Londres: Uma emboscada



CAPITULO V


Naquela tarde, Arthur voltou para casa mais cedo e entrou na sala, encontrando Gina e Luna. Causou-lhes tal surpresa que elas pararam de falar por um momento. Olharam para ele, espantadas. A gravata estava afrouxada, o colarinho desabotoado e o paletó na mão. Aparentava cansaço por trás de sua palidez.
— Olá, papai — disse Gina, intrigada. — Voltou cedo.
— Passei a tarde toda com dor de cabeça — respondeu, jogando o casaco sobre uma cadeira. — Então, resolvi deixar o escritório.
— Quer uma bebida?
Gina voltou-se ligeiramente para olhar Luna, como perguntando, em silêncio, se ela gostaria de servi-lo. A distância que Arthur havia mantido entre eles durante os últimos dias era óbvia até para Gina, sempre tão indiferente e distraída. Luna foi em direção ao barzinho, calada. Arthur afundou-se numa poltrona e tirou a gravata, recostando-se com um profundo suspiro.
— O que é que fizeram hoje?
Olhava para Gina, mas a pergunta era, obviamente, para as duas. A filha respondeu:
— Nadei, fui às compras, almocei com amigos. A rotina de sempre. — Sua voz estava pesada de aborrecimento.
— Coitadinha! — comentou o pai, sorrindo de leve. — Que vida terrível a sua! Sinto por você. Aqui estou eu, vivendo uma vida maravilhosa, com almoços de negócios e horas de excitantes conversas sobre finanças e economia, e tudo o que você tem a fazer é nadar, gastar dinheiro ou tagarelar com seus amigos. Não sei como suporta isso.
— Dispenso o sarcasmo. — Gina riu. — Não comece tão cedo, a essa hora meus nervos não suportariam. — Estalou um beijo no alto da cabeça do pai e dirigiu-se para a porta. — Vou subir para me trocar.
Luna virou-se com um copo na mão, dirigindo à irmã um olhar ansioso e nervoso. Gina fez um gesto em resposta, indicando-lhe que ficasse e tomasse conta de Arthur. E desapareceu, antes mesmo que Luna pudesse fazer mais um silencioso apelo. Arthur olhava o bico do seu sapato polido e, aparentemente, dispensava toda a sua atenção nele. A moça ofereceu-lhe a bebida e ele pegou o copo, com um gesto de agradecimento. Quando Luna se virava, parou ao ouvi-lo dizer, em voz baixa:
— Quero lhe pedir desculpas, disse algumas coisas das quais me arrependo. Estava zangado demais para pensar no que dizia.
Ela respondeu, com dificuldade:
— Não tem importância.
— Tem, sim. Não devia dizer o que disse. Sei que eram acusações infundadas. Você não é aquela espécie de moça, porque nunca foi assim. O único culpado foi ele, percebo isso agora, e lamento ter insinuado tudo aquilo sobre você.
— Por favor, esqueça isso, papai — murmurou Luna.
— Não poderei esquecer por muito tempo. — Arthur levou o copo aos lábios e tomou um grande gole. Houve um silêncio. Depois, falou, inesperadamente: — Tirei algumas informações sobre ele.
Ela estava espantada.
— Sobre Blaise?
Olhou-a, gelado.
— Sobre Zabini — corrigiu, como se ouvi-la usar o primeiro nome do rapaz o aborrecesse.
Luna quase não acreditava.
— O que é que sabe sobre ele? — perguntou Arthur. Ela sacudiu a cabeça:
— Nada, quase nada.
— Sua mãe era grega — o padrasto começou.
— Lembro-me de ele ter dito isso.
— Ele lhe contou que espécie de mulher ela era? — Seus lábios abriram-se num sorriso forçado, enquanto a observava.
Luna sacudiu novamente a cabeça.
— Fugiu com o pai dele quando tinha dezesseis anos. Ela morava num colégio interno na Inglaterra. Naturalmente, a família os encontrou, mas, então, ela já estava esperando um filho, e a única coisa que podiam fazer era casá-los às pressas, antes que o fato se tornasse evidente.
— O filho era...
— O filho era Zabini.
— Não é um começo muito bom.
