CAPÍTULO VINTE E DOIS



Vinte e dois

Naquela noite nos encontramos com os amigos de Rony, Olivio Woods e Luna Lovegood. Já ouvi falar muito nos dois: sei que Olivio é muito educado, estudou em Oxford e é de família rica; Luna vem da parte leste de Londres, uma vez foi demitida por mandar o chefe "ir à merda" e já dormiu com muitos homens.

Eles são exatamente como eu imaginava. Olivio é bem vestido e atraente sem ser muito sexy. Ele senta com as pernas cruzadas no joelho, balança a cabeça, franze bastante o rosto e murmura "hum" enquanto qualquer outra pessoa fala, mostrando total atenção. Luna é altona e tem cabelos rebeldes cor de trigo. Não sei se o seu batom laranja entra em choque com o cabelo ou o complementa. Também não sei se ela é muito bonita ou simplesmente esquisita. Seu corpo definitivamente não é perfeito, mas ela não tem vergonha disso. Uma parte de sua barriga grande e branca fica aparecendo entre a camisa e o jeans. Ninguém em Manhattan exibiria a barriga assim, a não ser que fosse dura como uma pedra. Rony me disse uma vez que as mulheres britânicas não são obcecadas com aparência e muito menos com peso, como as americanas. Luna é a prova dessa afirmação e isso é reconfortante. Durante toda a noite ela fala de um cara com quem ela quer transar e de outro com quem ela já transou. Ela fala naturalmente, como se dissesse que o trabalho foi puxado ou que está cansada de tanta chuva. Gosto da franqueza dela, mas Olivio revira os olhos e faz comentários sarcásticos sobre sua falta de refinamento.

Depois de Luna esgotar o assunto sobre o tal Dênis, que "merece ser castrado", ela vira para mim e pergunta:

- E então, Hermione? O que você acha dos homens de Nova York? Será que eles são tão pavorosos como os ingleses?

- Ora, querida, obrigado - diz Olivio impassível.

Sorrio para ele e depois respondo.

- Depende... varia muito. - Nunca tinha pensado no "homem americano". Não tenho outra referência.

- Você está envolvida com alguém no momento? - pergunta ela e então sopra a fumaça em direção ao teto.

- Hum. Não exatamente. Não. Estou... solteira.

Rony e eu trocamos olhares. Luna está curiosa.

- O quê? Tem uma história aí. Eu sei que tem.

Olivio descruza os braços, abana a fumaça do rosto e espera. Luna gesticula como se dissesse "vamos lá, desembucha".

- Não é nada - digo. - Não vale a pena falar, verdade.

- Conta para eles - diz Rony.

Então agora eu não tenho escolha, porque Rony assumiu que há algo para contar.

Não quero incomodar ninguém com uma longa sessão de "não é nada", "conta", "realmente nada", "vamos lá, conta" e Luna não parece tolerar esses joguinhos evasivos. Neste ponto ela é como Gina, que gosta de dizer "então por que você mencionou o assunto?". A diferença é que nesta situação foi Rony quem mencionou. De qualquer maneira, estou encurralada, então digo:

- Durante todo o verão, estive saindo com um cara que vai se casar em ... menos de duas semanas. Pensei que ele fosse cancelar o casamento. Mas ele não desistiu. Então aqui estou eu. Solteira novamente. – Conto minha história sem me emocionar, o que me deixa orgulhosa. Estou progredindo.

Luna diz:

- Em geral eles esperam até se casar para trair. Esse sujeito é apressado, hein? .. Como é a futura mulher dele? Você conhece?

- Conheço. É, conheço bem.

- Uma piranha e tanto, não é? - Luna pergunta demonstrando interesse.

Olivio pigarreia e abana a fumaça dela mais uma vez.

- Talvez a Hermione queira privacidade. Será que nós podemos respeitá-la?

- Não, não podemos - responde Luna para ele e depois para mim: - Você se importa em discutir isso?

- Não, não me importo - respondo. E acho que é a verdade.

- E então? A garota com quem ele está se casando ... como você conheceu ela?

- Bem... - começo a dizer. - A gente se conhece há bastante tempo.

Rony explica.

