A Promessa (18/04/2008)

A Promessa (18/04/2008)



Capítulo 7- A Promessa

Mas é tempo de voltar àquela tarde de novembro, uma tarde clara e fresca, sossegada como a nossa casa e o trecho da rua em que morávamos. Ali foi o princípio da minha vida, tudo o que sucedera antes foi um ensaio: o acender das luzes, o preparo das atores, a orquestra... Agora é que eu ia começar a minha ópera. "A vida é uma ópera", dizia-me um velho tenor italiano que aqui viveu e morreu...
Mas vamos à primeira parte, em que eu vim a saber o que a vida me reservava, porque a notícia de Black, meu caro leitor, foi dada principalmente a mim.
Tão depressa vi desaparecer o agregado no corredor, deixei o esconderijo, e corri para a varanda do fundo. Não quis saber das lágrimas de minha mãe, nem de sua causa. A causa era provavelmente os seus projetos eclesiásticos , e a ocasião destes é a que vou dizer.
Os projetos vinham do tempo em que fui concebido. Tendo-lhe nascido morto o primeiro filho, minha mãe pegou-se com Deus para que o segundo vingasse, prometendo, se fosse homem, metê-lo na Igreja. Talvez esperasse uma menina. Não disse nada a meu pai, nem antes, nem depois de me dar à luz, contava fazê-lo quando eu entrasse para a escola, mas enviuvou antes disso. Viúva, sentiu o terror de se separar de mim; mas era tão devota, tão temente a Deus, que buscou testemunhas da obrigação, confiando a promessa a parentes e familiares.
Unicamente, para que nos separássemos o mais tarde possível, aprendi em casa as primeiras letras, latim e doutrina, por aquele Padre Alastor, velho amigo do tio Remo, que ia lá jogar às noites.
Minha mãe esperou que os anos viessem vindo. Entretanto ia me afeiçoando à idéia da Igreja: imagens de santos, conversas de casa, tudo convergia para o altar. E quando íamos à missa, dizia-me sempre que era para eu aprender a ser padre, e que reparasse no padre, não tirasse os olhos do dele.
Em casa, brincávamos de missa às escondidas, porque minha mãe dizia que missa não era coisa de brincadeira. Arranjávamos um altar, Gina e eu. Ela servia de sacristão, e eu de padre. Alterávamos o ritual, no sentido de dividirmos a hóstia entre nós, era sempre um doce. E Gina sempre ficava com o pedaço maior... No tempo em que brincávamos assim, era muito comum ouvir à minha vizinha: "Hoje há missa?" Eu já sabia o que isto queria dizer, respondia afirmativamente, e ela nos dava a “hóstia”. Já com ela, arranjávamos o altar, enrolávamos o latim e adiantávamos as cerimônias. Dominus, non sum dignus... Isto, que eu devia dizer três vezes, penso que só dizia uma, tal era a gulodice do padre e do sacristão. Não bebíamos vinho nem água: não tínhamos o primeiro, e a segunda viria tirar-nos o gosto do sacrifício.
Ultimamente não me falavam já do seminário, a tal ponto que eu supunha que essa história havia acabado. Quinze anos, não havendo vocação, já me considerava no seminário da vida.
Mas minha mãe ficava muitas vezes olhando para mim, como alma perdida, ou pegava minha mão, a pretexto de nada, para apertá-la muito.

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N/a: Comentários no capítulo 8...

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