Consciência



-Não é sua culpa – murmurou Luna, acomodada do outro lado do quarto, no sofazinho que também servia de cama. – Tipo assim, você não pode fazer nada se está apaixonada pelo Draco.

Eu estava enrolada na minha própria cama, com o Manet roncando baixinho do meu lado.

-Você conheceu o Draco primeiro – argumentou Luna através da escuridão que nos rodeava. – Aliás, o que é que o Harry está pensando? Ele queria que você não se apaixonasse por ninguém e ficasse esperando ele chegar montado em um cavalo branco? Tipo assim, você não é nenhuma Cinderela, nem qualquer coisa assim.

-Eu acho – disse para o teto – que o Harry estava achando que, se eu o convidei para uma festa, existia a possibilidade de eu gostar dele, e não de um outro cara.

-Bom, isso é muito antiquado da parte dele – afirmou Luna, categórica. Agora que tinha saído pela primeira vez com um garoto e que tudo tinha corrido bem (o Ron tinha dado um beijo de boa-noite nela na porta da minha casa; na boca, ela me informou depois, toda orgulhosa), parecia achar que era algum tipo de especialista em amor. Ao mesmo tempo, também estava preocupada com a possibilidade de os pais dela descobrirem. Não tanto a respeito do Ron, mas do jeans preto e da festa.

-Tipo assim, você é uma garota bonita e cheia de vitalidade – Luna prosseguiu. – Ninguém pode ficar achando que você só vai se concentrar em um homem. Você precisa fazer um reconhecimento de terreno. É um absurdo achar que, com 15 anos, você vai ficar com um cara só.

-É – respondi com uma risada curta. – Principalmente se for um que está apaixonado pela minha irmã.

-O Draco só acha que está apaixonado pela Lucy – declarou Luna. – Nós duas sabemos disso. O que aconteceu hoje à noite só serve para mostrar que ele finalmente está tomando consciência da afeição profunda e eterna que tem por você. Tipo assim, por que teria sido tão chato com o Harry se não fosse pelo fato de ter visto você com outro cara e ter ficado morrendo de ciúme?

Respondi apenas:

-Acho que ele tomou cerveja demais.

-Não é verdade – retrucou Luna. – Tipo assim, isso até pode ser uma parte do negócio, mas ele com certeza se sentiu ameaçado. Ameaçado pelo que identificou como sua felicidade ao lado de outro.

Eu rolei na cama (sem incomodar o Manet a mínima, já que ele continuou roncando) e fiquei olhando para o contorno escuro da Luna na escuridão do meu quarto.

-Você andou lendo a Nova da Lucy de novo? – perguntei.

Luna fez voz de culpada:

-Bom, li sim. Ela deixou uma revista no banheiro.

Rolei de novo e fiquei olhando para o teto. Era meio difícil dizer o que eu devia estar pensando sobre tudo que tinha acontecido naquela noite se a única pessoa com que eu podia conversar a respeito, em segurança, ficava dando conselhos tirados de O Astrólago de Cabeceira.

-E aí, ele deu um beijo de boa-noite em você? – perguntou Luna, acanhada. – O Harry, quero dizer.

Dei um ronco de gargalhada. Com certeza, o Harry deve ter mesmo ficado com vontade de me beijar depois daquela coisa toda com o Draco e a equipe de animadoras de torcida da John Adams. Na verdade, ele mal tinha falado comigo durante todo o resto da noite. Em vez disso, ficou andando pela festa e fazendo amizade com metade das pessoas que estudavam na minha escola. Evidentemente, por não ter a natureza de uma pessoa tímida, o Harry pareceu não se importar nem um pouquinho em ser o centro das atenções. Na verdade, parecia que tinha se divertido bastante, já que a Gina Weasley e seus amigos ficavam escutando com atenção tudo o que ele dizia e riam igual a hienas cada vez que ele fazia uma piada.

Foi só por volta das onze e meia que o Harry afinal resolveu me procurar (a Molly, que estava cuidando de nós enquanto meus pais estavam em um jantar, para o qual só saíram de casa depois de o Harry me buscar, tinha mandado a gente voltar à meia-noite). Eu estava sentada sozinha em um canto, folheando as revistas de decoração da mãe da Gina (quem foi que disse que eu não sei me divertir?) e tentando ignorar as pessoas que não paravam de vir pedir o meu autógrafo (ou, ao contrário, perguntavam se podiam assinar o meu gesso).

-Você está pronta? – perguntou.

Eu disse que estava. Fui procurar a Luna para dizer que estávamos indo embora, encontrei a Gina (o que não foi muito difícil, porque ela estava acompanhando cada movimento do Harry), agradeci e me despedi. Daí o Harry, o John e eu entramos no carro de novo.

Cleveland Park, onde eu moro, não fica muito longe de Chevy Chase, que é onde a Gina mora; mas juro que o trajeto até a minha casa foi um dos mais longos da minha vida. Ninguém disse nada. Nadinha! Ainda bem que a Gwen estava cantando, do fundo do coração, nos alto-falantes.

Mas eu percebi que, pela primeira vez, a voz da Gwen Stefani não fez exatamente com que eu me sentisse melhor. O pior de tudo era que eu nem sabia por que estava me sentindo tão mal. Tipo assim, tudo bem, o Harry sabia que eu gostava do Draco. Grande coisa. Tipo assim, existe alguma lei federal proibindo as garotas de gostarem do namorado da irmã? Acho que não.