- Em poucas palavras, Hermione é a madrinha do casamento.

Ele me dá uns tapinhas nas costas e mantém a mão no meu ombro como se estivesse me parabenizando. Está visivelmente orgulhoso por oferecer aos seus amigos essa fofoquinha transatlântica.

Luna não se altera. Ela já deve ter visto coisa pior.

- Que confusão dos diabos - diz ela, compreensiva.

- Mas agora acabou - digo. - Fui bem clara. Pedi para ele cancelar o casamento. Ele escolheu ficar com ela. Então é isso. - Tento mascarar minha sensação de rejeição. Acho que estou me saindo bem.

- Ela está superando de uma maneira maravilhosa - diz Rony.

- É. Você não parece nem um pouco abalada - diz Luna. – Eu nunca teria sido capaz de adivinhar.

- Será que ela deveria estar chorando sobre o leite derramado? – pergunta Olivio a Luna.

- Eu estaria. Lembra do Lino Jordan?

Rony geme e Olivio se contorce todo. Com certeza eles se lembram do Lino.

Então Rony diz a eles que acha que eu não deveria ir ao casamento. Luna quer saber mais sobre a noiva, então Rony dá a ficha completa de Cho, incluindo alguns detalhes da nossa amizade. Ele até acrescenta a Notre Dame. Eu respondo algumas perguntas e no resto do tempo apenas ouço os três discutirem minha situação, como se eu não estivesse presente. É divertido ouvir Olivio e Luna usando os nomes de Harry e de Cho, analisando os dois com seus sotaques britânicos. Pessoas que eles nunca conheceram e provavelmente nem vão conhecer. De alguma forma o debate ajuda a pôr os fatos em perspectiva. Quase.

- De qualquer modo, você não deveria ficar com ele - diz Luna.

- É o que eu digo para ela - completa Rony.

Olivio considera que ele talvez ainda cancele o casamento.

- Não - digo. - Ele foi até a minha casa na noite anterior à viagem e me deixou isso bem claro. Ele vai se casar.

- Pelo menos ele falou abertamente - comenta Olivio.

- Pelo menos - digo, reconhecendo honestidade nele. Do contrário eu continuaria cheia de esperanças durante esta viagem. Tenho de dar um certo crédito ao Harry por ter me dito sua decisão cara a cara.

De repente, Luna tem uma idéia excelente. Seu amigo Zacharias Smith ficou solteiro há pouco tempo e adora mulheres americanas. Por que não arranjar um encontro entre ele e Hermione?

- Ela mora em Nova York - diz Olivio. - Você lembra disso?

- E então? Esse é apenas um detalhe logístico. Ela poderia se mudar. Ele poderia se mudar. No mínimo os dois vão se divertir. Talvez dar uns bons amassos.

- Nem todo mundo encara uns amassos como terapia - diz Olívio.

Luna ergue uma sobrancelha. Gostaria de poder arquear assim a sobrancelha. Há momentos decisivos para esse gesto.

- É mesmo? Você devia experimentar, Olívio - ela se vira para mim, esperando minha opinião.

- Uns bons amassos nunca fazem mal- digo, para agradar Luna. Ela acaricia o cabelo revolto e parece bem satisfeita.

- Exatamente o que eu acho.

- O que você está fazendo? - pergunta Rony, ao ver Luna pegando seu celular na bolsa.

- Telefonando para Zacharias - diz ela.

- Porra, Luna! Larga este celular - diz Olivio. - Tenha algum tato.

- Não, tudo bem - digo, lutando contra meus instintos puritanos. - Pode ligar para ele.

Luna abre um sorriso.

- Vocês meninos fiquem fora dessa.

***

Então, na noite seguinte, graças a Luna, estou comendo comida tailandesa num encontro às cegas com Zacharias Smith. Zach tem trinta anos e é um jornalista freelancer. Ele é bonito, embora o oposto de Harry: é mais baixo, tem olhos azuis, cabelo claro e sobrancelhas ainda mais claras. Alguma coisa nele me lembra Hugh Grant. Primeiro acho que é apenas o sotaque, mas depois me dou conta de que, como Hugh, ele tem uma certa petulância charmosa. E como Hugh, aposto que ele já dormiu com muitas mulheres. Talvez eu devesse entrar para sua Lista.

