De como eles se perderam



Capítulo 5 – De como eles se perderam


- Luna! Luna!

Ronald entrou na livraria aos tropeços, esbarrando numa pilha de livros que logo foi ao chão. Não deu a mínima importância para o ocorrido e chegou no balcão quase sem fôlego, seguido de perto por Hermione. Luna estava sentada e com um livro aberto no colo, parecendo bastante entretida. Só virou os olhos para encarar Ronald quando ele apoiou os cotovelos no balcão e levou uma das mãos ao peito, como que para tentar controlar os batimentos acelerados antes de prosseguir:

- Luna, eu preciso da sua ajuda.

- Ah, olá, Ronald. E olá para você também, amiga do Ronald. Vejo que os seus sentimentos em relação a ele mudaram um pouquinho desde a última vez em que nos encontramos, não é mesmo? Há uma aura mais... delicada em torno de vocês.

Hermione corou ligeiramente e só não ficou com mais vergonha porque Luna olhava para o lado oposto ao qual ela estava. Ronald recomeçou, já com a respiração mais leve, e explicou toda a história sobre o coma de Hermione e de como eles precisavam tentar salvá-la. A garota parecia não estar prestando atenção, concentrada em revirar os olhos para as páginas do livro, e isso fez com que a irritação de Ronald crescesse.

- Por isso eu preciso da sua ajuda. Você é a única que acredita em mim. – disse ele, observando enquanto ela tirava uma lasquinha de tinta da mesa com a ponta da unha. Irritado, ele aumentou o tom de voz para perguntar - Você está me ouvindo, Luna?

- Claro que sim, Ronald. E já sei o que vamos fazer. Vamos tirar o corpo dela de lá.

- Isso é óbvio! – respondeu ele, já sem paciência. – O problema é: como vamos fazer isso?

Luna sorriu e, pela primeira vez naquele dia, encarou os olhos desesperados de Ronald, dizendo com simplicidade:

- Vamos nos fantasiar.

Para Luna, tudo era tão simples e tão certo que a insegurança de Ronald, de repente, pareceu ridícula. Ele teve vontade de abraçá-la como se fossem velhos amigos, constatando que ela podia ter mesmo um jeito maluco, mas que era uma boa pessoa, afinal. E que, mesmo que soasse uma completa insanidade tentar resgatar um corpo em coma de um hospital, ela estava com ele.

Ronald não conseguiu pregar o olho naquela noite. O plano era perfeito, discutira-o com Luna e Hermione por algumas horas antes de se dar por satisfeito. Mas Ronald não era capaz de controlar sua ansiedade e insegurança, e percebia pelo olhar de Hermione que ela também estava apreensiva. A morena só sabia trabalhar com a lógica, e o fato de estar lidando com algo que poderia dar errado não era confortável a ela. Hermione estava acostumada a ser racional, mas precisava de uma grande dose de loucura naquele momento para salvar a própria vida.

O hospital estava calmo naquela manhã, quando Ronald entrou no serviço de traumatologia, acompanhado de Luna. O rosto do ruivo estava ligeiramente esverdeado devido ao nervosismo, e ele sequer tinha conseguido tomar o café da manhã antes de sair de casa. A loira adentrou a sala reservada apenas aos médicos, enquanto Ronald verificava se não havia ninguém nos corredores. Ao entrar, no entanto, deu de cara com um enfermeiro corpulento que discutia com Luna, enquanto ela permanecia absolutamente imparcial e entretida com a parede logo adiante. Ele sequer teve tempo de rir da cena quando o brutamontes veio para cima dele, com o claro objetivo de retirar ambos da sala. Quando Ronald se negou a sair, o grandalhão mostrou os poucos modos que tinha e tentou retirá-lo a força. Luna resolveu o problema quebrando um grande balão de ensaio na cabeça do enfermeiro, o que deixou Ronald absolutamente estupefato.

- Era necessário, não é mesmo? – disse ela, elevando ligeiramente os ombros, sem se importar muito com o homem desmaiado no chão.

