Ira



Antes de acompanhar Scorpius em qualquer que fosse a direção que ele seguiria, Rose lançou um olhar hesitante para as costas de Mark, que ganhava distância a cada passo que dava. Rose sentiu como se um cubo de gelo estivesse descendo por sua espinha e não pôde conter um arrepio e uma sensação de ânsia subindo pela garganta. Engoliu em seco e reprimiu seus próprios pensamentos. Ela tinha que parar de pensar – era tudo o que ela tentava fazer, desde que...


Mas a voz rouca de Scorpius Malfoy a tirou de seus devaneios.


- Você vem ou não, Weasley?


Se Rose fosse uma grifinória – como, de fato, ela deveria ser – ela teria respondido com um ‘não’ super seco e virado as costas para o sonserino. Então, andaria orgulhosamente pelo corredor e iria atrás de Mark, jogando seus longos cabelos castanhos para trás, como naqueles filmes trouxas que ela sempre assistia nas férias.


Mas Rose era apenas uma corvinal covarde e inteligente, não uma grifinória corajosa e astuta.


- Já vou. – Disse em um murmúrio, apertando mais seus livros contra o peito.


Havia muitos alunos pelos corredores – alguns estranhavam o fato de eles estarem andando juntos, mesmo com Rose alguns passos atrás do louro – mas, naquele momento, ela sentiu como se fossem apenas eles no longo corredor de pedra. Seu coração palpitou um pouco ao pensar nisso e ela teve que balançar a cabeça para conter os pensamentos.


Céus, será que ela nunca aprenderia a lição?


Estava tão concentrada em seus pensamentos que não percebeu onde seus pés a estavam levando. Scorpius seguira por diversos corredores e saíra para os jardins da escola, chegando a um lugar bastante inesperado para Rose: a árvore em que, antigamente, ela, Scorpius e Albus costumavam passar os intervalos entre as aulas.


A ânsia voltou, mas junto dela veio a indignação. Com que direito Scorpius Malfoy a levara até aquele lugar? Será que ele não via que ela não queria ter mais nada a ver com ele ou com Albus?!


Ela teria que apelar para fazê-lo entender?


- Mas o que você espera ao me trazer aqui, Scorpius?! – Ela grunhiu. Só não jogava os braços para cima porque ainda segurava os livros. Por via das dúvidas, decidiu colocá-los no chão, na grama verdinha. – Por que diabos você insiste?


Rose esperava qualquer coisa vinda de Scorpius Malfoy, menos o que veio a seguir. Ele deu um pequeno sorriso e olhou para os próprios pés, não como se estivesse constrangido... Mas como se se arrependesse de algo.


Mas por que Scorpius Malfoy deveria se arrepender de algo? Ah, sim... Por aquilo.


A garganta de Rose ficou seca e ela desviou o olhar da face do garoto também, brincando com a barra da saia como sempre fazia ao ficar nervosa. Os olhos começaram a arder, mas ela não se permitiria chorar. Não na frente de uma das vítimas de seu próprio...


Afinal, era ela quem deveria ter toda a culpa, certo?


Lançou um olhar hesitante na direção da barra da manga da blusa comprida que ele usava. Era um dia razoavelmente quente, mas ele ainda assim usava mangas compridas. Que nem ela. Que nem Albus.


Mas que droga! Ele podia muito bem ter usado um feitiço para curar aquilo! Bem como Albus!


Ela, no entanto, nunca mexeria naquilo... Ela teria que se lembrar, por toda sua vida, do que fizera. Era seu próprio castigo por tê-los feito sofrer por tão pouco.


Com um olhar decidido e pronta para enfrentar qualquer coisa que viesse pela frente – porque ela merecia – Rose voltou a encarar Scorpius. Só então percebeu que ele também a observava. Ele levou a mão ao cabelo louro e bagunçou-o um pouco e ela pôde distinguir ali o conhecido sinal de nervosismo que ele sempre lançava. Conteve um riso – ela não se renderia.


- Eu só queria... – Ele resmungou, desviando novamente o olhar. Puxou sua mochila surrada das costas e a trouxe para frente, começando a remexer em seu interior. De lá de dentro, pegou alguns livros com aparência gasta e que Rose prontamente reconheceu. – Albus me pediu para te entregar isso. – Ele mordeu o lábio inferior, parecendo irritado e perturbado por um momento, mas continuou. – Ele disse para que eu pedisse desculpas em seu nome.


Scorpius resmungou alguma coisa e chutou uma pedrinha, que acabou batendo no tronco de uma árvore próxima. Rose pegou o livro que ele ainda segurava, tentando a todo custo não encostar suas mãos nas dele. Com um olhar desconfiado, ela se distanciou alguns passos.


- Bom, muito obrigado... Eu acho. – Disse, levantando a sobrancelha. Parecia que ela estava esperando a cobra dar o bote. – Diga a Albus que está tudo certo, embora eu não tenha certeza se... – Ela suspirou, o peso de seu peito aparecendo novamente. – Se eu algum dia poderei ser capaz de perdoar.