Concordo e rio de algum comentário maldoso que ele faz sobre o casal sentado perto da gente. Ele é engraçado. De repente me ocorre que Harry não é muito engraçado. Sempre fui da teoria de que se quero dar gargalhadas, basta assistir a uma reprise de Seinfeld, não preciso namorar um comediante para isso. Talvez eu realmente queira um cara engraçado.

Talvez falte a Harry algum elemento cmcial. Tento prosseguir, imaginando-o como um cara sem senso de humor, até mesmo entediante. Realmente não funciona. É difícil fingir. Harry é engraçado o suficiente. Ele é perfeito para mim. Exceto pelo pequeno detalhe: o casamento com Cho.

Percebo que não prestei atenção no que Zach estava dizendo, alguma coisa sobre Madonna.

-Você gosta dela? - pergunta ele.

- Não sou fã - digo. - Mas ela é legal.

- Geralmente Madonna provoca uma resposta mais forte. Em geral as pessoas amam ou odeiam ... Conhece esse jogo? Ama ou odeia?

- Não. Como é?

Zacharias me ensina as regras do jogo. Ele explica que alguém lança um assunto, uma pessoa, ou qualquer outra coisa, e os outros têm de decidir se amam ou odeiam. Não é permitido ser neutro.

- E se você for neutro? - pergunto a ele. - Eu não amo ou odeio a Madonna.

- Você precisa escolher um ou outro. Então escolha - diz ele. – Você ama ou odeia Madonna?

Hesito e então digo:

- Está bem, então eu odeio.

- Ótimo. Eu também.

- É mesmo? - pergunto.

- Bem, na verdade, sim. Ela não tem talento. Agora é sua vez.

- Hum, não consigo pensar em nada. Você de novo.

- Está bem. Colchão de água.

- É tão cafona. Odeio esse tipo de colchão - respondo. Nesse caso não estou em cima do muro.

- Eu também odeio. Sua vez.

- Tudo bem. Bill Clinton.

- Eu amo - diz Zach.

- Eu também.

Continuamos a jogar enquanto terminamos o vinho.

No fim das contas, nós dois odiamos (ou pelo menos odiamos mais que amamos) pessoas que têm peixe de aquário como animais de estimação e o Ross de Friends. Nós dois amamos (ou amamos mais que odiamos) Chicken McNuggets, implantes de silicone (aqui eu minto, só para parecer bacana, mas me surpreendo com a resposta dele – talvez ele tenha mentido por achar que eu já fiz implante) e ver golfe pela televisão. Desempatamos no rap (eu amo, ele sente dor de cabeça), Tom Cruise (ele ama, eu ainda o odeio por ter acabado tudo com Nicole), a família real (eu amo, ele diz que é republicano, seja lá o que isso signifique) e Las Vegas (ele ama, eu associo a jogo de dados, dados rolando, Harry).

Percebo que gosto (quer dizer, amo) desse jogo. Ser radical, tomar uma posição. Tudo ou nada. Faço o mesmo com Harry, alterando minha decisão várias vezes: odeio, amo, odeio, amo. Lembro de minha mãe dizendo que o oposto do amor não é o ódio, é a indiferença. Ela tinha razão. Meu objetivo é ser indiferente ao Harry.

Zach e eu terminamos o jantar, decidimos dispensar a sobremesa e ir para a casa dele. Ele tem um apartamento legal - maior que o do Rony - cheio de plantas e mobílias aconchegantes e estofadas. Dá para perceber que uma mulher se mudou dali recentemente. Agora, metade da prateleira está vazia. Todo o lado esquerdo. A não ser que eles tenham mantido os livros separados desde o começo, o que é pouco provável, ele empurrou os dele para um dos lados. Talvez precisasse medir o quanto sua vida ficara vazia sem ela.

- Qual era o nome dela? Da sua ex? - pergunto com delicadeza. Talvez eu não devesse puxar esse assunto, mas ele deve saber que Luna me contou sobre o fim de seu relacionamento. Tenho certeza de que ela falou da minha situação para ele também.

- Katherine. Kate.

- Como você está?