— Ela estava começando um tipo de vida que conservou desde então. Deixou o marido quando tinha vinte e dois anos e viajou para os Estados Unidos com um homem de negócios, um amigo dele. Após um ano, fugiu com um pintor. — Sacudiu os largos ombros. — Acho que a lista é interminável. Ela nunca fica muito tempo com o mesmo homem. Meu contato informou que ela é conhecida por esse comportamento, mesmo agora que está na casa dos quarenta.
— Que tristeza! — Luna estava chocada demais para dizer outra coisa. Lembrou da expressão dura e cínica de Blaise quando lhe contara que a mãe era grega. O cinismo era compreensível, agora que sabia a história.
— Quem sai aos seus, não degenera. — Arthur terminou o uísque e colocou o copo na mesa, com uma ligeira batida. — Tenho a impressão de que ele avança sobre as mulheres para contar pontos. Gostaria de ter sabido tudo que sei agora, antes de deixá-lo freqüentar esta casa.
Não havia quase nada que Luna pudesse fazer, além de concordar. Olhou para o padrasto. Seus olhos encontraram-se e ela corou.
— Se puser os olhos nele novamente, quebrarei seu pescoço! — Arthur levantou-se. — Lamento termos brigado por uma culpa inteiramente dele. Peço desculpas.
Era tão raro Arthur desculpar-se, admitir um erro ou olhar para alguém com hesitação, que Luna estava a ponto de chorar. Sacudiu a cabeça, concordando, sem poder falar. Arthur parecia esperar que ela dissesse alguma coisa. Depois, aproximou-se e passou o braço em seus ombros, beijando sua testa.
— Perdi a cabeça. Tenho tanto orgulho de você! Você é como sua mãe, Luna: delicada, amorosa e muito feminina. Não pude me conformar, quando pensei que havia permitido que aquele porco pusesse as mãos em você.
— Não! — começou ela, com a voz rouca, mas não conseguiu continuar, pois o peito lhe doía.
Arthur a acariciava com afeição. Depois, repentinamente, afastou-se, como se também estivesse comovido demais para falar. Luna ficou ali, sofrendo com a culpa, o remorso e a infelicidade. Tinha certeza, apesar de tudo o que o padrasto acabara de dizer, que ele teria outro acesso de raiva, se ela lhe pedisse para dispensá-la do casamento. Por descobrir que Blaise Zabini era filho de uma mulher notoriamente infiel e amoral tirou uma conclusão apressada de que ele tinha um caráter à altura do da mãe. Por isso, jogou toda a culpa sobre o rapaz. Mas seu modo de pensar poderia mudar facilmente, se Luna lhe dissesse que não queria casar com Dimitri.
Suas desculpas estavam baseadas na crença de que ela era a criatura submissa e feminina que ele queria que fosse, e ela destruiria suas ilusões, se mencionasse a idéia de quebrar seu compromisso. Para Gina foi um prazer perceber que o pai demonstrava todos os sinais de bom humor. Achou que aquilo queria dizer que os problemas em família estavam superados e sentia-se aliviada. Não suportava uma atmosfera pesada dentro de casa. Nessas ocasiões, Arthur podia se comportar como um furacão durante dias, explodindo de raiva por qualquer coisinha, embirrando com todo mundo. O que implicava que o pai perderia a paciência com ela também e atrapalharia a sua vida social.
— Precisamos convidar Dimitri e Marcus para jantar aqui na semana que vem — decidiu ele, alegremente, enquanto tomava seu licor, após o jantar.
Gina fez uma careta para Luna.
— Precisamos, papai? — aventurou-se a reclamar, certa de que, naquela noite, não despertaria a sua fúria.
Ele sacudiu o indicador para ela, sorrindo.
— Menina mal comportada! Sim, precisamos. Você não vê Marcus o suficiente; é uma pena que more em Corinto. Se pudesse vir para Atenas com mais freqüência, poderia conhecê-lo melhor.
— Já o conheço bem — resmungou a moça.
— Luna pode selecionar um cardápio especial para o jantar — o padrasto sugeriu olhando para ela. — Acho que vocês duas é que deviam cozinhar, para impressioná-los com seus talentos.
— Meus talentos não estão na cozinha — a filha brincou. O pai olhou-a, tolerante.
— Não achei graça. Por favor, não seja tão criança, Gina.
