Rubro x Púrpura



Rubro x Púrpura

Alexandre fez um grande esforço para entender o motivo de tanta curiosidade em torno de Nicole e Henry, por parte de Alice e Érika, mas teve que admitir, por fim, que não conseguiu. Assim como Carlos, o garoto preferiu tentar desencorajar as ‘investigações’ das amigas ao invés de fazer parte delas.


Sozinhas, Alice e Érika se dividiam da melhor maneira possível para ficar de olho em Nicole, Henry, Paulo e Mark, além de dar conta das investigações em meio aos poeirentos livros da biblioteca, dos deveres de casa e treinos de quadribol. Para a sorte de Érika, o time de Safira só jogaria novamente depois das férias de inverno, o que lhe aliviou um pouco a consciência após os três treinos seguidos que ela faltara.


-“Eu estava doente.” – justificou-se, na maior cara dura, ao capitão do time.


-“Entendo.” – disse Álvaro, com um quê de desconfiança na voz –“Mas você estará boa semana que vem?”


-“Não sei.” – disse Érika, apressando-se em forçar um ataque de tosse. 


O garoto olhou-a de cima a baixo.


-“Melhoras.” – girou nos calcanhares e saiu.


-“Obrigada!” – gritou a menina, emendando mais algumas tossidas.


Mas os treinos da semana seguinte também se realizaram sem a presença da apanhadora.


A medida que Junho avançava, o inverno começava a ultrapassar o outono, com direito a formação de neblina quase todas as manhãs, banhos cada vez mais quentes e aulas de Trato de Criaturas Mágicas cada vez mais odiadas – principalmente o primeiro horário de segunda-feira. Sair do casarão só era agradável entre as onze da manhã e as três da tarde, quando o sol vencia as nuvens cinzas do céu e terminava, finalmente, de dissipar a neblina. O pátio interno nunca estivera tão lotado de alunos, apesar da repugnância que a Fonte dos Astros - completamente abandonada -  proporcionava.


No entanto, apesar do vento gélido daquela manhã de sábado, as arquibancadas do estádio de quadribol ficaram lotadas para a última partida antes das férias – Ametista contra Rubi. Em comum, os dois times tinham apenas a derrota para Esmeralda em seus históricos, no entanto, aquela seria apenas a segunda partida do time púrpura, contra o terceiro confronto do time rubro.


-“Como todos sabem, a classificação parcial do campeonato inter-casas de quadribol está da seguinte forma: Esmeralda em primeiro, Rubi em segundo, Safira em terceiro e Ametista ocupando a última colocação.” – anunciou Paulo Fernandes, minutos antes de a partida começar –“E aí vêm os jogadores!”


Quatorze borrões entraram velozes no campo, dividindo-se entre o grupo vermelho e o grupo roxo, cada qual circulando o estádio em direções diferentes, até encontrarem-se e convergirem para o meio, posicionando-se ao redor do juiz.


-“E parece que temos novidade no time de Ametista! Com a contusão que o apanhador Lúcio Vieira sofreu durante um dos treinos da equipe, o capitão teve que substituí-lo pelo jovem Henry Monfort!”


-“O QUE?” – gritou Alice, sem acreditar no que ouvia.


-“Agora são três os times que tem um primeiranista como apanhador!” – concluiu o narrador.


Matheus Dantas, sentado ao lado da garota, estava com a cara totalmente fechada.


-“Ele trapaceou.” – resmungou ele  –“ Lúcio Vieira não sofreu contusão coisa nenhuma!”


-“Como assim?”


- “Ora, Henry ameaçou pedir a seu pai, um dos todo-poderosos de Amgis, para interferir, tirando Otaviano do cargo de capitão e colocando seu querido filhinho na posição de apanhador.” – explicou o garoto –“Eu pessoalmente achava que a Marlon, como a diretora durona que é, não permitiria algo assim, mas estava enganado.”


-“Que cretino!” – indignou-se Alice – “Só porque não tem talento o bastante para conseguir as coisas por mérito, ele faz uma coisas dessas!”


Matheus concordou com a cabeça.


-“Foi por isso que inventaram essa contusão estúpida para o Vieira. Pelo menos, não tiraram o Otaviano do posto de capitão.”


-“Como você ficou sabendo disso?” – falou a garota.


-“Praticamente todos os alunos que estão nos times de quadribol sabem, alguns deles me contaram.”


