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Parece que, afinal, contar tudo não foi tão ruim quanto eu pensava. Ao invés de saírem correndo feito loucos, meus dois melhores amigos se mostraram preocupados com a minha situação. Jules mais do que Devon, que ficou repetindo por uns quinze minutos o quão sortuda eu era por ter um pai famoso. Na verdade, ele só parou quando viu que aquilo não estava adiantando em nada para me animar.

Logo depois que eu contei como tinha descoberto a história toda, nós três decidimos sair do banheiro da Murta e ir continuar a conversa na sala comunal, aproveitando o que havia sobrado de cerveja amanteigada da festa do quadribol. Então eu contei sobre Fineus Nigeus e a penseira de Dumbledore.

-“Quer dizer que dá para você entrar em uma memória?” – espantou-se Devon. – “Eu nunca tinha ouvido falar em algo assim!”

-“Bom, digamos que uma penseira não é exatamente o objeto de decoração mais comum em uma casa.” – eu disse, entre uma golada e outra de cerveja. Amanteigada, é claro.

-“Pelo que você contou, seu pai parece ter sido mau desde sempre.” – disse Jules, reclinando-se na poltrona e apoiando os pés na mesinha à sua frente.

Eu fiquei quieta, olhando para meus próprios pés. Ela notou meu recolhimento e adivinhou o que passava pela minha cabeça:

-“Você não está com medo de ser igual à ele, está?”

Eu não respondi, tampouco olhei para ela ou para Devon.

-“É claro que ela não está com medo de uma coisa dessas! Ela não é idiota!” – exclamou Devon.

Jules lançou a Devon um olhar ameaçador, ao que ele disse:

-“Você... está?”

Eu continuei quieta.

-“Mas você não precisa ficar assim!” – começou ele – “Nós sabemos que você não é má!”

-“Devon, eu tenho quatorze anos, nem eu mesmo me conheço bem o suficiente para saber uma coisa dessas. Eu não me sinto capaz de fazer tudo o que meu pai fez, mas e se eu mudar?”

-“Isso não vai acontecer.”

-“Como você pode ter tanta certeza, Devon?”

-“Do mesmo jeito que eu tenho.” – interveio Jules – “Nós conhecemos você. Sabemos que, qualquer que seja a influencia do sangue de Tom Riddle em você, não é forte o suficiente para mudar quem você é.”

-“E quem eu sou? Anaximandra Stevens ou Anaximandra Black Riddle?”

Eles não responderam, eu decidi mudar de assunto.
-“Então, por que vocês não me contam como foi a partida?”

Durante os vinte minutos que se seguiram, os dois se revezaram para contar lance a lance todos os detalhes do jogo. Às vezes um se adiantava e cortava o outro, e eles passavam algum tempo discutindo qual jogada vinha antes de qual.

-“O melhor momento da partida, sem dúvida, foi quando o nosso Devon aqui derrubou aquele metido do Troy Davies com um balaço em cheio no estômago!” – Jules declarou, triunfante.

-“Espere aí!” – pela primeira vez na conversa, eu me manifestei – “O que você quer dizer com derrubou?”

-“Ele caiu da vassoura, uns vinte metros.” – disse Devon, indiferente.

-“Vinte metros?” – eu me assustei, mas Jules me tranqüilizou.

-“A McGonagall aparou-o com a varinha e ele não se machucou por causa da queda, mas foi parar na ala hospitalar por causa do hematoma na barriga. Infelizmente, acho que ele vai estar inteiro para jogar contra a Corvinal logo depois do natal.”

Eu respirei aliviada. Mas afinal, que espécie de melhores amigos eu tenho? Os dois pareciam indiferentes, ou até mesmo felizes com o machucado de Troy. Será que eles não sabem que quando a gente ama alguém a gente sente na pele as dores do ser amado?

Bom, pelo menos ele não tinha se machucado tanto. Quanto tempo será que ele vai ficar na ala hospitalar? Acho que segunda-feira vou fingir que fui mordida por um verme ou qualquer outra coisa do gênero durante Trato de Criaturas Mágicas...

-“No final, Jules fez uma captura linda do pomo, quando estávamos cem pontos a frente dos grifinórios, o que nos coloca como favoritos para o campeonato desse ano.”

-“Uau, parabéns!” – eu disse, ainda pensando em Troy Davies.

-“Estou morrendo de sono!” – Jules disse, em meio a um bocejo –“A gente conversa mais amanhã, ok?”