- Meio triste. Mais aliviado do que qualquer outra coisa. Às vezes até mesmo eufórico. Já tinha acabado há muito tempo.

Faço que sim com a cabeça, como se entendesse, embora a minha situação seja bem diferente. Talvez Harry e eu pudéssemos ter economizado anos de esforço e mágoa se de qualquer maneira fôssemos acabar como Zach e Kate.

- E você? - pergunta ele.

- Luna contou a você?

Percebo que ele considera contar uma pequena mentira e então desiste:

- Mais ou menos ... sim ... Como você está?

- Estou bem - respondo. - Foi uma relação curta. Diferente do seu rompimento.

Mas não acredito nas minhas palavras. Tenho um flashback do Quatro de Julho e sinto toda a tristeza de uma só vez. Entro em pânico e acho que vou chorar. Se Zach perguntar mais alguma coisa sobre Harry, vou chorar mesmo. Por sorte, conversas sérias não parecem ser o forte dele. Ele pergunta se pode me oferecer algo para beber. Chá? Café? Vinho? Cerveja?

- Uma cerveja seria ótimo - respondo.

Enquanto ele vai para a cozinha, respiro fundo e expulso Harry da minha cabeça. Fico de pé dando uma olhada na sala. Há apenas uma fotografia à mostra. É de Zach com uma mulher mais velha, bem atraente, que parece ser a mãe dele. Tento imaginar quantas fotos de Kate e Zach foram retiradas por causa do rompimento. Tento imaginar se ele jogou fora ou guardou as fotos. Isso pode revelar muito de uma pessoa. Gostaria de ter algumas fotos de Harry. Não tenho nenhuma de nós dois juntos, apenas algumas dele com Cho. Tenho certeza de que depois do casamento vou ter ainda mais. Cho vai me forçar a encomendar algumas, talvez até mesmo me dê uma foto num porta-retratos, como lembrança do casamento. Como um dia vou conseguir superar isso?

Zach volta com pequenos guardanapos de pano, duas canecas de cerveja e um pequeno pote de vidro com castanhas variadas. Tudo bem arrumadinho numa bandeja quadrada de estanho. Ele foi bem treinado por Kate.

- Obrigada - digo, tomando um gole de cerveja.

Sentamos no sofá próximos um do outro e conversamos sobre meu trabalho e sobre as matérias dele. Não estamos perfeitamente confortáveis, mas não é horrível. Provavelmente porque nossa história termina aqui. Não haverá um segundo encontro, então não é preciso agradar. Não há expectativas. Nós nunca teremos de lidar com aquela fase estranha depois dos papos iniciais, com aquelas calmarias comuns do segundo encontro, num momento em que as duas pessoas têm de decidir se vale a pena investir ou não. É claro, Harry e eu não tivemos que lidar com isso. Outra qualidade do Harry. Primeiro nós ficamos amigos. Não lembre do Harry. Pense no agora, em estar aqui com Zacharias!

Zach se aproxima e me beija. Ele mexe demais a língua, em frenéticos movimentos circulares, e seu hálito cheira vagamente a cigarro, o que é estranho, porque ele não fumou durante a noite. Talvez tenha fumado na cozinha. De qualquer modo, beijo-o também, fingindo entusiasmo. Chego até mesmo a gemer um pouco num determinado instante. Nem sei por quê.

Quantas vezes vou precisar passar pelo primeiro beijo? Apesar de Cho sentir falta desse elemento de sua vida de solteira, não tenho nenhum apreço por isso. A não ser pelo meu primeiro beijo de verdade com Harry, que foi completamente mágico. Será que Zach está pensando tanto em Kate quanto eu em Harry? Depois de um tempo razoavelmente longo, a mão de Zach sobe pela minha camisa. Não faço objeção. Seu toque não é tão desagradável e eu penso, por que não? Deixe ele experimentar um peito americano.

Depois de uma meia hora de amassos "leves" seguidos de amassos um pouco mais ousados, Zach me convida para passar a noite com ele, mas diz que não quer transar comigo... bem, ele quer, explica, mas não vai tentar nada. Estou quase concordando, mas aí descubro que ele não tem soro fisiológico. Não posso dormir com as minhas lentes de contato e deixei meus óculos no apartamento de Rony. Então é isso. Parece divertido que a visão perfeita de Zach me impeça de realizar uma jogada potencialmente promíscua.

