Capítulo VI



-Harry! Mione! Já não era sem tempo! – Gina disse aproximando-se e segurando Harry pelo braço. Hermione nunca sentira em sua vida uma necessidade tão grande de golpear outra mulher. Gina, sem reparar na reação de seu amiga, aproximou-se ainda mais de Harry e sorriu.

-Os Gibson estão esperando você - ela disse - Neville chegou a dizer que não tocariam se você não viesse.

Ele riu, mas Hermione queria poder chorar, se isso não ficasse mal visto pelos outros. Parecia que tinha passado muito tempo desde que ele riu com ela daquela maneira.

-Nesse caso, é melhor que vá encontrá-los. Está muito bonita - disse para Gina observando seu vestido azul.

-Obrigada - Gina respondeu olhando-o nos olhos manhosamente - Eu gosto que apreciem meus esforços.

Ela estava de cabelo solto essa noite e nunca parecera tão feminina sem o aspecto de menino travesso que tinha normalmente. Neville a olhou de esguelha e franziu o cenho. Hermione foi a única pessoa que viu esse olhar e se perguntou por um momento se ele não estaava com ciúmes. Ora, que idéia curiosa! O capataz de Harry nunca olhara assim para as mulheres.

-Nos perdoe, Mione – Gina disse saindo levando Harry com ela. Ele a seguiu como um cordeirinho, sem olhar para trás. Hermione sentiu-se desconjurada. Não estava com bom humor essa noite para desfrutar da festa. Mas Neville percebeu que acontecia com ela e deixou os outros com quem estava conversando para reunir-se a ela.

-Parece você está se sentindo tão deslocada quanto eu, Srta. Granger - disse ele amargamente - Eu não sou muito amigo dessas festas.

-E eu não estou com bom humor para estar aqui.

Hermione estava olhando para Harry. Ele apertou a mão de cada um dos componentes do grupo musical e pegou um violão. Jogou seu chapéu para onde Gina estava, e sentou-se com eles.

-Bem, pelo menos, vamos ouvir o chefe tocar – Neville disse - Não tem feito muito ultimamente.

-Eu nunca o ouvi tocar.

-Não me surpreende- disse ele olhando para ela - Provavelmente ele pensa que você prefere coisas mais clássicas.

-Todo mundo parece me conhecer melhor que eu mesma - murmurou ela.

Na verdade, gostava muito de música country.

-Vocês dois brigaram? – ele perguntou tranqüilamente - Ele esteve verdadeiramente insuportável esses últimos dias.

-Eu percebi.

Neville deu de ombros e se apoiou contra o batente da porta para escutar a música mais confortavelmente.

Os dedos de Harry começaram a rasgar as cordas metálicas do violão em uma versão do Santo Antonio Rose. Hermione ficou extasiada. Até então, não achava que ele tocava tão bem, mas o que estava fazendo com o instrumento fazia seus joelhos tremerem. Era um profissonal.

-Ele é bom, não é? – Neville perguntou - Sempre disse que ele deveria se profissionalizar, mas ele sempre me respondeu que isso de ir de um lado a outro com um conjunto não parecia divertido. Gosta mais de ser um rancheiro.

Ela dirigiu para Harry um olhar carregado de tristeza.

-É maravilhoso - disse suavemente e, pelo tom que empregou estava claro que não se referia apenas às suas qualidades como músico.

Neville a olhou com interesse, estranhando o que dissera e pela curiosa expressão que se refletia em seus olhos castanhos. Então era isso! Olhou para seu chefe e sorriu.

Gina estava perto dele, aplaudindo e rindo. Harry olhou para ela e sorriu quando terminou a canção.

-Que tal cantarem Dois mundos? – Neville gritou.

Harry olhou para ele e franziu o cenho quando viu que Neville estava ao lado de Hermione.

-Sim, cantem – Gina apoiou - Vamos, Harry, cante para nós!

-Ele escreveu essa canção – Neville disse para Hermione - Tivemos que obrigá-lo a registrar, mas nunca deixou que ninguém a cantasse ou gravasse em disco.

Era uma canção de amor. Falava de dois mundos muito diferentes, sem possibilidade de aproximação entre eles. E Harry a cantava com uma voz profunda e modulada. Era a voz mais bonita que Hermione ouvira e durante o tempo que durou a canção esteve como hipnotizada. Em uma pausa, Harry levantou os olhos e olhou para Gina. Hermione teve que fechar os olhos, embargada pela pena e a dor.

Quando terminou, fez-se um momentâneo silêncio e, imediatamente depois, uma onda de aplausos.

-E ele se dedica a cuidar de gado! Podem acreditar nisso? - Gina gritou rindo. Inclinou-se sobre ele e o beijou nos lábios - É genial!

