No Banheiro da Murta



No banheiro da Murta.

Espere um pouco aí. Ela estava me dizendo que, além de minha mãe ser uma bruxa má, meu pai era um louco que se auto-intitulava Lord das Trevas? Pelo amor de Deus, por favor, por favor, por favor, alguém pule da cadeira e grite: “Primeiro de Abril!” porque eu não estou acreditando.


Levantei a cabeça e encarei McGonagall nos olhos, procurando descobrir alguma coisa neles que revelasse que ela estava, de fato, mentindo. Eram olhos tão sérios que só poderiam estar falando a verdade. Olhei para meu pai Richard e minha mãe Judith; ela ainda chorava, e ele estava sério.


-“Nós sabemos que essa revelação é um choque para você, mas precisava ser feita.” – disse Richard.


-“O plano era lhe contar quando você completasse dezessete anos, mas tivemos que adiantar essa data.” – começou McGonagall – “Vários historiadores bruxos estão pesquisando o passado de seu pai e seguidores. Eu tive informações de que eles estão chegando muito perto de descobrirem você, então consultei seus pais e nós três decidimos que seria melhor você saber a verdade por nós do por um livro de história da magia.”


Como é que é? Tem gente pretendendo divulgar o meu nome em um livro de história da magia?


-“Mas ninguém pode saber!” – eu disse, quase gaguejando.


A professora McGonagall me dirigia um olhar cheio de piedade e, na parede atrás dela, Alvo Dumbledore me encarava como se eu fosse uma espécie de animal de cinco olhos extremamente interessante.


-“Ninguém pode saber!” – eu repeti, dessa vez mais alto – “Todos me odiariam se soubessem a verdade!”


Sem perceber, eu me levantei da cadeira. Senti minha vista começar a ficar embaçada e logo grossas lágrimas escorriam pelo meu rosto. Eu estava perdendo o controle. Soltei um desajeitado soluço e repeti de forma patética: “Ninguém pode saber!”. Em seguida, saí correndo da sala da diretoria, mas ainda tive tempo de ouvir um exaltado Fineus Nigellus bradar que era um absurdo uma Black ter vergonha de sua nobre origem.


Corri esbarrando em diversas pessoas, pois as lágrimas atrapalhavam a minha visão, mas cheguei sem demora a um lugar que eu sabia que estaria vazio: o banheiro da Murta.


 


Murta que Geme é um dos fantasmas de Hogwarts. É o fantasma de uma garota, para dizer a verdade. Pelo que dizem, ela morreu naquele banheiro, então passa lá a maior parte do tempo, chorando e se lamentando. É por isso que ninguém nunca vai lá: as pessoas não agüentam o choro da Murta. Exatamente por isso era o lugar perfeito para eu me esconder do resto do mundo e, assim como a Murta, chorar em paz.


Entrei correndo e me tranquei em um dos reservados. Encolhi as pernas, apoiei os braços nos joelhos e encostei a cabeça. Fiquei assim, encolhida, até que o rosto da Murta apareceu na porta.


-“Quem é?” – perguntou a fantasma.


Eu ergui o rosto o suficiente apenas para mostrar os olhos.


-“Ah, é a Ana!” – ela exclamou, faceira por não ser a única garota infeliz do local.


Devo confessar que já fui chorar no banheiro da Murta algumas vezes, e é por isso que ela me conhece.


 -“O que aconteceu?”


Eu funguei. Eu fico horrível quando choro: meu rosto e olhos ficam vermelhos, meu nariz entope completamente e eu só consigo falar gaguejando. Terrível espetáculo.


-“Não foi nada.” – eu disse, fazendo Murta rir.


 


-“Ah, ta legal, conta outra.” – zombou a fantasma.


-“Me deixe em paz, Murta.”


-“Não vou deixar até você me contar o que houve!”


Ótimo. Uma fantasma curiosa era exatamente o que eu estava precisando.


-“Eu descobri que minha mãe era uma bruxa má e meu pai...era malvado também.” – puxei um pouco de papel higiênico e assoei o nariz. – “Todo mundo em Hogwarts, se não é órfão, tem pelo menos um primo, um irmão ou um tio que morreu por causa do meu pai.”