Mas quando o carro parou na frente da minha casa, o silêncio (a não ser pela voz da Gwen) era opressivo. Virei-me para o Harry (Deus sabe muito bem que eu não achava que ele fosse me acompanhar até a porta de casa nem nada) e mandei:

-Bom, obrigada por me trazer.

Para minha enorme surpresa, ele saiu do carro e declarou:

-Eu vou com você até a porta.

E isso não me deixou exatamente emocionada, nem nada. Porque eu estava sentindo que ele ia me pegar.

E, na metade da escada da varanda, ele me pegou.

-Sabe, Mione, você me enganou direitinho.

Olhei para ele, imaginando o que viria a seguir, sabendo que provavelmente seria algo de que eu não ia gostar.

-É mesmo? Como assim?

-Eu achei que você era diferente – explicou ele. – Sabe como é, com a bota, a roupa preta e tudo o mais. Eu achei que você era mesmo... não sei. Material autêntico. Não achei que você estivesse fazendo tudo isso para conseguir um cara.

Parei no meio dos degraus e fiquei olhando para ele, o que foi meio difícil, porque a luz da varanda estava acesa e ofuscava os meus olhos.

-Como assim?

-Bom, não é por isso? – Harry perguntou. – Tipo assim, não foi por isso também que você me convidou para a festa? Não tinha nada a ver com ajudar a sua amiga a se encaixar. Você estava me usando para deixar aquele tal de Draco com ciúme.

-Não estava nada! – gritei, torcendo para que a visão dele também estivesse ofuscada pela luz da varanda. Assim ele não ia conseguir ver que as minhas bochechas estavam pegando fogo, de tão vermelha que estava. – Harry, isso é... tipo assim, é muito ridículo.

-É mesmo? Acho que não é.

Tínhamos chegado à porta da frente. O Harry ficou lá olhando para mim, com uma expressão ininteligível... e já não era mais porque minha visão estava ofuscada pela luz da varanda, mas porque não tinha mesmo nenhuma expressão, nenhuminha mesmo, no rosto dele.

-Que pena. Eu tinha pensado de verdade que você era diferente de todas as garotas que eu conheço.

E com um boa-noite muito educado (isso mesmo, só “Boa-noite”) ele deu meia-volta e foi em direção ao carro. Ele nem olhou para trás. Nem uma vez.

Acho que também não posso culpá-lo. Apesar da afirmação da Luna que os garotos devem saber que as garotas da nossa idade estão fazendo “reconhecimento de terreno” (o que também soa muito engraçado vindo dela, Saí-Com-Um-Garoto-Pela-Primeira-Vez-Na-Vida-Hoje), imagino que deva ser um saco descobrir que a pessoa que convidou você para ir a uma festa está a fim de outra pessoa e, portanto, preferiria estar com aquela pessoa em vez de você).

Não sei. Mas acho que eu entendia por que o Harry estava meio chateado comigo.

Mas fala sério. Eu só o tinha convidado para ir a uma festa comigo, não tinha pedido para casar com ele nem nada. Era só uma festa. Qual é o problema.

E o que foi toda aquela porcaria de falar que estava errado a respeito de eu ser diferente de todas as outras garotas que ele conhecia? Quantas outras garotas ele conhecia que tinham salvado a vida do pai dele nos últimos tempos? Hum, acho que não muitas, posso apostar.

Ainda assim, aquela noite não foi um desperdício total. Um pouco da minha fama deve ter passado para a Luna porque outras pessoas da festa finalmente começaram a falar com ela. Ela ficou lá, radiante, ao lado do Ron, e concretizou todas as fantasias que tinha a respeito da popularidade. Alguém até mesmo a convidou para outra festa, no fim de semana seguinte.

-Sabe, eu achei mesmo que o Draco ficou com ciúme – disse a nova estrela da John Adams, de lá do sofá-cama.

Fiquei olhando fixamente para o teto ao ouvir tal informação.

-É mesmo?

-Ah, é. Eu ouvi ele dizer para a Lucy que acha o Harry o maior exibido e que você podia se dar melhor.

Exibido? Harry era a pessoa menos exibida que eu conhecia na vida. Do que é que o Draco estava falando?

Quando falei isso em voz alta, no entanto, a Luna só disse:

-Mas, Mione, eu achei que era isso que você queria. Fazer com que o Draco percebesse que você é uma mulher atraente e cheia de vitalidade, desejada por muitos homens.

Reconheci que era verdade. Mas, ao mesmo tempo, eu não gostava da idéia de alguém (nem mesmo minha alma gêmea) falando mal do Harry. Porque o Harry era uma pessoa muito legal.

Só que eu não queria pensar em nada daquilo; Sabe como é, sobre o Harry ser tão legal, e sobre eu o ter tratado daquele jeito. Tipo assim, aquele tipo de comportamento é muito adequado para leitoras de Nova, mas eu sou mais do tipo que lê revista de arte.

Ciente de que o sono ia demorar muito a vir, mas percebendo que a Luna já não estava mais disponível (fato comprovado pela respiração cadenciada), peguei minha lanterna e abri o livro que o secretário de imprensa da Casa Branca tinha me dado, sobre a vida das primeiras-damas.

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