Nós nos despedimos de Devon e subimos para o dormitório das meninas. Naquela noite, apesar de estar com a cabeça cheia de pensamentos sobre a cena da penseira e sobre o jogo de quadribol, eu tive a melhor noite de sono dos últimos dias, só pelo fato de saber que meus amigos ainda eram meus amigos.


Na manhã seguinte, Hogwarts inteira comentava o jogo do dia anterior. O clima entre os alunos da Grifinória e da Sonserina parecia estar ainda mais tenso do que o da véspera. Os primeiros prometiam sabotagens no próximo jogo da Sonserina, os últimos lembravam a queda de Troy Davies a cada oportunidade que tinham.

Por andar com dois dos integrantes do time da Sonserina, eu acabava envolvida nas provocações, o que era, em geral, muito divertido. Com toda aquela história do balaço que derrubou Troy Davies, Devon ganhou uma boa dose de popularidade. Todos na nossa casa – e alguns da Corvinal e Lufa-Lufa – queriam cumprimentá-lo pelo feito. Os Grifinórios, porém, tentavam azará-lo quando ele passava pelos corredores, de forma que Jules e eu tínhamos que estar sempre alerta para nos protegermos, caso alguém errasse a mira.

Devon, por sua vez, parecia estar gostando de toda aquela atenção. Cada elogio que ele recebia, cada provocação que respondia e cada azaração de que se defendia só serviam para aumentar seu bom humor. O ápice de toda aquela bajulação foi quando, a caminho do salão principal para o almoço, um grupinho de garotas do primeiro ano veio pedir-lhe autógrafos. A felicidade das menininhas não durou muito, já que Jules as expulsou quando descobriu que elas não sabiam que ela era a apanhadora do time. Rindo dos ciúmes de Jules, Devon e eu fizemos piadinhas a respeito do incidente durante todo o restante do dia.

Importante destacar que Troy Davies não foi visto na mesa da Grifinória durante todo o dia, o que claramente significava que ele continuava na ala hospitalar. Alguns dos sonserinos mais velhos alardeavam a quem quisesse ouvir que ele já estava bem, só estava fingindo ter dores para conseguir tratamento especial. Eu particularmente duvidei que um rapaz tão forte como Troy pudesse fazer algo assim, mas tive de guardar essa idéia só para mim, caso contrário, todos na minha casa me tomariam por uma traidora, simpatizante do inimigo, ou algo assim.

Quando eu passei pela mesa da Grifinória, no horário do almoço, ouvi Connie Tayford alardear que ela vinha visitando Troy na enfermaria regularmente, e que eles passavam muito tempo conversando a sós. Eu não sei como isso era possível, já que, quando eu escapei e passei na frente da ala hospitalar, consegui ver que praticamente a Grifinória inteira estava montando guarda ao redor da cama de Davies, mas eu sempre soube que há uma grande discrepância entre o que Connie diz e o que realmente é verdade. De qualquer forma, quando eu passei li perto, ela me lançou um olhar enviesado. Ela obviamente imaginava que estava causando inveja em mim com todo aquele papo sobre o Troy. Infelizmente, eu tenho de admitir que fez efeito.

Quero dizer, não tem como ela saber que eu sou total e perdidamente apaixonada pelo Troy, mas mesmo assim. Acho que ela supõe que todas as garotas de Hogwarts são apaixonadas por ele. Bom, devo dizer que ela está quase certa, já que quase todas as meninas de Hogwarts são apaixonadas por ele.

Eu me esforcei para não dar a mínima para a falação de Connie e fui sentar-me na mesa de minha própria casa para almoçar. Mal havia começado me servir quando uma coruja parda quase pousou em cima do meu prato. A carta era para mim.

Querida Ana,

Como você está? Aqui em Londres seu pai e eu estamos muito bem, apesar de uma pequena gripe que seu pai começou a manifestar há uns dois dias. Você sabe como esse clima úmido do início do inverno faz mal a ele.

Eu estive me lembrando do pedido que você nos fez pouco antes do início do ano letivo, sobre a possibilidade de trazer sua amiga para passar o natal conosco. Conversei com seu pai e decidimos que será um prazer ter uma visita.

Estamos sentindo muitas saudades. E sentindo falta de notícias suas! Por favor, Ana, escreva!

Muitos beijos, mamãe.

P.S.: Está ficando realmente frio, querida, não esqueça de usar sempre um casaco!


