Espírito Acuado








Assassinato em Hogsmeade











Parte Quatro: Espírito Acuado









"Por que Deus quis levar Angelina de nós, Padre?"



Lupin sorriu bondosamente para a garota a sua frente, estendendo a mão para tocar em seus espessos cabelos castanhos. Hermione ergueu-lhe um par de grandes olhos entristecidos, mas muito inteligentes.



"Ninguém até hoje soube entender as razões da morte, Hermione. Mesmo eu, sendo um padre não posso lhe responder. É um dos grandes mistérios que existem, nosso criador jamais o revelou a nós." Ele suspirou. "Todos querem saber para onde vamos e principalmente porquê vamos, mas nunca foi encontrada uma resposta suficientemente boa para esta questão".



Hermione balançou levemente a cabeça.



"O senhor fala como se discordasse da decisão de Deus, Padre, como se não concordasse que fôssemos privados de saber dessas coisas. Discordar de Deus não é pecado?"



Lupin sorriu novamente. Sempre se espantava com a inocente inteligência de Hermione.



"Nosso Senhor não exige que concordemos com tudo que ele faz, se assim fosse, porque nós daria a habilidade de pensar, de raciocinar, de perguntar, de deduzir... de sermos livres? Acredite, Ele não ficará chateado com isso, Hermione". Lupin suspirou, como se tomasse coragem para continuar com aquela conversa, mas sabia que a garotinha estivera esperando ansiosamente por ela. "Eu imagino que você sinta muita falta de Angelina, mas tenho certeza de que ela está junto d'Ele". Lupin apontou para cima, e em seguida colocou a mão sobre o rosário que descansava em seu peito. "Você sabe como ela era uma boa pessoa, certo?"



Hermione fez que "sim" com a cabeça e deixou escapar um solucinho.



Inteligente sim, pensou Lupin, não insensível.



"Foi horrível, Padre, eu chamei e chamei por ela, pensei que tivesse ficando até tarde terminando as lições pra escola... isso já tinha acontecido antes, aí quando entrei, estava tudo tão quieto... e eu encontrei Angelina na cozinha... toda machucada e... cheia de sangue!"



Hermione estremeceu, lembrando-se assustada do acontecido, e passou as costas de uma das mãos debaixo de ambos os olhos. Lupin deu-lhe outro cafuné e passou um dos braços ao redor de seu ombro, confortando-lhe e ao mesmo tempo induzindo que ela se levantasse. Perguntando-se intimamente o quê seria "sangue" no universo de uma criança como ela... apenas um líquido vermelho de cheiro forte ou algo mais?



Hermione foi conduzida até a salinha de Lupin, duas portas a contar do confessionário. A menina já estivera ali outras vezes, geralmente acompanhada por Angelina. Juntas elas passavam agradáveis tardes em companhia do Padre, discutindo melhorias nas missas, na escola dominical (que Angelina ministrava desde o falecimento da mãe) ou mesmo nas festas beneficentes que a igreja promovia.



Lá, Lupin abaixou-se e abrindo uma gaveta estendeu um lenço para Hermione. A menina soluçou outra vez e secou os olhos com o lenço, tirando nervosamente os fios de cabelo que lhe invadiam o campo de visão.



"Não prefere ir pra casa minha querida? Você já fez muito por hoje..." disse Lupin com brandura, comovido pela visão da garotinha a sua frente. "Deveria descansar..."



Para sua surpresa, Hermione soltou uma risada baixa e voltou os olhos levemente vermelhos para cima.



"Descansar? Desde que Angelina morreu todos me olham com pena, os Professores tentam me dispensar das tarefas... me pedem para ir descansar... pensei que ao menos o senhor me entenderia, Padre. Eu não quero ficar quieta num canto, se ficar ociosa enlouquecerei!" - Ela disse as últimas palavras num tom levemente alto.



O Padre sorriu-lhe outra vez. "Você está certa, eu entendo. Me desculpe, Hermione... você é muito mais forte do que qualquer menina da sua idade. Então..." Ele bateu palmas e pegou as mãos da menina entre as suas. "Vamos terminar de arrumar os cartazes na sala de aula?"



Hermione sorriu e dando a mão ao Padre caminhou com ele para fora de sua sala, se achando um pouco tola de ter ficado daquele jeito, sendo que já faziam dias que Angelina morrera.



Ação retardada, ela pensou por um segundo, e riu-se.



A sala de aula dominical ficava no fim de um dos corredores que levavam para a parte de trás da Igreja, era ampla e bem iluminada por grandes janelas. Um grande quadro-negro estava pendurado numa das paredes claras, nele ainda havia anotações para a próxima aula que seria dada, e tanto Lupin quanto Hermione sentiram uma estranha comoção, ali era a letra de Angelina escrita com giz branco e azul. Ela nem tivera a oportunidade de dar sua última aula.