Eu ergui os olhos e vi que Murta me encarava com a boca aberta. Senti que meus olhos estavam começando a inchar pelo choro. Agora que tinha começado a falar, não pude mais parar:


-“Ninguém pode ficar sabendo, Murta! Isso deve continuarem segredo. Seas pessoas descobrirem, vão me odiar!”


-“Não entendo. Você é filha de pessoas más, mas não acho que seja má. As pessoas não têm motivos para odiar você só por ser filha desses bruxos ruins.”


-“Obrigada, Murta, mas as pessoas não pensam como você. No mundo bruxo, sangue é algo que ainda conta muito, por isso, preciso que você me ajude a esconder esse segredo.”


-“Não vai ser difícil, já que você não me disse o nome desses seus pais.”


-“Não disse e não vou dizer.”


-“Está bem, já entendi. Mas seus pais de verdade não estão mortos?”


-“Estão. Eu fui criada por pais adotivos. Nunca conheci meus pais de verdade.”


Murta soltou um “ah” de compreensão. Meu choro foi diminuindo aos poucos, mas eu não conseguia parar de pensar em tudo o que a McGonagall tinha me contado e nas conseqüências que aquela história teria para a minha vida.


Não fui jantar aquele dia, pois não queria encontrar mais ninguém. Quando voltei para a sala comunal da Sonserina, já era mais de meia-noite e apenas alguns garotos do sexto e sétimo ano ainda estavam acordados. Entrei no dormitório feminino o mais silenciosamente que pude. Tirei os sapatos, a capa e deitei de roupa e tudo.


No dia seguinte, eu estava me sentindo um zumbi. Tinha passado muito tempo acordada pensando e, no final das contas, só dormira umas três horas à noite. Quando me olhei no espelho, tinha umas olheiras prestas e fundas abaixo dos olhos, que estavam pequenos e vermelhos. Tomei banho e vesti um uniforme limpo. Quando desci sai do dormitório e cheguei à sala comunal, estava quase de bom humor.


-“Onde foi que você se meteu ontem à noite?” – disse Jules, correndo em minha direção assim que me viu.


-“Em lugar nenhum.” – respondi. Cara, eu realmente minto muito mal.


-“Não seja tonta, eu sei que você andou se escondendo e nos evitando, não é Devon?”


Devon, que vinha logo atrás dela, soltou um “aham” de concordância.


-“Eu só precisava ficar um pouco sozinha. Só isso.”


-“Sei.” – disse Jules, fazendo cara de ‘te conheço, garota, a mim você não engana’. – “E o que a McGonagall queria com você?”


-“Ela estava preocupada com minha nota de Poções, só isso.”


-“Preocupada com sua nota de Poções?” – repetiu Jules, obviamente não acreditando.


-“Isso mesmo.” – sustentei – “Você sabe que a minha nota de Poções andou caindo.”


-“Conta outra, Ana! Sua nota de Poções caiu de ‘A mais’ para ‘A menos’ e você quer que eu acredite que a McGonagall está preocupada com isso?”


-“É... bom, ela disse que eu teria que cuidar para essa nota não cair ainda mais, pois isso poderá me prejudicar nos NOM’s do ano que vem. Bom, vamos tomar café ou não vamos? Estou morrendo de fome!”


Após dizer aquilo, sai andando a passos enérgicos para fora da sala comunal. Devon me seguiu murmurando algo do tipo: ‘Comida? Estou dentro!’ E Jules não teve outra escolha senão ir conosco e parar de fazer perguntas.


Eu sei que deveria confiar em meus amigos e lhes contar a verdade, mas alguma coisa me segurava. Alguma coisa dentro de mim me deixava com medo de contar. Acho que era o receio de que eles se afastassem de mim ao saber sobre meus verdadeiros pais. Quero dizer, meu pai foi um dos piores bruxos das trevas de todos os tempos! E não havia garantias de que eu não seguiria os passos dele.


Meu Deus, será que eu me tornarei uma bruxa das trevas, vil e cruel?