Típico de minha mãe, mandar uma carta pedindo notícias. Mesmo depois de quatro anos, ela ainda não se conforma com o fato de que eu não posso trazer um celular a Hogwarts.

Mas que história era aquela de levar uma amiga para o natal? Eu passei quase todo o almoço pensando sobre aquilo. Só quando estávamos na sobremesa eu me lembrei. Eu estivera planejando o verão inteiro convidar Jules para passar o feriado comigo. Devon e ela vivem reclamando sobre minhas “manias trouxas”; bem, Devon eu não posso levar, já que meu pai é meio chato em relação aos rapazes, mas a idéia de mostrar a Jules como é minha vida fora de Hogwarts me pareceu genial.

Mal saímos do salão, eu a puxei para um lado:

-“Jules, eu preciso lhe perguntar uma coisa.”

-“O que foi?”

-“Você tem planos para o feriado?”

-“Só ir para casa, por que?”

-“Eu estive pensando... você não quer passar o natal na minha casa?” – eu tive de elevar a voz, já que um grupo de grifinórios estava cruzando por um grupo de sonserinos ali perto, e os gritos e provocações já tomavam o saguão de entrada.

-“É claro que sim!” – ela sorriu.

-“Aí, gente, neve!” – gritou Devon, apontando para uma das janelas, através da qual se via pequenos flocos brancos flutuarem suavemente rumo ao chão.

Dezenas de estudantes correram desabalados rumo ao jardim. Alguns veteranos comentaram que parecíamos crianças de cinco anos, mas nós não ligamos. Após alguns minutos apenas observando a neve cair e sentindo os flocos gelados baterem no rosto, nós reparamos que o volume de neve acumulado no chão já era grande o suficiente para iniciarmos uma guerra de bolas.

Cerca de vinte sonserinos do terceiro, quarto e quinto anos se dividiram em dois times e iniciaram a batalha. Obviamente, ninguém me deu atenção quando eu disse que aquilo se parecia muito com paintball. Com o passar do tempo, vários participantes foram desistindo. A maioria de nós, incluindo Jules, Devon e eu, não estávamos usando luvas, nem um casaco mais pesado para suportar o frio que estava fazendo lá fora. E cara, fazer dúzias de bolas de neve com as mãos nuas exige muita força de vontade.

Ao final de quase três horas de jogo, ao percebermos que nossos dedos estavam quase completamente roxos, nós três abandonamos o campo de batalha, deixando apenas uns quatro invocados que teimaram em continuar jogando, mesmo quando a enfermeira da escola apareceu implorando-lhes para que fossem ao menos buscar umas luvas, para que não perdessem os dedos por congelamento.

Jules, Devon e eu descemos direto para a sala comunal, onde, muito cansados, mas rindo muito, praticamente enfiamos nossas mãos dentro do fogo da lareira. Logo depois, eu tomei o mais longo e mais quente banho do ano, me esquecendo, pela primeira vez em dias, de todos os meus problemas.

Após o jantar, eu respondi a carta de minha mãe, avisando que Jules tinha aceitado o convite. Então sentei-me a uma das mesas da sala comunal para, juntamente com meus amigos, correr para terminar a tempo todos os deveres para a segunda-feira.

No dia seguinte, eu acordei com duas olheiras enormes ao redor dos olhos, por ter ido dormir tão tarde na noite anterior. Bem, pelo menos eu tinha conseguido terminar todos os deveres, ao contrário de Devon, que estava planejando dizer à professora McGonagall que ele havia enviado sem querer seu dever de casa pelo correio-coruja, ao invés de enviar a carta que tinha escrito para sua mãe.

-“E você acha que ela vai cair nessa?” – eu perguntei, ao encontrá-lo na sala comunal, pouco antes de sairmos para tomar café.

-“É claro que vai! Você quer ver a carta que eu ia enviar para a minha mãe?”

-“Você escreveu uma carta para sua mãe?”

-“Tudo para colaborar com o disfarce!” – ele sorriu e piscou – “Quer ler? É muito sentimental...”

-“Não, obrigada.”

-“É claro que eu não vou precisar fazer todo esse teatro se você me deixar copiar o seu dever, Ana...” – ele disse, me lançando um olhar suplicante.

-“Sem chance! Não lhe emprestei ontem à noite, não vou emprestar hoje de manhã.”

-“Só porque você é nerd...” – ele resmungou.

-“Por que você não pede a Jules?” – eu sugeri.

