Capítulo II



- Como foi que você entrou? — Harry perguntou com voz ríspida, rompendo o silêncio na pequena cozinha.

- A porta estava aberta — Hermione esclareceu, sentindo que tremia por dentro mas não dando sinal disso exteriormente.

- Terei mais cuidado no futuro. Por que veio até aqui?

- Eu tinha que pegar umas coisas que deixei em minha antiga casa e resolvi passar aqui para dar um alo.

- E não pensou em sair quando viu que não havia ninguém, eu suponho...

- Bem, cheguei a pensar mas me pareceu que você precisava de uma pequena assistência.

- Então resolveu ficar e fazer sua boa ação de hoje? — O sarcasmo de Harry doía, mas Hermione sustentou seu olhar.

- Se prefere enxergar as coisas assim.

- Suponho que seria demais esperar que você já esteja de Saida.

Qualquer outra garota teria ido embora imediatamente, pois não havia maneira de Harry deixar mais claro que ela não era bem-vinda ali. Hermione, entretanto, só recostou-se no armário da cozinha e, depois de observá-lo em silêncio um momento, disse:

- Você ficou mesmo difícil, não é, Harry?

- Vim aqui a procura de paz, quietude e distância das pessoas.

- Não precisa me dizer por que voltou à High Ridges — Hermione replicou secamente. — Há anos que não punha os pés aqui e finalmente decidiu voltar para casa... Um animal ferido de volta para a toca para curar suas cicatrizes. Será que se diverte em ter pena de si mesmo?

- Basta! — Os olhos de Harry tinham um brilho que deixaria qualquer um amedrontado, mas Hermione estava com muita raiva para esconder o que pensava.

- Mesmo que a verdade doa, você não acha que já é tempo de enfrentá-la de frente?

- Vá embora, Hermione!

- Você me desaponta, Harry — ela murmurou calmamente, enquanto pegava a bolsa. — Sempre o admirei e respeitei por ser uma pessoa segura e sensível. Mas parece que estava enganada.

Hermione não chegou a saber qual o efeito que tiveram suas palavras, pois deu-lhe as costas e saiu imediatamente, Harry que fosse para os diabos, ela decidiu, enquanto entrava no carro e batia a porta com muito mais força que o necessário. Se estava tão determinado a ficar sozinho, então ela não o procuraria mais. Afinal, por que devia se preocupar com aquele homem?

Naquela noite, quando a raiva já havia passado, Hermione sentiu um pouco de vergonha de si mesma. Sim, aquelas coisas precisavam ser ditas. Mas, por que justamente ela tinha que dizê-las? Não sentia o menor desejo de machucá-lo, mas não podia permitir que Harry continuasse se escondendo como um caramujo dentro da casca.

- Qual o problema, Hermione? — Era Draco Malfoy quem perguntava, enquanto tomavam café ha sala de estar. — Você ficou praticamente calada durante todo o jantar.

- É claro que tem algo a ver com Harry Potter — Gina disse, passando a mão nos cabelos num gesto de cansaço, mas com um sorriso de compreensão nos lábios.

- Ah, aquele tolo! — Draco tinha um ar de revolta. — Fez papel de bobo ao ficar caído por aquela mulher todos esses anos! Revelou sua verdadeira personalidade depois do acidente que colocou em perigo sua carreira de cirurgião.

Hermione fitou a xícara que segurava entre as mãos e verificou que tremia um pouco.

- Você acha que talvez ele nunca mais possa operar? — perguntou.

- É difícil dizer Hermione... Quem pode prever o que o futuro reserva para a gente? — Draco sorria carinhosamente. — Por que tanta preocupação com o dr. Potter?

- Quando penso no que ele já foi um dia e no que se transformou agora, não posso deixar de ficar preocupada.

- Você não gosta mais dele, não é? — Gina interveio. Quando Hermione a olhou surpresa, ela continuou: — Sim, você escondia muito bem, mas até mesmo eu me sentia atraída por ele.

- Oh, Deus! — Hermione exclamou, ficando vermelha. — Espero que...

- Ninguém mais adivinhou, pode ficar certa — Gina interrompeu-a — e se por acaso eu o encontrar, é claro que não direi nada.

- Bem, não faria muita diferença. — Hermione colocou a xícara sobre a mesa e observou a amiga, que a olhava com curiosidade. — Eu mesma já lhe contei.

- Você fez o quê? — Gina perguntou surpresa, Draco deu uma sonora gargalhada e acrescentou:

- Aposto que deve ter falado de uma maneira que o fez ter certeza de que você estava mentindo. — O bom humor de Draco fez com que todos achassem graça no incidente.

