Uma tarde no parque




Capítulo 10

Uma tarde no parque



Na manhã de sábado, Snape decidiu se portar como se nada tivesse acontecido, como se ele nunca tivesse ido ao apartamento de Martha, como se a conversa com Brian tivesse sido entre duas pessoas diferentes e sobre coisas diferentes. Era o melhor para o trabalho.


Martha estava com seu bom-humor habitual, e Snape tentou abstrair o quanto ela era suave e doce. Não era bom ficar pensando nessas coisas enquanto se manipulava homeopatia com base em Nux vomica, mais conhecida como estricnina.


Contudo, os esforços de Snape na busca da normalidade pareciam ser continuamente sabotados. Um barulho de motor infernal encheu a loja, e a voz de Brian ecoou até o laboratório:


- Ei, Sev! Vem cá ver o meu bebê!


Ele buzinou e Snape achou melhor ir logo lá para fora. Martha ficou na porta, olhando o que se passava. Brian estava com um sorriso sem tamanho encarapitado numa motocicleta gigantesca e barulhenta.


- Olha só, Sev. Eu fui buscar ela na oficina. Ela tá ronronando - Ele acelerou e o barulho ficou insuportável. - Minha Henriqueta está tinindo!


Snape olhou a motocicleta. Ela o fazia lembrar de Sirius Black, uma lembrança nada agradável. Mas felizmente ele sabia fazer a distinção entre Black e Brian.


- É uma peça de engenharia admirável.


- É, é pra se admirar mesmo. Anda aí - sobe na garupa.


- Brian, eu não posso. Estou no horário de trabalho.


- Só uma voltinha pela quadra. Pega o casacão comprido que você gosta.


- Eu não creio que...


- Então vou esperar até você sair do trampo. Você tem que andar na Henriqueta!


Snape sentiu que não iria se livrar disso tão facilmente.


- Promete que será apenas uma volta pela quadra?


- Sobe aí! E não esquece o capacete!


Snape vestiu o capacete e sua capa preta, que normalmente já era esvoaçante, e agarrou-se a um apêndice de metal. Enquanto ele imaginava que aquilo não podia ser pior do que montar um testrálio, Brian arrancou. Num impulso, Snape se agarrou a Brian.


A cena deveria ser hilária, porque trouxas viravam a cabeça, procurando olhar aquela motocicleta possante, pilotada por um homem corpulento vestido de couro que trazia na garupa um homem cujas vestes pareciam a cauda do vestido de luto de Priscila, a Rainha do Deserto, esvoaçando por aquela parte da periferia de Londres. Brian, feliz da vida, ia cantando Born to Be Wild , e Snape achava a experiência toda muito intensa.


Cumprindo sua promessa, Brian o levou a apenas uma volta pela quadra, e Snape não podia dizer que tinha ficado inteiramente feliz de que tudo tinha acabado. Havia algo agradável em se andar pelo meio dos automóveis trouxas, com o vento no corpo, uma sensação difícil de descrever.


- Que tal? - quis saber Brian, enquanto ele desmontava. - Não é simplesmente o que há?


- Muito hilariante - disse Snape. - Eu gostaria de fazer isso mais vezes.


- Claro, mano broda! - Brian chegou perto de Snape e cochichou - Aquela é sua mina?


Martha ainda estava na porta, e acenou para os dois. Snape entregou o capacete para Brian, dizendo em voz baixa:


- Ela mesma.


- Altas mina, broda! Gostei de ver - Ele acelerou a moto e disse: - Bom, eu vou me jogar pro centro comunitário. Tô de plantão hoje.


- Bom trabalho. Er... Acho que hoje eu vou dar uma volta em Londres.


- Tá legal! Leva a gata. Mó brotinho mesmo, hein? Bom, vou deitar o cabelo! Inté, mano brô.


Snape respondeu:


- Só!


Brian acelerou e logo sumiu no fim da rua. Martha esperou Snape entrar e disse:


- Moto legal, a de seu amigo. Eu não sabia que você era motoqueiro, Sev.


- Er... Foi a minha primeira vez numa motocicleta - Num impulso (e ele estava tendo muito desses), ele comentou. - O dia está agradável.


- É - Ela concordou, sorrindo. - Hoje não deve chover.


- Talvez você quisesse passear um pouco depois do expediente. Ir a um parque, talvez.