Alice voltou sua atenção ao campo, onde o jogo acabara de começar. O time de Rubi tinha a pose da goles, Natália avançava veloz, com Carlos e André lhe dando cobertura, os bastões erguidos. Henry voava de uma extremidade do campo à outra, totalmente alheio ao que acontecia ao seu redor.


-“Natália voa perseguida por um balaço!” – a voz de Paulo ecoou pelo estádio –“Mas para sua sorte, Carlos McLean consegue alcança-lo e rebate-lo para longe!”


A torcida de Rubi vibrou com o primeiro gol da partida.


-“Dez a zero para os vermelhos! Ametista têm a posse da goles!”


O capitão do time roxo voava com habilidade, porém maior ainda era a habilidade de André Esteves, que o derrubou com um balaço, dando oportunidade a Natália marcar seu segundo gol na partida.


Voando vários metros acima, Henry começava a preocupar-se. Virava sua cabeça de uma lado para o outro com demasiada freqüência e fazia mudanças bruscas de direção com sua vassoura.


-“Tudo bem por aí?” – perguntou Carlos, aproximando-se do apanhador de sua própria casa.


-“Sem problemas.” – respondeu Pedro Alves – “Se aquele garoto continuar agindo feito um babaca, o pomo já é nosso!” – e rindo, os dois jogadores se afastaram.


De fato, a partida não parecia estar complicada para o time de Rubi: em menos de vinte minutos o placar estava em cinqüenta a zero para os vermelhos.


-“É o terceiro gol de Natália Silvério na partida! Agora o time púrpura tem a posse da goles!”


Ametista avançou com seus artilheiros fazendo o máximo para desviarem dos balaços arremessados por Carlos e André. Por fim, um dos batedores do time roxo conseguiu rebater um balaço em um artilheiro de Rubi que perseguia Manuel de perto, dando vantagem ao capitão para marcar seu primeiro gol na partida.


Com a Ametista esboçando sua primeira reação, a disputa pela goles se tornou mais acirrada. Entretanto, nada tirava a superioridade que a equipe de Rubi tinha em campo. Com evoluções quase perfeitas, os três artilheiros do time vermelho marcavam quase ininterruptamente.


-“São noventa a dez para o time de Rubi!” – gritava Paulo – “Espetaculares noventa a dez!”


Novamente com a posse da goles, o time de Ametista avançou. Naquele momento, Manuel conseguiu deixar todos os oponentes para trás – era somente ele e o goleiro.


-“E Arthur Bryant agarra mais uma! Outra espetacular defesa do garoto Bryant, que é uma das grandes revelações do quadribol esse ano, ao lado de Nicole James e Carlos McLean.”


-“Porque ele me excluiu da lista de ‘Grandes Revelações’?” – indignou-se Érika, do lado azul do estádio.


-“Quem sabe porque você decepcionou a escola inteira na sua partida de estréia?” – opinou Alexandre.


Érika fechou a cara.


-“Marinho! Hei, apanhadora!” – era Álvaro Martins quem gritava por ela.


O garoto vinha subindo a escadinha das arquibancadas o mais depressa que podia, com Sarah Moraes ao seu lado. Érika apressou-se em tossir.


-“Ainda não se sente bem?” – perguntou Álvaro, finalmente alcançando a garota –“Deveria ter ficado dentro da escola.”


-“Eu precisava ver como joga nosso próximo adversário.” – justificou-se ela.


-“Entendo... bem, imaginei que você ainda não estivesse bem, já que faltou aos trinos dessa semana.” – começou o garoto, ao que Érika corou, tossindo ainda mais para disfarçar seu embaraço –“Também reparei que você não é a única que está doente em Amgis, parece que há um surto de tosse e dores de garganta pela escola.”


-“Sim, vários colegas meus também estão doentes, mas ao contrário de você, eles procuraram a enfermaria.” – disse Sarah, contendo o tom acusador.


-“Exato!” – apoiou Álvaro –“Sendo assim, nós resolvemos fazer uma visitinha à enfermeira Salete e lhe pedir uma poção emprestada.”


Érika sentiu seus olhos se arregalarem contra sua vontade. Do bolso interno da capa, o garoto retirou um frasco. O líquido no interior do objeto tinha um aspecto pegajoso, sua cor era indefinida entre um verde-água e um azul esverdeado. Érika engoliu em seco.


