Você Aqui?



Cap. 7 - Você Aqui?

- Remus? Remus?

- É, mãe... Remus Lupin. Meu pai.

- REMUS?

Sylvie desejou não ter dito nada, antes de lembrar a si mesma que seria bom a longo prazo ter contado a verdade à mãe. Ainda assim sentiu-se sendo tomada pelo pânico quando o que pareceu ser todo o sangue do corpo de Tonks foi diretamente para sua cabeça, fazendo com que ela ficasse mais vermelha do que um pimentão.

Não tinha achado tão difícil lhe contar tudo quanto pensara que seria. A reação dela é que era a grande surpresa – não se lembrava de já ter visto a mãe daquele jeito. Os olhos negros estavam arregalados, a boca semi-aberta, a expressão de completo desespero no rosto cada vez mais ruborizado.

Sylvie imaginou se estava com raiva dela ou se era o choque daquela revelação que a paralisara. Ou se eram os dois motivos combinados, o que tornava a situação ainda mais complicada. Não sabia com o que lidar primeiro.

- Sim, Remus. Eu tive que vir, mãe, já disse. Sinto muito por não ter contado.

- Todos esses anos... Todos esses anos eu tentei... Eu quis conversar com você sobre... E você nunca quis... E agora... Aqui... E ele... Ah, Merlin – Sylvie assistiu os cabelos castanhos da mãe se tornarem cada vez mais escuros, mesmo que ela não parecesse estar se esforçando para tal. Transformações assim, fora de controle, não eram um bom sinal – Ah, Merlin, Sylvie! Como foi que você fez uma coisa dessas? E sem me dizer?

- Era uma coisa minha, mãe. Eu tinha que resolver sozinha.

- Uma coisa sua?

Aquilo pareceu fazê-la explodir. Se havia um limite que tornava aquilo uma conversa civilizada, ele tinha acabado de se cruzado – pelo menos levando em conta o repentino salto de Tonks. Ela parou em pé, de frente para a filha, os punhos cerrados, enquanto esta a fitava espantada. Nunca, nunca a vira perder o controle antes. Mas também, nunca trouxera seu pai à tona.

- Eu fui casada com ele por anos, Sylvie! Nós construímos uma casa juntos, nós tivemos uma filha juntos, uma vida inteira! Você não tem idéia do que eu passei, não tem a mínima idéia! Não sabe como era a nossa vida, e como foi horrível a forma como ela terminou! Não venha me dizer que entende! – urrou quando a viu abrir a boca para contestar – Você não entende nada disso, Sylvie. Então nem tente dizer que era uma coisa sua. Não era uma coisa sua, de jeito nenhum. Era uma coisa minha também.

- Mãe, eu... Eu só achei que seria melhor resolver...

- Resolver o que? Nós fizemos um trato quando ele partiu. Nós conversamos e achamos que era o melhor para você! Se veio resolver isso, achando que era uma pobre criança abandonada pelo pai, esqueça, está bem? Nós já tínhamos tudo resolvido. Se tivesse me deixado falar nas quinhentas vezes em que tentei, não teria bagunçado as coisas desse jeito.

- Eu não achava que era uma criança abandonada. Eu só queria...!

- Estragar tudo? Era isso que queria? Ou me ver completamente louca, era isso? Porque está conseguindo, Sylvie, está se saindo muito bem!

Algumas pessoas que passeavam no parque aonde elas haviam sentado para comer cachorros-quentes pararam para olhar, outros apenas apressaram o passo para se afastar das duas loucas briguentas o mais rápido possível. Sylvie engoliu a vergonha antes de ficar em pé também, confrontando a mãe. Era alguns centímetros mais alta, mas sentiu-se diminuída pelo olhar de desprezo que ela lhe dispensou.

Queria entender. Queria saber o motivo da raiva, e achou que estava em grande desvantagem por não saber exatamente o acordo que Tonks tinha com Remus. Esquecera completamente de perguntar; depois que ambos caíram no choro o clima se tornara estranho, então ele partira e prometera jantar com ela no dia seguinte. Sua intenção era levar Ninfadora também, mas a idéia evaporara no instante em que dissera as primeiras palavras a respeito do pai.

Nada de pequenas e divertidas reuniões familiares para ela. Ah, não. Ela só tinha os acessos de fúria de uma e as lágrimas do outro. E em lugares separados, porque pelo visto nunca conseguiria colocá-los sob o mesmo teto.

Mas porque, afinal?

- Eu não sei por que está tão zangada – disse, mantendo a voz firme para disfarçar a total confusão que sentia – Não fiz nada, nada, para ficar assim. Ele é meu pai, eu tinha o direito de vir.