— Eu não sou — respondeu, piscando para ele.
Arthur sacudiu a cabeça e franziu o cenho. Depois, virou-se para a enteada.
— Você toma conta disso. Luna? — Seus olhos azulados transmitiam carinho.
— Sim, claro — disse ela, sabendo que, na ocasião do planejado jantar, já teria deixado a Grécia. Olhou para o jardim lá embaixo e para os pinheiros, ouviu as cigarras e se pôs a imaginar se algum dia voltaria. Será que nunca mais ouviria o padrasto rir, divertido, a mais um desafio brincalhão de Gina?
A idéia de deixar a Grécia ficou com ela o tempo todo, durante os dias que se seguiram. Sabia que estava mentalmente se despedindo de todas as coisas da vila, que ela amava. Naturalmente, as levaria na memória e no coração, mas seria uma imagem fixa, como uma fotografia, e a realidade era dinâmica. Ficava triste ao certificar-se de que tudo muda e tudo tem um fim. Mas isso não modificava sua decisão. Desde a noite em que, finalmente, havia encarado o problema que a vinha perturbando durante meses, tinha certeza de que devia partir da Grécia. Ali não era o seu lugar. Aquele modo de vida jamais a faria feliz. Devia procurar seu próprio lugar, seu próprio modo de viver.
No dia da partida, sentia uma curiosa sensação de irrealidade. Devia sair na hora certa para que as empregadas não a vissem carregando a mala. Ao mesmo tempo, estava tão preocupada em se esconder, que só muito depois deu-se conta do fato de estar dizendo adeus à sua vida passada.
Sentada no Aeroporto de Atenas, olhava para o chão polido, observando os pés que passavam, ouvindo o zumbido ininteligível de vozes e mal percebendo os avisos de partidas e chegadas. Naquela manhã Arthur acariciara sua cabeça, ao sair para o trabalho, como sempre fazia, sorrindo para ela. Quis dizer algo que ele pudesse lembrar mais tarde e compreender, mas o instinto fez com que desistisse da idéia. Observara o padrasto se afastar, com o peito oprimido. O café tinha um gosto amargo, o gosto das lágrimas contidas.
Alguém tropeçou em sua bagagem de mão, derrubando o café quente de um copo plástico. Luna olhou para cima, assustada, despertando de repente de seus pensamentos.
— Desculpe — disse ela, automaticamente.
— Foi culpa minha. Estava andando sem prestar atenção. — A mulher olhou, pesarosa, para o café derramado no chão.
— Vou buscar outro — Luna ofereceu.
— Não, não se incomode!
— É um prazer — garantiu, levantando-se e dirigindo-se para o balcão onde o café estava sendo distribuído. Havia uma pequena multidão reunida lá e só depois de alguns minutos Luna conseguiu dois copinhos.
— É muita bondade sua — agradeceu a mulher, aceitando o café com um rápido sorriso. Era um pouco mais velha do que Luna, tinha cabelos castanhos com reflexos dourados e olhos amendoados e bem maquilados. — Estava ansiosa por um café, detesto voar, fico apavorada.
— Eu também.
— Você voa constantemente?
— Não — disse Luna, com o rosto tenso. Tomou o café em longos goles, observando o movimento à sua volta, como num sonho.
— Vou para Londres — disse a outra, esticando as pernas e suspirando. — Para casa — acrescentou, com alegria na voz.
— Estava de férias aqui?
Só então Luna percebeu que falara em inglês desde o começo, como se estivesse mentalmente se exercitando.
— Estava. Passei uma semana em Vouliagmeni. Tudo que fiz foi deitar na praia e me bronzear, mas isso também aborrece, depois de algum tempo.
Luna olhou-a sorrindo.
— Você conseguiu um bonito bronzeado.
O dourado da pele da morena combinava maravilhosamente com os olhos amendoados.
— Obrigada. — Olhando-a, a outra disse: — Você também. Onde tomou banhos de sol?
O sorriso de Luna sumiu.
— Oh, eu moro aqui. — Depois, corrigiu: — Morei.
— Morou? Vai para trabalhar? — Luna concordou.
— Se puder encontrar um emprego — disse, reconhecendo que não tinha nenhuma experiência.
A outra sorriu para ela com simpatia.