-“Essa é a poção milagrosa que está ‘salvando’ dezenas de alunos com dor de garganta.” – disse Sarah, fazendo um sinal de aspas com os dedos ao pronunciar a palavra ‘salvando’ –“Trouxemos para você.” – concluiu.


-“O-o-obrigada.” – balbuciou Érika – “Acho que vou tomá-la antes de dormir.”


-“Porque não tomá-la agora? A Salete me garantiu que se você tomá-la antes do almoço, poderá participar do nosso treino de hoje à tarde.” – disse Álvaro.


-“É mesmo! Nossa, era tudo o que eu queria!”


-“Não precisa nem agradecer.” – falou o garoto, estendendo o frasco a Érika.


A garota segurou o objeto com as duas mãos, estava quente. Um pouco trêmula, ela retirou a rolha e sentiu o aroma do líquido subir às suas narinas e encher-lhe os pulmões. Tinha cheiro de mel. Não podia ser tão ruim. Podia?


-“Você tem que beber tudo.” – comentou Sarah, ao ver a garota levar o frasco aos lábios.


O primeiro gole revelou que a poção não tinha gosto de mel. Era algo mais como uma mistura de peixe podre, canela, alguma coisa amarga e gengibre. Érika fez menção de parar de beber e cuspir o que já havia tomado, mas Álvaro segurou o frasco e a forçou a terminar a poção. O líquido desceu como uma gosma.


Imediatamente após terminar o conteúdo do frasco, a garota começou a sentir-se quente, bem-humorada e disposta.


-“E então?” – perguntou, curioso, o capitão do time de Safira.


-“Não é nenhum chocolate suíço, mas eu me sinto tão bem! Você não teria mais dessa coisa aí?”


-“Você não pode beber mais do que um frasco por dia, foi o que a Salete nos recomendou.” – alertou Álvaro, ao que Sarah confirmou com um aceno da cabeça –“De qualquer forma, isso significa que você estará no treino de hoje à tarde?”


-“É claro! Não vejo forma melhor de gastar essa energia do que com quadribol!” – disse Érika, com surpreendente entusiasmo.


-“Excelente! Nos vemos às quatro, no campo.”


-“Até mais!” – despediu-se Sarah, ao que os dois saíram.


-“Nos vemos depois!” – sorriu Érika.


 


-“Cento e vinte a dez para o time de Rubi! Esta deve ser a maior lavada do último século!” – a voz de Paulo trouxe a atenção da  garota de volta ao jogo.


No campo, o time rubro indiscutivelmente dominava a partida, com seus artilheiros sempre tendo a posse da goles e seus batedores dando-lhes cobertura. Arthur Bryant começava a entediar-se em frente às balisas que deveria proteger, o apanhador, Pedro Nogueira, procurava o pomo com certa displicência. Também era visível o infrutífero esforço que Henry fazia para encontrar a bolinha dourada e talvez salvar sua equipe.


Por fim, com um quase inacreditável placar de cento e cinqüenta a vinte para Rubi, o pomo foi avistado. A corrida dos dois artilheiros não durou muito tempo, já que Pedro estava muito mais perto da bolinha alada do que Henry, terminando a partida em trezentos a vinte.


-“Com esse placar fenomenal, Rubi agora empata com a Esmeralda em primeiro lugar no campeonato! Agora, tudo depende do jogo Esmeralda contra Safira, já que o time de Rubi não jogará mais esse ano.” – foram as últimas palavras do narrador, durante a comemoração aérea dos jogadores de vermelho.


No entanto, quando os jogadores pousaram, uma acirrada discussão tomou conta do time de Ametista. Manuel Otaviano gritava com Monfort, culpando-lhe pela derrota.


-“Você está reclamando do que, se só teve habilidade suficiente para marcar dois gols?” – retrucou ele.


-“Pelo menos sou melhor do que você, já que não precisei chorar para o papai me colocar no time!”


-“Parem com isso meninos, antes que vocês fiquem encrencados!” – pedia o professor Maia, sem obter sucesso.


Quem tentava apartar a briga, além do juiz da partida, eram os jogadores de Rubi, já que o time inteiro de Ametista parecia estar contra Henry. No entanto, antes que mais insultos pudessem ser gritados pelos dois garotos, o apanhador puxou sua varinha.


-“Impedimenta!”


