≈.A suposta assassina



Em uma grande casa antiga de dois andares, localizada em um bairro frequentado pela alta sociedade bruxa, uma garota contemplava o céu cinzento através da janela embaçada pelo frio, às vezes olhando para o seu próprio reflexo no vidro, fitando os belos olhos azuis quase escondidos em sua franja loira. Não adianta se eu seja bonita, pensou ela, sou quase inexistente nesse lugar...
Ela fechou os olhos lentamente e mergulhou em pensamentos...Seus pais brigavam toda vez que se viam ultimamente. Morava com a mãe, dona de uma loja de relíquias bruxa e poucas vezes por ano o pai a visitava, como naquele dia, seu aniversário de 16 anos. Mesmo assim não deixava de sentir um amor tão grande por ele, maior até do que sentia pela mãe, que apesar de ter cuidado dela praticamente sozinha, a tratava com extrema indiferença.
Ela baixou os olhos para o decote do vestido, puxando um pingente de esmeralda na corrente de prata, revirando-o nas mãos, o brilho verde da pedra refletindo no quarto escuro.
Um barulho de vidro se estilhaçando a despertou. ela olhou para a porta, assustada, e desceu as escadas correndo. Abriu a porta da sala lentamente, esperando o pior.
A cena que viu despertou um ódio que ela nunca havia sentido. Seu pai estava caído no chão e desarmado, olhando com medo para a mulher de longos cabelos loiros que apontava a varinha para o seu peito, com uma expressão louca e homicida.

- Seu idiota mentiroso! - a mulher gritou, faíscas saíram da ponta da sua varinha. Seu olhar recaiu na filha, parada ao lado da porta, olhando chocada para ela e o pai.

- Mãe deixa ele em paz, o que você pensa que está fazendo? - um brilho preteado perspassou nos olhos dela, fixados no da mulher. De impulso, ela correu para salvar o pai, mas a mulher gritou antes protego! e a garota ficou presa contra a parede por um campo de força invisível.

- Não faça isso com ela, Kate! - ouviu-se a voz do homem que tentava se levantar, respirando ofegante. A mulher lançou-lhe um olhar mortífero e falou em voz alta e enfurecida:

- Você é um bruxo desprezível, mentiroso! Por que não conta à nossa linda filha o que você fez, se cafajeste? - ela se virou para a garota, que tinha os olhos marejados de lágrimas.

- Não fale assim dele! Você nunca foi uma mãe para mim! - ela gritou, lágrimas de ódio escorriam pelo seu rosto. - Você sempre se colocou em primeiro lugar, só se importa com a sua vaidade! Meu pai me dá mais atenção em uma semana do que você em todos esses anos!

- Você sabe porquê ele só fica aqui uma semana? O que você acha, que ele viaja a negócios? Seu desprezível pai nos roubou! Estamos sem nenhum galeão por culpa dele!

- Pai, o que você fez...? - a garota fixou os olhos azuis no homem a sua frente, percebendo que ele corava. Eles se encararam por um instante, mas no momento seguinte ele desviou o olhar.

- Me desculpe... - ele disse com a voz fraca - Eu não queria que algo de ruim acontecesse a você, Mandy...

- Cale a boca! Não queremos ouvir suas desculpas! - Kate tinha os dentes cerrados , um brilho prateado nos olhos azuis, suas unhas se transformando em garras...

- Kate, pare! Você vai acabar matando todos nós! - gritou o homem.

O feitiço escudo prendia a garota contra a parede e quando ela olhou para baixo percebeu um objeto fino perto dos seus pés. Ela se abaixou e apanhou a varinha do pai em meio à confusão de cacos de vidro no chão, escondendo-a nas costas por precaução, sem que a mãe notasse.

- Ele arruinou nossas vidas! - a mulher disse friamente. - Vamos matá-lo juntas... Vamos ser só nós duas... Mas antes vou fazê-lo sentir tanta dor quanto eu...

Kate concentrou a varinha para o rosto do homem, seus olhos cintilando. A garota percebeu que se libertara do feitiço escudo, mas permanecia parada pelo choque das palavras da mãe.

- Cruc...

- Não!!!

Sem pensar ela pegou a varinha do pai e apontou para Kate, que se assustou, surpresa pela atitude dela. A expressão no rosto do homem não era mais medo, sem susto... Era quase um sorriso.

- Vai matar sua mãe, Mandy? - a mulher estreitou os olhos para a filha, que respirava ofegante. - Vai me mostrar agora o que te ensinam naquela maldita escola de magia que ele suborna?

- Kate... Não faça nada contra ela... Perdeu a vontade de me matar? - os olhos frios e cinzentos do homem estavam fixos nela. - Você é uma vadia que nunca tratou nossa filha como ela merece!!!

Kate se virou repentinamente, seus olhos azuis fixos nele. Cada linha do rosto dela expressava ódio...

- Avada...

- Não!!!

Um grito de horror ecoou pela casa. Um lampejo verde iluminou a sala, ricocheteando nas paredes. Assustada, a garota viu que o feitiço saíra da varinha de seu pai, em sua mão. Em seguida ela foi arremessada contra a parede de vidro, estilhaçando-a. Sentia cada corte em seu corpo... A dor era insuportável...

- O que foi...que eu fiz...?

Ela murmurou em vão. Sua voz era inaudível, as coisas perderam o foco...
Então mergulhou na escuridão e perdeu os sentidos.

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