- É, não é má idéia. Mas agora é melhor eu terminar a contabilidade da semana. O Sr. Winthrop vai querer isso tudo em ordem na segunda-feira.


Snape se sentiu enrubescendo:


- Oh, claro. Estarei no laboratório.


Eles trabalharam até a uma hora da tarde, e depois fecharam a loja. A plaquinha que dizia "FECHADO" dava o número de um telefone celular, de tal maneira que sempre que alguém precisasse, mesmo fora das horas de expediente, haveria como entrar em contato com alguém da botica.


Snape estava nervoso ao caminhar com Martha até o parque. O local era amplo, e tinha um pequeno córrego que corria perto de um gramado. Martha estava com um vestido alaranjado de tons suaves que lhe realçava a pele macia e os olhos claros. Notar que Martha estava muito bonita só deixou Snape ainda mais irrequieto.


Os dois se sentaram na grama, perto do riacho, e ele mal conseguia conter sua trepidação. A moça notou:


- Você está bem, Sev?


- Er... Sim, claro. Por que não estaria?


- Você parece meio nervoso. Ainda bem que veio para o parque, assim pode relaxar. Ah, aqui é tão bonito. Veja só as árvores, os pássaros, a grama... Esqueça esse seu nervosismo.


Snape aproveitou a deixa:


- É que... eu estive pensando na nossa conversa de ontem.


Ela evitou olhar para ele:


- Olhe, Sev, não pense mais naquilo. Você não quer nada comigo, eu entendo. Já sou bem grandinha, posso entender.


Ele disse, suavemente:


- Você estava chorando ontem à noite.


Ela perdeu ligeiramente a cor antes de se recuperar:


- É, bem, isso passa. Não se preocupe.


- Eu fiz você chorar. Isso não foi nada agradável. Eu... sinto muito.


Ela sorriu:


- Gentileza sua, Sev. Não precisa se preocupar comigo.


- Mas parece que eu não tenho feito outra coisa. Digo, além de pensar em você e me preocupar com você.


Martha finalmente olhou para ele, para ver se ele falava sério.


- Mesmo?


- Eu... acho que também... gosto de você.


A cor dela voltou - toda de uma vez, deixando-a corada:


- Er... Que bom.


Snape não notou, mas agora ele simplesmente seguia os impulsos que insistiam em fazê-lo chegar mais perto de Martha.


- Eu... não quero enganar você. Se é que você realmente quer alguma coisa comigo, você vai precisar saber a meu respeito, e aí eu acho que você vai desistir.


- Sev, eu já disse que você não precisa me contar nada que não queira.


- Mas eu... - Ele finalmente admitiu para si mesmo, e agora admitia em voz alta, também -... eu quero que você saiba. Infelizmente, eu terei que lhe pedir sigilo absoluto. Ninguém pode saber disso.


- Nossa, é um segredo tão grave assim?


- Extremamente.


- Bom, eu prometo não falar para ninguém. Eu sou boa em guardar segredos, pode ficar tranqüilo.


- Bom, é que... Er... Eu não sou uma pessoa comum.


Martha sorriu, e acariciou o rosto dele:


- Isso eu já sei. Você é uma pessoa maravilhosa.


- Eu sou um professor lá no norte. Eu ensino num internato. É a Escola Hogwarts de Magia e Feitiçaria. - Ele ficou olhando para Martha, mas ela não esboçou reação.


- E você dá aula de quê?


- Poções.


- Que tipo de poções?


- Diversos tipos. Mas todas são... mágicas.


Snape disse as palavras cuidadosamente, olhando atentamente para o rosto dela, o coração na mão, esperando a reação. Martha repetiu, curiosa:


- Mágica? Mesmo?


- Sim. Eu sou um bruxo. Tenho poderes mágicos. - De novo, ele ficou olhando atentamente para ela, os olhinhos pretos percorrendo todo o rosto dela.


Martha abriu um sorriso:


- Nossa, Sev. Isso é verdade? O que você pode fazer?


- Eu faço feitiços e encantamentos. Mas minha especialidade são Poções.


- Ah, por isso é que você entende tanto de ervas. E você usa os seus poderes lá na botica?


- Não, eu jamais usei, nem quando o pequeno Billy ficou doente.


- Eu acho que nunca conheci um bruxo. Eu já ouvi falar de gente da Wicca. É a sua religião?


- Não, eu acho que entendeu mal. Eu realmente tenho poderes mágicos. Acho que você quer que eu demonstre.


