A notícia



Destino: Solidão - a infância e adolescência de Severus Snape

Naquela casa cinzenta ninguém falava muito. As refeições eram silenciosas, e o único barulho que se ouvia era o ruído dos talheres no prato. Mas naquele fim de noite, o ar parecia repleto de ansiedade, como se algo fosse acontecer. Então, após um suspiro profundo e um pigarro, seu pai, Petrucius Snape, levantou a voz. Seus três filhos o olharam espantados pois ultimamente só durante ocasiões muito especiais o pai falava alguma coisa, e durante as refeições era praticamente impossível ouvir aquela voz grave e meio rouca.
- Bom, eu aproveito a ocasião em que todos estão reunidos na mesa para comunicar que, assim como Rigorosus e Sisudus, há alguns anos atrás, agora foi a vez de Severus. Ele recebeu hoje uma coruja, com uma carta de Hogwarts.
Assim, com essa secura, Severus Snape recebeu a notícia que esperava ansiosamente. Abaixou o rosto. Não queria que ninguém percebesse seus sentimentos. Durante um tempo achou que não iria receber a carta, assim como seu tio Magdus, irmão de sua mãe, que nunca a recebeu e era a vergonha da família pois teve que receber suas lições em casa mesmo, e era quase considerado uma aberração. Todos diziam que ele tinha puxado à família da mãe, senão fisicamente, pelo menos em (mau) gênio. E aquele assunto - sua mãe e família - era meio que proibido naquela casa, desde o dia fatídico em que Helena Snape saiu para comprar abóboras, levando a filha caçula, Valentina, e nunca mais voltou.
Severus terminou sua sopa em silêncio, com o rosto tranqüilo. Por dentro ele sentia uma revolução, coisas contraditórias, vontade de gritar de raiva e ao mesmo tempo de chorar como um bebê. Mas ele, como seus irmãos, havia aprendido a ficar sério, sem manifestar qualquer sentimento, para não deixar o pai mais triste e infeliz do que já estava. Levantou-se, após todos se retirarem da mesa, e, resistindo à vontade de correr para o quarto e chorar, encaminhou-se para a cozinha, como de costume, para ajudar a única pessoa na casa em quem confiava, sua tia Soraya.
Era uma bruxa alta, corpulenta, de belos cabelos negros bem lisos e brilhantes, e em seu rosto só havia espaço para sorrisos, apesar do clima tenebroso que aquela casa inspirava. Tinha sido noiva de um belo bruxo italiano, o amor de sua vida, Vittorio Quattrimani, mas seu noivo falecera durante um duelo com um bruxo alemão, que o acusava de ter roubado um amuleto da sorte. Assim Soraya perdeu o noivo, e decidiu ficar solteira para sempre, embora, durante muito tempo de sua vida, não lhe faltassem pretendentes. Sua decisão de ir morar com o irmão pareceu acertada para todos, após o misterioso desaparecimento de Helena. Rigorosus e Sisudus resistiram ao poder de atração da tia, pois já eram crescidos, quase adolescentes, mas Severus, então com apenas cinco para seis anos, se tornou seu queridinho, e todo seu instinto maternal aflorou quando o menino magrinho, durante uma noite chuvosa e triste, lhe pediu para tomar conta dele, e ser sua segunda mãe.
Bastou uma olhada no rosto pálido do garoto para a tia perceber que ele queria desabafar.
- Oi querido, que bom que você veio, estou terminando de lavar o caldeirão, será que você poderia me ajudar a retirar a mesa?
Severus foi até a mesa e retirou cuidadosamente os pratos, tigelas e talheres, carregando-os até a pia da cozinha, onde os depositou. Soraya balançou sua varinha e imediatamente uma espuma azul começou a se agitar entre a louça. Após, ela se dirigiu ao forno, onde um grande bolo de laranja (o preferido de Severus) estava assando. Ele não pode reprimir uma lágrima, que escorreu pela sua face magra e macilenta, mas imediatamente a enxugou com a mão direita, e, de costas para a tia, esfregou o rosto, para ela não perceber sua tristeza. Tentou dar um ar casual à sua voz.
- Fui chamado a Hogwarts, recebi a carta... - disse, com a voz trêmula, apesar de seus esforços para parecer normalmente feliz.
- Eu sei, eu que recebi - falou a tia, retirando o bolo de dentro do forno, e depositando-o na pequena mesa da cozinha.
Severus abaixou os olhos. Sentia vontade de se abrir com ela, como quando era pequeno, de contar seus temores, suas esperanças, de fazer perguntas... Mas alguma coisa não deixava. Seria isso, essa resistência, o que os outros chamavam de “o orgulho dos Snape”? Talvez... O que sabia era que nesse momento se sentia mais vulnerável do que nunca.
- Tia...
Soraya olhou para o sobrinho, o rosto bondoso esperando uma confissão, uma pergunta, ou um desabafo.
Mas Severus apenas abaixou o rosto e disse:
- Desculpa, tia, mas eu não estou com vontade de comer bolo. Vou dormir. Me desculpa...
E saiu para o corredor, quase correndo, com medo de se arrepender. No caminho para o quarto, enquanto subia as escadas, sentia o cheiro de cachimbo vindo do quarto de leitura, para onde seu pai todas as noites se retirava a fim de ler os clássicos livros de literatura mágica. Um pai tão ausente quanto sua mãe.
Na cozinha, Soraya devorava um pedaço de bolo, pensando, melancólica, nos estragos que o desaparecimento de sua cunhada provocara em sua família.

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