Manuel, desarmado, não teve como se defender e caiu desacordado. Henry soltou uma risada seca, antes de gritar:


-“Eu não preciso de ninguém! Não preciso de você, não preciso do meu pai, porque EU SOU GRIFFINDOR!”


Todos os que presenciavam a cena arregalaram os olhos, apesar de que muito poucos entenderam o que o garoto queria dizer.


Antes, porém, que ele aproveitasse seus momentos de triunfo, Carlos aproximou-se e o nocauteou com um soco.


-“Você é um babaca, isso sim.” – falou, calmamente, ao ver o outro espatifado no chão.


-“Parem com isso agora!” – soou a voz da diretora, carregada de autoridade e imponência.


Naquele momento, toda a cena pareceu congelar. Vários alunos haviam descido das arquibancadas e invadido o campo com o objetivo de ver melhor, ou pelo menos descobrir o que diabos estava acontecendo. Alguns subitamente decidiram rumar para o casarão, outros simplesmente ficaram paralisados, mas todos abriam caminho para que a imponente senhora Marlon pudesse se aproximar da cena, acompanhada pelos professores Fernandes, Jacobs e Gomes.


-“Não vou perguntar o que aconteceu.” – disse ela, aproximando-se de Carlos e das figuras inconscientes de Henry e Manuel –“Não vou perguntar quem disse ou fez o que. Vou apenas afirmar que os três cumprirão severas detenções e que deverão comparecer na minha sala logo após o jantar. Isso é tudo.”


Com um movimento gracioso, ela virou-se e saiu.


Quando a diretora se afastou, os alunos pareceram recobrar a capacidade de se moverem, os professores, por sua vez, começaram a se preocupar em atender os alunos ‘nocauteados’ e desfazer a confusão.


-“O que aconteceu?” – perguntou Érika a Alice, minutos depois, no caminho para o casarão.


-“Não sei ao certo, mas parece que houve uma briga e dois alunos ficaram desacordados.”


-“Você ouviu o que o Monfort disse? ‘Eu sou Griffindor!’ você acha que isso tem a ver com aquela conversa que escutamos?” – falou Érika, visivelmente empolgada.


-“Ah não!” – protestou Alexandre –“Por favor, aquela história de que Nicole e Henry estão tramando alguma coisa, de novo, não!”


Érika fechou a cara, Alice sentiu que não se incomodaria em mudar de assunto.


-“Foi mesmo o Carlos quem deu um soco no garoto, como todos estão comentando?” – perguntou ela.


-“Tudo indica que sim.” – confirmou o garoto, com seu característico ar sério.


-“Quem quer apostar uma corrida?” – soltou Érika.


-“Apostar uma corrida?” – surpreenderam-se Alice e Alexandre, em uníssono.


-“Sim, sim! Vamos ver quem chega primeiro no salão principal?” – continuou a garota, batendo palmas e se parecendo cada vez mais com uma garotinha de sete anos.


-“Eu acho que isso não é uma boa idéia.”


-“Você está com medo, Alex, isso sim! Duvido que consiga me alcançar!” – e dizendo isso, disparou em direção ao casarão.


Alice e Alexandre entreolharam-se, totalmente surpresos.


 


*      *      *


 


Durante todo o restante do dia, os comentários a respeito da última partida de quadribol foram intensos. O time de Rubi sentou-se junto em todas as refeições, com seus integrantes conversando absortamente o tempo todo. Estavam felizes com a vitória, isso era certo, mas não pareciam estar à vontade para comemorar. Já o time de Ametista estava dividido entre os favoráveis a Monfort, e os que queriam a volta de Lúcio Vieira.


Manuel, recuperado quase instantaneamente pela enfermeira, recusou-se a ficar mais do que meia hora na ala hospitalar. Por outro lado, Henry continuava inconsciente, mesmo após várias poções lhe terem sido forçadas goela abaixo.


-“De duas uma,” – bradou Arthur Bryant, na sala comunal de Rubi, no meio da tarde –“ou esse Monfort é muito fracote, ou nosso McLean tem um pulso e tanto!”


A gargalhada foi geral. Carlos, no entanto, limitou-se a rir pelo nariz, balançar a cabeça e deixar a sala.


Alice e Alexandre não viram Érika no almoço, mas souberam por colegas de Safira que a garota fora vista devorando um prato de arroz com feijão do tamanho de uma montanha pouco antes de correr para fora do salão principal. Sem entender o que estava acontecendo com a amiga, os dois decidiram procurá-la no campo de quadribol, no horário do treino de Safira.