Ronald só não se deixou cair na gargalhada porque sabia que precisava correr, pois tinham pouco tempo. Enquanto estavam preparando uma maca e outros aparelhos de acordo com a orientação recebida de Hermione, ela estava no quarto, fazendo companhia a seu corpo e esperando que ele viesse buscá-la. Ele teria preferido que a jovem ficasse por perto, mas ela disse que tentaria voltar para o corpo de alguma forma antes que eles tivessem que fazer toda aquela loucura. Quem sabe ela não conseguiria?

Vestidos como enfermeiros, Ronald e Luna chegaram ao quarto carregando os equipamentos. Ronald se sobressaltou ao não ver Hermione, e perguntou:

- Onde você está?

- Aqui!

Por um momento breve ele achou que poderiam desistir de tudo aquilo e que finalmente Hermione tinha conseguido voltar para o corpo. Mas, no instante seguinte, ela se levantou, e a visão de metade de sua alma dentro do corpo e a outra metade fora era algo muito esquisito. O rosto dela denunciava a total frustração em ver que não obtivera sucesso mais uma vez.

- Não adianta. Não sei onde deixei as cordinhas para prender a alma de novo no corpo.

Luna sorriu, enquanto Ronald se dirigia para o corpo de Hermione, removendo-o com delicadeza e depositando-o na maca. Luna o ajudou a ajustar os aparelhos que manteriam a sua respiração. A cabeça de Ronald girava ao observar tudo aquilo. Era completa insanidade tirar uma mulher naquele estado do hospital. E por quanto tempo eles teriam que esperar até que ela conseguisse voltar para o corpo? Não era possível determinar, e ele não sabia como iam fazer para mantê-la saudável longe de um hospital.

No entanto, seu coração gritava que o que ele fazia era certo, e gritava com ainda mais fúria quando ele pensava no idiota do doutor Malfoy. Ele não podia deixar Hermione nas mãos daquele homem interesseiro e ambicioso.

E foi enquanto pensava nele que Ronald ouviu uma voz no corredor. Os passos se aproximavam e ele escutou o dono da voz cantar alegremente. Reconhecendo o médico, Ronald ficou ainda mais furioso. O doutor Malfoy cantava momentos antes de desligar os aparelhos de Hermione!? Ele e Luna se entreolharam, enquanto Ronald fazia um sinal de silêncio para a loira e também para Hermione, esquecido de que ela não poderia ser ouvida caso resolvesse falar. Mesmo assim, ambas ficaram quietas, apreensivas que estavam pela aproximação inevitável do médico para proceder com o momento de desligar os aparelhos.

Ronald vestiu o protetor de lábios, arrumou os cabelos ruivos dentro da touca, de forma a não deixar nenhum fio de fora, e abriu a porta. Draco Malfoy já estava com a mão posicionada sobre a maçaneta quando deu de cara com o que julgou ser um enfermeiro do hospital, apesar de não o conhecer.

- Hã... olá. Quem é você e o que faz aqui?

- Eu sou – disse Ronald, registrando o olhar desconfiado do médico, acompanhado dos pais de Hermione. – Eu sou – prosseguiu ele, disfarçando a voz – o enfermeiro que está cobrindo uma folga.

- Ah, sim, compreendo – falou Draco, balançando a cabeça e procurando entrar na sala, o olhar ainda desconfiado. – Então, presumo que deva saber que a jovem que está aqui terá os aparelhos desligados, não é mesmo?

- Sim, eu sei. Mas parece que as atividades cerebrais dela estão diferentes esta manhã – falou Ronald, sem saber exatamente o que dizia, mas produzindo o efeito desejado.

- Diferentes? Deixe-me ver...

Ao entrar na sala, o médico só teve tempo de registrar a cena do corpo na maca, a estranha jovem loira que estava ao lado dele, e em seguida apagou por causa de um soco que Ronald deu no lado direito de seu rosto. Os pais de Hermione, no entanto, começaram a gritar assim que perceberam quem era o enfermeiro.