Aquela conversa tinha feito Hermione sentir-se muito mais tranquila. Ela já estava se preparando para deitar quando Gina entrou no quarto, depois de bater levemente na porta.

- Sei que está cansada — Gina falou, enquanto se sentava na cama, ao lado Hermione — mas preciso lhe dizer uma coisa séria.

- Como nos velhos tempos. — Hermione sorriu divertida, enquanto se recostava na cama para ouvir a amiga. — O que foi, Gina?

- Não se envolva com Harry Potter. — Ela foi direto ao ponto. — Eu o conheço melhor do que você pensa e sei que se isso acontecer, vai sair machucada.

- Por que está me dizendo isso? — Hermione perguntou, abaixando os olhos para não fitá-la.

- Posso estar errada, mas sinto que você ainda tem algum sentimento por ele. — Gina tomou a mão de Hermione. — Acredite-me, querida, você é que vai sair machucada. Deixe Harry para mulheres como Cho Chang que têm gelo nas veias. São elas que sabem como se defender dele. Você, Hermione, por baixo dessa fachada de mulher forte, é toda coração e sensibilidade. Fatalmente sofreria ao se ligar a um homem que jamais saberá dar-se de corpo e alma para uma mulher.

Gina saiu tão silenciosamente como havia chegado, e Hermione ficou recostada na cabeceira da cama, sentindo um nó na garganta que não sabia de onde vinha. O que Gina dissera fazia sentido, mas não era fácil escutá-la quando se tratava de um homem que ocupara um lugar tão especial em seu coração durante tantos anos, O que fora, afinal, que mantivera Harry e Cho juntos por tanto tempo? Só podia ser amor... E certamente a maneira como Harry se comportava agora era devido a rejeição de Cho, que o tinha magoado profundamente.

Sentia-se muito cansada, havia sido um dia longo demais. Quando as idéias começaram a se embaralhar em sua cabeça, apagou a luz e adormeceu rapidamente.

Gina foi para a maternidade poucos dias depois e, após passar um dia e metade da noite ao lado dela. Draco subitamente irrompeu casa adentro, com os cabelos despenteados e a barba por fazer.

- É uma menina linda — ele disse, excitado. — E é a cara de Gina!

- Pensei que ia ser um menino. — Hermione brincou com ele.

- Ora, sempre existe uma próxima vez.

- Bem, congratulações de qualquer forma. — Hermione sorriu, feliz, e deu-lhe um carinhoso beijo no rosto. — Quando é que poderei vê-las?

- Hoje à tarde, naturalmente. Eu mesmo a levarei.

Draco deixou-a na cozinha e subiu, assobiando e cantando alegremente. Ele é um garotão crescido, Hermione pensou com um sorriso, e era justamente essa qualidade que o tornara querido para ela

Naquela tarde, Hermione verificou que a criança era de fato parecida com Gina. Era uma menina bonita e sadia, e os pais não cabiam em si de contentamento.

- Vamos chamá-la de Rosalie. — Gina revelou, excitada. — Espero que não se importe em alimentar esse brutamontes, enquanto estou aqui no hospital.

- Claro que não me importo. — Hermione sorriu.

Ela não ficou muito tempo na maternidade. Sentia-se meio intrusa no meio daquela felicidade dos dois, e de alguma maneira os invejava. Também ela gostaria de se casar, ter filhos, porém nenhum homem até hoje tinha lhe despertado esse tipo de interesse, a não ser... Hermione afastou esses pensamentos perturbadores e, armada de uma lista, foi até o centro fazer compras, Draco possuia um enorme apetite e ela queria preparar alguma coisa especial para o jantar, como uma espécie de comemoração. Afinal, havia algo maravilhoso para celebrar!

Hermione estava voltando para casa quando um Jaguar branco freou a seu lado, e ela quase derrubou os pacotes quando a porta se abriu subitamente e a voz de Harry disse, com rispidez:

- Entre!

Ela hesitou um segundo antes de sentar-se no banco a seu lado. Harry colocou rapidamente os pacotes no banco de trás.

- Onde podemos conversar em particular?

- Na casa de Gina — ela replicou, depois de dar-lhe uma olhada rápida e nervosa. — Não há ninguém lá agora.

Hermione deu o endereço e não disseram mais nada até Harry estacionar em frente a casa. Hermione levou os pacotes para dentro e ao voltar encontrou-o sentado num banco do jardim.

- Hermione... — ele começou relutante, fitando a rua que se apossava de seu carro estacionado. Mas foi interrompido por ela.