- Sev, não preci -


Ele puxou a varinha do meio da capa e pronunciou:


- Floresortia!


Um buquê de flores laranja, iguais às do vestido dela, apareceu em sua mão. Martha abriu a boca e Snape lhe entregou o buquê:


- Eu disse que era um bruxo. É isso que eu quis dizer. Temos um mundo bruxo, que existe paralelo ao mundo das pessoas não-mágicas. Temos que esconder nossa existência de vocês. Mas a escola onde dou aula tem mais de mil anos, e ensina crianças e adolescentes que também são mágicos.


Agora, sim, Martha parecia reagir da maneira que ele previra. Ela estava absolutamente espantada, olhando ele ainda boquiaberta.


- Nossa, Sev, eu... eu... nem sei o que dizer... - Ela ficou olhando para as flores. - Então foi por isso que você não me achou estranha quando eu falei dos sentimentos esquisitos que eu tenho de vez em quando.


- Eu sou ainda mais estranho do que você.


Ela sorriu para ele:


- Sev, isso explica tanta coisa sobre você... Eu sempre achei uma graça essa sua falta de jeito com as coisas mais comuns. Mas é porque você realmente não está acostumado a tudo isso, não é?


- Você é muito observadora. Não, nós vivemos de maneira diferente.


Ela parecia animada e excitada:


- Deve ser muito legal essa sua terra - De repente o sorriso caiu - E você tem uma bruxa esperando por você lá?


- Eu não menti quanto a isso. Eu não tenho ninguém.


Ao invés de animá-la, as palavras dele pareceram deixá-la ainda mais triste.


- Entendo. Então você não quer nada comigo porque eu não sou bruxa.


Gentilmente, ele retirou o buquê de flores da mão dela e tomou as duas entre as suas, dizendo:


- Não. Eu achei que você não iria entender. Que iria se assustar por causa do que eu sou. Que iria fugir de mim. Eu... não acho justo começar um relacionamento, porque eu vou ter que voltar para o meu mundo.


- Por que você está aqui? No mundo de gente que não é mágica?


- Um mal-entendido quando fui visitar a prisão. Os guardas agora estão procurando por mim. Mas aqui não vão me encontrar.


- Você... cometeu algum crime?


Essa era a pergunta que ele mais temia. Ele não podia mentir:


- Não, mas... Eu sou um espião. Também tenho amigos que podem ser chamados de más companhias...


- O segredo... - disse Martha, baixinho. - Este é o seu segredo. Eu posso sentir que isso pesa muito para você. Oh, Sev, eu sinto muito.


- Espero que agora você entenda. E se você quiser desistir de qualquer coisa, eu entenderei.


Martha acariciou novamente o rosto dele, incluindo os cabelos:


- Sev, eu não quero desistir de você. Se é só isso que você acha que está no nosso caminho...


- Você diz como se fosse pouca coisa.


- Não, não é pouca coisa, mas não é suficiente para nos afastar, Sev. Eu já falei várias vezes. Se você me quiser, eu serei sua. E quanto a você ter que ir embora... bem, acho que a gente tem direito a um pouco de felicidade até lá. Depois a gente vê o que faz. Mas agora, Sev, agora eu acho que estou me apaixonando por você.


Algo naquelas palavras fizeram uma espécie de corda vibrar dentro de Snape, um sentimento intenso e irresistível que o levou a passar os braços em volta da cintura dela e olhar para o rosto dela, vendo a intensidade daqueles olhos esverdeados, os detalhes do rosto dela.


- Martha...


Sem esperar pela resposta dela, ele se inclinou para perto do rosto dela, para buscar os lábios dela nos seus, como se estivesse finalmente inteiro dentro do grande amor que Martha lhe oferecia. Era um sentimento intenso demais para que ele pudesse resistir, e ele não conseguia mais lutar contra.


Entregou-se ao beijo, a Martha, e naquele momento, tomou a decisão de só se preocupar com o que aconteceria mais tarde quando aquela hora chegasse. Naquele momento, ele deixou de lado o mundo bruxo, a Mansão Snape, Dumbledore, Hogwarts, os Comensais, Voldemort, Azkaban, Harry Potter, até mesmo suas Poções. Ali, naquele parque, ele só pensava que tinha Martha em seus braços, que o corpo dela era quente e macio, e que ele não queria largá-la nunca mais.


Eles lidariam com o futuro quando ele se apresentasse.





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