- Não sem me dizer! Não sem conversar comigo primeiro! Eu estava bem ali, eu tentei falar com você, e você sempre disse que não queria saber de nada, que não queria ouvir! E então de repente “oi mãe, eu conheci meu pai hoje! Ele é muito legal e sente sua falta”! Eu não quero saber, Sylvie – ela apanhou a bolsa e o casaco, deixando a enorme mala ao lado do banco, esquecida – Dessa vez, eu não quero ouvir!

Ela apenas observou a mãe se afastando enquanto os passantes retomavam seus caminhos. Desejou nunca ter dito uma palavra sobre aquilo, jamais ter escrito aquela carta convidando-a para ir até lá.

Jogou-se sentada no banco de madeira, sem forças, e respirou profundamente, de olhos fechados. As coisas iriam se ajeitar. De algum jeito, ela iria arrumar tudo. Afinal, fizera a coisa certa ao ir procurar Remus. Não fizera?

De repente, suspirou, enquanto apanhava a bagagem colorida e a arrastava até o hotel, já não tinha mais tanta certeza disso.

---

Tonks passou muito tempo perambulando pelo povoado, observando cada rosto pelo qual passava, temendo encontrar Remus a cada esquina. Simplesmente não conseguia agüentar a idéia de voltar para casa brigada com Sylvie. Mas sentia que explodiria se continuasse tensa daquela maneira por muito mais tempo.

Nunca tinham brigado antes. Ela tinha sido uma mãe jovem, aberta, flexível. Sempre buscara maneiras de agradar a ambas, e vinha dado certo até então. E também sempre tolerara um pouco mais da filha quando achava que o problema era a lua cheia.

Tinham um bom relacionamento. Simples assim. Davam-se bem juntas, embora Sylvie fosse mais séria e fechada e Tonks mais expansiva e risonha. Conviviam bem uma com a outra.

Sem Remus.

Quando se tornara tão sensível a ele? Ela mesma tinha apoiado sua decisão de partir, ela mesma dissera que ele tinha razão, que a segurança delas estava em jogo. Ela admitira tudo aquilo no que ele havia insistido por anos, e que ela desprezara por estar apaixonada.

Agora sequer agüentava ouvir seu nome. Brigava com a filha por ela ter ido vê-lo, explodia de repente porque não conseguia, confessou a si mesma, suportar a idéia de encará-lo novamente.

Não o esquecera, não é?

Achava que o tinha superado há anos. Tentara outros relacionamentos, que nunca se tornaram mais que distrações, algumas noites divertidas. Nada sério.

A princípio a desculpa era a de que precisava dar tempo a Sylvie para se adaptar. A filha estava vivendo um pesadelo, e sua total atenção tinha que ser dada a ela. Então, queria apenas se divertir, acabara de sair de um casamento de modo brutal. Tinha esse direito. Mas à medida que os anos avançavam, ela se deu conta de que não podia se comprometer novamente. Talvez fosse o medo de tudo terminar tragicamente, fazendo-a sofrer de novo. Foi o que pensou.

Não pensou que ainda era apaixonada por Remus.

- Sofia!

Ela não olhou para trás ao ouvir o chamado de um rapaz qualquer. Porém, quando o garoto continuou gritando e ela começou a ouvir os passos rápidos na sua direção, sua curiosidade a obrigou a virar para trás.

- Ei, Sofia... Ah, não é você.

Ela sorriu bondosamente vendo o desapontamento explícito no rosto jovem. Os olhos claros encheram-se de tristeza, ao mesmo tempo em que as faces coravam, ela imaginou, por ter seguido a pessoa errada.

- Desculpe, moça – ela apreciou o “moça”, mesmo em seu estado de espírito decadente. Ao menos não aparentava a idade que tinha, e agarrou-se a isso como a única coisa boa do seu dia até então – Achei que era outra pessoa...

- Não se preocupe, hãn...?

- Brian.

- Brian. – ela imaginou Sofia sendo seguida por um admirador obcecado no meio da rua e divertiu-se com a imagem – Vocês estavam juntos e ela esqueceu alguma coisa quando foi embora?

Ele piscou, aturdido, com a pergunta.

- Hm, não.

- Então, se não é esse o caso, você já pensou que a garota talvez se sinta meio... Acuada, sendo perseguida na rua desse jeito? – ela tornou a sorrir para o garoto. O modo como ele pareceu tão completamente envergonhado a fez sentir pena dele e levantou um pouco seu humor – Por sorte, você seguiu a pessoa errada.

- Eu pensei nisso, na verdade, senhorita... É só que nós tivemos uma... – ele não sabia como descrever o episódio que tinham passado – Bem, passamos uma noite juntos.

Ela ergueu uma das sobrancelhas, sugestivamente, rindo com o embaraço dele. Ele percebeu a malícia em seus olhos.