Hermione se sentiu mal e Neville disse algo rude em voz baixa. Então olhou para ela, reparando na palidez que subitamente tomou seu rosto e a segurou pelo braço.

-Você está bem?

-Só um pouco enjoada - respondeu ela rindo nervosamente - Tenho trabalhado muito ultimamente.

-Não foi só você. O chefe também

O conjunto começou a tocar de novo, desta vez uma música dançante . Neville olhou para seu chefe, que também estava olhando em sua direção, e desviou o olhar.

-Gostaria de dançar comigo, Srta. Granger?

-Bem...

-Eu acho que podemos fazer o mesmo jogo que eles - Neville disse olhando para Harry.

-Não entendi.

Ele a acompanhou então à pista de dança.

-Não importa - murmurou.

Neville dançava tão mal como Harry dançara na famosa noite das aulas de dança...Gina, por sua vez, olhava para eles com um ar de curiosidade. Neville lhe dedicou então um frio sorriso e continuou dançando com Hermione.

Então olhou para ela, que viu uma expressão de fúria em seu rosto. Então era isso, Neville e Harry estavam competindo por Gina!

Suspirou. Então ela não era a única que estava sofrendo.


Neville também queria Gina. Estava claro que não poderia ganhar essa competição. Soube instintivamente que Harry ganharia de Neville em qualquer terreno, especialmente quando se tratasse de amor.

-Está certa de que está bem? – Neville perguntou.

-Na verdade, não - admitiu ela - mas dá para suportar.

Ele sorriu.

-Sim, Srta. Imagino que pode fazer isso.

A festa prosseguiu e Harry não deixou os Gibsons nem por um instante. Tocou o tempo todo, e Gina estava perto dele embevecida. Hermione se sentou depois da primeira dança, deixando que Neville se ocupasse um pouco com as outras mulheres. Havia muita gente ali, mais do que ela esperava. E todos pareciam estar divertindo-se muito.

Hermione foi ficando cada vez mais melancólica, até que acabou rezando para a festa acabar para poder ir para casa. Nunca havia se sentido tão deslocada em sua vida. Ver como Gina e Harry se davam bem era mais do que podia suportar. Depois de um certo tempo, Neville voltou para seu lado e ficou ali, observando como Gina e Harry conversavam.

-Gina está muito bonita - disse Hermione tranqüilamente.

Ele encolheu os ombros e olhou para o pedaço de corda que tinha entre os dedos com o qual estava fazendo um nó de forca.

-Sim, acho que sim.

Ela sentiu um súbito sentimento de solidariedade com ele e murmurou impulsivamente.

-Você também, não é?

Ele levantou os olhos para ela, ruborizou e voltou a baixá-los.

-Talvez seja contagioso.

-Você acha? Se encontrar um antídoto, me avise.

-O mesmo digo eu.

Neville olhou mais uma vez para Harry e Gina.

-Isso é ridículo! Ela é muito jovem para ele.

-Mas você tem quase a mesma idade dele! Ela também é jovem para você, não?

-E o que isso tem a ver? – Neville protestou.

Hermione se limitou a sorrir. Provavelmente ele se sentia tão deprimido quanto ela, assim apoiou amavelmente uma mão sobre seu ombro.

-Não fique assim. Pegue um violão e pratique.

-Mas eu nem sei tocar gaita - suspirou ele - E você teria que começar a estudar para ser veterinária.

-Passo mal quando vejo sangue.

Neville respondeu sorrindo.

-Acho que nós dois estamos perdidos.

-Eu também.

Foi uma falta de sorte que não estivessem olhando nesse momento para o outro lado da sala. Se tivessem feito isso, teriam visto dois furiosos pares de olhos, fixos neles.

Harry não tinha dançado nenhuma vez, mas quando o conjunto tocou uma valsa agarrou Gina e dançaram muito juntos durante todo o tempo que a música durou, a última da noite.

Quando a música terminou, apertou a mão dos Gibsons, deu um beijo na bochecha de Gina, agradecendo pelo convite , e se dirigiu para onde Hermione estava tão a contra gosto, que ela sentiu vontade de gritar e de quebrar alguma coisa.

-Obrigada, Gina – ela disse com uma forçada amabilidade - Me diverti muito.

-Fico feliz por você – Gina respondeu da mesma maneira - Nos veremos em breve.

Hermione saiu apressadamente da casa e entrou no carro como se alguém a perseguisse, mas Harry estava sem pressa e demorou um pouco mais para chegar.

-Parece que está com pressa – ele disse quando finalmente entrou no carro e deu a partida.

-Estou cansada – ela respondeu olhando pela janela.

-De quê? Só dançou uma vez com Neville.

-Ele dança muito bem.

-Pois me pareceu que ele pisava em seu pé o tempo todo.

Hermione continuou olhando para fora, quase disse: "Igual a você naquela noite". Mas não iria cair nessa armadilha, assim guardou silêncio.

