Prólogo



PRÓLOGO


 


 


- Hora de dormir, meu anjo. — Arthur Weasley beijou a testa da pequena Gina, enquanto a cobria com o lençol. — Já basta de histórias, por hoje.


 


— Oh, não, papai — Gina Weasley protestou. — Fale só mais um pouquinho sobre a Atlântida.


 


Arthur Weasley fitou-a no fundo dos olhos brilhantes, de um tom verde-acinzentado, como as ondas do oceano ao amanhecer.


 


"Os mesmos olhos de Molly", ele pensou, comovido.


 


Aliás, a cada ano que passava, Gina Weasley se tornava mais parecida com sua falecida mãe... No sorriso, no tom avermelhado dos cabelos, no gênio... Sobretudo no gênio.


 


Uma profunda dor oprimiu o coração de Arthur, enquanto ele se recordava de tudo o que havia deixado para trás. Como era difícil suportar a saudade...


 


— São as minhas favoritas, sabe, papai? — A voz de Gina trouxe-o de volta ao momento presente. — Ah, como eu adoro as histórias que você conta sobre a Atlântida!


 


— Que bom, querida. — Arthur afagou-lhe os cabelos ruivos, que se espalhavam sobre o travesseiro.


 


— Mas sabe o que Heidi Baxter falou?


 


Gina se referia a uma coleguinha de classe.


 


— Sim, meu anjo? — E Arthur indagou: — O que foi que ela disse?


 


— Que a Atlântida, as sereias, e todas aquelas coisas lindas, nunca existiram.


 


Arthur notou um tom de mágoa, na voz da menina.


 


— Mas Heidi está enganada, não é mesmo, papai? — Gina o fitava com um misto de ansiedade e esperança.


 


Uma forte emoção tomou conta de Arthur Weasley.


 


A pequena Gina era uma sonhadora, ele concluiu, tomando-lhe a pequenina mão entre as suas.


 


Sabia que alguns coleguinhas de escola costumavam zombar dela. Afinal, aos nove anos, Gina ainda continuava fiel ao mundo fantástico das histórias do mar e de seus reinos misteriosos...


 


Do fundo de seu coração, Arthur desejava que aquela criança adorável nunca mudasse. Que mesmo depois de adulta continuasse a crer naquele vasto mundo, tão rico e perfeito, que até parecia impalpável.


 


Gina o fitava, esperando por uma resposta.


 


Inclinando-se, Arthur respondeu, num tom carregado de ternura:


 


— Se você acredita que uma coisa, ou um ser, é real, então ele será, querida...


 


— Eu acredito! — Gina exclamou, com um largo sorriso, enquanto o abraçava.


 


— Espero que continue assim, para sempre, meu anjo. — Arthur estreitou a criança nos braços, sabendo que ela era seu único motivo para viver. Aliás, se não fosse por Gina, ele já teria desistido de tudo, muito antes...


 


— Agora seja bonzinho, papai, e me conte mais uma história sobre a Atlântida.


 


Com um sorriso, Arthur cedeu. E como não poderia?


 


Adorava satisfazer seus caprichos. Só gostaria de poder lhe dar mais, muito mais...


 


— Era uma vez, há muito tempo, num mar distante, uma ilha chamada Atlântida — ele começou. — O povo que lá morava não conhecia a infelicidade. Vivendo em profundo contato com a Mãe-Natureza, respeitando a terra, o ar, o fogo, a água e os seres vivos em geral, os habitantes de Atlântida recebiam o retorno merecido... A terra lhes dava todos os alimentos necessários a uma vida saudável, bem como o mar e os rios de águas límpidas que cortavam a ilha. O ar puro enchia-lhes os pulmões e a alma de um grande alento. Em respeito às matas, o povo de Atlântida não cortava árvores. Apenas aproveitava os galhos que se partiam e caíam ao chão, para fazer fogo.


 


— Que lindo — Gina comentou, com um brilho de fascínio nos olhos.


Inclinando-se, Arthur afastou-lhe uma mecha ruiva da testa e prosseguiu:


 


— Além de respeitar a Natureza, o povo de Atlântida era muito desenvolvido nas Artes, na Ciência e na Filosofia. Mas os cientistas de Atlântida nunca permitiram que seus conhecimentos lhes causassem mal... Ao contrário: só os utilizavam para o bem, para tornar a vida mais confortável. Com base na compreensão, no amor e na simplicidade, os moradores da ilha levavam uma existência pacífica, perfeita. Viviam num paraíso terrestre...


 


Arthur fez uma pausa.


 


A menina sorria docemente, esperando a seqüência da história. Não parecia nada sonolenta, ao contrário: estava absolutamente desperta. Era sempre assim, quando ele lhe contava aquelas histórias.


 


Sorrindo de volta, Arthur continuou a narrativa:


 


— Tudo ia muito bem, no Reino da Atlântida... Até que um dia a terra tremeu, de modo assustador. Um vulcão adormecido, bem no centro da ilha, despertou. Depois de uma série de estrondos, começou a cuspir fogo. A fumaça pairava sobre o reino. A lava descia pelas encostas do vulcão, atingindo a cidade. O forte odor de ácido sulfúrico dificultava a respiração. Bravamente, o povo de Atlântida lutou para vencer os tremores de terra e dominar o vulcão. Mas, no fim, acabou perdendo a batalha. E a ilha submergiu, rumo às profundezas do oceano...