- Se pretende se desculpar não o faça, pois sou eu quem deve pedir desculpas pelas coisas horríveis que lhe disse aquele dia. — Ela sentiu-se bem melhor depois de desabafar, era como se tirasse um peso do peito. Harry a fitou com um olhar levemente divertido.

- Hermione o terror.. .?

- Sei que sempre fui terrível quando se trata de dizer o que acho. — Ela corou um pouco. — Mas acho que nunca mudarei.

- Se há algo de que tenho certeza, Hermione, é de que ninguém nunca tem dúvidas a respeito do que você pensa. Riu de mim quando eu paquerava com Farnel e me ridicularizou sem piedade, quando encontrei Cho Chang... Se bem me lembro, disse que Luna podia machucar um pouco meu coração, mas Cho iria parti-lo em pedaços.

- E estava certa? — A tensão imediatamente voltou ao rosto de Harry e ela acrescentou, num tom de desculpa: — Você não precisa responder, se não quiser.

- Você estava certa — ele admitiu, com frieza.

- Sinto muito.

- Sente mesmo?

- Dizer-lhe que você não conseguia enxergar o que eu via tão bem não leva a nada, especialmente quando alguém está muito machucado.

- Você vai voltar a High Ridges?

- Isso é um convite ou um desafio?

- Ambos. — ele disse abruptamente, com um brilho estranho nos olhos.

- Um convite pode ser recusado, mas não posso deixar de aceitar um desafio.

Ele sorriu suavemente e internamente Hermione derreteu-se completamente.

- Você é uma menina estranha.

- Nem tão menina assim... Já tenho vinte e dois anos, lembra-se?

- É difícil pensar em você como uma mulher, na idade de casar-se, quando suas imagens de criança e adolescente ainda estão tão vivas em minha memória.

- É este o problema com a família e os amigos que me conheceram criança: eles nunca permitem que me torne adulta.

Harry se aproximou dela, e Hermione pôde ver de perto os traços de seu rosto e sentir o odor de sua colônia tão masculina. Isso teve o poder de afetá-la estranhamente, assim como aquela voz grave com que ele falou em seguida.

- Eu sou seu amigo, Hermione?

- Já tivemos nossas diferenças no passado, mas gosto de pensar que ainda é meu amigo.

Hermione sentiu uma sensação estranha na garganta enquanto os dedos suaves de Harry deixavam uma trilha de fogo ao passarem suavemente sobre sua face até o queixo. O toque a fez corar violentamente. Quis afastar-se com rapidez mas, de alguma maneira, conseguiu permanecer como estava.

- Quando não tiver nada melhor para fazer, você será bem-vinda em High Ridges — Harry informou-a. Em seguida murmurou uma despedida e afastou-se, deixando Hermione paralisada.

Talvez ela devesse estar feliz, mas sentia-se nervosa e perturbada. As palavras de Gina ainda estavam muito frescas em sua cabeça e agora ela se recordava delas dolorosamente: "Não se envolva com Harry Potter, ou sairá machucada. Deixe-o para mulheres como Cho Chang... Só assim não sofrerá as consequências de dar-se a um homem que jamais saberá entregar-se de corpo e alma à uma mulher".

Hermione entrou em casa devagar, disposta a preparar o jantar, mas não conseguia afastar aquelas palavras da cabeça: "Não se envolva com Harry Potter..." Só que agora já era muito tarde, ela já estava irremediavelmente envolvida. Ao aceitar aquele desafio, tinha selado a própria sorte, como se a pusesse num cofre forte e jogasse a chave fora.
Hermione sentiu um pouco de medo, mas nunca tinha sido covarde e achava que também desta vez seria capaz de lidar com qualquer situação que surgisse...

Uma semana se passou antes que ela tivesse oportunidade de visitar High Ridges, e foi com um rosto preocupado que Gina a olhou quando soube onde a amiga pretendia ir.

- Espero que saiba o que está fazendo, Hermione — disse, acompanhando-a até o hall.

- Tenho consciência do perigo que corro e ficarei alerta — Hermione respondeu, com bom humor.

- Ficar alerta não é o suficiente. Você precisaria de uma armadura de aço em torno do coração para estar a salvo de Harry.

- Ora, não me diga que acha assim tão fácil apaixonar-se por ele?

- Não sou cega, nem ingênua. Sei que é um homem muito atraente, com uma virilidade capaz de deixar qualquer garota perturbada.

- Você certamente ainda não o viu depois que ele voltou para High Ridges, não é?

- Não, ainda não o encontrei, mas...

- Ele emagreceu muito, envelheceu, anda com uma bengala e sua mão está ainda muito machucada... Aliás, a extensão desse ferimento eu ainda não sei, mas pretendo descobrir rapidamente.