-Gina estava muito bonita, não é? - prosseguiu ele - Nunca a tinha visto com o cabelo solto e usando um vestido como aquele.

-Sim, estava encantadora - respondeu ela entre dentes.

-Que tal fazermos uma trégua? Pelo menos até irmos ao balé. Seria uma pena desperdiçar aquelas entradas.

-Eu não vou a nenhum maldito balé com você, e não quero trégua nenhuma. Odeio você! Andei vendo você demais ultimamente e acredito que isso afetou meus neurônios.

-Eu achava que fosse por causa da lembrança de seu falecido noivo.

Ela virou-se para ele com os olhos brilhantes pela fúria que a embargava.

-Pare o carro! Vou descer agora mesmo!

Surpreendentemente ele fez justamente isso. Parou o carro de repente.

-Ok! Se quer andar, vá em frente. Só faltam dez quilômetros até sua casa...

-Ótimo, eu adoro passeios longos!

Ela saiu do carro e fechou a porta com força. Então, ele arrancou, desaparecendo na noite e deixando as marcas dos pneus no asfalto.

Não podia acreditar. Não entrava em sua cabeça que ele pudesse fazer isso. Ficou olhando um instante as luzes traseiras do carro e começou a chorar. Sentiu-se sozinha e abandonada e, nesse momento, o odiou de verdade por deixá-la abandonada a noite naquela estrada deserta.

Olhou a seu redor nervosamente. Quase não podia enxergar seus pés e sabia que os arredores estavam cheios de serpentes. Começou a caminhar sentindo com toda sua alma a falta de uma lanterna e desejando ter sido suficientemente inteligente para ter ficado calada, pelo menos até que estivessem perto de sua casa. Tinha conseguido afastá-lo, quando parecia que as coisas iam melhorar.

Seu lábios tremeram. Agora que tinha medo de verdade, não se via nem uma alma. Dobrou uma curva e estremeceu quando viu o carro dele ali, e Harry apoiado no capô, fumando um cigarro.

-Maldito seja! – ela disse, mas estava chorando e ele não entendeu o que estava falando. Ele soltou um palavrão e jogou o cigarro no chão. Instantes depois, ela estava entre seus braços.

Ele a segurou então com seus braços fortes e protetores. Ela continuou chorando pela horrível noite que tinha passado e por tudo que estava acontecendo entre eles.

-Sinto muito – ele disse em seu ouvido - Sinto muito.

Hermione tremeu diante a profunda suavidade de sua voz.

-Eu estava com medo - admitiu ela finalmente.

Os braços de Harry a aproximaram mais dele. Ela pôde sentir toda sua força, fechou os olhos e apoiou-se nele, apertando as palmas das mãos contra os músculos de suas costas. Ela nunca se sentira tão segura nem tão feliz.

-Melhor irmos para casa - disse ele depois de um momento - Vamos.

Segurando a mão dela, a ajudou a entrar no carro. Hermione se perguntou o que teria acontecido se continuasse abraçada a ele. Provavelmente a teria rejeitado.

O caminho para casa foi muito curto. Harry parou diante da porta, mas não desligou o carro.

-Quer... quer um café?

-Não, obrigado vou dormir. Amanhã terei muito trabalho.

-Obrigada então por me trazer.

-De nada.

Ela abriu então a porta da casa e disse.

-E nada de balé!

-Eu já que tenho as entradas, acho que seria tolice desperdiçá-las e não quero ir com mais ninguém a não ser com você - então soltou uma gargalhada - Gina morreria de rir se fosse comigo.

-Sem dúvida – ela respondeu cerrando os dentes -Quando é?

-Na quarta-feira. Teremos que sair daqui às cinco para chegar em tempo.

-Fecharei o escritório mais cedo – ela respondeu o odiando mais que nunca.

-Hermione.

-Sim?

-Essa será a última aula. Acredito que quando terminarmos com o balé, já terei aprendido o suficiente.

-Muito bem. Isso está ficando um pouco aborrecido, não é? - ela disse friamente.

-Tenho que dizer uma coisa, querida. Acho que eu gosto mais do meu mundo que do seu. O meu tem a vantagem de que as pessoas são reais e as emoções são verdadeiras. O seu é como uma casa velha com móveis elegantes e o calor de uma tumba. Falando nisso, já está em sua casa. Por que não entra e começa a se lamentar por seu amor perdido?

Ela fechou os punhos.

-Se tivesse uma arma, daria um tiro na sua cabeça.

-Tolice. Se tivesse uma arma, certamente acertaria um tiro em seu pé. Boa noite.

Hermione colocou a chave na fechadura com tanta força que ela se partiu pela metade. Harry já ido embora, e ela ficou ali olhando a fechadura como uma idiota. A porta dos fundos tinha um cadeado velho e não tinha a chave. Todas as janelas estavam fechadas. O que iria fazer?

