Distrações



  A professora MacGonagall foi lentamente recobrando a consciência. Seu corpo já não era mais o mesmo, pensou. Estava dolorida em todos os pontos possíveis e imagináveis. Pior: não tinha idéia de como aquilo havia acontecido. Devagar, as lembranças voltavam a sua mente. Em um momento, estava discutindo com Creevey, o monitor-chefe. Logo em seguida, escuridão. E a sensação de estar sendo puxada para dentro de um poço, enquanto caia. Por sua experiência, sabia que fora vítima de algum feitiço muito poderoso.


  Olhou ao redor. Dezenas de pessoas pareciam se encontrar na mesma situação que ela: atordoada, confusa, ainda no torpor de quem havia acabado de despertar. Levantou-se o mais rápido que seu corpo velho permitia. Todavia, sua mente permanecia intacta por todos esses anos. Bastou uma rápida olhada para dar falta de dois de seus alunos. Um segundo a mais foi suficiente para concluir o que ocorrera. Sem se importar muito em verificar o restante dos alunos, partiu apressada rumo ao corredor norte. Desesperada? Talvez. Mas sem duvida tinha noção da situação de urgência em que se encontrava. Mais do que isso: temia pela vida dos envolvidos.


 


    Harry olhou incrédulo para as pálpebras fechadas de Hermione. Não, não, não! Falhara! Mas não era possível... E as lagrimas vieram antes que pudesse contê-las. Como pode deixar aquilo acontecer? Mirar o rosto pálido da garota era como uma tortura, uma prova de sua inutilidade. A perdera... Os soluços desesperados tomavam conta do ambiente, enquanto ele a puxava mais para perto de si. Seus lábios estavam gelados, quando ele depositou ali um beijo. Não suportava a idéia de que era o ultimo... Suas vestes, encharcadas com o sangue que não era dele, eram como um fardo pesado, indicador de sua culpa. Pudesse ele mudar aquilo, pudesse ele ir no lugar dela... Faria qualquer coisa só para sentir novamente seu calor, enxergar o brilho de seu olhos ternos, perder-se e seu sorriso doce.


   Passos apressados se aproximavam, mas Harry não se importou. Não se importava mais com nada... Com Willian, com Voldemort, com toda aquela maldita guerra. Enfiou o rosto no pescoço de Hermione, querendo mais uma vez sentir seu cheiro, procurando desesperado pelo calor confortante de sua pele macia e bem-cuidada, murmurando juras em seu ouvido, com a esperança infundada de eu ela escutaria...


   Foi essa cena que MacGonagall encontrou ao virar o corredor. O aluno, de costas para ela, chorava descontroladamente. E seu coração também pareceu parar quando se deu conta de quem era o corpo que ele segurava.


    - NÃO! – foi a única palavra que seus lábios deixaram escapar. Adiantou-se até lá, respiração ofegante, mente recusando-se a encarar verdade. Era o que temia.


     Primeiro ela viu o sangue. Muito sangue. Aterrorizada, examinou o ambiente ao seu redor. Havia sangue nas paredes, tufos de cabelo espalhados. Armaduras destruídas pelo impacto com o corpo de alguém, buracos no chão. E, no centro de tudo isso, uma alma que sofria.


     Aproximou-se e quase gritou novamente ao deparar-se com a face pálida de sua melhor aluna. Sem cor, sem vida... Os traços, outrora leves e alegres, estavam agora congelados em uma expressão carregada de dor. Seus lábios estavam arroxeados e rígidos, como alguém que se esforçava muito para não gritar. Andou lentamente em sua direção.


         - Harry... – murmurou, tentando afastar o aluno – Por favor, deixe-me vê-la...


          Mas ele não cedia, pelo contrario, apertava-a mais forte contra si. Ainda havia um resquício e calor, algo que Le precisava manter. Mergulhara em um delírio incessante, balançava para frente e para trás enquanto soluçava, murmurando que tudo ficaria bem, que os dois ficariam bem.


            Até que pareceu se dar conta de algo. Afastou ligeiramente a cabeça, parecendo confuso. Em seguida, estendeu uma das mãos gélidas de Hermione em sua direção, a fim de que a pegasse. A professora não entendeu, mas resolveu não contradizê-lo. Pegou-a.


         E então compreendeu tudo.


          Era fraco, mas... sim, decididamente estava lá. Uma pulsação, algo. Levíssimo e irregular, era verdade, mas não inexistente. Um coração que lutava para continuar batendo, uma alma forte lutando em uma batalha que parecia perdida.