- Você está sentindo pena dele.

- A palavra "pena" é muito forte e cheia de um sentido dúbio. Prefiro dizer que sinto compaixão... tem muito mais calor e afeição.

- Oh, Hermione! — Gina suspirou, meio exasperada.

- Não se preocupe. Meu coração sabe como se preservar.

A viagem até High Ridges demorou pouco mais de meia hora. Quando ela chegou à casa de Harry pensou ter perdido tempo. As janelas estavam fechadas, e se não fosse pelo Jaguar estacionado não muito distante, teria voltado sem descer do carro.

Estava um dia quente e as sombras no jardim pareciam especialmente acolhedoras. Perto dali, numa pequena fonte, passarinhos refrescavam-se na água. Aquela tranquilidade acalmou-a. Bateu na porta certa de que Harry havia saído para andar um pouco, e ficou surpresa quando a figura alta e cansada surgiu.

- Hermione! — Ele estava realmente espantado e a olhava meio incrédulo, como se não soubesse direito o que fazer.

- Posso entrar ou vou ficar aqui na porta? — ela perguntou com vivacidade, notando o forte odor de mofo de volta que exalava do interior da casa.

- Acho melhor sentarmos na sombra aqui fora — ele apontou um banco no jardim, debaixo de uma árvore frondosa.

- Não é preciso dizer por quê — E lançou-lhe um olhar de desaprovação. — Por que não pede para Sam Muller mandar alguém fazer as tarefas da casa?

- Não quero ninguém por perto me incomodando.

- E suas refeições? — ela perguntou quando já estavam sentados no banco de madeira, uma distância confortável entre os dois.

- Tenho bastante comida enlatada no armário.

Hermione observou-o detidamente, notando como estava de fato magro e abatido.

- Não admira que suas roupas caiam sobre você como se fosse um cabide.

- Pareço tão mal assim?

- Ah, acho que toquei em sua vaidade masculina — ela brincou, reparando que uma lavagem naquelas roupas que ele usava não seria nada mal.

- Será que vaidade é bom ou ruim?

- Bom para você nesse momento, mas muito ruim quando se tem em demasia.

- O que aconselha então, dra. Granger?

- Oh, nada que seja muito desagradável, dr. Potter. Diria que precisa de mais ar fresco dentro de casa e uma boa refeição diária.

- Parece ótimo... Contudo, como poderia arranjar todas essas coisas?

- Ora, esse é um problema muito pequeno.

- Você estaria disposta?

- Talvez — Ela olhou-o com um olhar divertido. — Numa base puramente profissional.

- Não há dúvida quanto a isso. — Seu rosto tinha uma expressão séria, mas os olhos brilhavam zombeteiros e divertidos.

- Está combinado então! — ela disse, de repente.

- Está mesmo?

- Acho que sim, não é?

Dessa vez, foi Harry quem desviou o olhar. Ele remexeu-se no baco antes de voltar a falar.

- Gostaria de aceitar sua generosa oferta, mas...

- Não me diga que está preocupado com o que as pessoas podem dizer?

- Você não está?

Ela mentiu, pensando no que Gina diria.

- Nem um pouquinho.

- Sua reputação...

- Minha reputação depende de minha consciência e se eu a tiver tranquila, então não há com o que se preocupar.

- Seu senso de lógica me assusta — Harry admitiu.

- Nada assusta o grande dr. Potter — Hermione disse brincando.

- Não sou grande, nem doutor... Isso agora se tornou somente um título de cortesia.

Hermione sentiu o coração se apertar, produzindo imensa dor e tristeza. Contudo, sua voz era serena quando replicou:

- Nunca achei que fosse se tornar um fatalista.

- O tempo e as circunstâncias acabam transformando um homem.

- Num certo sentido, talvez, mas não é o que faz um homem com uma cabeça sadia como você sentar-se e dizer: "Está bem, o mundo pode desabar sobre minha cabeça que já não me importo!"

Harry sorriu, mas seu sorriso tinha algo de amargo que não passou despercebido a Hermione.

- Preciso enfrentar o fato de que minha carreira como cirurgião já chegou ao fim.

- E quem foi que lhe disse isto?

- Não é necessário alguém me dizer. Sou médico e sei a extensão de meus ferimentos e suas implicações.

- E então decidiu que não havia nada mais a fazer.

- Com os diabos, Hermione! — Harry parecia prestes a explodir. — Não posso nem mesmo segurar uma faca com facilidade, quanto mais um bisturi!

- No momento, sim, mas quem pode dizer o que aconteceria se você exercitasse sua mão com regularidade?

- Acho melhor mudar de assunto — ele falou com violência.