-“Ela também não teve tempo de fazer. Acho que vai dizer que um verme comeu o dever durante Trato de Criaturas Mágicas ou algo assim. De qualquer forma, os trabalhos da Jules nunca tiram A, só os seus, Ana...”

-“Quem sabe eu possa ajudar vocês durante o almoço?” – eu me rendi, ao que Devon abriu um sorriso de orelha a orelha.

Naquela hora, Jules apareceu e nós saímos das masmorras rumo à luz do dia.

Quando chegamos ao salão principal, eu notei uma coisa estranha. Ao contrário do barulho e da algazarra de costume, havia um pano de silêncio cobrindo tudo, pontuado por alguns sussurros abafados aqui e ali. E quando eu entrei, acompanhada por meus amigos, a coisa ficou ainda mais esquisita. Vários estudantes cutucaram os colegas e apontaram para nós. Na mesa da Grifinória, Connie Tayford trocava risadinhas com as amigas. Apesar do clima estranho, não pude deixar de notar que Troy não estava lá, o que significa que meu plano de sofrer um “acidente” durante Trato de Criaturas Mágicas ainda poderia valer a pena.

-“Nossa, Devon, parece que aquela história de derrubar o Davies ainda está em alta!” – comentou Jules, enquanto nós três caminhávamos para a mesa da Sonserina, com a estranha sensação de que o salão principal inteiro nos encarava.

-“Eu acho que esses sussurros não são todos sobre quadribol.” – disse ele.

Quando nos sentamos, eu reparei que os grupinhos de sussurrantes se formavam em torno de algum estudante que possuía um jornal. Cochichei essa observação a Jules, que prontamente se levantou e roubou o jornal de um assustado grupo do primeiranistas. Na primeira página, havia uma enorme foto minha atirando uma bola de neve. Com Devon e eu espiando sobre seus ombros, Jules leu em voz alta:

HERDEIRA DAQUELE-QUE-NÃO-DEVE-SER-NOMEADO FREQUENTA HOGWARTS.

Sob o disfarce de uma bruxa órfã adotada por trouxas, filha do Lord das Trevas convive com bruxos normais. Por Regina Skeeter.

Uma bonita bruxa de quatorze anos, aluna de Hogwarts e pertencente à casa da Sonserina, teve sua vida transformada recentemente. Anaximandra Stevens, uma bruxa órfã criada por pais trouxas descobriu, no início desse mês, ser, na verdade, Anaximandra Black Riddle, filha de Bellatriz Black, uma conhecida comensal da morte e do próprio Você-sabe-quem.

“A professora McGonagal contou para ela.” – declarou Connie Tayford, também de catorze anos, da Grifinória .-“Ela não demonstrou surpresa. Acho ela sempre soube que não era normal.”

O segredo de Anaximandra sempre foi guardado pela professora Minerva McGonagall, atual diretora da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Notória seguidora do falecido Alvo Dumbledore, McGonagall encobriu a gravidez de Bellatriz Black e tem protegido sua filha até o presente momento. Mas por que a diretora de uma escola tão conceituada quanto Hogwarts permitiria que a herdeira do Lord das trevas convivesse com estudantes normais?

“Nós ficamos muito assustados quando descobrimos.” – revelou a Srta. Tayford. – “Pelo que nós, grifinórios, sabemos, Stevens, ou melhor, Riddle, tem se vangloriado de seus ancestrais em demonstrações explícitas na sala comunal da Sonserina. Obviamente, a história vazou por Hogwarts e agora julgamos nosso dever revelar a toda a nação bruxa.”


Eu não deixei Jules continuar. Aqueles parágrafos iniciais já tinham sido demais para mim. Agora tudo estava claro, os cochichos, os dedos apontados em minha direção. Eu desviei o olhar do jornal e me larguei no encosto da cadeira. Nas mãos de Jules, a minha foto continuava a rir e a jogar a mesma bola de neve repetidas vezes. A foto, obviamente, havia sido tirada no dia anterior. Mas quando? Eu não me lembrava de ter visto ninguém com uma câmera fotográfica por perto!

A pergunta mais importante, contudo, era: como essa tal de Skeeter descobriu tudo?

Olhei para Jules e Devon, ambos pareciam tão perplexos quanto eu. Olhei ao meu redor, todos estavam olhando para mim, inclusive os professores. Sem pensar duas vezes, eu saí correndo rumo ao banheiro da Murta.


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