Últimos dias



Últimos dias

Os últimos meses do ano passaram com mais velocidade do que os garotos pretenderam. Monfort e seus amigos, provavelmente advertidos pela Sra. Marlon, não chegaram mais perto de Alice, Nicole e Érika, e todos os envolvidos no incidente nos porões mantiveram o segredo dos talismãs.


A fênix de Alice crescia rápido. O professor D’Angelo, passado o susto de ver tão rara criatura a sua frente, explicou à menina como cuidar dela. Alice passou a cavoucar os gramados de Amgis em busca de minhocas e outros bichinhos em seu tempo livre. O professor D’Angelo acreditava que a fênix logo aprenderia a fazer aquilo por conta própria, mas isso estava demorando mais do que o normal, e Alice começava a suspeitar que a ave divertia-se tanto ao vê-la catar insetos que propositalmente fingia não saber como fazê-lo.


-“Ela realmente tem um olhar muito atento.” – comentou Carlos, enquanto observava uma já descabelada e muito suja Alice abrir um buraco junto as raízes de uma goiabeira.


A fênix observava a garota com cuidado, enquanto a águia de Carlos, Háthor, devorava um rato que tinha acabado de caçar. As duas aves deram-se muito bem desde que se conheceram, e Alice volta e meia se surpreendia ao flagrar a águia lançando o que ela pensava ser um olhar maternal à fênix.


-“Você deveria parar de pegar comida para ela, assim talvez ela tome a iniciativa de fazer isso sozinha.” – Sugeriu Carlos.


-“Você fala isso porque não é você que tem que ouvir os gritos dela à noite. As outras meninas do dormitório já ameaçaram envenenar meu café se forem acordadas no meio da noite de novo.”


A menina puxou uma minhoca particularmente comprida e gorda debaixo da terra e a fênix prontamente abriu o bico.


-“Pense pelo lado bom, pelo menos você não precisa pré-mastigar a comida dela.”


A minhoca foi engolida de uma só vez e a fênix estalou o bico, satisfeita.


 


*   *   *


 


Os demais alunos teriam prestado ainda mais atenção ao fato de que uma garota do primeiro ano, nascida trouxa, de repente possuía uma fênix recém-nascida se não estivessem tão preocupados com suas próprias provas finais. Quando estas terminaram, os primeiranistas ficaram satisfeitos em saber que ninguém havia sido reprovado. Uma sensação de alívio pareceu tomar o casarão, deixando até mesmo o ar mais leve.


Para o alívio de Alice e seus amigos, a Sra. Marlon declarara que eles só precisariam se reunir para conversar melhor sobre os talismãs e praticar seus poderes no ano seguinte. Todos entendiam que um treinamento se fazia essencial, mas sentiram-se mais do que felizes em adiá-lo.


 


Era o dia do último banquete do ano, os alunos voltariam às suas casas no dia seguinte. Entre triste e animada, Alice encontrou Érika e Alexandre, e juntos eles foram para o salão principal.


-“Nem acredito que acabou!” – suspirou Érika. – “Sobrevivemos à todas as provas, passamos em todas as matérias, descobrimos que...”


-“Que Amgis não é tão difícil quanto pensávamos.” – interrompeu Alice. A menina não queria que Érika mencionasse os talismãs. Elas confiavam em Alexandre, mas seria melhor que o garoto pudesse responder sinceramente que nada sabia do que tivesse que mentir caso fosse questionado.


-“Não é tão difícil? Eu até achei bem fácil.” – comentou o garoto. – “E ficou bem mais fácil quando vocês pararam com aquela mania de querer seguir Nicole James. Aliás, eu tenho visto vocês duas conversando muito com ela. O que aconteceu?”


-“Nada.” – mentiu Alice. - “Será que hoje vai ter pudim de leite?” – desconversou, e assim os três se reuniram aos outros estudantes que apinhavam o salão.


Para aquela cerimônia os alunos deveriam sentar-se à mesa de suas casas, portanto, Alice se separou dos amigos e sentou-se ao lado de Carlos. O menino afagou a fênix que ela carregava e logo a ave chamou a atenção de todo o time de quadribol que estava sentado ali perto.


-“É linda!” – suspirou Natália Silvério, abraçada ao namorado, Arthur Bryant.


A fênix esticou o pescoço e piou satisfeita, visivelmente orgulhosa por receber tamanha atenção.


-“Já decidiu o nome?” – algumas pessoas perguntaram.