Às quatro horas da tarde, eles sentaram-se nas arquibancadas para assistir ao treino. Érika foi a primeira da equipe a levantar vôo, e sem dúvidas foi a atleta que mais se destacou a tarde inteira. Com vôos rápidos e manobras ágeis, a apanhadora não demorou mais do que dez minutos para capturar o pomo, nas doze vezes em que Álvaro soltou a bolinha dourada para que a garota treinasse.


-“Não temos chance de ficar em segundo lugar esse ano,” – disse o capitão, quando os jogadores desceram e desmontaram de suas vassouras –“mas temos o dever de segurar o terceiro, vencendo nossas próximas duas partidas!”


Todos os jogadores aplaudiram. Érika era a mais entusiasmada. A garota, porém, começou a sentir suas energias se esgotarem aos poucos. Ao sair do campo, encontrou Alice e Alexandre esperando por ela.


-“Você foi ótima hoje, parabéns.”


-“Obrigada, Alice. Mas eu tenho que correr, preciso ir até a enfermaria.”


-“Está machucada?” – perguntou a outra.


-“Não, eu só quero mais um pouco daquela poção para dor de garganta, é milagrosa!” – e com aquelas palavras, correu para o casarão com a vassoura ao ombro.


-“Érika, você sabe que não pode tomar mais!” – gritou-lhe Alexandre, mas foi inútil.


-“Poção para dor de garganta?” – espantou-se Alice.


O garoto olhou para o chão, soltou um longo suspiro e contou-lhe o que acontecera durante o jogo de quadribol daquela manhã.


-“Mas ela não estava doente de verdade!”


-“Eu sei, Alice. Quem não sabia era o Álvaro.”


-“Temos que impedir que ela tome mais daquela poção, vai fazer mal à ela, sem dúvidas!”


Alex concordou com a cabeça e foi a vez dos dois correrem em direção à escola.


 


*      *      *


 


A enfermaria estava particularmente silenciosa quando Érika chegou. Andando na ponta dos pés para não chamar a atenção, ela se aproximou da porta. Respirando fundo, ela deu três batidinhas na superfície de madeira, forçando um ataque de tosse logo em seguida.


-“Mais uma com dor de garganta?” – perguntou a enfermeira Salete, com seu característico sotaque nordestino, ao abrir a porta.


Érika concordou timidamente, com a mão no pescoço.


-“Entre, minha querida, vamos ver o que eu posso fazer por você.”


A garota atravessou o limiar da porta, acompanhada pela eficiente enfermeira. Conhecida por sua praticidade, Salete era a heroína da maioria dos estudantes de Amgis, sempre com a poção certa na hora certa.


-“Na verdade, dona Salete...”


-“Apenas Salete, por favor.” – cortou a mulher, vasculhando um grande armário com portas de vidro.


-“Salete, eu... bem, eu ouvi falar de uma certa poção...”


-“Sim, garota, muitos estudantes têm tomado essa poção ultimamente.” – ela virou-se de frente para Érika, com um frasco nas mãos, contendo o mesmíssimo líquido que Álvaro levara para ela. -“Você já tomou essa poção antes?”


-“N-não.” – mentiu a garota.


-“Muito bem, beba tudo.”


Com um sorriso, Érika pegou o frasco das mãos da enfermeira. Levando-o aos lábios, ela sentiu o conhecido cheiro de mel, com o gosto de peixe podre ao mesmo tempo. Como, dessa vez, ela já estava preparada, forçou-se a engolir o mais depressa possível a poção.


-“Érika, NÃO FAÇA ISSO!” – Alice chegou gritando na enfermaria.


-“Ficou maluca, garota? A ala hospitalar é um lugar para silêncio!” – ralhou Salete, parecendo realmente furiosa.


O berro da garota, porém, surtiu efeito, e Érika parou de beber a poção pela metade. Com um movimento rápido, Alexandre tirou o frasco das mãos da menina.


-“Hei! Me devolve isso, Alex!” – protestou ela.


-“O que vocês estão fazendo?” – assustou-se a enfermeira.


-“Desculpe dona Salete, mas a Érika já tomou essa poção hoje, sem nem ao menos estar doente.” – explicou Alice, ao que os olhos da mulher se arregalaram.