— Tenho certeza de que arranjará trabalho. Que espécie de emprego está procurando?
— Não sei. Nunca trabalhei antes.
— Santo Deus! — Olhava-a, divertida. Estendeu a mão. — Sou Pansy Parkinson.
— Luna Lovegood.
— Como é que nunca trabalhou? — Pansy observava-a da cabeça aos pés, como para avaliar seu status. — É muito rica?
Luna riu.
— De jeito nenhum! Não, é que eu morava em casa. — Interrompeu-se, de repente, temendo falar demais. Essa espécie de pergunta casual que os estranhos fazem uns aos outros às vezes despertam mais curiosidade com respostas honestas.
Pansy olhava para ela com interesse.
— Onde vai ficar, em Londres?
— Ainda não resolvi — respondeu, começando a sentir-se assustada em relação ao futuro. Não tinha reserva em nenhum hotel, mas, naturalmente, numa cidade tão grande como Londres, não seria difícil encontrar acomodações, ao menos, por uma noite.
O vôo foi anunciado e elas se dirigiram para o portão de embarque. Enquanto conversavam, a curiosidade de Pansy aumentava.
— Você parece não estar muito certa sobre para onde ir e o que fazer.
Luna encolheu os ombros.
— Espero que tudo dê certo.
— Eu também, para o seu próprio bem. Londres é uma cidade muito grande, você sabe. Vai se cuidar, não?
— Sou muito cuidadosa — garantiu Luna, sorrindo. Separaram-se ao entrar no avião, mas como ninguém ocupou o lugar vizinho a Luna após a decolagem, Pansy aproximou-se:
— Se incomoda se eu me sentar aqui? Fico menos assustada quando converso com alguém.
— Ora, claro — disse Luna, ansiosa, pois sentia necessidade de ter um amigo por perto naquele vôo para o desconhecido.
Havia olhado para baixo e avistado os campos verdes e castanhos, a Grécia sumindo na distância, antes de sobrevoarem o mar. Agora, tudo que conseguia ver eram ondas azuis e o sol brilhando nelas e refletindo sua luz no avião. A Grécia parecia separar-se dela tanto física quanto mentalmente. Estava nervosa e perturbada e desejava livrar o coração daquele peso opressor.
— Em que é que você trabalha? — perguntou a Pansy.
— Sou modelo.
Luna olhou-a, fascinada. Era fácil de acreditar. A moça tinha uma figura insinuante e um modo de andar e de se comportar encantadores.
— Que tipo de modelo?
— Fotográfico. Principalmente para propaganda. Vagueio numa falsa praia no estúdio e finjo tomar bebidas ou passar bronzeador nas pernas.
— Deve ser maravilhoso!
— É muito cansativo. Hora após hora desse trabalho acaba deixando a gente de cabelos brancos. Por isso precisava destas férias.
— Você mora em Londres?
— Moro. Alugo um apartamento em Knightsbridge.
Luna não tinha certeza de onde era isso, mas o nome lhe era familiar. Pansy percebeu sua expressão intrigada e riu.
— Harrods. Esse nome não lhe diz nada?
— Oh. Harrods — disse Luna, rindo também.
— Todos conhecem ou ouviram falar de Harrods. Não é longe.
— Você faz compras lá?
Luna observou as roupas dela com atenção. Eram elegantes. Uma calça bege e uma camisa de seda no mesmo tom, tudo de muito bom gosto.
— Minha querida, não posso me dar ao luxo de me vestir em Harrods. Mesmo que pudesse, continuaria comprando em pequenas butiques. Prefiro as coisas diferentes. Gosto que as pessoas se lembrem do que uso.
— Tenho certeza de que se lembram — disse Luna, embora pensasse ser mais provável que as pessoas se lembrassem de Pansy. Ela era muito atraente e tinha uma personalidade exuberante.
— E você? Morava em Atenas?
Luna procurou o melhor modo de responder.
— Perto.
Pansy olhou-a, franzindo a testa.
— Você parece sempre na defensiva. Não fala claro. Não está fugindo de casa, está? — Fez uma careta, para mostrar que era só uma brincadeira, mas, de repente, ficou séria ao perceber o olhar da outra. — Está? — Parecia incrédula.