Nós nos beijamos por mais um tempo, ouvindo música. As músicas me lembram do fim do curso de Direito, na época em que namorei Vitor, e depois fui dispensada por ele. Ouço e me lembro da tristeza.

Mais do que qualquer outra coisa, sons e cheiros são capazes de transportar alguém a algum momento no passado. É impressionante o quanto se pode lembrar com algumas notas musicais ou o cheiro solitário de um cômodo. Uma música a que na época você nem prestava atenção, um lugar que você nem sabia que tinha um cheiro específico. Penso no que trará de volta Harry e nossos poucos meses juntos daqui a algum tempo. Talvez uma música. Talvez o cheiro do xampu que usei durante todo o verão.

Algum dia, meu envolvimento com Harry fará parte de uma memória distante. Isso também me entristece. É como quando alguém morre: no início, a dor é horrível. O mais triste, porém, é quando o tempo passa e continuamos a sentir e sofrer a ausência dos que já se foram.

Enquanto caminha comigo até o apartamento de Rony, Zach diz:

- Você quer ir comigo até Leeds Castle amanhã? Convidarei Rony também.

- O que é Leeds Castle? - pergunto, imaginando que é uma pergunta estúpida.

- É um castelo que no passado foi uma fortaleza normanda e residência de seis rainhas medievais. É realmente adorável. Há um teatro ao ar livre nas proximidades. É um pouco turístico, mas você afinal de contas é uma turista, não é?

Estou começando a notar que os britânicos acrescentam uma pequena pergunta ao final de cada frase, em busca de uma confirmação.

Respondo o que ele quer ouvir.

- É, eu sou uma turista, é verdade.

Então digo que Leeds Castle me parece uma ótima idéia. Porque realmente parece. E porque tudo o que faço, todas as pessoas que encontro, me afastam de Harry. O tempo cura todas as feridas, especialmente quando se preenche esse tempo com um monte de coisas.

- Fale com Rony, depois ligue para mim. - Ele escreve o número do telefone no verso de um papel de chiclete que encontro na minha bolsa. - Vou estar por perto.

Agradeço a ele pela noite agradável. Ele me beija mais uma vez, sua mão na minha nuca.

- Dar uns amassos em alguém logo depois de um grande rompimento. Ama ou odeia? - pergunta ele.

Eu rio.

- Amo.

James dá um sorriso sarcástico.

- Eu concordo.

Destranco a porta do Rony, pensando se Zach também estava mentindo.

***

Na manhã seguinte, Rony caminha sonolento até a cozinha, onde estou tomando suco de laranja.

- E então? Você está apaixonada pelo Zacharias?

- Loucamente.

Ele coça a cabeça.

- Sério?

- Não, mas foi divertido.

Acabo me dando conta de que não consigo me lembrar direito da cara de Zach. Seu rosto se confunde com o de um colega dos tempos da faculdade, da sala de Direito Tributário.

- Ele quer se encontrar com a gente hoje. Convidou nós dois para irmos a algum palácio ou castelo.

- Hum, um palácio ou um castelo na Inglaterra. Há poucas alternativas.

- Leeds, ou coisa parecida.

Rony conhece.

- É, Leeds Castle é legal. É isso o que você quer fazer?

- Não sei. Por que não? - pergunto.

Parece inútil e forçoso conversar ainda mais com Zach, mas acabo telefonando para ele e todos passamos o dia em Leeds Castle. Luna e Olivio também vão. Pelo visto, todos os amigos de Rony têm horário de trabalho flexível, porque nenhum deles hesita em tirar um dia de folga numa quarta-feira qualquer. Penso em como a minha vida é diferente lá em Nova York, com o Les me perturbando, mesmo nos fins de semana.