Em silêncio os dois puseram-se a trabalhar. Devido a sua estatura Hermione ocupou-se de arrumar os materiais nas mesinhas, bíblias, livros e cadernos. Lupin chegou a pegar o apagador para limpar o quadro-negro, mas não teve coragem de apagar as palavras escritas por Angelina, de modo que o deixou exatamente como estava.



"Me passe aquela caixa, Hermione... tem idéia de onde estão Harry e Ron? Os dois disseram que trariam mais cartazes..."



Hermione, que agora tirava pó da mesa da Professora, fez uma careta. Tinha suas reservas quanto a Harry Potter e Ronald Weasley, dois meninos que estudavam no mesmo ano que ela da escola local, mas que faziam jus a sua fama de marotos. Estavam com freqüência tomando advertências por se envolverem em brigas com o filho do banqueiro... Mas Lupin parecia gostar dos dois peraltas e sempre que possível fazia com eles lhe ajudassem na paróquia.



"Não os vejo desde a aula..." e fazendo um muxoxo desgostoso ela acrescentou. "Aqueles dois são tão infantis!"



Lupin riu-se, colando cartazes com nomes bíblicos nas paredes.



"É claro que são infantis, Hermione, eles tem apenas 11 anos".



Ela balançou a cabeça de um jeito impaciente. "Eu tenho a mesmíssima idade deles e não sou assim..." Retrucou com um quê de dignidade na voz.



"É claro que não é... Você é a menina de 11 anos mais madura que conheço".



O rosto dela ficou vermelho e Hermione desviou os olhos do Padre, parecendo repentinamente muito interessada em seus sapatos.



Continuaram o trabalho em silêncio. Meia hora depois estava tudo terminado e Lupin mais uma vez tentou persuadir Hermione a voltar pra casa. "Sua avó está sozinha, ela já deve estar sentindo sua falta, não acha?"



A lembrança de sua Avó Minerva fez com que Hermione pedisse a benção e saísse apressada pela porta dos fundos, como de costume, passando pelo cemitério deserto e entrando numa ruazinha pouco movimentada que dava para a praça. Fazendo aquele caminho ela não era vista por ninguém que estivesse caminhando em frente a Igreja, mas ao mesmo tempo tinha uma visão privilegiada dali. Quando voltou a cabeça, na tentativa de avistar o Padre fechando as portas da frente, Hermione surpreendeu-se ao ver um homem subindo as escadas da paróquia.



Mesmo ele estando de costas, Hermione tinha certeza de que jamais pusera os olhos num sujeito como aquele antes. Era bem alto, e os cabelos negros um pouco compridos estavam presos e caiam pelas costas retas. Usava um sobretudo também preto e apertadas calças escuras. O estranho parou assim que alcançou o topo da escadaria.



Hermione supôs que ele fosse fazer o sinal da cruz antes de pisar num lugar sagrado, mas o estranho meramente tirou os óculos escuros que usava (o sol já estava quase se pondo) e entrou. Perguntou-se o quê um homem daqueles iria querer na Igreja de Hogsmeade, mas naquele instante o relógio da torre bateu 18 horas e ela virou nos calcanhares e desceu a rua aos pulos.



Se não estivesse em casa na hora de ajudar a avó a colocar a mesa para o jantar estaria em maus lençóis.

 




***



 




Sirius esquecera-se da sensação de impotência de todas as vezes que estivera dentro de uma Igreja. Era como se por trás de todo aquele silêncio uma força oculta imperasse e oprimisse todos que ali estivessem, obrigando-os a caminhar devagar e falar aos murmúrios. Parecia que por trás de cada uma daquelas imagens houvesse um par de olhos cruéis o assistindo e vigiando cada um de seus passos. Mas Sirius Black não podia sentir aquilo... - Uma inquietante voz disse dentro da sua cabeça - Não agora que já era um homem feito e perdera o medo dos sermões dominicais.



O sol lá fora estava se pondo e ali dentro as poucas velas acesas não eram o suficiente para iluminar todo o lugar. Sirius apurou os ouvidos, o que não era difícil de se fazer naquele silêncio quase mórbido, e distinguiu algo que parecia uma voz. Cauteloso, Sirius procurou as apalpadelas seu revolver no coldre, por debaixo do sobretudo, não que tivesse a intenção de usá-lo, ou mesmo achasse que precisaria usá-lo. Porém... seguro morreu de velho - era o que seu Pai ainda lhe dizia sempre que se encontravam.



