Medo, Desolação



Um minuto inteiro se passou antes que eu retomasse controle de meu corpo. Saí correndo ainda mais rápido que antes diretamente para o Chalé das Conchas em chamas.

O segundo andar havia sido devastado, e a porta da frente arrombada grosseiramente. Mas o que mais me assustava, ainda que os destroços me parecessem desesperadores, eram as formas meio indistintas tombadas na frente da minha casa.

Eu sabia bem que eram corpos, pois deles ainda jorrava sangue.

Quando cheguei perto o suficiente para distinguir um rosto, gritei. Gritei como há tempos não fazia.

Eram 13 corpos, ao total, mas só um deles me importava. Fleur estava deitada inerte, com as pernas em ângulos improváveis, e a varinha ainda nas mãos. Ela apresentava cortes nos punhos e pernas, além de vários hematomas no rosto. Comecei a chorar como nunca quando me ajoelhei ao seu lado, e pus a mão em seu peito. Seu coração ainda batia, e sua respiração era fraca.

VICTOIRE!

Olhei para os lados, desesperado. Não via sinal de Victoire. Talvez estivesse dentro de casa. Levantei-me, hesitante por deixar Fleur sozinha, mas ela ficaria bem.

-Aquamenti! – Gritei, e o jorro de água saiu da minha varinha com igual fúria expressa em minha voz. O fogo que impedia a entrada no Chalé foi extinto, assim como aquele que ardia dentro da sala de estar. Fui em cada sala, quarto, meu desespero aumentando a cada porta que eu abria e não via Victoire chorando, tampouco seu... Corpo.

Examinei cada aposento duas vezes, três, quatro, até que caí ao lado de Fleur, incapaz de me mover novamente. As lágrimas jorravam, e eu gritava à plenos pulmões. Não podia ser. Não tinha por que uma coisa daquelas acontecer! Por que eles tomaram de mim Victoire? Por quê?

A culpa era minha. Eu não devia ter brigado com aqueles homens! Eles me julgaram perigoso.

Mas que tipo de monstro cruel não mata um lobisomem, mas em troca tira toda sua felicidade, todo o sentido de sua vida?

Minha garganta estava a ponto de se rasgar, mas eu não parava de gritar. Gritava palavras de dor, ofensas, mas principalmente o nome de Victoire.

Eu não lembro exatamente como eu superei momentaneamente o choque de ter perdido Victoire, por que o que eu senti ou pensei a partir dali é uma incógnita pra mim. Não consigo nem ao menos imaginar o quanto eu sofri, ou quantas possibilidades eu considerei. Só sei que o desgaste do furacão emocional chegou, e me vi em posição fetal, de rosto colado à terra.

Eu ouvi alguma coisa se movimentar próximo a mim.

-N-não... Victoire. – Disse Fleur, sem ao menos mover algo além dos lábios.

Em um salto me postei ao lado dela.

-Meu amor?! Você está bem? Victoire, onde ela está? – Disse, segurando sua mão.

Ela tossiu sangue antes de responder. – Eles levarram-la. Pegarram nosso bebê, William. Eles tomarram Victoire.

Eu já sabia, claro. Mas eu precisava ouvir. Minha mão apertou tanto a mão de Fleur que eu não sei como ela se partiu em duas. Dessa vez choramos juntos, cautelosamente abraçados. Quando ela estava acomodada em meu peito, no chão, eu finalmente lembrei dos outros corpos.

-O que houve por aqui?

-Esses homens da vila. – Disse Fleur, apontando. – Mais o rresto da vila, óbvio, veio aqui para te procurrar. Disse-lhes que você não estava aqui e que não erra pra eles voltarrem. – Ela engoliu em seco. – Ele diserram que eu estava mentindo e forçaram entrrada em nossa casa. Eu os mantive fora porr um bom tempo. Corrtei a garrganta de três, e pelo meus cálculos, nove deles estão desacorrdados e assim estarrão por muito tempo. Mas eles erram dezenas, e me subjugaram. – Disse ela. Ela pareceu querer continuar mas ficou quieta, como se quisesse me privar de informações desnecessárias.

Arregalei os olhos quando surgiu em minha mente uma imagem hedionda. Aquela centena de homens enfeitiçando Fleur, e rindo de seu estado. Tocando em seu rosto, como qualquer verme desgraçado faria ao ver uma descendente de Veela. Deus sabe o que se passara pela mente daqueles seres repugnantes, mas eu me preocupei em não pensar mais do que o necessário.