Isso está completamente fora de questão. Eu não tenho o menor interesse pelas artes das trevas! Mas digamos que isso aconteça, ou que meus amigos pensem que isso vai acontecer; eles não vão mais falar comigo! Eu sei que somos todos da Sonserina, e que nossa casa tem fama de abrigar bruxos das trevas, mas isso deixou de ser verdade há um bom tempo. Depois da guerra bruxa e do fim definitivo de Voldemort, muitos bruxos das trevas morreram ou foram presos, não deixando herdeiros, de forma que se a Sonserina fosse composta apenas por simpatizantes das artes das trevas, não teria nem quinze alunos. Então eu não estou errada em pensar que Hogwarts inteira – incluindo meus amigos sonserinos – voltaria as costas para mim se soubesse a minha origem.


Eu definitivamente não posso contar.


Quando chegamos ao Salão Principal, eu ouvi Connie Tayford gritar da mesa da Grifinória:


-“Hei, Stevens, em cima de quem seu passarinho vai cagar hoje?”


Meu sangue começou a ferver e eu senti meu rosto ficar vermelho. Estava morrendo de vergonha não só pelo fato de que todas as fiéis seguidoras de Connie estavam rindo feito hienas, mas também porque Troy Davies estava sentado praticamente ao lado delas e ouviu tudo.


Ó Deus, será que algum dia eu vou deixar de se constantemente humilhada na frente de Troy Davies?


Para a minha sorte, Devon estava ao meu lado e decidiu me socorrer.


-“Que tal na sua cabeça, Tayford?” – ele disse, com ar superior.


Connie fez uma careta de raiva, mas calou-se. Devon, Jules e eu nos sentamos em uma das pontas da mesa da Sonserina.


-“Eu ainda mato a Tayford!” – bufei, largando a mochila ao chão.


-“Melhor não perder tempo com ela.” – sentenciou Devon, já começando a servir-se de panquecas.


Para ele era fácil falar aquilo, afinal não era ele quem Tayford atormentava desde o primeiro ano, era eu.


Ainda indignada, eu puxei um prato de hotcakes para perto, enquanto observava os movimentos dos professores em sua mesa. McGonagall parecia estar procurando alguém entre as mesas das casas. Quando meu olhar encontrou o dela, ela se levantou e começou a caminhar em minha direção.


-“Srta. Stevens, seus pais a procuraram ontem para despedirem-se da senhorita, mas não foram capazes de encontrá-la.”


Srta. Stevens? O que aconteceu com ‘Ana’?


-“Seus pais estiveram em Hogwarts?” – espantou-se Jules.


Obrigada pela discrição McGonagall, realmente muito obrigada.


-“Eles me pediram para lhe entregar esta carta.” – disse a diretora, estendendo-me um envelope.


-“Obrigada.”


-“Que história é essa de seus pais virem a Hogwarts?” – perguntou Jules, assim que a professora virou as costas.


-“Escutem! É o sinal! Vamos, não queremos nos atrasar!” – peguei minha mochila e saí correndo.


Minha primeira aula aquela manhã era História da Magia. Eu fui a primeira aluna a chegar e entrei na sala de modo tão brusco que se o professor Bins já não fosse morto, teria morrido de ataque cardíaco naquele instante.


-“Srta. Stevens, onde é o incêndio?” – ele perguntou, após recuperar-se do susto.


-“Me desculpe, professor, eu pensei que estava atrasada.”


Eu me sentei do lado oposto aos lugares que Jules, Devon e eu costumávamos nos sentar, pois não queria a Jules perto de mim. Se ela sentasse ao meu lado, eu sabia que passaria a aula inteira me fazendo perguntas inconvenientes.


Aos poucos, os outros alunos começaram a chegar, enchendo a sala. Fiquei feliz em constatar que meu plano deu certo, meus dois melhores amigos sentaram-se bem longe de mim.


No fim das contas, porém, não sei se aquela foi mesmo a melhor solução, porque, não podendo falar comigo, Jules passou a aula inteira me lançando olhares acusadores de dar arrepios. Não sei por quanto tempo eu vou conseguir evitar as perguntas dela, só o que eu sei é que eu não posso contar a verdade. Ninguém pode saber.


Eu estava em tal estado de nervos que pela primeira vez em minha vida não consegui presta atenção a uma aula. Tentei fazer anotações sobre as coisas importantes que o professor Bins dizia, mas acabei apenas fazendo uns rabiscos sem sentido no pergaminho. Então, lá pela metade da aula, me lembrei da carta de meus pais. Ela estava toda amarrotada, pois eu a tinha posto na mochila de qualquer jeito e sem a menor cerimônia. Alisei a folha o melhor que pude e comecei a ler.