Caminhou devagar entre os austeros bancos de madeira, olhando vez ou outra para os lados, procurando alguma sombra suspeita. A voz foi aumentando, mas ainda era impossível distinguir palavras. Ergueu os olhos para o rebuscado altar. As imagens de expressões vazias o fitaram tristemente enquanto suas mãozinhas estavam erguidas para o céu, num aprisionado e eterno gesto de adoração. Fossem os rostos de Madonas ou Anjos, nenhum parecia gostar de estar ali.



Distraído ao observar as imagens, Sirius não percebeu que um vulto havia saído de trás do altar e caminhava em sua direção. Apenas quando percebeu que a voz se calara e que agora o quê ouvia eram passos que voltou os olhos para frente. Sirius ofegou no escuro e quase tropeçando nos próprios pés, puxou sua arma do coldre.



"Quem está aí?!"



Um riscar de fósforos e uma vela foi acesa bem na sua frente, segura por mãos magras e palidamente iluminadas. Ao erguer os olhos um rosto de um homem, que devia estar beirando os 40 anos, fitou-lhe com curiosidade.



"Se importaria de abaixar esse revolver?" Perguntou o dono do rosto estranhamente jovem.



Sirius respirou fundo, xingando-se intimamente de ter feito um gesto tão grosseiro. Jamais puxara uma arma de fogo sem ter sido atacado antes. Abaixou o revólver mas manteve-o seguro na mão enquanto tentava ver melhor o rosto a sua frente.



"Quem é você?"



O homem tinha um expressão cansada, mas sorriu-lhe brandamente.



"Eu que deveria lhe fazer essa pergunta, afinal o estranho parece ser o Senhor". Disse calmamente, dando as costas e caminhando. "Poderia guardar sua arma, sim?" ele repetiu o pedido. "Estamos na casa de Deus, nada de ruim pode lhe acontecer aqui dentro..."



Sirius inspirou profundamente. Quem diabos é esse cara?



Em silencio seguiu-o, enquanto guardava o revolver e procurava suas credenciais nos bolsos. O homem, ainda sustentando o suporte da vela numa das mãos entrou numa salinha e ficou parado na porta esperando que Sirius entrasse, assim que este o fez, o homem ligou o interruptor, mas nem assim Sirius conseguiu visualizá-lo direito, pois ele abaixara o rosto para apagar a vela, soprando-a de leve e depois se voltara de costas para fechar a porta.



Mesmo sabendo perfeitamente bem o que significava um homem estar vestindo uma sotaina preta, a idéia dele ser o Padre local só entrou-lhe na cabeça quando o mesmo se apresentou.



"Sou o Padre Remus J. Lupin, em que posso lhe ser útil?" Disse indicando uma cadeira e em seguida sentando-se também.



Sirius ainda abismado ficou a observar o homem com mais atenção. O Padre tinha o rosto fino e pálido, cabelos castanhos lisos com alguns fios grisalhos. Ao redor dos olhos, também castanhos, havia minúsculas e aparente precoces rugas, fazendo com que ele parecesse muito cansado, mais ainda sim jovem. Então reparou que ele ainda estava com uma das mãos estendidas, aguardando, então se sentou e mirou-lhe nos olhos.



"Sirius Black, investigador". Disse puxando seu distintivo, mas o Padre ergueu uma mão.



"Acredito em sua palavra, Sr. Black, por favor guarde suas credenciais... Imagino que está aqui a respeito do caso da Srta. Johnson, não estou certo?"



Sirius endireitou o corpo na cadeira estofada, um fagulha de irritação brotando novamente dentro de si; Quem aquele Padre pensava que era para ir dizendo a ele o quê fazer? A voz do Padre continuou calma, sem qualquer alteração, parecia alheio a cara feíssima que Sirius fazia.



"A propósito, acho que meu aparecimento repentino assustou-lhe, sabe ainda a pouco no altar... Peço que me desculpe, nunca instalamos luzes na nave principal da igreja, até porquê não costumo receber visitas depois que escurecesse. Estava me preparando para fechar a Igreja quando o encontrei..."



"O Sr. não me assustou, Padre". Sirius apressou-se em dizer, um rubor tomando conta de suas faces. "Meramente... bem... não esperava que alguém saltasse ao meu lado no meio do escuro".



O Padre sorriu abertamente. Aquele gesto fazia com sua aparência cansada ficasse quase desapercebida.



"Na verdade, procuro a menina Granger, a Sra. McGonagall disse-me que ela estaria aqui".



O Padre franziu as sobrancelhas.



"Oh... Hermione realmente estava aqui, Sr. Black, mas saiu há alguns minutos, será que não se cruzaram no caminho?"



Sirius revirou os olhos. Com todos os diabos! "Nunca pus os olhos na garota antes, como poderia saber?" perguntou com um quê de irritação na voz.



O Padre Lupin sorriu outra vez, mas permaneceu em silêncio.

 



Continua...

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