-E então eles me vendarram. – Continuou ela, observando minha intriga pessoal. – Eu pude sentirr que alguém estava se aprroximando, alguém diferrente. Ele fedia, também. Ele passou dirreto porr mim, entrrou na nossa casa, voltou com Victoire. Eu ouvi seu chorro. Victoire. – Sussurrou ela, em um fio de voz. Mal conseguiu continuar. – Ele sussurrou um feitiço que eu não conheço. Magia negrra poderrosa, que explodiu nossa casa. E foi emborra. Todos forram, isso depois de me darrem uma pancada na nuca.

Foi minha vez de rosnar de raiva. Olhei para os doze homens que Fleur derrotara sozinha. Minha varinha quase queimou em minha mão, e eu me levantei decidido.

Apontei a varinha para a cabeça do primeiro, e abri a boca pra pronunciar o feitiço. Fleur me olhou suplicante, e eu entendi bem o que ela queria dizer.

O homem estava indefeso. Aquilo não seria honrado, tampouco justo.

Mas aquilo era hora de se preocupar com honra? Justiça? Eles me tomaram Victoire!

-Não, Bill.

-Avada Kedavra! – Gritei. Gritei doze vezes, amaldiçoando até os que já estavam mortos.

E então a surpresa. Eu gostara daquilo. Gostara de matar aqueles homens. Senti uma satisfação negra em fazer aquilo, vingar a morte de minha filha. Sorri involuntariamente, e vir-me-ei para Fleur, que me fitou apavorada.

Mas um tremor que lhe percorreu o corpo interrompendo seus pensamentos.

-Frio. – Disse ela.

É, que momento perfeito para notar o clima. Por que ela não aproveitava e notava que minha camisa era roxa? Mas de repente eu senti também. Um frio intenso, repentino, que como uma lâmina atravessou até minha alma. E a desesperança, o sentimento mais vazio que eu já sentira.

-Dementadores. – Sussurrei.

-Eles vieram atrás de quem? – Perguntou.

Com sua pergunta considerei o fato de que talvez eles estivessem nos procurando. Procurando o lobisomem que matara tantas pessoas. Será que os habitantes da vila inventaram alguma história que nos incriminasse?

-Vamos fugir daqui. – Disse, rapidamente.

Ela se levantou, devagar. Sua dificuldade foi explícita, portanto eu a peguei no colo e girei em torno do meu próprio eixo.

Baque.

Aparatamos há apenas um quilômetro dali.

Aparecemos de repente perto da praia, encima de alguns rochedos, na frente de uma caverna escura.

-O refúgio dos rrochedos? – Perguntou Fleur.

-O primeiro lugar que eu consegui pensar.

-Não devíamos ir À Toca?

-E levar os dementadores à minha casa? Eles finalmente estão felizes!

-É, tem razõn. E bem... – Disse ela, olhando desgostosa para a caverna. – Aqui não é tão ruim.

Nos sentamos na rocha dura e úmida e nos encaramos.

-Victoire. – Sussurrou Fleur.

-Eu devia ter ido atrás dela imediatamente. – Sussurrei. Se ela ainda estava viva, eu estava desperdiçando tempo.

-Seria burrice. – Disse ela. – Agirr no ápice de fúria é sinônimo de desgrraça. E além do mais, você tem tantas chances agora quanto... – E não completou a frase. Ela apertou o coração e ficou encarando o chão.

-Droga Fleur, Eu quero nossa filha de volta!

-Pense duas vezes antes de insinuar que eu nõn me importo com Victoire. – Disse, como um olhar furioso.

-O que? – Parei e suspirei. – Tá, desculpa.

-Tudo bem mon amour. – Disse ela.

Ficamos em silêncio por um instante, até que ela sacou sua varinha e sussurrou “Expecto Patronum”. Um lampejo prateado irrompeu de sua varinha, e só. Eu compreendi totalmente que sua tristeza estivesse interferindo na execução do patrono.

-Expecto.. Droga. – Disse ela, fechando os olhos e abraçando as pernas, depois de várias tentativas frustradas.

-O que você está tentando fazer? – Perguntei.

-Quero mandar uma mensagem para a Toca. Dizer estritamente o necessário sobre o que aconteceu. Parra ativarrem a Orrdem.

Assenti. – Expeto Patronum. – Disse. Da minha varinha surgiu um agitado e prateado lêmure. Não deixei de reparar que ele não brilhava como devia, e dexei-o correr, repassando mentalmente o que Molly e Arthur deviam saber. Victoire fora raptada e nós sabíamos que ela estava viva. Provável envolvimento de lobisomens. Dementadores à nossa volta.

