Conforto mútuo




Capítulo 4 - Conforto mútuo




A notícia de que Snape tinha um bichinho de estimação logo se espalhou como pólvora pela escola. Alguns grifinórios queriam lançar uma campanha de protesto contra o que presumiram ser crueldade com os animais, mas o Prof. Dumbledore surpreendeu o Mestre de Poções proibindo tal movimento.



A curiosidade aumentou ainda mais quando se soube que o animal era nada mais nada menos do que um arisco seminviso. Harry Potter, Rony Weasley e Hermione Granger foram direto à sua fonte mais confiável de informações: Hagrid.



Harry quis saber:



- Por que você não quis ficar com ele, Hagrid?



- Com quem?



- Com o seminviso de Snape.



- Quem disse que eu não quis ficar com ela? Ela é que escolheu o Prof. Snape.



- Sai dessa! - exclamou Rony - Escolheu ficar com o babaca sebosento? O bicho não bate bem da bola.



Hagrid repreendeu-o:



- A pobrezinha estava quase morrendo quando o professor a recebeu. Ele a salvou. Isso é injusto, Rony.



Hermione disse:



- Eu nunca vi um seminviso, só li sobre eles no livro Animais Fantásticos . Ele é bonitinho?



- Parece um macaquinho trouxa, mas os pelos são mais sedosos. Ela é muito bonitinha e novinha, também. Ela parece muito triste, Mione. Mas é por causa dos machucados e da fraqueza.



Harry perguntou:



- É por isso que ele não mostra o bicho?



- Ela ainda está fraca. Não pode sair dos aposentos.



- É uma menina?



- Sim, mas não tem nome ainda. E agora chega de perguntas. Eu já falei que vocês são curiosos demais para seu próprio bem! Eu já disse isso e repito!



- Mas isso pode ser útil para nossa carreira acadêmica - disse Hermione - Você não acha que poderíamos aproveitar a chance para estudar o seminviso?



Hagrid lembrou:



- Querida, ele é o bichinho do Prof. Snape. Como você se sentiria se eu resolvesse dar uma aula para estudar o Bichento?


- E quem ia querer aprender alguma coisa com aquele gato nojento?



- Rony!



- Vocês precisam dar tempo ao Prof. Snape - disse Hagrid - Ele vai precisar de muita paciência com a bichinha.



Nenhum dos três grifinórios abriu a boca, mas eles compartilhavam o mesmo sentimento de pena por qualquer criatura que dependesse da paciência de Snape.










Os três ficariam boquiabertos.



Snape decidira levar a sério a nova vida com uma companheira de quatro patas. Buscando ganhar a confiança de sua protegida, ele passou a explicar a Tessa constantemente o que se passava na masmorra que os dois dividiam. Ele discutia os trabalhos dos alunos, perguntava suas preferências de frutas, folhas e legumes, explicava as poções que fazia, trocava idéias sobre alguns dos ingredientes, explicava quem era quem em Hogwarts e o que os dois fariam juntos quando ela estivesse melhor. A princípio, ele se sentiu meio idiota, desfiando um monólogo sem fim, mas logo ele notou que Tessa estava mais próxima dele do que costumava ficar. E também o som de sua voz (que ele cuidava para sempre soar calmo e equilibrado) parecia acalmar o animal. Tessa - a exemplo dele próprio - também tinha pesadelos quase diários.



Ela continuava a ter dificuldade para andar, devido aos ferimentos, mas não gostava de ajuda. Na verdade, ela tremia dos pés à cabeça toda vez que as mãos de Snape chegavam perto dela.



Depois de uma semana, Snape decidiu que não dava mais para adiar o banho de Tessa.



Mas ele decidiu sentar no chão, perto dela, e olhá-la nos olhos negros e tristes antes de dizer:



- Acredito que a essa altura você sabe que eu não faria nada para machucar você. Mas você realmente precisa cheirar melhor. Por isso, eu convido você a entrar no banheiro e usar o chuveiro. Além de aliviar seu cheiro, o banho vai ajudar na cicatrização de seus ferimentos, e não vai arder. Prometo não tocar em você além do necessário. E então?



Tessa jogou a cabeça para trás, abriu bem a boca e emitiu um som agudo. Snape interpretou aquilo como um sim.



