Lago de Fogo



"Where do bad folks go when they die?
They don’t go to heaven where the angels fly…"


 Sábado. Provavelmente o sábado mais longo da vida de Ron, precedida por uma semana estufada de deveres e desgraçadamente estressante. Ele até desistira do passeio em Hogsmeade para estudar, mas no fim não estudou porcaria nenhuma. Estava ansioso demais. Seu coração pulava dentro de seu peito, à noite, no salão comunal da Griffindor. Ele estava com a capa de invisibilidade de Harry, que pedira emprestado. Os alunos saiam devagar – devagar demais – do Salão Comunal, para seus dormitórios, depois de um dia cansativo. Faltava meia hora, e provavelmente, naquele passo, ele não chegaria na hora.

Quando a última criança foi dormir, ele certificou-se de que estava sozinho e jogou a capa de invisibilidade em sua cabeça. Seus calcanhares ficaram expostos – maldito crescimento excessivo – e ele teve de se curvar.

Saiu pelo quadro da Mulher Gorda, que perguntou, histérica, como sempre fazia: - Quem está aí? Por favor me diga, se não eu não consigo dormir em paz!

Ron a ignorou e sorrateiramente foi até o banheiro masculino.

Naquele lugar escuro e assustador, a figura do Barão Sangrento, flutuando à luz da lua, manchado de sangue e com correntes pendendo de seu corpo, faria Ron correr para baixo de sua cama em circunstâncias comuns, justamente o que não era.

Ron tirou a capa de invisibilidade ao se aproximar, e sorriu timidamente.

-E Helena? – Perguntou ele, visivelmente decepcionado.

-Eu falei pra ela quando e como chegar até aqui.

-Ela virá. Ainda faltam alguns minutos.

Ron sentou-se no chão úmido – se arrependendo logo após -, e começou a fitar o Barão Sangrento. Ele nunca tivera uma reflexão profunda sobre fantasmas, e nem era hora para tê-la, mas ele imaginou o quão péssimo seria ser um. E Barão Sangrento devia estar pensando em algo próximo, pois repentinamente virou-se para ele e disse.

-Para onde você acha que eu vou?

-Como assim?

-Quando eu me libertar. O que acha que vai acontecer comigo?

-Não sei, oras.

-Eu imagino se eu vou para o lugar onde as pessoas boas vão. Eu fui um bom homem em vida, fui mesmo. Eu era explosivo, mas isso nunca interferiu na minha vida, até o fim dela. – Disse ele. Talvez, se ele estivesse melhor hidratado ele chorasse, mas não era esse o caso. – Ou será que eu vou apagar e nunca mais ter consciência de nada? O que seria um alívio no fim das contas.

-Mas você não... Escolheu virar fantasma?

-Ah, se arrependimento matasse...

-Não faria diferença, afinal, você já está morto.

-Você entendeu o que eu quis dizer. Eu daria tudo para voltar atrás.

-Claro, fácil dizer isso quando não se tem nada.

-Você entendeu o que eu quis dizer!! Me arrependo amargamente da minha escolha. Eu só quero ter paz! Não agüento mais fingir que eu sou humano, meu lugar não é aqui! Afinal de que adianta existir para sempre sem viver?

Ron assentiu, vagamente. Ele não queria aprofundar-se no assunto por algum motivo, e foi salvo por Helena, que atravessou a parede do banheiro.

Ela devia ter sido muito bela, quando viva, pois mesmo fantasma era incrívelmente chamativa. Seus olhos se estreitaram e se arregalaram em seqüencia quando olharam para o Barão Sangrento.

-Senhor Weepyburn! – Disse a Dama Cinzenta.

Ah é. Ron não contara que ele viria. Ele inventou uma história extraordinária sobre poder libertá-la invocando o espírito de Rowena Ravenclawn com um ritual explicado no diário dela.

-Vo-você não esperava me ver aqui? – Perguntou o Barão Sangrento, olhando assassino para Ron, e depois suplicante para Dama Cinzenta.

-Não! Aquele garoto impertinente – Disse, dirigindo ela agora um olhar assassino – disse-me que invocaria mamãe!

-Não foi exatamente isso que nós havíamos combinado! – Disse o Barão.

-Afinal, o que você quer comigo, Reginald?