 


— Deve ter sido assustador, papai — Gina comentou, estremecendo.


 


Tomando-lhe a mão, Arthur continuou:


 


— Mas o povo de Atlântida sempre havia amado o mar, tirando dele apenas o sustento necessário... Sem nunca o desrespeitar, nem poluir, nem turvar suas águas. E, como retribuição, o mar decidiu ajudar os atlantes a sobreviver. A ilha não se partiu, ao submergir. E quando pousou, a muitas centenas de metros de profundidade, estava intacta. Como num passe de mágica, o mar criou uma espécie de cúpula de cristal, ao redor da ilha. E ali colocou uma grande quantidade de ar, para que os atlantes pudessem respirar. Os artistas, filósofos e cientistas da ilha ajudaram o povo a se adaptar àquele novo estilo de vida, sob as águas. Muitos anos se passaram... E houve algumas modificações com os moradores daquela nova Atlântida, submersa nas profundezas do mar.


 


— Eles se transformaram em sereias — Gina completou.


 


Arthur assentiu, enquanto dizia:


 


— Mas essa transformação não aconteceu da noite para o dia. Levou muitos anos, para se concretizar. Aos poucos, os atlantes foram percebendo que não precisavam de pernas e sim de uma cauda semelhante à dos peixes. Assim, poderiam se mover com mais leveza e agilidade, nas águas.


 


— E também não precisavam mais respirar pelo nariz, não é mesmo, papai?


 


— Sim. Por isso, aos poucos, o nariz foi perdendo sua função...


 


— Mas ele não desapareceu do rosto dos atlantes — Gina se lembrou. Afinal, já tinha ouvido aquela história muitas vezes.


 


— Exato, filha. Ele não desapareceu, mas passou a ser quase um órgão decorativo, já que os atlantes começavam a desenvolver guelras, como os peixes. Era por ali que respiravam. — Arthur fez outra pausa. — Alguns atlantes ficaram tão felizes com essa transformação, que decidiram viver para sempre, no mar. Outros, porém, sentiam saudade da terra. Por mais que amassem o reino das profundezas, não conseguiam se imaginar passando o resto da vida ali. E mais uma vez o mar atendeu seus desejos. Deu, aos atlantes que assim o desejavam, o direito de voltar à terra.


 


— Mas como eles podiam fazer isso, se já não tinham pernas?


 


— O mar devolveu-lhes as pernas e a função respiratória do nariz. Enfim, deixou que voltassem a ser homens e mulheres, em vez de sereias.


 


— Puxa, como o mar foi bom para os atlantes!


 


— Ele é bom para todos nós, querida. — E Arthur finalizou: — A ilha de Atlântida já não existia, mas havia outras, onde era possível se iniciar uma nova vida. Assim, os atlantes se dividiram: alguns continuaram no fundo do mar, como sereias, e outros foram para a terra, como humanos... Mas esses tiveram de pagar um preço.


 


— Qual?


 


— O de deixar para trás, e para sempre, o reino que tanto amavam.


 


— É isso que me dá pena, sabe, papai?


 


— Como assim, querida?


 


— Os atlantes que escolheram viver na terra nunca mais puderam visitar seus amigos, nem o reino do fundo das águas.


 


— Eles tiveram de fazer uma escolha, querida.


 


— Mas o mar devia deixar...


 


— O mar é absoluto, filha. Ele já havia dado, aos atlantes, um presente precioso: o direito de viver em suas águas profundas. O que mais poderia fazer?


 


Gina assumiu uma expressão de dúvida. E Arthur argumentou:


 


— Mas não pense que os atlantes que foram para a terra se sentiram infelizes. Ao contrário: instalaram-se em pequenas ilhas, onde podiam se dedicar à agricultura, mas sem ficar longe do amado mar... E ao amanhecer, juntamente com o sol, eles se banhavam nas águas abençoadas e agradeciam ao mar o presente que haviam recebido. Nadavam como peixes, sentindo-se parte daquele universo. O tempo passou, outros homens chegaram às ilhas. E os atlantes puderam, assim, formar novas famílias, ter contato com seres diferentes... Mas, no fundo do coração, o amor pelo mar e pelo reino perdido continuava preservado... para sempre.


 


— Se você fosse um atlante, papai, o que escolheria? — Antes que Arthur respondesse, Gina exclamou: — Eu queria tanto ser uma sereia!


 


— Eu também escolheria morar no fundo do mar, querida — Arthur afirmou, comovido.


 


— Puxa, por que não somos atlantes, papai? — Os olhos de Gina tinham uma expressão séria, quase melancólica. — Aposto que a vida lá embaixo é tão mais simples e bonita...


 


— A vida pode ser bela em qualquer lugar, meu anjo.


 


— Mas o mar... — Gina não completou a frase.


 


Arthur, porém, compreendia exatamente o que ela queria dizer: o mar era tudo.


 


 


 


 

Patty Black Potter

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