Ele preparou a água, separou um sabão desinfetante e várias toalhas e virou-se, surpreso, para ver Tessa subindo a banheira com dificuldade. Ela ainda sentia dor. Tentativamente, ela colocou uma pata dentro da água e retirou-a rapidamente, olhando Snape, hesitante.



- Pode entrar. Está muito quente?



Tessa ou ignorou a pergunta ou a respondeu rapidamente, porque entrou na banheira sem hesitar e ficou apoiada nas quatro patas, meio curvada para frente.



Snape procurou fazer o ritual o mais breve possível. Tessa reclamou ao receber água na cabeça, mas não tentou mordê-lo. Ela ficou bem parada até o fim do banho, e aceitou ser levada no colo para onde estavam as toalhas. Como ela era mais parecida com um macaco do que com um cachorro, Snape teve a impressão de estar carregando um grande bebê peludo e molhado. Ele optou por lançar um feitiço para secar o pelo e depois usou uma escova para desembaraçá-lo. Em seguida, reaplicou os ungüentos e óleos nas feridas, explicando ao animal que eles teriam que fazer isso toda semana.



Assim que ele declarou todo o procedimento encerrado, Tessa cambaleou o mais rápido que pôde para seu lugar à beira da lareira. Exausta, adormeceu em minutos.



Na semana seguinte, Snape chegou com um nicho de madeira trabalhado e disse:



- Esta é sua nova cama. Acredito que ela seja mais confortável do que os cobertores onde você costuma se deitar. Mas se você fizer questão, podemos colocar os cobertores aqui dentro.



Ele colocou a cama nova ao lado da cama dele. Timidamente, Tessa chegou perto dela, cheirou-a exaustivamente, depois caminhou até o seu local perto da lareira e pegou o cobertor. Levou-o até a cama e colocou por cima. Depois olhou para Snape, como se pedisse aprovação.



- É perfeitamente aceitável.



Aquilo pareceu animá-la e ela subiu em sua nova cama, rodando no lugar onde se deitaria, ajeitando-se ostensivamente para Snape aprovar. Satisfeita, ela se afundou no cobertor preferido e adormeceu.



Mas ela já estava ficando mais tempo acordada.



Naquela noite, mais uma vez, Snape foi acordado por gemidos e choramingos, dessa vez vindos de bem perto de sua cama.



Ele chamou alto o nome de Tessa, como fazia todas as noites, e esperou o seminviso se assegurar que estava seguro. Mas daquela vez Tessa se sentou ao lado de sua cama e ficou olhando Snape. Sem saber o que fazer, ele se sentou na cama, dizendo:



- Eu entendo... Más lembranças, é? Parece que ninguém saiu incólume, nem mesmo um seminviso. Eu lamento por você ter sofrido tanto, minha amiga. Como em toda guerra, é difícil saber quem saiu ganhando: os que morreram ou os que sobreviveram...



Tessa choramingou e colocou uma das patas dianteiras na cama de Snape. Ele indagou:



- Você quer subir na cama?



A criatura hesitou.



- Não precisa ter medo - encorajou Snape - Pode subir se quiser.



Com cuidado, Tessa subiu na cama, mas ficou bem longe dele. Snape abanou a cabeça:



- Eu gostaria de saber o que aconteceu para que você desenvolvesse tamanha desconfiança nos homens, Tessa. Sabe que eu sofro em saber que seus olhos inocentes possam ter visto atrocidades de guerra. E foram muitas, muitas mais do que eu gostaria de admitir... Eu não me permito pensar muito nelas para não ser lembrado das minhas próprias atrocidades. Oh, sim, eu as cometi, Tessa. Pois o pior mal não é aquele que conscientemente fazemos a alguém, mas aquele que fazemos sem querer a quem queremos bem. Ah, Tessa... Você é uma das poucas criaturas que conhece minha dor. Porque eu tinha a responsabilidade de protegê-los, Tessa, e eles eram tantos e tão jovens, tão jovens... Oh, Merlin, Tessa, eu nem me lembro de ter sido tão jovem algum dia...



Nesse momento, ele sentiu o toque suave da pata de Tessa no alto de sua cabeça. Ele não esperava por isso, mas conseguiu não assustá-la com movimentos bruscos. Com suavidade, os dedos grossos de Tessa tocaram as lágrimas que ele não sentiu caírem de seu rosto. Ele se sentiu embaraçado.



- Desculpe... Faz tempo que eu não consigo... que eu não me permito...



Theresa.



