De Volta à Vida



Megan apareceu a quilómetros dali, numa sala confortável e rústica. Parou por uns instantes, tentando orientar-se no local. A sala estava vazia, e o resto da casa em silêncio, mas ela não tinha presa. Sentou-se à mesa, abriu o diário e escreveu:
Olá outra vez, Tom. Pensaste na minha oferta?
Que oferta? - Meg sentiu a confusão emanar das letras, e riu.
A de te ajudar a sair do diário. - As letras demoraram a aparecer, soando cépticas.
Tu não estás a falar a sério. - Megan fungou antes de escrever.
Estou. Tudo o que tens de fazer é dizer-me se estou certa ao não. Precisas de segredos para ganhar força, não é assim?
Segredos, confissões, confidências. Qualquer uma serve. - Meg acenou. Esperava algo do género.
Óptimo. Infelizmente, não podes ter as minhas. Se tas der, tu absorves a minha energia vital a partir delas até a esgotares. Nesse cenário, tu sais do diário e vives, mas eu morro. Estou certa?
Houve uma longa pausa antes de as letras tornarem a aparecer na folha.
Estás certa.
A jovem ficou satisfeita com a resposta. Pelo menos Tom estava a ser sincero, de momento.
Consegues entender porque é que eu não gosto desse cenário? - A pausa foi mais curta, desta vez.
Entendo.
Isso é bom. - Escreveu Meg, um pouco mais depressa. - Eu consigo arranjar-te o que precisas de outro modo. Apenas precisas de esperar.
Porquê? - As letras apareceram distorcidas, como se a pessoa que as escrevesse estivesse confusa. - O que é que tu ganhas em ajudar-me? - Meg mordeu a ponta da pena, pensativa.
Isso ainda é segredo. Conto-te quando estiveres fora, está bem? Sem ofensa, mas não confio em ti nem um pouco. - Conseguia escutar uma chave a rodar na fechadura da porta. Pousando a pena, Megan levantou-se para enfrentar a pessoa que entrava.
Walter Morris não era o pesadelo que a sua mente imaginara. Era um homem normal, de cabelo e olhos castanhos e estatura mediana. A sua expressão, ao entrar em casa e fechar a porta atrás de si, era de cansaço. Essa expressão mudou quando os seus olhos pousaram na jovem parada à sua frente.
- Quem és tu? Como é que entraste? - Inquiriu. Meg não falou. Limitou-se a olhá-lo, com o rosto distorcido de raiva.
- Você é Walter Morris? - Perguntou. O homem, parecendo perceber que ela era pouco mais de uma criança, relaxou.
- Sim. - Respondeu. - De onde é que tu saíste? Quem é que te deu o endereço da minha lareira? Como...
- Eu materializei-me. - Disse Megan, e Walter parou por instantes, antes de rebentar a rir.
- Miúda, eu tenho barreiras anti-materialização por toda a casa. Não é possível que as tenhas atravessado, e para mais, nem idade tens para ter licença. - Dirigiu-se-lhe em tom paternal. - Saíste na lareira errada, não foi? Não há problema, acontece.
Megan ignorou-o e levantou a varinha. Não precisava dela, mas agradava-lhe o dramatismo do gesto.
- Imperio. - Pronunciou. Os olhos de Walter abriram-se desmesuradamente, aterrorizados, quando o feitiço o atingiu. Meg falou calmamente. - Agora - disse, apontando para a mesa onde deixara o diário aberto - você vai sentar-se e agarrar na pena. E vai escrever nesse livrinho que confessa a sua participação no assassinato da família Despaire, e em quaisquer outros assassinatos, prisões ou torturas ilegais em que tenha tomado parte. - Walter fitou-a, incrédulo, mas a força da maldição de Megan era demasiada. Ela especializara-se em todas as imperdoáveis excepto a maldição Cruciatus, que recusava usar. A força de vontade de Walter podia salvá-lo de uma Imperius lançada por qualquer outro feiticeiro, mas não por ela. Meg certificara-se disso. Encostou-se à parede, satisfeita, e observou enquanto o homem, sem alternativa, agarrava na pena e começava a escrever.