Com um suspiro profundo, afastou-se, pegou uma grande pedra e a atirou contra uma janela. O ruído do vidro se quebrando, fez com que se sentisse um pouco melhor, apesar de que sabia que teria que contar uma história interessante ao vidraceiro na manhã seguinte.

Infelizmente, o homem que tinha que chamar para trocar o vidro estava ocupado com a reforma que Harry estava fazendo em sua casa, então sua mulher deu o telefone de outro homem que consertava janelas em seu tempo livre. Ligou para ele e conseguiu a promessa de que ele arrumaria a janela na primeira hora da manhã da segunda-feira. Enquanto isso, conseguiu que um chaveiro fosse trocar a fechadura. Não pensara em perguntar à mulher do vidraceiro como ia a refiorma da casa de Harry, e estava curiosa para saber como estava indo.

Foi para Phoenix e passou o resto do fim de semana ali, com a intenção de afastar-se um pouco do ambiente em que estivera envolvida durante as últimas semanas. As coisas mudaram muito nesse tempo, pensou ela. Harry e ela estiveram próximos de viver algo muito bonito, mas durante esses últimos dias, tinham posto tudo a perder. Na verdade, decidiu, o que mudara tudo fora aquele beijo que trocaram no princípio.

Tinha que reconhecer que sempre sentira uma certa atração por ele, e que quando Harry tinha se aproximado, não tivera integridade suficiente para afastar-se dele. Quisera saber como se comportaria ele como amante. E agora sabia, e esse conhecimento a estava torturando. Nunca pudera imaginar que um homem pudesse ser tão carinhoso e tão terno, que fizesse sentir-se tão protegida. Ela poderia ter tudo isso se não fosse pela obsessão de Harry mudar para amoldar-se ao estilo da Gina.

Gina. Hermione se aproximou da janela do quarto do hotel e deixou que seu olhar passeasse sobre as luzes da cidade. Ele beijara Gina na festa. Por que ele fizera aquilo? Fechou os olhos e pareceu que ainda podia ouvir a voz profunda e bonita de Harry quando cantava. Apoiou a cabeça na parede e se perguntou o que sentiria estando a sós com ele em uma tarde de verão no alpendre de sua casa ouvindo ele cantar. E, se tivessem filhos, poderiam se sentar em seu colo.

Esse pensamento foi extremamente penoso. lembrou-se do que tinha acontecido na noite em que o desejara tanto. Se não tivesse aceso a luz e visto a foto de Draco...

Querido Draco. Tinha usado sua lembrança como um escudo para defender-se dos problemas sentimentais e manter o amor fora de sua vida. Mas agora, tinha vinte e seis anos e estava sozinha, além de ter Harry perdido o único homem no mundo com quem tivera vontade de ficar junto, não tinha a menor chance contra Gina. Sempre soubera disso. Harry estava muito apaixonado por ela. O que era curioso era que ele quisesse aprender coisas relacionadas com cultura e educação com intenção de se tornar mais agradável para Gina, ainda mais quando ela parecia gostar das coisas do campo e sua gente. Era muito curioso.

Voltou para povoado no domingo à noite, sentindo-se do mesmo jeito de quando partira. Tinha a sensação de que essa seria outra semana muito longa.

Para piorar as coisas, Gina apareceu em seu escritório na manhã seguinte, queixando-se de que o imóvel que comprara tinha goteiras. Hermione não estava precisamente com bom humor para suportá-la, então disse para ela que falasse com Harry, uma vez que ele parecia ter empregado todos os funcionários ligados à construção do povoado com a reforma de sua casa, que pedisse ela mesma um pedreiro para consertar seu telhado.

Quando Gina estava de saída, pareceu lembrar-se de alguma coisa na última hora.

-Ah, você e Neville ficaram juntos quase toda a festa – Gina mumrmurou - Você o viu depois disso?

-Estive fora do povoado e não vi ninguém.

-Ele também esteve fora – Gina respondeu muito séria. Saiu do escritório batendo a porta com força.

Luna desviou os olhos de sua máquina de escrever com um gesto de curiosidade.

-Neville? Você e ele...

-Oh, cale-se! – Hermione respondeu - Não estive com Neville em parte alguma. O que está acontecendo com ela é que Harry se precipitou e isso a incomodou, pelo menos, isso é o que imagino. E ele não é suficientemente bom para ela...

Diando isso, entrou em seu escritório e fechou também bateu a porta. Luna deu de ombros e voltou para seu trabalho.

Hermione não teve mais notícias de Harry. Na quarta-feira saiu mais cedo do escritório e arrumou-se para ir ao balé, mas não gostava nada da idéia. Preferia ficar sozinha em sua casa.

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