Luna ficou calada por um momento e depois encontrou-se contando para Pansy uma versão resumida da verdade. A morena ouvia, intrigada e fascinada.
— Você, honestamente, quer dizer que o seu padrasto pretendia obrigá-la a casar com esse homem?
Luna concordou.
— Essa não! É inacreditável! Não a culpo por fugir.
— Que mais eu podia fazer?
— Você está certa — garantiu Pansy, com firmeza. — Eu também faria o mesmo.
— E, afinal, aqui estou, indo para uma cidade que não vejo desde que era um bebê — murmurou Luna, olhando para as nuvens.
Houve um pequeno silêncio e, quando se voltou encontrou os olhos de Pansy observando-a interrogativamente.
— Estou preocupada com você. Desembarcando em Londres sem nenhuma perspectiva de para onde ir ou o que fazer.
— Darei um jeito — respondeu, aparentando uma segurança que não sentia.
— Mesmo assim... — Pansy ficou pensativa. — Só por esta noite, gostaria de ficar comigo? Tenho um quarto que pode usar; amanhã você procura um hotel. A cidade nesta época está lotada de turistas e não é fácil encontrar um quarto.
— É muita bondade sua — respondeu Luna, agradavelmente surpreendida. — Mas não posso...
— Claro que pode. Fique à vontade. Não vai me atrapalhar em nada. E eu não dormiria bem, sabendo que você estava batendo perna em Londres, de mala e tudo, procurando um lugar para dormir.
— Oh, tenho certeza de que encontrarei alguma coisa.
— Pode ser. Mas, e se não encontrar? Não seria mais sensato ficar no meu apartamento esta noite e procurar um local amanhã de manhã?
— Não quero ser um peso para você.
— Que peso, que nada! Agora, não discuta. Quero dormir tranqüila esta noite, e não vou conseguir, se você não aceitar o meu convite.
Luna riu e comentou:
— Você é muito gentil.
— Se alguma vez eu voltar para Atenas e você estiver lá pode fazer o mesmo por mim.
— Farei — prometeu, sentindo-se mais calma.
— Como era ele? O tal fulano com quem seu padrasto queria que você se casasse? — Pansy recostou-se, observando.
— Dimitri? Muito simpático. Não pense que ele é uma espécie de monstro. Só que eu não queria casar com ele e senti que precisava me afastar, para não me obrigarem a isso.
— Sinto arrepios só de pensar — brincou Pansy. Seus olhos castanhos ainda caçoavam, quando perguntou: — Não havia mais ninguém? Se isso é uma novela, deve existir um herói pronto para saltar sobre o seu padrasto, para defendê-la.
Luna corou, pensando em Blaise.
— Não. — Mas sua voz traía a mentira.
— Não? Estou começando a conhecê-la. Você desvia os olhos, quando não está falando a verdade.
Luna forçou um sorriso.
— Não há ninguém que signifique alguma coisa.
— É uma sorte — disse Pansy, ainda observando-a intensamente. — Talvez encontre alguém em Londres. É uma cidade muito grande.
— Você está sempre repetindo isso, o que me deixa morta de medo.
— Desculpe. Esqueça isso. — Pansy olhou com um sorriso para as aeromoças que serviam a refeição em caixinhas individuais. Abrindo-a, fez um ar desapontado. — A salada com carne fria de sempre. Bem, estou com tanta fome que seria capaz de comer a caixa.
Provando a carne, Luna concordou:
— É, poderia ser melhor.
A outra riu.
— Quando chegarmos ao meu apartamento, vou providenciar uma omelete à moda espanhola. É meu prato de resistência.
— É muito difícil trabalhar como modelo? -- Pansy lançou-lhe um olhar gelado.
— Se está pensando o que acho que está pensando, esqueça. Você não tem altura suficiente. E o trabalho é muito duro. Preocupada em conseguir emprego? Não há razão, achará alguma coisa. Pode ser recepcionista, por exemplo; não é preciso ter experiência para isso. Só um bom cérebro e boa aparência.
— Recepcionista? — Luna não havia pensado nisso. Sorriu. — É uma boa idéia.
— Posso encaminhá-la para fotógrafos que conheço — ofereceu Pansy. — No meu trabalho é preciso ser dura. Francamente, não acredito que dê certo com o seu temperamento. Que atitude tomaria, ao receber uma proposta? Corar e fugir?