          - Ela está viva... – sussurrou MacGonagall, perplexa. Em seguida, sua mente madura tomou novamente conta, para alertá-la da urgência da situação. – Temos que levá-la daqui... Temos...


         Mas Harry não pareceu escutar. Da maneira mais rápida e delicada que conseguiu, a ergueu em seus braços fortes, ajeitando seu corpo de forma a ficar confortável. E saiu correndo, o mais veloz que conseguia naquela situação. Pouco lhe importavam os próprios ferimentos, ou como eles pareciam latejar mais fortemente a cada passo. Sua maior prioridade era outra, afinal.


          O vento provocado por sua corrida batia em seu rosto. Porem, seus pensamentos estava voltados para apenas uma coisa: ela estava viva. Ele podia salvá-la. Ele poderia deixar de ser completamente inútil. Poderia consertar as coisas... E mesmo o minúsculo resquício de esperança existente foi o suficiente para dar a ele forças, forças para continuar, persistir, forças para concertar tudo....


           Mais rápido. Mais rápido! Pensava, desesperado. Mas o pessimismo ainda era muito presente... E se ela morresse? Não queria ter de lidar com aquela dor... Com aquele sentimento horrível de impotência. Pouco importavam as conseqüências... Se necessário, daria uma facada no próprio coração para salvá-la. Suportaria toda a dor do mundo apenas para vê-la sorrir novamente, apenas para sentir seu abraço novamente correspondido, apenas para que ela vivesse... A culpa o matava de dentro para fora. Já pensou toda uma vida encerrada, resumida, ao pior erro que cometeu? Era impossível lidar com isso.  


           Checava a pulsação de Hermione a cada vinte ou trinta passos, aterrorizado pela possibilidade de perdê-la. Tudo poderia dar tão errado... Ao se aproximar da porta da enfermaria, e sem se dar ao trabalho de ser discreto, bateu com o ombro no carvalho, fazendo a porta se abrir e uma Madame Ponfrey muito assustada correr em sua direção.


            - POTTER! Por Merlin, para que esse barulho?


            - Madame Ponfrey, por favor... – murmurou Harry, ofegante – Hermione. Hermione está muito ferida... Salve-a, por favor...


             A enfermeira levantou as sobrancelhas ao compreender o que se passava. Um segundo foi suficiente para entender que o estado a jovem realmente não era bom. Arregaçando as mangas, mandou que Harry a colocasse sobre o leito mais próximo. Examinou rapidamente a pulsação de Hermione, e verificou a reação de suas pupilas. Em ambos os casos, críticos. Remexeu por um momento na bancada ao seu lado, e aplicou uma injeção direto na veia da morena. Ela esperava que aquela dose de poção fosse suficiente para estabilizar a pulsação de Hermione, mesmo que em um nível baixo. Só assim ele poderia trabalhar.


                Levantou a blusa de Hermione até a altura dos seios e examinou o ferimento. Estava preto, onde a pele necrosara, infeccionado, e alguns lugares secretavam um pus amarelado e viscoso. Abriu a boca de Hermione e examinou suas gengivas. Estava sangrando, e em alguns pontos em que sangue coagulara, escurecida. O principal indicador de envenenamento, pensou ela. Olhou novamente para o ferimento da garota. Murmurou um palavrão baixinho e correu para seu escritório particular, onde guardava os antídotos para as poções mais utilizadas em envenenamentos. Devido a sua natureza perigosa, maninha-os trancados em sua gaveta. Deus queira que seja uma dessas.


                Já estava com o estojo em mãos quando ouviu gritos vindos da enfermaria. Era Potter, que a chamava, desesperado. Quando correu na direção dele, pode entender o que havia de errado.


                 Naquele meio-tempo, Hermione começara a ter convulsões. Não era algo agradável. A jovem se contorcia, os músculos em espasmos. Harry tentava, inutilmente, segurá-la. De tão violentos que eram os espasmos, se ele não o fizesse, ela provavelmente cairia da cama. Madame Ponfrey adiantou-se e abriu o estojo de antídotos. Potter gritava. Será que ele não entendia que ela precisava pensar? Segurou Hermione firmemente pelos ombros com uma das mãos, enquanto usava a outra para forçar sua boca para baixo e despejar todo o conteúdo da poção. Novamente, não era uma solução. Apenas retardava os sintomas, esperava ela. Mas a agitação era muita, e a jovem não estava engolindo por reflexo. Odiando-se pelo que ia fazer, mas ao mesmo tempo sabendo que era a única solução, a enfermeira forçou a boca de Hermione a permanecer fechada e tapou-lhe o nariz.


                     - O que você está fazendo?! – exclamou Harry.