O meu nome é Walter Sidney Morris e eu confesso...
Tom sobressaltou-se ao sentir que alguém que não era Meg escrevia no diário. E mais espantado ficou ao entender que o homem que escrevia, o tal Walter, o fazia compulsivamente, nem parando para deixar desvanecer toda a tinta antes de recomeçar, desenrolando um rol de confissões de actos que faziam o próprio futuro Voldemort surpreender-se um pouco.
Perguntando a si próprio o que estaria a acontecer, Tom aguardou enquanto Walter escrevia, fortalecendo-o com cada letra. A determinada altura, Tom sentiu-se flutuar, e percebeu que já não se encontrava no espaço confinado que era o diário, e sim numa sala com duas pessoas. Ainda não se sentia totalmente vivo, e sim um pouco mais como um fantasma, mas qualquer mudança era um alívio relativamente à sua condição interior. Tom aproveitou para olhar em redor, catalogando mentalmente o espaço e as pessoas.
Uma delas era um homem, que escrevia furiosamente em algo...o seu diário. Tom reparou que ele parecia possesso, não parando nem para molhar a pena, como se não tivesse outra alternativa além de escrever. Entendeu também que a sua ligação ao diário ainda não se quebrara, pois cada letra escrita ainda fluía para ele, fortalecendo-o. A outra pessoa era uma jovem, talvez um ano e pouco mais nova que ele.
- Ainda vai demorar um pouco, mas não te preocupes. - Tom levou alguns instantes a perceber que ela falava com ele. - Não acho que Walter vá durar muito mais.
Tom entendeu de repente quem ela devia ser. Acabar de sair do diário para a realidade deixava-o um pouco confuso, e mais lento que o normal.
- Meg, certo? - Disse. A jovem riu-se. Tom examinou-a de cima a baixo. A sua pele era muito branca, apesar de ela dar todos os sinais de passar a vida ao ar livre. Talvez simplesmente não conseguisse bronzear. Os seus olhos eram de um azul muito escuro, e os seus cabelos também escuros encontravam-se emaranhados. Classificou o seu aspecto como "aceitável", apesar de ela não aparentar tomar quaisquer cuidados consigo própria.
Foi distraído do seu exame por Walter, que com um derradeiro grito, largou a pena e caiu no chão. Tom estremeceu ao sentir a vida fluir para ele com força, ao mesmo tempo que esta abandonava o corpo do homem.
Sentiu-se cair. Voltar à vida depois de tanto tempo não era fácil, e ele desabituara-se. Sentiu a cabeça a andar à roda e bateu com ela no chão.

No fim do dia, Meg estava cansada. Ao voltar para o seu quarto no Varinha Partida, ela sabia que tinha muitas e importantes decisões a tomar. Tivera o cuidado de limpar como devia cada uma das cenas do crime, para disfarçar quaisquer vestígios da sua passagem. Os restantes seis assassinos tiveram o que mereciam na mesma tarde, depois de ela usar Walter para reavivar Tom e o levar para o seu quarto. Tomara o cuidado de trancar a porta com todas as barreiras mágicas que conhecia não fosse o rapaz acordar antes de ela regressar e tentar escapar. Ele não tinha varinha, e assim ela achava que a barreira talvez o aguentasse.
O último dos Sete, Trevor Finn, foi o mais difícil de encontrar, por a morada do ministério estar errada. Ainda assim, ela conseguira localizá-lo em poucas horas e ajustar contas numa questão de segundos. Não se demorou com acusações nem perguntas. Limitava-se a pronunciar as palavras de morte e a desmaterializar-se de seguida, tal como fizera com os outros cinco.
Meg materializou-se no seu quarto quando já era de noite, pensando no que faria com o futuro feiticeiro negro que acabava de reavivar. Para começar, teria de lidar com ele, e isso seria mais difícil. Esperava encontrá-lo ainda inconsciente, ou na pior das hipóteses, já acordado, furioso e pronto a atacar.