Mais um silêncio. Ouvimos as ondas quebrarem sobre as rochas, e o gotejar incessante nas paredes. Quase podíamos ouvir cada uma daquelas pedras se desgastando.

-O que você pensa ao fazer um patrono? – Perguntei, depois de muito pensar.

Ela sorriu, ou fez um movimento próximo à isso. – No nosso casamento. – Assumiu. – Ou no nascimento de Victoire.

-Eu também. – Sussurrei. – Mas esses momentos não parecem mais tristes agora?

Ela balançou a cabeça. Ela abraçou seu peito e começou a esfregá-lo. Juntei alguns galhos úmidos que estavam espalhados pela caverna, e magicamente fiz uma fogueira.

-Melhor agora? – Perguntei.

Fleur tremia como se nem houvesse notado que tinha uma fogueira à pelo menos quarenta e cinco centímetros dela.

-Na verdade, não. – Disse ela, parecendo à ponto de chorar. – O f-frio... É aqui dentro. – Disse, apontando para o seu peito.

Podia ser um ataque cardíaco, claro, mas eu apostei em outra opção. Fui até a abertura da caverna, e os vi. Duas criaturas de mantos esvoaçantes, negros, sob a luz da lua cheia. Mas estavam muito longe, e se afastando.

-Dementadores. – Disse. – Mas passaram reto.

-Eles enxerrgam em cores quentes só os sentimentos felizes. – Sussurrou. – Aqui não há trrabalho pra eles.

Sentei ao seu lado de novo.

-O que vamos fazer, Fleur?

-Devíamos voltar para Saint. Claire.

-E viver nossas vidas normais, boa idéia.

-Quieto, William! Eu quis dizerr que devíamos prrocurrar os habitantes da vila e perrguntar o que fizerram com Victoire!

-Certamente que eles vão completar o serviço se chegarmos lá.

-Nós conseguiremos impor respeito. – Sussurrou ela. Seus olhos mostravam um fogo até então desconhecido por mim. Era a mais profunda fúria, ódio.

Balancei a cabeça. – Não, se alguém fizer isso vai ser eu.

-Eu não vou te deixar sozinho! Além do mais...

-Fleur, Fleur! – Disse eu, segurando seus braços. – Faça isso por mim. Não se meta em encrencas. Fique em segurança, aqui. – Sussurrei. – Eu quero ter certeza de que você ficará bem, mon amour. Eu preciso de você mais do que nunca, não arrisque sua vida!

-E... E se você não voltar? – Perguntou ela, com seus olhos cheios de lágrimas.

-Você corre pra França. Volta para os seus pais e se esconda lá. Mantenha contato com a Ordem.

-Eu não quero me esconder, Bill! Eu querro achar minha filha, nem que eu tenha que usar meus dentes! – Disse, fechando os olhos e se virando de lado.

-Por mim, Fleur. Fique aqui.

Ela ponderou por dois minutos.

-Porr que te amo.

-Por que você me ama. – Repeti.

-Eu fico. – Um peso imenso saiu do meu coração quando ela disse isso. Me levantei e passei a mão nas minhas pernas para desamassar o calção – incrível a capacidade humana de se preocupar com inutilidades em momentos impróprios.

-Vo-você vai agorra? – Perguntou ela.

-Sim, não temos tempo pra desperdiçar. – Sussurrei.

-Bill... – Disse ela, se levantando. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, a puxei mais para perto, passando a mão pela sua cintura e a beijando delicadamente. Por um momento feliz todas as minhas preocupações sumiram – não sumiram, foram reprimidas para um canto tenebroso do meu coração – e só tinha percepção de Fleur e de sua boca na minha. Foi talvez o beijo mais intenso de nossa vida. Um beijo de consolo, de puro amor. E talvez de adeus.

Fleur pensara a mesma coisa e se afastou, depois batendo no meu peito, com força. – Nunca mais me beije assim! Não ouse pensarr no que você está pensando. Você vai voltarr, eu vou estarr bem! Nós vamos acharr Victoire, e vamos viverr perto d’A Toca, e viverr bem! – Foi só ali que eu notei que de seus olhos desprendiam grossas lágrimas, que já lavavam seu rosto.

-Eu sei, Fleur. – Disse. Queria que minha voz tivesse soado mais confiante. – Eu vou voltar logo.

-Por favor. – Disse ela.

-Te amo.

-Je t’aime. – Disse, enxugando uma lágrima.



notadoautor: Oi. Sei lá, eu to megainseguro 'bout esse capítulo em particular. Eu provavelmente vou refazê-lo. Comentem (L).

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