                      - Potter, faço o que tenho de fazer. Você não quer que ela sobreviva? – ela lançou um olhar fulminante – Agora, saía! Deixe-me trabalhar!


                       - Mas eu não posso simplesmente...


                        - Potter – gritou outra voz severa. Na confusão de sentidos em que se encontrava, nem notara a chegada de MacGonagall. – Você ouviu!


                         - Não posso...


                          - FORA! – gritou Madame Ponfrey.


                          E, mesmo contra sua vontade, ele teve de sair.


 


                         Severo Snape já havia despertado do feitiço um longo tempo atrás. Todavia, achara melhor manter seus olhos fechados, a fim de prorrogar o início do “julgamento”. Ele achava essa expressão errônea para a situação. Não estava diante do Conselho Mágico. Não estava sequer no Ministério. Alem de que a idéia de “julgamento” pressupunha algo realmente justo, o que não era o caso. O que o Ministro e todos os seus consultores particulares fariam naquela sala era apenas expor os fatos dos quais o julgavam culpado, com o único propósito de humilhá-lo. Veja quantos erros cometeu, subentendia-se. Isso era, sem dúvidas, falho. Na verdade, o Ministério não tinha idéia.


                        Remexeu-se levemente no acento em que se encontrava, e tentou movimentar os maxilares. Não conseguiu. Amarado como um animal, pensou, enraivecido. Nada disso seria necessário se o Ministério não tivesse resolvido intervir. Agora, teria de tomar medidas mais drásticas.


                          Abriu os olhos, examinando a sala ao seu redor. Todos estavam inconscientes. Até mesmo Jason Meyer, tão treinado para antecipar esse tipo de situação, jazia derrotado no canto do aposento. O próprio acontecimento do feitiço, porem, não passava de uma feliz coincidência. Mas não precisava ser nenhum gênio para compreender quem estivera por trás daquilo, apesar de a sua causa em nenhum momento até então tenha se relacionado com a dele, seja ela qual fosse. Garoto talentoso, pensou. Felizmente, Willian Kenbril era problema para mais tarde.


                            Refletiu sobre a genialidade simples do sistema de segurança que ele mesmo havia sugerido. Em caso de ameaça, qualquer que fosse, o retrato de Dumbledore e todos os demais eram automaticamente deslocados para uma câmara localizada logo atrás de cada um. E uma placa de metal, movida por engrenagens paralelas e alternadas, fechava-se quando o processo fosse concluído. Assim, não havia nenhuma testemunha do que iria fazer naquele momento.


                       Eles o haviam dado uma poção que limita os poderes mágicos. Novamente, por obra do destino, ele já estava a tempo demais exposto a ela. O efeito se dissipara por completo.  


                        Uma pequena carga mágica foi suficiente para arrebentar as correntes que o prendiam. Flexionou os dedos por um segundo antes de retirar a mordaça. E, quando se levantou, forte e intencionado, soube que sua longa espera havia, finalmente, terminado.


                        Quando Dumbledore se desse conta do que aconteceu, provavelmente não muito tempo depois, amaldiçoaria a si mesmo pela confiança que havia depositado em um estranho. Dumbledore o mostrara, certa vez, a saída secreta que possuía para o caso de emergência. Estava escondida logo atrás do armário em que guardava sua famosa penseira. Velho tolo, divertiu-se. Estava no meio do caminho quando se deparou com algo que lhe poderia ser útil.


                         A espada de Griffindor jazia na mesma redoma de vidro em que Dumbledore a colocara quase cinco anos antes. Foi a ultima vez que ela foi tocada. Potter, um bruxo extraordinariamente ignorante na época, não foi capaz de perceber o verdadeiro poder do objeto, que se estende alem do corte de sua lamina mortal. Ao reparar nela novamente pela primeira vez em um longo tempo, lhe ocorreu que seria o presente ideal. Seu mestre com certeza iria apreciar muito a oferenda.


                         Empurrou o armário para a direita, não sem antes amarrar firmemente seu presente na cintura. A passagem, com seus degraus escurecidos pelo tempo que passara sem ser usada, tinha cheiro de mofo.


                          Estranhamente, para ele, era cheiro de liberdade.


 


                     Harry teve de esperar em um frio banco de pedra localizado na frente da porta da enfermaria. Lembrou-se do ultimo período que passara ali, e que, na ocasião, julgara não ser possível sentir maior angustia. Agora ele descobria lentamente que aquilo não fora nada.