-“Eu estava pensando em Soleil.”


-“Muito bom.” – disse Carlos.


Alice virou-se para a fênix:


-“Você gosta? Quer ser Soleil?”


A pequena ave vermelha piou satisfeita e bicou de leve a mão da menina.


-“Então está decidido.” – Alice sorriu.


 


Enquanto os alunos de Rubi divertiam-se com Soleil, que já não era mais tão arisca ao toque de estranhos, os professores adentraram o salão e tomaram seus lugares à mesa. Permanecendo em pé e silenciando os alunos com um gesto, a Sra. Marlon deu início à cerimônia de encerramento do ano letivo:


-“Senhoras e senhores, mais um ano se encerra. Um ano em que vocês aumentaram seus conhecimentos em magia e realizaram feitos impressionantes que as paredes dessa escola nunca viram antes e que nunca irão esquecer.” – os demais alunos simplesmente acharam que ela estava exagerando, afinal, tinha sido um ano como outro qualquer, mas Alice percebeu quando a diretora dirigiu seu olhar a ela, Nicole e Érika. –“Agora, vamos aos prêmios deste ano.”


Aplausos e vivas encheram o salão. A Sra. Marlon sentou-se e Srta. Jacobs tomou a palavra:


-“Sra. Marlon, meus caros colegas professores, meus queridos alunos. É com prazer que anuncio os melhores colocados de cada turma da casa de Rubi.”


Após o anúncio dos sete premiados da casa vermelha, foi a vez de o professor Gomes se levantar e anunciar os premiados da casa de Ametista.


-“E por fim, em primeiro lugar do sétimo ano, Ana Laura Vieira.” – sua voz soava calma, quase sem emoção. A menina premiada caminhou até a mesa dos professores para receber sua condecoração.


A próxima casa foi Safira, e Alexandre recebeu o prêmio de melhor aluno do primeiro ano das mãos do professor Kalil. Por último, a professora Fernandes anunciou os vencedores da casa de Esmeralda.


-“Agora vamos aos premiados pelo campeonato de quadribol inter-casas!” – anunciou o animado professor Maia, ao que os estudantes fizeram uma algazarra ensurdecedora. – “Como vocês todos já sabem, o time vencedor foi o da casa de Rubi!”


A algazarra na mesa rubra se intensificou, e a Srta. Jacobs teve que ameaçar azarar alguns alunos para fazê-los descerem de cima da mesa.


-“Muito bem, muito bem.” – continuou Jéfferson Maia, quando conquistou novamente a atenção de todos. – “Agora vamos aos prêmios individuais. Como a maioria de vocês já sabe, ao final da temporada os professores realizam uma votação para eleger qual seria o time de quadribol ideal de Amgis, premiando os jogadores por seus talentos individuais. Agora sem mais demora, vamos ao time dos sonhos da Escola de Magia e Bruxaria de Amgis!”


Aplausos e assovios ecoaram. O professor puxou uma lista e começou:


-“Melhor goleiro: Arthur Bryant, da casa de Rubi!”


Sorridente, o garoto levantou-se para receber seu prêmio.


-“Melhores artilheiros, da casa de Safira, Álvaro Martins! Da casa de Ametista, Manuel Otaviano! E por último, mas não menos importante, nossa terceira artilheira, e também eleita melhor capitã, Natália Silvério!”


Novamente, os aplausos e gritos custaram a ceder.


-“Melhores batedores! Da casa de Esmeralda, Roberto de Paula! Da casa de Rubi, Carlos McLean!”


À volta de Alice, todo o time de Rubi se amontoou para dar os parabéns ao garoto, que após apertar meia dúzia de mãos, correu para receber seu prêmio.


-“E para completar, todo o time de quadribol precisa de um apanhador!” – continuou o professor Maia. – “Pela primeira vez em 76 anos, temos uma aluna do primeiro ano premiada por sua atuação no quadribol. E a melhor apanhadora do ano é Nicole James!”


Tendo recebido seus prêmios e sendo devidamente ovacionados, os jogadores voltaram aos seus lugares à mesa. A Sra. Marlon ergueu-se mais uma vez:


– “Assim terminamos nossa solenidade. Amgis se despede de vocês esperando que tenham boas férias e um retorno tranqüilo no próximo dia primeiro de fevereiro. Aos formandos, boa sorte e tudo de bom.” – ela fez uma pausa para os aplausos e vivas. – “E agora, vamos ao jantar!”.