Quando o nome do passado lhe apareceu na mente, escrito com fogo e sangue, sua garganta trancou e ele temeu por Tessa, pois não conseguiria segurar a violenta reação que veio acompanhada daquele nome. Deixou soltar um grito, meio urro, meio choro, enquanto seu estômago parecia revolver à lembrança acompanhada de uma culpa maior que tudo sobre a moça que Tessa homenageava sem saber.



A reação violenta de Snape fez Tessa recuar, com um grito abafado, e encolher-se em si mesma. Mas Snape dessa vez não podia acalmá-la, se ele mesmo estava fora de controle. Ele teria gritado de dor, de fúria, de culpa e desespero ao se lembrar da noite em que Voldemort foi derrotado, a um preço muito alto. Ao invés de gritos, só o que ele produziu foram lágrimas espremidas por um corpo que convulsionava em soluços violentos. Snape ficou praticamente fora de si e não sentiu quando escorregava para um sono intranqüilo e pouco restaurador.



Mas viu algo semelhante a um embrulho preto na sua cama, enrodilhado a seus pés, com grandes olhos negros e tristes atentos a cada movimento seu.



Dois sobreviventes emprestando conforto mútuo um ao outro.



Tessa ganhou um lugar cativo na cama de Snape a partir daquela noite e usava a cama nova para tirar as suas sonequinhas durante o dia.










Theresa era uma jovem alegre, mas reservada, que tinha amigas, como todas as adolescentes costumavam ter. Preocupado com a tempestade que se aproximava, Snape mal notara os olhos dela, pretos feito um besouro, se voltaram para ele quando ela imaginava não estar olhando. Ao menos ela vinha melhorando nitidamente seus estudos em Poções. Adolescentes apaixonadas eram todas iguais: eram feitas de rubores, sorrisos, gritinhos, humores.



Ele estava ficando velho demais para isso. E com Voldemort prestes a fazer seu ataque final, quem tinha tempo para se preocupar com essas tolices? A menina sequer sabia o significado de uma paixão, mal distinguia seus sentimentos, e certamente jamais tinha experimentado amor verdadeiro. Pura perda de tempo.



Mas fora esse sentimento inocente, essa alma imaculada, que Voldemort tinha ceifado, e isso doera mais do que qualquer coisa até então. Impotente, subjugado, ele vira Theresa sucumbir nas fronteiras de Hogwarts, dentro do lugar que eles consideravam mais seguro, vítima de dezenas de maldições e feitiços que não lhe deixaram sequer um corpo para enterrar.



Ela morrera tentando salvá-lo.



E isso era algo que ele não conseguia esquecer.











Severo Snape apagou o caldeirão, tremendo de ódio e desespero. Arruinara uma poção. Erro que até mesmo um de seus alunos mais néscios teria evitado. Mas ele não conseguira.



Theresa.



Com um gesto de cabeça, jogou o cabelo para trás e suspirou. Tessa tentou se esconder atrás de um banquinho, tensa devido ao comportamento dele.



Snape encarou o animal e lembrou-se do que Hagrid dissera sobre telepatia de seminvisos. Deu um meio sorriso e relaxou.



- Não se preocupe, pequena. Não estou irritado com você. São... imagens do passado. Elas me assombram. Você... bem que pode ser o meu futuro...



Tessa saiu de trás do banquinho e arriscou chegar mais perto dele.



- Eu não vou machucá-la, Tessa. Nunca - ele garantiu, incentivando - Já fiz o bastante por sua xará. Oh, Merlim, a pobre garota...



Tremendo, ele fechou os olhos e envolveu os braços em torno de si mesmo como se aquilo pudesse apagar os gritos, os ecos dentro de sua mente, atormentando-o. Um choramingo perto de sua perna o fez baixar a cabeça para ver Tessa a seu lado, os grandes olhos negros a encararem com simpatia.



Amizade.



A criatura pegou uma mão de Snape e colocou-a na própria cabeça. Snape acariciou a cabeça e Tessa quase ronronou, como se fosse um gato.



Durante um longo tempo, Snape ficou acariciando Tessa, que se encostou nas pernas dele. Num impulso, ele a pegou por debaixo dos braços e a colocou no seu colo. O animal ficou tenso, mas Snape manteve as carícias na cabeça dela, e ela logo relaxou.



- Tudo vai ficar bem, Tessa. Você vai ver.



Ele só queria poder acreditar em suas próprias palavras.




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