- Não! Não, quero dizer... Nós não “dormimos juntos”, nós só... Dormimos juntos. Sabe, dormimos de verdade, mas não... Não tivemos nenhuma...!

- Tudo bem, Brian – Tonks riu – E porque, depois que vocês dormiram juntos, ela não voltou a falar com você?

- É uma história complicada.

- Bom, eu estou tendo um péssimo dia, hoje. Se quiser conversar... – ela deu de ombros – Sabe, vai ser bom me concentrar nos problemas de outras pessoas por um tempo.

---

Amanheceu.

Tonks não sabia o que fazer agora que o dia nascera. Precisava ver Remus, falar com ele. Mas não conseguia entrar naquela sala. Não conseguiria se sua vida dependesse disso.

Mas era a vida de Sylvie que estava em jogo, então ela reuniu o que restava de suas forças e de sua coragem e girou a maçaneta.

Quando o viu deitado no chão, com mais feridas que o normal, o sangue secando sobre a pele machucada, quis esquecer tudo. Não podia culpá-lo, não podia, via o quanto mal aquilo fazia a ele. Sua filha sofreria daquela maneira também. E por isso, precisava tomar uma decisão importante antes que ela acordasse.

- Remus? – chamou por ele em um murmúrio. Parecia que a voz se esquecera de como funcionar depois das horas que passara chorando, sozinha, e depois quieta, sem dizer uma palavra, em choque. Não dormira. Não conseguira fechar os olhos nem por um instante – Remus, acorde.

Ele abriu os olhos devagar, piscou, tornou a fechá-los. Ninfadora decidiu que cuidaria do marido antes de dizer qualquer coisa. Quando estava terminando de fechar um corte profundo em seu ombro ele perguntou por Sylvie.

- Sonhei... acho que sonhei com ela.

Aquilo foi tão triste, tão doloroso que ela precisou se controlar para não irromper em lágrimas outra vez. Ele não fizera de propósito, mas lembrava de alguma coisa. Talvez tivesse aquela estranha impressão de que vivera alguma coisa sem lembrar de detalhes, apenas um borrão de cores e sensações, como os sonhos normalmente se tornam depois de acordarmos completamente.

Só que ela vivera aquilo e imaginava se suportaria contar a ele que fora real.

Ele a avisara que era perigoso. Quando se conheceram na Ordem e ela se apaixonou por ele, ele dissera que seria arriscado demais. Mas insistira tanto que o vencera, talvez pelo cansaço. Afirmara tantas vezes que podiam cuidar de tudo, controlar a maldição e viver suas vidas! O que saíra errado, nesse plano? Não era para falhar. Não devia ter falhado..

Os piores medos de Remus tinham se confirmado. O que fariam agora?

- Ela está dormindo – sussurrou Tonks – Teve uma noite... difícil.

- Pesadelos?

Ela fungou, e virou o rosto para fugir dos olhos cor de âmbar que a fitavam. Não conseguia suportar, admitiu. Era demais para ela, não ia conseguir.

- É... – disse, com um fio de voz que custou a sair – Pesadelos.

Foi até a cozinha para buscar algo para lhe dar de comer. Não havia quase nada, esquecera de preparar o café da manhã. Encontrou o resto do suco de laranja que fizera no dia anterior e fez uma omelete. Quando voltou ao escritório, ele estava sentado no sofá, o que parecia fazer com muito esforço.

Soube naquele momento que ele notara. Percebera que havia algo errado. Odiou o fato de ele a conhecer tão bem, naquele momento. Entregou o prato e o copo e sentou-se ao seu lado. Não conseguiu dizer nada.

- O que aconteceu, Dora? – ele perguntou com sua voz rouca cheia de preocupação.

- A poção não foi suficiente – respondeu.

Ele arregalou os olhos. Então pensou por um segundo e disse, quase como uma pergunta: - Mas colocamos um feitiço na porta e eu não pude sair.

Tonks sacudiu a cabeça para os lados. Olhava para frente, para a parede suja de sangue e com a tinta arranhada. Não estava assim ontem, pensou. Nada estava assim ontem. Só queria voltar no tempo e mudar tudo.

- Dora... – agora ele tinha a voz trêmula de medo – O que houve, Dora? Onde está Syl?

- No quarto.

- Ela está bem? – ela não respondeu. Fitava a parede. Remus a agarrou pelos ombros e sacudiu, obrigou-a a encará-lo – Ninfadora, ela está bem?

As lágrimas caíram então, enquanto fitava seu rosto cansado, marcado pela vida, encarando-a com aquela urgência, com o medo que ela própria sentia. Ele a abraçou, tentando ignorar o que aquilo podia significar, a angústia comprimindo seu peito. Quando Tonks se afastou dele, ele tocou seu rosto. A mão tremia, ou era ela?