-“Em primeiro lugar, nada de dona Salete, dona Salete não existe.” – começou ela, parecendo calma –“Em segundo lugar,” – até que finalmente, explodiu –“O QUE ESSA GAROTA IMAGINOU QUE ESTIVESSE FAZENDO?”


Érika agora andava de um lado a outro da sala, já que aparentemente desistira de recuperar a poção das mãos de Alexandre. Logo, ela estava descontrolada. Abria e fechava gavetas, mudava as coisas de lugar infinitas vezes, murmurando coisas sem sentido.


-“Ela não teve culpa, foi Álvaro Martins quem lhe deu a poção pela primeira vez.” – Alice falou rápido.


Salete suspirou, olhando para Érika com uma expressão preocupada.


-“Em pessoas que não estão doentes de verdade, essa poção causa uma intensa agitação, excesso de energia e inquietação. O pior, é que até mesmo pessoas doentes não podem tomar a poção mais de uma vez por dia. Foi realmente uma sorte vocês dois terem chegado,” – ela olhou para o frasco nas mãos de Alexandre, em que o líquido estava pela metade –“se ela tivesse bebido a poção inteira, teria uma taquicardia tão forte que poderia lhe matar.”


-“O que podemos fazer para ela parar?” – perguntou o garoto, exasperado.


Érika tinha parado de apenas mexer nas coisas, parecia determinada a destruir a sala.


-“Só podemos esperar que ela” – começou Salete, acompanhado os movimentos da garota com os olhos –“fique exausta, o que pode demorar horas, ou dias.”


Entretanto, para a sorte deles, Érika caiu desmaiada no mesmo instante.


 


*      *      *


 


Andando taciturno em direção a sala da diretoria, Carlos escutava seus passos ecoarem pelo corredor vazio. Ele sabia que a maioria dos alunos estava em suas salas comunais, ainda discutindo os lances do jogo e a briga que ocorrera ao final, mas não se importava, havia perdido o humor para aquele tipo de reunião barulhenta há muito tempo.


Abrindo a porta devagar, o garoto entrou na ante-sala da diretoria, onde haviam um sofá forrado de veludo verde-musgo e uma mesa, geralmente ocupada pela secretária da diretora – agora vazia. Carlos passou reto pelo sofá, dirigindo-se para a pesada porta de mogno da sala da diretora e bateu de leve.


-“Entre!” – disse uma voz, vinda do outro lado.


Devagar, o garoto abriu a porta, deparando-se com uma ampla sala decorada com enormes armários com portas de vidro e uma enorme mesa de mogno, ao centro e ao fundo. Além da diretora, havia mais duas professoras na sala.


-“Com licença, Sra. Marlon.”


-“Entre Sr. McLean, nós já terminamos nossa pequena reunião.” – disse a diretora, ao que as outras duas se levantaram –“Helena, Débora, muito obrigada por virem tão prontamente.”


-“Não há de quê, você sabe que pode chamar sempre que precisar.” – respondeu a professora Fernandes, virando-se para sair, seguida pela Srta. Jacobs.


Gentilmente, Carlos abriu a porta para que as duas passassem.


-“Certo, Sr. McLean, estou sabendo que Sr. Monfort ainda está na enfermaria, mas onde está o outro garoto?”


-“Não sei, senhora.”


A diretora suspirou. Alguém bateu à porta.


-“Entre, Sr. Otaviano.”


A figura de Manuel, visivelmente assustado pelo fato da diretora ter dito seu nome sem nem ao menos vê-lo, apareceu no limiar da porta.


-“Muito bem,” – começou a Sra. Marlon –“não vou pedir que se sentem, já que serei breve. Não gostei do modo como agiram. Não é desse modo que um aluno de Amgis deve se portar e os senhores sabem disso. Segunda-feira receberão os horários de suas detenções. Está dispensado, Sr. Otaviano.”


Extremamente branco, Manuel saiu da sala.


-“McLean, sente-se.”


O garoto obedeceu. Mais uma vez, ouviram-se batidas na porta.


-“Entre, Srta. James.”


Nicole adentrou a sala, pisando forte, a cabeça erguida. Sem esperar um convite, sentou-se em uma cadeira forrada com couro, ao lado de Carlos.


-“Chamei-os aqui hoje apenas para alertá-los” – começou a Sra. Marlon - “de que o tempo está se esgotando.”


Carlos e Nicole se entreolharam, preocupados.


 


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