Ele pareceu animado com o fato dela ter chamado-o pelo primeiro nome, e disse: - Você e eu podemos nos libertar, afinal!

-Como? – Perguntou, ainda indecisa sobre como tratar seu assassino.

-Você tem que me perdoar, só isso.

-Só isso? – Repetiu Dama Cinzenta, flutuando um pouco mais alto, depois fazendo círculos em volta do Barão. – Só isso?! Você quer dizer, perdoar você por ter me matado? No auge de minha vida, enquanto eu me tornava mais inteligente que minha mãe? Enquanto eu me tornava importante?!

-Na verdade não é só isso. Eu tenho que negar meu amor por você – coisa que não estou disposto a fazer. E além do mais, sobre sua morte, você sabe que eu não fiz por querer!

-Ah claro, eu me lembro claramente da sua faca ganhando vida e se cravando no meu peito!

-Você nunca deu a atenção que eu merecia! Nunca nem olhava para mim!

-E sendo assim você devia ter tido a humildade de desistir de alguém que simplesmente não chega a seus pés.

O Barão pareceu ter levado um tapa na casa.

-Como ousa me insultar desta maneira?

-Como pôde me matar desta maneira?! – Disse ela, apontando para o buraco em seu peito, feita por um punhal. Ron riu da frase da Dama Cinzenta, e ambos fitaram-no sombriamente, e ele calou-se.

-Você nunca me mereceu, agora vejo. – Disse o Barão.

-Ah claro, agora quem não te merece sou eu! Você nunca foi nada, Reginald!

-E você, vivia nas sombras de sua mãe! – Essa frase foi o fim do controle de Rowena Ravenclawn.

-Você sempre foi um verme! Um verme inútil, que nunca prestou pra nada.

-É, essa é a definição de “inútil”. – Retrucou o Barão, sem se importar com os insultos. – E vejo como eu fui tolo por todos esses anos, por todos esses séculos! Acreditando que ainda havia chances para mim. E pensar que eu me apaixonei por você, criatura desprezível. Cuspiria em você agora, se tivesse saliva em minha boca!

Ron contara com o descontrole de Helena Ravenclawn para que finalmente o Barão notasse o quanto ele foi feito de trouxa. E deu certo.

-Agora, Barão. – Disse Ron.

-Renego a ti, Helena Ravenclawn, e a todo o amor que um dia dediquei a você!

Houve um corriqueiro silêncio

-Há, falas isso como se tais palavras me destruíssem!

-Não te destruiriam, mesmo que quisesse. Mas era provável que nos libertasse. – Disse o Barão, e depois olhando para Ron. – Ao menos foi o que você me disse!

-Eu acreditava nisso, também. – Disse Ron, mas não pôde contar o sorriso. – E, bem, era só isso que se fazia para quebrar o feitiço?

-Era. – Sussurrou ele.

-O feitiço está anulado, portanto?

-Provavelmente.

-Muito, muito obrigado! Não sei como poderei pagá-lo.

-Saindo daqui e cuidando para que eu nunca veja sua cara, moleque!

Ele mal pode conter-se de alegria, até chegar à Mulher Gorda e sussurrar “Garrafa de Rum”. Assim que entrou no Salão Comunal, ele deu um grito – um pouco histérico – de alegria, e correu para o dormitório. Seu sono foi conturbado, mas feliz.



Ele conseguiu se acordar apenas alguns minutos antes do almoço, e só com esforços memoráveis de Harry. Ron contou o que acontecera noite passada, e eles correram para o Salão Principal, onde achou Luna de pronto. Foi até ela, e ela pareceu surpresa com o fato dele estar falando com ela.

-Luna! Você não vai acreditar no que eu fiz!

-Conte logo, estou morrendo de curiosidade. – Disse ela, com a voz mais entediada possível. Ron torceu o nariz e repetiu a história que contara para Harry. Ele olhou alegre para ela, assim que terminou sua narrativa, e ela devolveu um olhar indagador.

-E então? – Perguntou, ainda não entendendo o que ele quis dizer com a história.

-O feitiço foi quebrado! Podemos... Ficar juntos.

-Não seja tolo, Ron! Nada muda o fato de que você beijou Hermione Granger e não me insulte pensando que tudo vai voltar ao normal por que você... Quebrou o feitiço.