O dia está agradável, quase quente para os padrões londrinos. Exploramos o castelo e as redondezas, depois fazemos um piquenique na grama. Num determinado momento, Luna me pergunta, alto o suficiente para todo mundo ouvir, se eu tinha gostado de Zach. Olho para ele, que revira os olhos para Luna. Então sorrio e digo a ela no mesmo volume que ele é bem legal, se pelo menos morasse em Nova York. Que mal há em elogiá-lo? Se ele realmente gosta de mim, ficará feliz em ouvir isso. Se não gosta, vai se sentir seguro por causa da distância.

- Então por que você não se muda para Londres? - pergunta ela. – Rony diz que você definitivamente detesta seu trabalho. Venha para cá e tente arrumar alguma coisa. Seria uma excelente mudança, não seria?

Eu rio e recuso a oferta. Mas, sentada à beira de um lago tranqüilo e admirando um castelo inglês de contos de fada, penso que poderia de fato fazer exatamente isso. É uma saída depois de rolar os dados e perder: pegá-los e jogá-los novamente. Imagino o prazer incrível de entregar a Les a minha carta de demissão. E eu ficaria longe de Cho e Harry. Como será que um bom terapeuta caracterizaria essa jogada: uma fuga ou um novo e saudável começo?

No meu último dia em Londres, Rony e eu retomamos ao seu pub favorito, onde já começo a me sentir em casa. Pergunto sua opinião sobre minha mudança para Londres. Em 15 minutos ele já me vê na vizinhança: sabe de um apartamento, um trabalho e vários caras, caso Zach não seja o ideal, todos com os dentes certinhos e brancos (porque eu já comentara dos dentes mal cuidados dos ingleses). Ele diz para eu me mudar. Simplesmente me mudar. O conselho parece simples. É simples. A semente já está mais do que plantada. Já está crescendo, desabrochando e surgindo um brotinho.

Rony continua.

- Você devia se afastar de Cho. Aquela amizade tóxica ... não é saudável. E vai se tornar ainda mais destrutiva quando encontrar os dois depois do casamento.

- Eu sei - digo, empurrando uma batata frita na direção do purê de ervilhas.

- E mesmo que você continue em Nova York, é essencial limitar essa amizade. Ela não é nem mesmo uma amizade verdadeira, Cho quer apenas ser melhor que você.

- Não é tão ruim assim - digo, sem entender por que estou defendendo Cho.

- Você tem razão. Não é apenas para derrotar você. Acho que ela te respeita tanto que quer vencer para ser reconhecida ... Ela não fica tentando superar Lila. É só você. Às vezes acho que você acaba sendo sugada por ela, e toda a dinâmica de vocês se transforma mais numa competição que numa amizade verdadeira - ele me lança um olhar paternal, de quem sabe o que diz.

- Você acha que eu gosto do Harry pela mesma razão, para competir com Cho, não acha?

Ele pigarreia, enxuga a boca com o guardanapo e põe no colo.

- Bem, isso é possível? - pergunta ele.

Nego.

- Nem pensar. Não duvide dos meus sentimentos - digo.

- Tudo bem. Era só uma teoria.

- Absolutamente não. É para valer.

Mas antes de dormir na cama do Rony (ele insistiu em ficar com o sofá durante toda a semana), reavalio sua teoria. Será mesmo possível que tudo aquilo que senti quando beijei Harry tenha vindo do prazer em ser má, em quebrar as regras, ter algo que pertence a Cho? Talvez o meu caso com Harry seja resultado de uma revolta contra minhas certezas, contra Cho e anos em que me senti inferior. Fico perturbada com a idéia, porque a gente não gosta de pensar que é escravo desse tipo de impulso inconsciente. Mas, ao mesmo tempo, a idéia me consola. Se gostei de Harry por essas razões, então no fim das contas eu não o amo. Será muito mais fácil seguir em frente.

Mas no dia seguinte, enquanto eu e Rony pegamos o metrô até o terminal de trens, eu reconheço, mais uma vez, que realmente amo Harry e provavelmente vou continuar amando por um bom tempo. Compro a passagem do trem expresso até o aeroporto e verifico no painel de informações que o próximo trem vai partir em três minutos, então caminhamos até a plataforma.

- Você sabe o que está fazendo, certo? - pergunta ele todo protetor.

Por um segundo acho que ele está perguntando sobre minha vida, então percebo que ele apenas se refere ao trajeto da viagem.

