MCPASH



MCPASH


Sair da enfermaria na manhã seguinte não foi tão difícil quanto eu pensava que seria. Só havia espaço para um assunto na minha cabeça: meu encontro com Troy no sábado, tanto que demorei um pouco para me lembrar por quê todas os olhares se dirigiram à mim quando entrei no salão principal para o café-da-manhã. É mesmo, aquela história de eu ser filha do falecido Lord das Trevas ainda estava rolando. Bem, se Troy não se importava, eu também não me importaria.


 Eu não tenho provas concretas de que ele sabe, mas qual é, isso aqui é Hogwarts, o lugar onde todo mundo sabe seus segredos antes mesmo de você criá-los. Sem televisão ou internet, fofoca aqui é a principal fonte de entretenimento. É claro que ele sabe. E está mais do que claro que ele não se importa, afinal, ele quer sair comigo.


 É uma pena que ninguém soubesse disso. Ter Troy publicamente do meu lado teria calado uma centena de bocas. Bem, eu só tinha que esperar até sábado, então tudo iria mudar.


 Meu bom-humor estava tão grande que eu nem me importei quando um secundanista da Lufa-Lufa errou a mira e uma bomba de bosta passou a meio centímetro do meu cabelo e foi explodir na parede às minhas costas. O enérgico professor Longbottom, que ensina Herbologia, pulou de seu lugar à mesa para ralhar com o garoto. Foi bom ver, pela primeira vez, alguém ficar do meu lado. Ok, eu tenho que admitir que o professor Longbottom é um dos meus favoritos. Não pela aula dele, que é um tédio completo, mas por sua história. Ele não só lutou na batalha de Hogwarts, mas também matou a cobra gigante de Voldemort com a espada de Grifindor que ele tirou do Chapéu Seletor quando tinha apenas 17 anos, ou seja, ele é um bruxo totalmente badass.


 -“Senhorita Stevens, vá se sentar!” – ele mandou quando percebeu que eu ainda estava ali, congelada, enquanto o garotinho se desmanchava em lágrimas balbuciando qualquer coisa sobre Voldemort ter matado o avô dele.


 Era óbvio que aquele garotinho jamais havia conhecido o avô, porque ele tinha doze anos, e para o avô ter sido morto por meu pai, a coisa toda deveria ter acontecido há pelo menos catorze anos. Ainda assim, a choradeira era meio tocante e a maioria das pessoas estava do lado dele.


 Lancei um olha à mesa da Sonserina, procurando meus amigos. Jules tinha a cara enfiada em uma tigela de cereal com leite e fingia não ver o que estava acontecendo à sua volta. Devon me olhava com seriedade, mas ainda assim fez um gesto com a cabeça me convidando a sentar ao seu lado.


 Só que eu não podia. Alguma coisa no olhar dele transmitia um leve quê de pena. Era um detalhe tão pequeno que provavelmente nem ele tinha consciência do fato, mas estava lá. E a última coisa que eu queria naquele momento era alguém com pena de mim. Virei as costas e saí correndo do salão.


 Quando percebi, já estava nos jardins. Havia um resto de neve meio derretida no chão e o contato da minha pele suada com o ar gelado me causou um calafrio. O ar quente saía em forma de vapor do meu nariz. Mal tive tempo para tomar fôlego quando alguém gritou: “cuidado!” e me derrubou no chão no exato instante em que um grosso galho de salgueiro passava veloz pelo exato ponto em que minha cabeça estivera meio segundo atrás.


 Será que eu tinha um alvo desenhado na testa e ninguém me avisou?


 Fui puxada para o lado pela pessoa que me derrubou. Quando consegui me endireitar, vi um grande leão da Grifinória estampado em seu peito e meu coração saltou. Poderia ser Troy?


 -“Que idéia maluca foi essa de parar pra pensar em baixo do Salgueiro Lutador?” – finalmente levantei o rosto e vi que era Ted Lupin quem estava na minha frente.


 -“O que você quer?” – todo o meu bom-humor matinal tinha finalmente evaporado. Ou melhor, tinha sido congelado pela neve que começava a cair.


 Ted Lupin era do quinto ano da Grifinória. Os pais dele tinham pertencido à Ordem da Fênix e ambos haviam morrido na batalha de Hogwarts. Ser uma nerd que presta atenção a todas as aulas pode ser uma merda mesmo, principalmente quanto isso te lembra de todas as pessoas que seus pais mataram ou torturaram.


 -“Você está bem?”


 -“Estou.”


 Ele hesitou, medindo as palavras que diria a seguir.


 -“Quando saiu a notícia de que você é filha... bem, de quem é, eu admito que tive receio do que poderia esperar que você fizesse. Só que agora, vendo você fugir correndo de garotinhos choroso de doze anos, acho que você não representa ameaça a ninguém.”


 É claro que eu não represento ameaça a ninguém, seu tapado – quis responder – eu não consigo nem utilizar um feitiço escudo pra me defender nas práticas de DCAT, quanto mais atacar alguém!