-Mas como assim...

-Por que você me machuca tanto, Ron? Por que você faz tanta questão de... Me fazer sofrer? – Disse ela, desviando o olhar.

-Não foi minha intenção...

-Cala a boca, Ronald Weasley. Volta pra sua mesa!

Foi o que Ron fez, ainda incrédulo. Suas mãos tremiam e ele não tinha palavras pro que acabara de acontecer. Ele quebrara o feitiço, não era tudo o que bastava para que ela voltasse a amá-lo? Sentou-se ao lado de Hermione, mas não comeu nada.



Hermione não deixou de olhar para ele quando Ron sentou-se ao seu lado, no almoço.

Tudo bem, olhar ainda é normal. Nada de extraordinário. O coração palpitar também é normal, não é? Quer dizer, eles são ex-namorados, isso vai se estender um pouquinho.

O quão repetitiva uma pessoa pode ser, ela se perguntava. Por que ela sempre pensava diferente em Ron?

Ela se sentia em um melodrama mexicano! Ela estava apaixonada pelo mocinho e pelo vilão ao mesmo tempo?

Ela riu consigo mesma. Não. Será que era tão difícil de notar?

Ron fora como um irmão para ela todo este tempo. O irmão mais fiel, engraçado e confiável. Ele era tão ou mais especial que Harry, mas ela fora burra e confundira as coisas. Ela ainda o amava, era o segundo da sua lista.

E era ridículo pensar que o primeiro em sua lista era Draco Malfoy. Mas ela simplesmente notou que ela era tudo o que ela precisava agora. Como era mesmo a vida antes de Draco ser seu centro gravitacional? Só que não era por isso que ela ia abrir caminho para Draco. Draco devia achar o caminho de seu coração muito cuidadosamente, e qualquer passo em falso seria registrado em seu disco rígido.

Ela suspirou aliviada. Nem mesmo ela estava imune à sobrecargas mentais. Mas agora finalmente todos os arquivos estavam nas pastas certas.



“E agora ainda me evita!”
Pensou Draco, irritado, quando Hermione fez um caminho alternativo pelos corredores para não cruzar com ele no caminho do Salão Principal, naquela manhã de Domingo. Ele bufou, se encostou numa parede.

Agora era irreversível, e ele sabia disso. Admitira orgulhosamente de que amava Hermione Granger, e faria de tudo para conquistá-la.

Ele desceu para o Salão Principal, onde todos almoçavam. Dirigiu-se até ela cautelosamente.

-Hermione?

Ron e Hermione viraram-se para ele. Ron se levantou – mais educadamente do que o esperado – e saiu do Salão Principal, para deixá-los conversando à sós.

-Draco! – Disse Hermione, um tanto amarga. Harry os encarava furiosamente. Nem ele, ou Ron aceitavam o fato de que eles eram “amigos”.

-Olha, quero me desculpar pelo que eu falei da última vez.

-Desculpado. Eu também fui uma idiota.

-Eu não soube abordar... Direito.

-Ah, então tudo é uma questão de abordagem?

-Para de distorcer o que eu falo, Hermione!

-Vai aprender a falar direito então.

-Olha, a gente ta começando outra discussão, é isso que você quer?

-Não, você tem razão. – E ela sorriu.

Draco a encarou. Ele sempre se encantava com seus olhos castanhos, ou com suas feições delicadas. Sacudiu a cabeça, e falou: - Você não era assim antes, Hermione. Quando começamos a ser amigos. O que houve?

-Ela beijou Ron, isso o que houve! – Disse Harry baixinho, mas alto o suficiente para que Draco ouvisse. Ginny deu uma ultra-cotovelada das costelas de Harry que gritou de dor. Ela apontou para Draco, e Harry entendeu que ele ouvira. Ele tapou a boca com ambas as mãos e com os olhos pediu desculpas para uma Hermione boquiaberta.

-O que você disse, Potter?

-E-eu não disse nada, Malfoy.

-Não, você disse alguma coisa! – Disse ele, levantando-se e batendo as mãos na mesa.

-Me force a repetir. – Disse Harry, levantando-se também, ignorando Ginny que o puxava pelo braço.

Hermione levantou-se e disse: - Ele falou que eu beijei Ron.

-Se explique, Granger!

-Eu não devo explicações à você, Malfoy.