— Com certeza — concordou Luna, suspirando.
— Eu os esfrio — disse Pansy, com uma ligeira agressividade no rosto. — Sorrio e depois os rejeito, mas em tom de brincadeira, se possível, de forma que mais tarde, eles não fiquem aborrecidos comigo. Estou acostumada com essa espécie de abordagem. Sei como contorná-la. — Olhou para Luna e continuou: — Francamente, não consigo ver você sair de uma dessas sem fazer uma cena.
— Sim, tem razão. — Quanto mais pensava no assunto, mais Luna rejeitava a idéia.
Embora apreciasse a companhia de Pansy e estivesse fascinada pelos detalhes da vida londrina que estava conhecendo através dela, o vôo parecia interminável e cansativo. Ficou aliviada, quando, finalmente, aterrissaram em Heathrow e atravessaram o aeroporto para apanhar a bagagem.
— Vamos tomar um táxi — disse Pansy, encaminhando-se para a saída.
— Qual é a distância até Knightsbridge?
— Uns sete quilômetros, mais ou menos. Vamos — apressou-a Pansy. — Há uma fila de táxis aí fora.
Luna observava a paisagem pela janela: o verde lavado da chuva, o céu cinzento, os carros velozes.
— Onde é Londres? — perguntou.
— Não se preocupe. Nós a encontraremos —- disse Pansy, rindo. Quando chegaram, Luna não gostou muito da cidade. Ela lhe parecia feia e monótona, com sua massa de edifícios e as ruas brilhando sob a chuva. A noite estava caindo, mas não daquela forma repentina e dramática, como acontecia na Grécia. Caía lentamente sobre a cidade, como um véu que vai aos poucos se tornando mais espesso. Sentiu-se estranha.
Ao alcançarem o centro, viram-se em meio de um tráfego intenso. Luna observava as ruas apinhadas, um pouco assustada. O táxi parou frente a uma casa alta e estreita, numa fileira de outras iguais. Ela olhou em volta, desanimada. A chuva ainda caía, fina e gelada, escorrendo por seu rosto como lágrimas.
Pansy pagou o motorista e ela protestou:
— Devemos dividir a despesa.
— Bobagem. Eu teria que tomar um táxi, de qualquer forma.
— Mesmo assim...
— Esqueça. Aqui estamos, afinal. O que acha de Knightsbridge? -- Haviam passado pela Harrods, e Luna se impressionara com o seu tamanho. Em Atenas não havia lojas como aquela.
— Dê-me tempo para pensar — murmurou, apanhando a maleta.
Subiu os degraus da porta de entrada; Pansy abriu-a. Estava tudo silencioso. Assim que a pesada porta de entrada fechou-se, Luna ficou no hall, tentando ouvir sons de vida na casa, mas tudo estava quieto.
— Há três apartamentos — disse Pansy. —- O meu é no andar de cima.
Começou a subir a escada. Luna ao lado da morena, olhava à sua volta, curiosa e nervosa. O hall era pintado de branco e tinha sido remodelado. O teto alto e as decorações no estuque sugeriam que era muito mais velho do que aparentava. Pansy abriu uma porta e acendeu a luz. Luna caminhou pelo hall estreito. Havia música em algum lugar. Olhou para Pansy, surpresa, como que perguntando se mais alguém morava no apartamento.
A outra abria agora uma porta à esquerda, indicando a Luna que entrasse. Ela obedeceu automaticamente, e então parou, pasma, ao ver o homem recostado em uma cadeira no lado oposto, ouvindo jazz e fumando um charuto. Ele parecia diferente, ali em Londres. Seu terno escuro era elegante, impecável. A camisa branca tinha um ar de cidade. Os fartos cabelos negros estavam muito bem penteados. Mas era Blaise, sem dúvida, e ela o fitou, pálida pelo choque e pela surpresa.
— Olá, Luna — disse ele, finalmente com a voz profunda e irônica.

~*~

Bom gente,

Esse cap é um presente de Natal. Logo, logo vou atualizar Uma estranha em minha vida e postar mais uma fic da Série Mercenários.
Comentem bastante, é Natal gente, façam uma pessoa feliz! :D

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