 Não consegui dizer nada daquilo. Só o que consegui fazer foi encará-lo com o queixo caído. Eu realmente preciso exercitar mais meus maxilares, tá ficando idiota demais essa mania de deixar a boca aberta o tempo todo.


 Ted Lupin ficou me encarando, esperando que eu dissesse alguma coisa. Acho que a falta de atitude confrontativa da filha do Lord das trevas o deixou bastante decepcionado. Reparei que ele tinha a varinha na mão, mas a segurava com os dedos frouxos e a apontava para o chão.


 -“Mesmo assim.” – Continuou ele. – “Estou de olho em você, então trate de não aprontar.”


Não me orgulho de admitir que fiquei fazendo careta para as costas de Lupin enquanto ele se afastava. “Estou de olho em você, então trate de não aprontar.” Quem ele pensava que era, afinal?


 Não sei como encontrei forças para enterrar toda a minha irritação com Ted Lupin e ir assistir às aulas. Me lembrar de que faltavam apenas três dias para meu encontro com Troy com certeza ajudou.


 Jules e Devon não cursavam Runas Antigas, de forma que só fui encontrá-los no segundo horário, em Feitiços.


 -“Jules, eu preciso te contar uma coisa.” – eu disse, esticando o pescoço por cima da mesa de Devon para que ela me ouvisse.


 Jules não respondeu, só fez um sinal indicando que precisava prestar atenção à matéria. O professor Flitwick estava olhando em minha direção, então tive que deixar o assunto para depois.


 Durante toda a aula, fiquei me perguntando como Jules reagiria ao saber que Troy me chamara para sair. Estava apostando que ela ia levar o maior susto, já que sempre me dizia para esquecê-lo. E não podia deixar de falar sobre aquela conversa esquisita com Ted Lupin. Talvez não fosse uma má idéia procurá-lo no corredor no intervalo das aulas para dar uma resposta bem malcriada àquele garoto convencido...


 Só que minhas expectativas foram todas massacradas pelo mau-humor de Jules.


 -“Ana, antes que você fale qualquer coisa, acho que temos que conversar sobre aquele ataque de bomba de bosta que você sofreu.” – começou ela, séria.


 -“Eu não sofri ataque de bomba de bosta nenhum, o garoto errou.”


 -“Mas ele estava tentando acertar em você!” – Jules insistiu, irritada. –“E se tivesse acertado, teria sido o segundo ataque em três dias! Isso sem contar todas as azarações que o Devon e eu rebatemos pelos corredores.”


 Isso Jules, vai lá, destaca o quão ruim em DCAT eu realmente sou.


 -“Nós estivemos conversando.” – Ela começou, insensível aos protestos de Devon para que ela não falasse por ele. – “E achamos que você cometeu um grave erro ao se separar da gente aquela noite.” – ela continuou. – “Você não sofreu nada mais grave por pura sorte.”


 -“Será que você pode parar de me tratar como se eu fosse uma inútil?” – eu finalmente explodi. – “Você não é a senhora perfeita, tá legal?”


 -“Ótimo, então se você quiser ficar sozinha nisso, fique à vontade!”


 Jules virou-se e foi embora. Devon virava a cabeça de um lado a outro, sem saber o que fazer.


 -“Pode ir atrás dela.” – Falei. – “Eu posso me virar muito bem sozinha.”


 E ele foi.


 Devon, o cara que sempre ficava do meu lado quando a Jules resolvia ser teimosa, o cara que sempre me apoiava quando eu estava vivendo uma fase difícil, simplesmente foi atrás dela.


 Eles só podem estar ficando em segredo.


 Tudo bem que Jules e eu não brigávamos com tanta freqüência desde o segundo ano, quando ela decidiu que queria treinar para conseguir uma vaga no time de quadribol e me colocou para defender os aros enquanto atirava goles em minha direção, acertando o meu nariz com mais freqüência do que os aros. Pois é, naquela época ela pensava que daria uma boa artilheira.


 Ainda assim, Devon costumava ficar do meu lado. Era um pouco vazio não tê-lo por perto.


 Mas eu ia sair com Troy no sábado. Perto disso, pouca coisa poderia me abalar.


 Pelo menos era o que eu pensava.


 Ao chegar na sala de Transfiguração após o almoço, havia um simples aviso escrito no quadro negro: “A professora McGonagall precisou se ausentar, todas as aulas de Transfiguração estão suspensas até semana que vem.”


 Mas isso não era o pior. Ah, não mesmo. Abaixo do aviso alguém tinha colado uma reportagem d’ O Profeta Diário.
 


 Iniciada campanha contra a presença da filha d’ Aquele-que-não-deve-ser-nomeado em Hogwarts.


 Por Regina Skeeter


 Como O Profeta Diário revelou em chocante reportagem no início da semana, foi recentemente descoberto que Anaximandra Stevens é na verdade filha do bruxo mais malévolo de todos os tempos, aquele que se auto-intitulava Lord das Trevas.