Sem tempo para mais enrolação, Ronald pegou a maca e começou a correr pelo corredor, tentando alcançar o elevador de serviço, o único no qual poderia levar Hermione para longe dali. Luna corria a seu lado, ajudando-o a empurrar a maca, enquanto Hermione não parava de dizer:

- Cuidado com o meu corpo, Ronald! Luna, mantenha esse balão no alto, no alto! Eu preciso do soro que está aí, entendeu? Cuidado para não desligar a máquina que me mantém respirando, sem isso, eu não posso sobreviver, ok? Ronald! Ronald, meu braço, meu braço!

O braço de Hermione tinha se enroscado numa curva da parede, e foi o suficiente para que eles fossem alcançados. Enfermeiras agarraram Luna pelos ombros, e ela não ofereceu resistência, parecendo despreocupada. Porém, Ronald estava exatamente o oposto da loira. Começou a chutar e dar socos no ar, impedindo que qualquer um se aproximasse dele e do corpo de Hermione.

- Eu não vou deixar! Não quero que a levem, ele vai matá-la!

Sem perceber o que fazia, Ronald enroscou os braços nos fios que ligavam Hermione aos aparelhos de respiração. A máquina começou a emitir um sinal fixo, fazendo com que o coração de Ronald desse uma violenta guinada no peito. Ao olhar para a máquina, uma linha reta estava marcada ali, determinando que Hermione já não respirava mais. Alarmado, Ronald olhou para a alma dela, parada ao lado da maca, e constatou que começava a ficar com um aspecto apagado. Hermione olhava para ele com o rosto entristecido, porém transmitindo paz:

- Eu estou vendo a luz, Ronald. Eu devo caminhar para lá?

Ele não acreditava no que estava acontecendo. Era sua culpa, sua maldita culpa que Hermione estivesse indo embora, que ela estivesse morrendo. As lágrimas começaram a brotar em grossas gotas, que se precipitavam de seus olhos muito azuis. Os enfermeiros agarraram Ronald, mas ele não se daria por vencido. Ele não poderia deixar que a vida roubasse a única mulher que ele tinha amado de verdade.

- Não, Hermione!

Ele se soltou dos braços dos enfermeiros e avançou para o corpo inerte, tomando seus lábios e beijando-a com delicadeza e intensidade ao mesmo tempo, um beijo molhado pelas lágrimas que caíam de seu rosto e cheio de angústia por causa do sentimento que corria o seu coração.

De repente, os aparelhos começaram a apitar, enlouquecidos. Com um grande e profundo suspiro, Hermione abriu os olhos. A primeira coisa que registrou foi o rosto de Ronald muito próximo ao dela, e isso a assustou:

- Quem é você?

- Filha... minha filhinha voltou! – a senhora Granger disse, abrindo caminho entre os médicos, enfermeiros e curiosos que abarrotavam o corredor.

- Como assim, quem sou eu? – perguntou Ronald, os olhos ainda brilhantes por causa das lágrimas e receosos da resposta que poderia receber. Involuntariamente, tentou pegar a mão dela, mas Hermione a afastou.

- Eu... conheço você? – perguntou ela, franzindo a testa daquele mesmo jeito que costumava fazer quando estava confusa.

Os médicos disseram que precisavam examiná-la, os pais queriam ficar com ela, e foi assim que a maca de Hermione se afastou de Ronald, enquanto ele apenas observava, sem conseguir pensar em nada que pudesse detê-la. De que tinha adiantado salvá-la se ela não se lembrava de nada? Se ela não podia mais saber quem era ele?

Ronald saiu do hospital arrasado. Deixou Luna na livraria, com os mais sinceros agradecimentos. A loira observou ele sair dali com os olhos preocupados, mas disse que não podiam interferir no destino.

- Ronald, as coisas sempre voltam para nós no final. Mesmo que não seja do jeito como nós imaginávamos.

Sem prestar muita atenção, ele apenas acenou e voltou para o apartamento. Agora ele estava sozinho, exatamente do jeito que queria. Mas o vácuo em seu peito continuava protestando e gritando para que ele fosse atrás dela, ao mesmo tempo em que o orgulho fazia com que ele continuasse ali, jogado ao sofá, na companhia das únicas que nunca o abandonariam: as malditas cervejas.

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