A comida surgiu na mesa, farta e deliciosa como sempre. À altura da sobremesa, os alunos começaram a se misturar nas mesas das casas, e ao final do jantar, Alice estava sentada à mesa de Esmeralda, com Érika, Alexandre, e Nicole. Quando Carlos sentou-se ao lado de Nicole, esta não resistiu e provocou:


-“Finalmente conseguiu se desvencilhar de seus fãs? Ou deveria dizer, das suas fãs?”


-“Não finja que também não está gostando de receber essa atenção.” – ele rebateu, ao que a garota deu de ombros e voltou ao seu suco de cajá.


Enquanto Érika brincava de jogar grãos de feijão para Soleil apanhar, Alice parabenizava Alexandre.


-“Você já sabia que Amgis premiava os melhores alunos?” – perguntou ela.


-“Eu ouvi alguns veteranos comentando, mas sinceramente não esperava ganhar.”


-“Você não estava estudando daquele jeito pensando em ganhar?”


-“Não. Na verdade, sempre gostei de ter boas notas e sempre estudei muito, só isso.” – apesar da sincera modéstia, Alice sabia que o amigo estava transbordando de orgulho próprio por dentro.


 


*   *   *


 


Ao acordar no dia seguinte Alice sentiu no corpo os efeitos de ter conversado até tarde com os amigos no salão principal. Bocejando, ela lavou o rosto, deu comida à Soleil e terminou de guardar suas coisas.


Seu primeiro ano em Amgis havia chegado ao fim muito mais rápido do que ela ousara esperar. E trouxera consigo mudanças muito maiores do que apenas o fato de descobrir que ela era uma bruxa. Ser a reencarnação de Gabriel Gryffindor, possuir um talismã poderoso, criado há centenas de anos, e por fim ganhar uma fênix como animal de estimação a fazia sentir-se intimidada. A garota sabia que em um futuro assustadoramente próximo ela teria que se provar digna de tudo aquilo.


Naquele momento, porém, ela só queria voltar para casa. Sentia falta de seus pais e sabia que eles sentiam dela. Lançando um último olhar ao dormitório, ela saiu e foi encontrar seus amigos no salão principal para o café.


-“Não entendo porque temos que sair tão cedo.” – Érika reclamou, esfregando os olhos. – “Podiam deixar a gente dormir um pouquinho mais.”


-“É uma viagem muito longa.” – observou Carlos. Ninguém mais quis, contudo, estender aquela conversa.


Enquanto Nicole tomava seu café, Alexandre conversava sobre as disciplinas do segundo ano com Paulo. Alice não ficava particularmente animada ao pensar no ano de estudos que teria pela frente sem nem ao menos ter entrado de férias direito. Ela ficou até mesmo feliz quando uma carrancuda Srta. Jacobs apareceu para informá-la de que a acompanharia até a sua casa, como nas vezes anteriores. O mau humor da professora era mais agradável do que as preleções de Alexandre do quão difícil seria o estudo de ervas da lua no ano seguinte.


Após o café, Alice embarcou com Nicole e Érika no ônibus do primeiro ano. Alexandre reuniu-se com os demais alunos premiados e sentou-se ao lado deles. Segurando Smaug no colo, Érika anunciou que ia tirar uma soneca, fechou os olhos e recostou-se no banco. Nicole puxou uma revista da bolsa e concentrou-se na leitura. Enquanto isso, Alice lançava um último olhar à Amgis pela janela.


A viagem foi tranqüila e sem muitas conversas. À noite, as luzes da cidade iluminaram os rostos do alunos, que se espreguiçavam preguiçosamente e se preparavam para desembarcar.


-“Manteremos contato durante o verão.” – disse Nicole, ao desembarcarem. – “Mantenham seus talismãs em segredo e tentem não fazer nada que libere sua magia.”


-“Sim, senhora.” – respondeu Érika, em tom de ironia.


Nicole se despediu e Alice a observou caminhar até onde estava um homem que aparentava ser seu pai.


-“Bom, acho que a gente se vê ano que vem.” – disse Érika.


-“Certo. Bem, feliz natal então.”


-“Feliz natal!” – concordou uma terceira voz, que Alice reconheceu ser de Carlos.


O rapaz vinha acompanhado por Alexandre e Paulo. Eles se despediram e Alice correu até a Srta. Jacobs, que esperava por ela. Com um último olhar por cima do ombro Alice despediu-se daqueles amigos que ela só encontraria novamente no ano seguinte.


 


 


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