Por isso ficou surpreendida quando, ao aparecer no quarto, encontrou Tom Riddle sentado na sua cama, imerso numa conversa com Kazeila. Meg pestanejou algumas vezes antes de chamar a atenção sobre si.
- Já a ambientar-te? - Perguntou, fazendo Tom virar a cabeça. Ele dirigiu-lhe um sorriso torcido.
- A tua cobra é um animal muito interessante. - Comentou. - E muito leal, o que é raro. Ela recusou mostrar-me como sair, e recusou contar-me a mais pequena coisa sobre ti.
- Sim, Kazeila é qualquer coisa. - Concordou Megan. - Bom trabalho, miúda! - Sussurrou para a cobra, em serpentês. Tom sobressaltou-se ao ouvi-la.
- Eu já desconfiava. - Murmurou. Meg lançou-lhe um olhar interrogativo. - Algumas das coisas que ela não me quis dizer, ela só poderia saber se falasses com ela.
- É uma coisa que eu faço. - Respondeu ela. - Não te devia espantar, já que o fazes também! - Tom moveu a cabeça para a observar melhor.
- Penso que de momento me tens em vantagem. Parece que sabes tudo sobre mim, e eu não sei o que quer que seja sobre ti, excepto que és obviamente uma feiticeira, que falas com cobras, que passaste pelo menos algum tempo em França - ao ver o olhar dela, ele explicou - o sotaque. Quase não se nota, mas está lá. Também sei que hoje assassinaste um homem a sangue frio, e que o teu nome, se não me mentiste, é Meg.
- Bem, tu sabes algumas coisas. - Replicou ela. - Mas falhaste num detalhe. Eu não matei um homem hoje. Matei sete.
Tom levantou ambas as sobrancelhas, parecendo surpreso.
- Porquê? - A pergunta confundiu Meg, vinda de quem vinha.
- Porquê? O que é que te interessa a ti o porquê? Tu mataste centenas de pessoas sem motivo!
A exclamação fez Tom levantar as sobrancelhas ainda mais.
- Se achas que três reles Muggles equivale a centenas…- Disse, com sarcasmo na voz. Meg pestanejou, é ia  responder, até que se lembrou. Aquele Tom Riddle provavelmente não teria mais de quinze, dezasseis anos no máximo. Não era ainda o feiticeiro negro cujo nome era temido em todo o mundo mágico. - Pelo que me disseste, a tua contagem de vítimas é de momento de mais de o dobro que a minha.
- Triplo. - Corrigiu ela, lembrando-se dos Gerand. - Na verdade, é quase o quádruplo. - Emendou mais uma vez. - Matei doze pessoas em toda a minha vida. - Por um instante ocorreu-lhe a ideia louca de que Tom podia reagir como Nina reagira ao assisti-la assassinar os Gerand. Ficou decepcionada.
- Impressionante. - Disse ele, e Meg percebeu, para grande surpresa sua, algum respeito na sua voz. Bem, adolescente ou não, aquele ainda era Lorde Voldemort. Fazia sentido. - Voltando às pessoas que eu supostamente matei, as tais centenas…- Tom já pensava furiosamente. Ele era o primeiro horcrux a ser retirado do corpo. Aquela jovem referia-se certamente ao Tom que ficara, quando falava em centenas de mortos. Ele tinha definitivamente de saber mais, mas antes, queria esclarecer para além de qualquer dúvida quem era aquela menina que se dizia chamar Meg e era capaz de falar com cobras.
- Acho que não importa muito quem eu sou. - Disse ela, e Tom teve vontade de bater em si próprio por se esquecer de levantar os escudos de protecção contra legilimancia. À pressa, bloqueou a mente.
- Acho que um nome completo e uma ideia das tuas intenções chegam. - Disse. Meg pensou nisso.
- Acho que é justo. - Admitiu ela. - Chamo-me Megan Despaire, e quero derrubar o ministério da magia.

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