                       Já estava ali há quase duas horas, e a culpa o consumia por dentro. MacGonagall ficara ali nos primeiros sessenta minutos, consolando suas lágrimas amargas. Mas agora elas não vinham mais. Só restava aquele sentimento torturante, incansável. Inabalável.


                       Temia pela vida de Hermione. Por Merlin, apesar de tudo... ele a amava. A amava como nunca amara alguém. Pouco lhe importava seu período de afastamento, ou as razões que a levaram a isso. Teriam tempo para conversar longamente sobre isso em outras ocasiões, então isso particularmente não o preocupava. O que o preocupava, atormentava, fazia-o querer bater com a cabeça na parede, ela a possibilidade de não terem mais tempo. A possibilidade de aquilo, daquela forma cruel, ser o fim.


                        Respirou fundo várias vezes, lutando contra a impotência. Não via saída. Não havia nada que pudesse fazer, nada racional. Levantou os olhos para as grandes portas de carvalho polido da enfermaria. E resolveu fazer algo que sequer se lembrava da ultima vê que havia feito.


                         Pela primeira vez em anos, Harry rezou.  

N/A: Pessoal... Aqui está. Mais um capítulo. O  37o capítulo. Isso porque, na minha previsão inicial, de 2009, provavelmente não passaria de trinta. Que ótimo.
           Ok, enfim...gente, por favor, não me apedrejem. Não xinguem. Eu não matei a Hermione ainda. Talvez ela morra, talvez não. Nem eu sei direito. Aí, SE ela morrer, vocês podem me xingar. E SE ela não morrer, vocês podem ficar felizes. Ok? Vou manter o suspense por mais um capítulo...e agora vcs só descobrem no 38. E, gente, sinto muito, muito, mesmo, mas ele só vai air em 2011. Fim de ano, Natal com a família, e depois vou viajar. Mas, me aguardem...lá pela segunda semana de janeiro já deve ter capítulo novo. E, até lá, prefiro manter o suspense...
            Ora, eu sei que muita gente não liga para isso, mas tem muita coisa interessante nesse capítulo ALÉM de Hermione. Veja bem, agora que as coisas começam a ficar interesantes. Willian...bem, eu não peciso nem falar sobre ele. E, pra quem não percebeu, quase nada do que ele alegou ser até agora é, de fato, verdade. E nós ainda temos o queridissimo Snape. Vamos voltar um pouco, lá para o capítulo 18, eu acho, "Nas Masmorras". Pra falar a verdade, muita coisa sobre ele está lá. Algum de vocês se lembra?
            E, por mais que alguns leitores não gostem do que eu escrevo, EU gosto. Não me importa se está bom ou ruim, é algo que eu faço e que me dá prazer o suficiente para continuar. E nada me deixa mais feliz do que dizer que termino mais um ano fazendo o que gosto. Mas tambem fico trise por saber que, nessa hora, ano que vem, eu provavelmente já não vou poder dizer o mesmo. A fic está acabando, afinal. E, se cheguei até aqui, só há duas explicações possíveis: ou a coisa está mesmo dando certo ou eu sou mesmo um fracasso quando se trata de projetos pessoais. Tambem gosto de pensar que, mesmo a contagem de tempo da fic não tendo nada a ver com o tempo real, todo fim de ano marca o fim de um ciclo. Ano passado, o capítulo do Natal acabou coincidindo, e marcou o fim de um ciclo. Depois, vieram as complicações com Willian, e tudo mais. E, nesse ano, esse capítulo tambem marca o fim de um ciclo. Vocês só não sabem direito qual, mas eu posso adiantar que é o fim da calmaria. A Segunda Guerra, afinal, está em andamento. Muita coisa irá mudar, e a cabeça de vocês vai dar ainda mais voltas. Disso, vocês podem ter certeza.
             Agradecimentos pra lá de especiais para a Erica, que, como sempre, arranjou um tempinho para ver esse capítulo e torná-lo mais legivel. Desejo a ela, e é claro, a vocês, um Feliz Natal, um ótimo Ano Novo para todos, com tudo de bom que possa acontecer. E, agora, que completo quase um ano e meio de fic, não posso deixar de agradecer a todos: obrigada, pessoal. De verdade. Por todos os comentários, bons ou ruins, por todas as sugestões. Eu ficaria muito feliz em contar com a sua opinião mais uma vez, por isso, comentem. E, se não for pedir demais, dêem uma passadinha em uma songfic que eu postei semana passada, Espero que gostem.O link é esse:http://fanfic.potterish.com/menufic.php?id=38570
            Feliz Natal, próspero Ano Novo, e até o proximo capítulo. Como se fosse demorar tanto assim.  :) :)
Bjos, Giovanna de Paula    

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