 Preocupados com a segurança de seus filhos, muitos pais bruxos iniciaram um movimento para exigir que a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts expulse a estudante. Os debates a esse respeito estão sendo conduzidos em sigilo máximo, mas O Profeta conseguiu, em um furo exclusivo de reportagem, descobrir um pouco sobre esse caso.


 “Estamos muito preocupados com o bem-estar de nossos filhos. Não sabemos que tipo de maldades essa garota é capaz de fazer.” – disse o líder do grupo, que preferiu não se identificar para que seus filhos não sofram ataques durante o período escolar. Outra bruxa, que diz ter três filhos em Hogwarts, acrescenta: “Por tudo o que sabemos, essa menina pode se transformar no pai. Ela foi adotada por pais trouxas ao nascer, por isso queremos que volte a viver exclusivamente no mundo trouxa e que tenha a varinha destruída para perder definitivamente o contato com o mundo mágico”.


 A Diretora de Hogwarts, Minerva McGonagall, não foi encontrada para prestar esclarecimentos. Também não foi permitido que nossa equipe de reportagem entrasse na escola para entrevistar Anaximandra, mas obtivemos o valioso testemunho do diretor da Sonserina, a Casa a que ela pertence. “A senhorita Stevens já demonstrou em sala de aula um extraordinário talento em magia.” – disse Horácio Slughorn ao Profeta.


 Tal declaração, infelizmente, não tranqüiliza os pais dos demais estudantes. “Sabemos quem mais tinha um extraordinário talento em magia, o pai dela”. – Declarou o líder do Movimento Contra a Presença de Anaximandra Stevens em Hogwarts, ou MCPASH, como está ficando conhecido.


 Sobre o nome da associação, uma das integrantes explica: “Inicialmente, pensamos em MPEASH, que seria o Movimento Para a Expulsão de Anaximandra Stevens de Hogwarts, mas depois decidimos que MCPASH seria menos agressivo, por ser contra a presença, e não a favor da expulsão.”


 Os pais de alunos de Hogwarts, tanto membros do movimento quanto não-membros, aguardam ansiosamente a próxima reunião do conselho da escola, que ainda não tem data marcada, mas que terá esse assunto como o primeiro de sua pauta.


 Nunca pensei que fosse ler uma reportagem pior do que aquela que anunciou ao mundo a minha verdadeira identidade. Nunca pensei, também, que uma notícia de jornal pudesse me causar náuseas. E isso que meu pai adotivo assina uns jornais trouxas bastante apelativos, com muitas reportagens (com fotos) sobre guerras, genocídios, carnificinas. Só que nenhuma dessas fotos, por mais horrorosas e cheias de sangue e vísceras que fossem, jamais me fizeram vomitar. Literalmente, vomitar.


 Quando senti todo o meu almoço subindo, quente e ácido, pela minha garganta, era tarde demais para segurar. Todo o bife com batatas assadas que eu tinha consumido se espatifou no chão à minha frente.


 E todos ficaram me encarando. Ana, a esquisita. Ana, a filha do Lord das Trevas. Ana, a nojenta. Vi Connie Tayford e suas amigas, Victoire e Tereza, além Jules e Devon. E de alguma forma, até mesmo Ted Lupin estava lá. Acho que tem alguma coisa a ver com o fato de ele ser monitor e estar passando bem na frente da sala quando alguém gritou: “Ela está vomitando!”.


 Então a última pessoa que eu esperava que viesse em meu socorro apareceu: o professor Neville Longbottom.


  


=== * * * ===


 


Nota da autora:


 


Capítulo postado conforme prometido.


Muito obrigada, Neuzimar de Faria e Lis F. West pelos comentários. É muito bom saber que ainda tem gente lendo aqui.


A partir de amanhã meu tempo para fanfictions vai ficar bastante reduzido, porque eu vou trabalhar de manhã e a tarde, além de estudar. Mas eu quero muito terminar essa fic ainda em 2012, então acho que pelo menos nos finais de semana eu consigo escrever alguma coisa. E enquanto o próximo capítulo não sai, eu tenho oito outras fics que vocês podem ler, se quiserem. Hehehe (olha a propaganda aí)


Enfim, obrigada!


 


Tarí

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Comentários (2)

  • Lis F. West

    Quanto ao tempo reduzido, isso é normal, todos nós fazemos algo além de escrever fanfics (e as pessoas muitas vezes esquecem). E quanto a saber que ainda tem alguém lendo, é realmente chato isso de as pessoas não comentarem ou votarem, né? É o canal que temos para conversar, para dizer o que está bom ou não. Para interagir, como diz o Claudiomir. Mas não se deixe abater por isso, saiba que tem sim pessoas que leem e gostam :) E sabe, cada vez mais eu tenho dó da Anaximandra (nome legal, aliás!). Estou certa a pensar que esse encontro não cheira bem? bjos!

    2012-09-16
  • Neuzimar de Faria

    Sua história está cada vez melhor e eu quero continuar acompanhando. Então, ainda que você não possa postar com muita frequencia, eu espero. Até o próximo.

    2012-09-16
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