Ele contraiu a boca, e a encarou, chegando mais uma vez perigosamente perto. – Vadia. – “Eu não acredito que falei isso!!”

Hermione olhou estupefata para Draco, e seus olhos se encheram d’água rápidamente. Mas ele manteve-se de expressão imutável, olhando-a com desprezo. Sua mão cortou o ar quase imperceptivelmente, e logo Draco se equilibrava para não cair no chão, tamanha força do tapa que recebera. Hermione saiu correndo Salão Principal à fora, e Draco desabou na mesa da Slytherin.

Ele se sentia idiota como nunca se sentira. Mas ela ainda amava aquele pobretão, o que ele podia fazer? Sem comer nada, resolveu ir ao pátio, tomar um pouco de ar.

Quando ele desceu a pequena escadaria, ele o viu embaixo de uma ameixeira: Weasley.



A varinha cortou o ar quando Draco se aproximou de Ron. Ele apontava sua varinha para o pescoço do ruivo, que não podia fazer nada.

-Tudo culpa sua! Tudo culpa sua! – Ele parecia tão... Vulnerável, à beira de uma crise histérica, ou pronto para cair em prantos.

-O que é culpa minha, Malfoy?!

-Por que Hermione tem de amá-lo?? O que você tem que eu não tenho em dobro?

-Um pouco de humildade pra começar. – Disse Ron. A varinha de Draco apertou o pescoço de Ron que se engasgou.

-Você não está em posição de retrucar, Weasley!

-Ah, eu sei. E você fala como se tivesse coragem de fazer alguma coisa.

Draco o olhou furiosamente, e baixou a varinha com rapidez.

-Por que? Me responde, por que ela te beijou?

-Quando? Quando éramos namorados?

-Não se faça de tonto! Não sei quando, recentemente! No natal, provavelmente.

-Ela estava confusa, seu idiota. Ela estava vulnerável, abalada! Ela agiu por impulso.

-Não me minta!

-Por que eu mentiria para te fazer sentir melhor, Malfoy?!

Malfoy começou a chorar. Foi uma reação tão inesperada que Ron levou a mão à boca. – Eu amo aquela garota, Ronald. Mais do que eu podia imaginar que eu amaria alguém, ainda mais uma sangue-ruim.

Ron ignorou a ofensa à sua melhor amiga, e olhou para seus olhos cinzentos, sério.

Ron desejou do fundo do coração dar um murro na cara dele. Mas não pôde. Ele o entendia. E ele mesmo, Ron Weasley estava tão ou mais desesperado do que Draco Malfoy. Ele quis chorar também, despejar todos os xingamentos existentes no mundo e na sua injustiça, brigar com Draco, descontar em alguém. Mas o que fez foi aproximar-se mais ainda daquele garoto que tanto odiava, tomado por simpatia. Eles estavam no mesmo barco, afinal. Ambos desiludidos. Ambos precisando de apoio.

Ron pôs a mão no ombro de Draco, que deixou sua varinha cair. Ele o encarou quase incrédulo, por trás das lágrimas. Talvez por impulso, abraçou Ron com força, e apoiou sua cabeça nos ombros dele.

Se estabelecera uma trégua. Suas guerras agora eram particulares, paralelas uma da outra.

E ali estavam eles, em ruínas. Neles restavam lembranças, somente lembranças, dos tempos em que eram inabaláveis e orgulhosos. E agora ambos estavam cegos, no escuro. Seus sóis eclipsados, e afundando cada vez mais naquela noite fria.




notadoautor: Nháh, como eu possuo a clarividência, eu pude ver que as pessoas não iam entender a última cena. Interpretem comigo. Draco tá com uma mãe desgraçadamente pirada, seu pai preso. Ele tá confuso, sofrendo preconceito, exclusão. A vida dele tá um lixo. Quem é que entenderia ele, afinal?
O Ron passou por problemas familiares tb, esteve um lixo tb, e agora ambos estão passando pelo mesmo problema. (Draco sem Mione, Ron sem Loony.) Mas isso, de forma alguma, quer dizer que eles viraram amigos. Menos inimigos, talvez.
E à título de informação este é o antepenúltimo capítulo. *O* ;* amovocêsqueestãolendo. E obrigado aos que estão comentando, tananã

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.