 
Querida Ana,
(era a letra de meu pai Richard)


 Nós gostaríamos muito de nos despedir pessoalmente, mas ninguém parece ser capaz de encontrá-la nesse castelo enorme, então decidimos lhe deixar esse pequeno bilhete.


 Sentimos muito pelo choque que você levou ao ouvir a verdadeira história sobre seus pais, mas sua mãe Judith e eu não acreditamos que você deva se deixar abalar por isso. Nós sabemos que não deve ser fácil ouvir que seu pai era um bruxo das trevas, mas ele morreu, Ana. Você nunca o conheceu, portanto não deve se sentir influenciada por ele.


 Nós sabemos que você é uma menina maravilhosa! E se servir de consolo, saiba que Judith e eu sempre lhe amamos como uma filha de nosso sangue e sempre vamos nos considerar seus únicos pais.


 De quem mais te ama nesse mundo, Richard e Judith. 


 


Acho que li e reli aquela carta umas três vezes. Eles tinham razão, eu nunca conheci Bellatriz Black nem esse tal Tom Riddle. Tudo bem, eu tenho o sangue deles, mas e daí? Será que a herança genética é suficiente para que eu me pareça com eles? Má eu sei que não sou, mas e as outras características?


Eu não sei nada sobre eles. Sobre Black e Riddle, quero dizer. Assim, é possível que eu me pareça com um dos dois, ou com os dois, sem saber!


Isso não pode ficar assim, eu tenho que descobrir mais sobre meus pais de verdade!


 


Bom, agora estou aqui na biblioteca, cercada por pilhas e pilhas de livros sobre “Você-Sabe-Quem”. Cara, as pessoas tinham tanto medo do meu pai, que nem ousavam pronunciar o nome dele! Eu fico imaginando como me chamariam se descobrissem que eu sou. Talvez “A-Filha-De-Você-Sabe-Quem” ou “A-Herdeira-Daquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado”.


Isso é esquisito.


Enfim, eu decidi não almoçar para poder pesquisar um pouco. A bibliotecária me olhou de um jeito bizarro quando eu pedi todos os livros possíveis sobre Lord Voldemort. Mas acho que é porque ela ainda é do tempo em que ninguém pronunciava o nome dele, e não porque ela ache extremamente estranho uma aluna do quarto ano estar interessada nesse assunto. Ou talvez seja as duas coisas.


De qualquer forma, já faz uma boa meia-hora que estou aqui, folheando os livros e lendo alguns parágrafos aleatórios. Até agora tudo o que achei foi sobre o período em que ele aterrorizava o mundo bruxo. São livros e mais livros contando seus atos de maldade, mas sem especificar muito suas características psicológicas. Eu quero saber se meu pai preferia pizza de muzzarela ou de calabresa, e não com que freqüência ele usava maldições imperdoáveis em seus próprios seguidores.


Esses livros são tão inúteis.


De qualquer forma, vou levar alguns para ler com mais calma.


  


Eu não sei como eu ainda agüento a Jules. Ela é tão mandona!


Eu tinha acabado de chegar à sala comunal, cansada por um dia inteiro de aulas e pesquisas na biblioteca, quando ela parou a minha frente e disparou:


-“Onde você esteve o dia todo?”


-“Na biblioteca.”


 -“Pesquisando sobre o que? Não temos nenhum trabalho para entregar!”


 -“Eu não posso contar, tá legal?”


 -“Não, não está legal.” – ela suspirou exageradamente antes de continuar. – “Escuta Ana, se você quer andar com segredinhos, fugindo da gente durante as aulas e sumindo no horário das refeições, tudo bem. Agora, o nosso jogo contra a Grifinória é amanhã e se eu não vir você na torcida, aí é que a coisa não vai ficar legal mesmo!”


 Então ela me virou as costas e foi para o dormitório das meninas.


 Ótimo, então quer dizer que eu estou carregada de problemas e tudo com o que ela se importa é com um maldito jogo de Quadribol? Tudo bem que eu não contei a ela meus problemas, mas francamente, eu mereço uma melhor amiga um pouco melhor.


 Irritada, me larguei em uma poltrona e fiquei lendo sobre Lord Voldemort e Comensais da Morte até a metade da madrugada.


 


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