- Sei, este trem vai direto para o aeroporto, certo?

- É. Salte no terminal três. É fácil.

Abraço Rony e agradeço pelos dias maravilhosos.

- Não quero ir embora.

- Então venha morar aqui ... Eu realmente acho que você deveria. Você não tem nada a perder.

Ele tem razão. Realmente não tenho nada a perder. Eu não deixaria nada para trás. Um pensamento deprimente.

- Vou pensar - digo e me comprometo a pensar no assunto quando chegar em casa, em vez de voltar à velha rotina.

Nos abraçamos pela última vez, então embarco no trem e observo Rony acenando para mim através da janela. Aceno de volta, pensando que não há nada melhor que velhos amigos.

***

No terminal três faço o check-in mecanicamente, passo pela segurança e espero pelo embarque. O vôo parece interminável, e, apesar de tentar, não consigo dormir de jeito nenhum. Apesar da minha semana repleta de distrações, não me sinto muito melhor do que no vôo da ida. Mesmo vendo Nova York de cima, o que geralmente me enche de expectativa e animação, não sinto nada. Harry está num desses prédios. Preferia quando o oceano Atlântico nos separava.

Ao sair do avião, abro caminho até o controle de passaporte, pego a bagagem e passo pela alfândega, para depois entrar na enorme fila do táxi. Está um calorão lá fora e dentro do táxi percebo que o ar-condicionado mal chega ao banco de trás.

- Será que você pode aumentar o ar-condicionado, por favor? – peço ao motorista, que está fumando um cigarro, uma infração que poderia arrancar dele uma multa de 150 dólares.

Ele me ignora e dirige aos trancos e barrancos, de uma maneira revoltante. Ele troca de pista a cada dez segundos.

Peço para ele aumentar o ar-condicionado mais uma vez. Nada. Talvez ele não esteja me ouvindo por causa do rádio. Ou talvez ele não fale inglês. Consulto a Lista dos Direitos do Passageiro. Tenho direito a: um motorista cortês, que fale inglês e obedeça às leis de trânsito ar-condicionado se solicitado... uma viagem sem rádio (silenciosa) ar livre de fumaça e incenso... bagageiro limpo.

Talvez o bagageiro esteja limpo.

Está vendo? Tudo tem a ver com ausência de expectativas.

O banco de trás está cada vez mais quente, então abro a janela e enfrento o vento sujo chicoteando meu cabelo em torno do rosto. Finalmente chego em casa. Pago ao motorista mal-educado e ainda dou gorjeta (embora conste na Lista dos Direitos do Passageiro que eu posso me recusar a dar gorjeta se os meus direitos não forem cumpridos). Suspendo minha mala de rodinhas e saio do carro.

São cinco e meia. No sábado, a essa hora, Cho e Harry estarão casados. Já terei ajudado Cho com seu vestido de noiva e amarrado o ramo de copos-de-leite com meu lenço de renda, que foi escolhido por ela para ser o objeto emprestado que a noiva tem de usar na cerimônia. Terei garantido a ela umas mil vezes que nunca esteve tão bonita, que tudo está perfeito. Já terei andado até o altar em direção ao Harry sem olhar para ele, mas talvez percebendo seu olhar furtivo, uma mistura de culpa e pena. Terei suportado os dolorosos trinta segundos de Cho, em toda sua glória, caminhando para o altar, enquanto seguro a aliança de platina na minha mão suada. Em seis dias, o pior já terá passado.

- Olá, senhorita Hermione! - José diz enquanto fecho a porta do táxi. Então ele avisa para alguém que está no saguão: - Ela chegou!

Fico tensa, esperando encontrar Cho com sua pasta de casamento, pronta para fazer exigências. Mas não é Cho quem espera no saguão do prédio, numa solitária poltrona de couro.

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Robert`s que bom que esta gostando da fic, pode ter certeza o romance da Mione com o Harry vai ter consequencias sim, pode esperar...

Cordy W. Malfoy tbm acho que não tem motivo que justifique a Mione ir ao casamento... o Rony sabe o que diz...

Nick Granger Potter um amigo como o Rony é maravilhoso, ele sabe levantar a moral.

Bjos a todos e comentem!!!

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