Ela não disse, mas ela ainda não sabia quem ela deveria perdoar. Mesmo assim, estava mais do que claro que Albus não havia feito aquilo por mal...


Porém, ela ainda insistia em colocar a culpa nas pessoas erradas.


-


Quando Rose voltou para a Sala Comunal da Corvinal, ela passou reto pela mesa em que Mark lia um livro com alguns amigos e foi direto para se quarto. Sua cama. Seu travesseiro. Suas lágrimas, seu remorso e sua culpa.


Por quanto tempo mais ela continuaria a se enganar, Merlin?


Com raiva, ela levantou-se em um rompente da cama e jogou tudo – lençóis, travesseiro, tudo! – no chão, embaralhando-se um pouco por estar enrolada neles. Então, abriu com fúria a gaveta de sua cabeceira, tanto que ela caiu no chão, por pouco não acertando em cheio seu pé. As lágrimas marcavam seu rosto e ela enxergava tudo embaçado, mas não se importou. De fato, ela não estava se importando com mais nada naquele momento.


Esfregou o rosto com a manga da blusa que usava e tirou alguns fios de cabelos que grudaram no rastro de lágrimas. Revirando os papéis que estavam jogados de qualquer maneira ali, algumas caixinhas com brincos e anéis, além de um estojo de madeira que sua mãe lhe dera alguns anos atrás, ela finalmente encontrou.


O porta retrato.


Ela pegou a moldura com força desnecessária e observou com os olhos semicerrados o sorriso aberto que ela lançava à câmera fotográfica há três anos. Uma Rose de doze anos, com o rosto vívido e um sorriso doce estava abraçada aos seus conhecidos livros e com seus, na época, amados amigos. Albus e Scorpius.


Albus sorria também, olhando para a câmera por cima de seus óculos, que, na foto mágica, acabavam caindo para a ponta de seu nariz. Nesse momento, um pequeno ‘o’ de surpresa surgia em sua face e ele ficava vermelho de vergonha, tentando se esconder atrás de Rose, que estava no meio.


Scorpius estava do outro lado. Os braços estavam cruzados e ele sustentava o conhecido olhar de superioridade. Seu sorriso estava ali, uma pequena curvatura no canto dos lábios, mas que viravam um grande sorriso ao ver o embaraço de Albus. Rose percebeu que Scorpius lançava-lhe alguns olhares furtivos enquanto ela gargalhava pelo mesmo motivo.


Mais lágrimas surgiram nos olhos azuis da Rose atual, de quinze anos, ao perceber que todos eles já usavam mangas cumpridas. A besteira já estava feita. Com mais ódio do que ela jamais sentira em toda sua vida, ela jogou o porta retrato contra a parede mais próxima. Alguns cacos de vidro acabaram ricocheteando e acertaram sua bochecha, mas ela não se importou com o ardor que sentiu.


Ela não se importava com mais nada.


Abraçou os joelhos enquanto deixava que um soluço saísse por seus lábios. Levantou a barra de sua manga e pode ver bem ali, no pulso, uma marca horizontal bem clarinha em sua pele. As lágrimas jorraram com mais força e ela levou as mãos até os cabelos, os despenteando.


Meu Deus, meu Deus...! Alguém não iria ajudá-la? Alguém, por favor, apareça! Apareça, apareça... Não, não apareça!


Ela escondeu a cabeça nos joelhos.


Por favor... Ela pensou. Por favor... Que ninguém apareça para ver o ser egoísta que sou.


E, então, trancou a porta com um aceno da varinha e lançou um feitiço para que as roupas de cama todas voltassem ao seu lugar, arrumadas e limpas. Enquanto ao porta retrato, chutou-o para debaixo da cama e recolheu os cacos de vidro manualmente, sentindo na pele quando alguns deles a cortavam.


-


Rose não desceu mais naquele dia. Não assistiu mais nenhuma aula, não comeu. Ficou o resto do dia no quarto, enfiada em sua cama de dossel e com as cortinas todas fechadas. Como nos últimos dois anos, ela estava fechada em seu casulo particular.


Ficou sabendo através de uma de suas companheiras de quarto, Isabel Swaine, que Mark havia perguntado sobre ela. Mas não desceu mesmo assim. Não chegou nem a abrir as cortinas quando Isabel falara com ela. Ficou o tempo todo ali, vendo o sol abaixar e o tempo passar através de uma pequena fresta que deixara aberta.


Quando a noite chegou, ela fechou os olhos e adormeceu.


Seus sonhos só a fizeram lembrar-se do porquê de toda sua vida ter virado um caos de dois anos para cá. 


Egoísmo, sede de poder e inveja. Ciúmes. Esses eram os sentimentos que a Rose Weasley de doze anos debaixo da cama exalava com seu doce sorriso.


Pureza? Rá... Só em sonhos mesmo. Porque o que Rose viu, naquela noite, só poderiam ser pesadelos... Bem como suas mais sombrias lembranças.


 

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