- O que eu fiz, Dora?

- Não sei como aconteceu – fechou os olhos e suspirou, para se acalmar – Não sei como escapou, Remus. Mas acordei de madrugada e ela... Ela estava gritando. Entrei em pânico. Você estava lá. Você a atacou, você... Você a mordeu, Remus.

Toda a cor pareceu sumir de seu rosto. Lentamente, tremendo, pálido, ele abaixou a cabeça e apoiou-a nas mãos. Curvou-se até que a testa quase encostasse nos joelhos e ficou assim. Imóvel.

- Você a mordeu – Tonks repetiu, mortificada, porque falar aquilo em voz alta fazia parecer ainda pior, real, assustador.

Ele estava tremendo, e em segundos ela percebeu que eram soluços que o sacudiam. Estava chorando. Ainda chorando, ele olhou para ela. A dor era tão explicita, tão grande, maior do qualquer um dos dois pensara ser possível. Abraçaram-se.

- Remus – ela murmurou em seu ouvido – Acho... acho que precisamos conversar agora. Precisamos de um plano – ofegou – Não sei o que fazer.

- Nem eu – a voz rouca do marido não estava firme enquanto ele acariciava suas costas e cabelos, lentamente – Mas pensaremos em algo. Bolaremos alguma coisa, Dora, eu prometo. Vamos conversar.


---

- Pelas cuecas de Merlin, essa garota tem problemas!

- Ela está passando por um momento difícil – defendeu Brian – A mãe dela está muito doente.

- Certo – Tonks tomou um longo gole de seu suco de abóbora – Tem razão. Ela parece ter uma vida meio atribulada. E você está apaixonado por ela, hã?

Ele pareceu corar até o último fio de cabelo, e afirmou com um aceno rápido de cabeça. Ninfadora estava começando a apreciar esses momentos de diversão que o constrangimento dele lhe proporcionava. Era maldade, sabia, mas Brian comportava-se como uma criança quando a tal Sofia era mencionada.

- Por que não disse a ela quando passaram a noite juntos, então?

- Não era... o momento certo. Ela estava muito triste e zangada, e então só... desabou, sabe? Como se não agüentasse mais. E eu cuidei dela. – Tonks lembrava-se de cada transformação de Remus em que cuidara dele, e depois as da filha. Sabia como era aquilo. Conhecia bem a sensação.

- Você é um garoto muito bom – ela disse meio que sem pensar – Ia querer apresenta-lo a minha filha, se não estivesse caindo de amores por outra garota. Quando eu fizer as pazes com ela, é claro.

- Porque brigaram?

- É complicado, e não quero falar sobre isso agora. Foi a primeira vez que passamos por uma briga assim, nunca tinha acontecido antes.

- As coisas mudam.

- É. As coisas mudam, mesmo. Não andam mudando para o melhor, para mim, ultimamente – terminando seu pedaço de torta, ela acenou, chamando a garçonete – Mas vamos continuar falando de você, que é jovem e feliz e apaixonado, ok? Não a viu desde aquela noite?

- Não.

- Sabe onde ela mora?

- Sei onde ela está hospedada, sim.

- E pode me dizer por qual razão misteriosa ainda não foi procurá-la lá, ao invés de perseguir estranhas pela calçada?

- É que... Bom, eu não queria que ela pensasse que eu estava... desesperado – até o próprio Brian parecia se dar conta de que sua explicação não fazia sentido – Ahn, eu não tinha pensado desse jeito antes.

- É isso aí. Escute. Eu sei que vai parecer conversa de velha e tudo o mais. Se você gosta dela de verdade, deve mesmo ir atrás dela. Mas não force as coisas. Às vezes... Às vezes é melhor a gente dar ouvidos aos outros quando estão dizendo algo importante, porque eles podem estar certos. Parece bobagem, eu sei – ela riu – Você não quer escutar ninguém porque está apaixonado e sabe que tudo vai dar certo se continuar insistindo. É só que... Eu continuei insistindo, e insistindo, e foi ótimo por um tempo, mas depois... Ele tinha razão, e tudo começou a desmoronar. O meu marido estava certo, e eu não ouvi. E não é uma história que tem um fim legal de lembrar. Só estou dizendo. Para você não passar pelo que eu passei, no final.

Brian estava prestando atenção. Prestou atenção e só e desviou da conversa por um instante, quando um de seus fregueses do supermercado entrou na confeitaria, e lhe acenou.

Só que aquele homem continuou fitando-os enquanto Tonks falava, e aproximou-se, e continuou olhando...

- Dora? O que está fazendo aqui?







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