse Victoire, nos braços de Fenrir, e eu a acertasse? Como você podia dizer à mim que não era a minha culpa? Claro que seria minha culpa, mas mais ainda de Fenrir. Eu sou o Fenrir da história, Fleur.

-Você não tinha como prrever!

E foi assim por pelo menos meia hora. Nem tive tempo para sentir alívio por Fleur estar bem. Eu só sentia uma dura angústia, um pavor profundo que me dilacerava por dentro.

Depois, quando estava mais calmo, perguntei.

-O que vamos fazer agora?

Fleur olhou para baixo e abriu a boca duas vezes para falar. Olhei para ela, questionador.

-Fale.

-Bem, eu sei parra onde devemos irr. – Disse. Levantei uma sobrancelha, mas incentivei-a para continuar. – Wineseptre, Rua 6 casa 207.

Fui pego de surpreso quando ela me deu um endereço completo. Não me surpreenderia se ela complementasse “A casinha de madeira com uns gnomos divertidos no jardim da frente, entre a rosa e a verde-musgo.”

-C-como você sabe?

Ela bufou, como se esperasse que eu não perguntasse isso, ou como se a resposta fosse muito óbvia.

Ela hesitou, mas segurou sua manga com força. Vi que ela tremia, e quando ela levantou a manga de seu vestido, reprimi um berro.

Ali, na sua pele, haviam dezenas de cortes, talvez um pouco mais que uma centena. Pequenos arranhões, grandes lacerações, mas nenhum sangrava. Todos eram vermelhos e expunham a carne, mas o que mais chamava a atenção era uma sequência organizada de arranhões. No seu braço fora escrito à garradas um endereço no povoado de Wineseptre.

-FLEUR! Por que você não me contou antes!? – Perguntei. Eu peguei seu braço delicadamente, e examinei. Não era como os meus arranhões, e... se fosse de um lobisomem transformado?

-Não dói agora, pode tocarr. Doeu um bocado na horra. – Disse, baixinho, como se não quisesse relembrar a experiência.

-Como foi que fizeram isso com você?! – Perguntei, com uma pontada de histeria.

-Um pouco depois de você sairr, aqueles dementadorres voltaram. Eles estavam perigosamente perrto, quando eu resolvi sair para enfrentá-los. Erram só dois, e eu tinha mais chance de derrotá-los lá fora do que aqui dentro, e eles poderiam passar as defesas que eu fiz facilmente. – Droga, eu devia ter avisado que eu tinha feito minhas próprias defesas! – Então antes de eu executarr meu patrono, um javali prateado surgiu do nada, como se semprre estivesse lá, e atacou os dementadores. E depois veio ele.

-Ele quem?

-Um homem assustador. Na verdade ele erra mais lobo do que homem. Na verdade ele surgiu como lobo. – Ela parou, respirou, e ordenou suas idéias. – Ele surgiu andando como um lobo imenso, de pêlos escassos. E aos poucos foi se transformando lentamente em um humano totalmente nu – ela teve um arrepio, e a Fleur fresca aflorou por um milésimo de segundo. –, que apontava sua varrinha mágica para mim. Eu não pude fazerr nada. Ele estava usando um feitiço estrranho em mim, não sentia meu corrpo. Só sentia o meu brraço esquerdo, por mais que ele estivesse imobilizado. Ele me cumprimentou e me chamou pelo nome. Ele sentiu seu cheiro em meus cabelos – Estremeci ao pensar num lobisomem... Cheirando Fleur – e teve a confirrmação de quem eu erra. Ele me arranhou repetidas vezes, e não sangrrou. Depois ele foi emborra, e o feitiço dele se dissipou.

Rosnei de raiva. Minha expressão estava totalemente mudada, era de profunda cólera. Me virei e dei um soco na rocha, e Fleur soltou um gritinho.

Depois que eu notei o que eu fizera, olhei para minhas mãos que sangravam – mas que por sorte não se quebrara.

Era tudo, absolutamente minha culpa. A morte de Jeff e de seu pai. O fato de eu ter deixado Fleur sozinha, praticamente entregando-a aos dementadores e à um Lobisomem fétido, provavelmente Hati. Era minha a culpa de terem levado Victoire, pois eu não estava lá para protegê-la. Para um bruxo exemplar eu estava me saindo um completo inútil, e reconhecia isso. Tudo o que eu fizera até agora fora matar gente inocente e não mover uma palha pra salvar minha filha.

Morrer não era uma opção tão ruim.

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