- Está certo — ela concordou e agarrou a primeira coisa que lhe passou pela cabeça para dizer: — Ainda não lhe contei que Gina e Draco tiveram uma menina na semana passada, no mesmo dia que você me encontrou na cidade. Ela vai se chamar Rosalie!

- Que bom — ele disse em voz baixa.

- Ora, Harry, você podia mostrar um pouco mais de interesse por eu acabar de ganhar uma sobrinha.

Harry suspirou.

- Tenho certeza de que Rosalie é uma menina linda... porém, não sabe o que a aguarda, tendo você como madrinha.

- Puxa, é isso que chamo de desconsideração para com os amigos!

- Gina e Draco ficariam furiosos se você encorajasse a menina a fazer as coisas que fazia quando era pequena.

- Ora, nunca pensaria em ensinar-lhe a subir em árvores e outras coisas, Harry. — Hermione brincou, fingindo que estava zangada.

- Subir em árvores não é nada... O que me assusta são as "outras coisas"

O ar divertido abandonou a face de Hermione quando ela olhou-o de frente.

- Eu era assim tão terrível? .

- Fico surpreso ao ver que ainda está inteira depois de ter quebrado tantos galhos fingindo que era Tarzan. — Ele sorriu. — Lembra-se de quando resolveu se transformar em toureiro? O touro premiado de seu pai a fez sair correndo e pular a cerca como nunca linha feito antes!

- Lembro-me de uma corrente que tinha no pescoço, naquela ocasião.

- O que me surpreende é que não tenha quebrado o pescoço.

- Ora, sou muito forte, não sabia?

- Quanto a isso, não tenho a menor dúvida!

- E além de ser forte, acontece que também tenho muita sede... Será que sua hospitalidade estende-se a um pouco de chá ou qualquer coisa assim?

- Há cerveja gelada no refrigerador.

- Deus me livre! — Ela fez uma careta de desaprovação.

- Talvez ache um pouco de chá no armário, mas duvido que haja alguma xícara limpa.

- É bem provável... Mas se conseguir achar o chá, gostaria de tomar um pouco comigo?

- Já que não me oferece cerveja... — Harry falou com ar sofredor — ... então acho que terei de aceitar o chá mesmo.

- Agora você está sendo sensível. — Hermione riu, enquanto levantava e ia para a cozinha.

Com as cortinas fechadas, a casa ficava escura e abafada. A cozinha estava da mesma maneira que Hermione a encontrara dias atrás, com pratos sujos espalhados por toda a pia. Entretanto, antes que pudesse fazer qualquer aposta a respeito, era preciso achar o chá, o que, aliás, acabou sendo fácil, já que estava numa das primeiras gavetas do armário. Enquanto a água fervia, Hermione conseguiu lavar alguns pratos e colocá-los para secar. Havia ainda muito mais a fazer e ela resolveu que no dia seguinte tomaria uma atitude.

Pouco depois, trazia a bandeja com o bule e duas xícaras para o jardim. Sabia que Harry observava todos os seus movimentos, enquanto servia o chá.

- Por que vendeu Riverside? — ele perguntou assim que começaram a beber o chá. — Era realmente necessário ou não tinha interesse em administrar a fazenda?

- Um pouco de cada coisa, eu acho. Meu pai não estava muito bem nos dois últimos anos e não tinha nem energia física nem condições para enfrentar a seca que se abateu por aqui. Grande parte do gado morreu, e o resto já não servia mais para venda.

- E então você decidiu vendê-la.

- Não foi uma decisão fácil. Mas eu sabia que era necessário alguém com espírito muito mais empreendedor do que o meu, para recolocar Riverside no mapa, como uma das fazendas mais famosas na produção de gado.

- E agora você tem todo o tempo livre?

- Não exatamente. Escrevo histórias infantis.

- E elas vendem?

- Sim — Hermione respondeu, olhando-o com seriedade, pois Harry não parecia dar muito valor àquilo. — E não seja tão cético quanto a isso!

- Perdoe-me, mas é que não consigo pensar em escrever histórias para crianças como uma atividade profissional e remunerada!

- Pois saiba que pagam muito bem.

- Não bem o suficiente, eu suponho, para ter salvo Riverside.

- Não, infelizmente. — Ele parecia acusá-la e Hermione não pôde mais conter-se. — Com os diabos, Harry, se pensa que fiquei feliz em vender a fazenda...

- Nervosa, nervosa — ele censurou-a com carinho, enquanto dava-lhe um pequeno puxão nos cabelos. — Sabia que seus cabelos brilham como ouro?

- Você está me machucando — ela protestou, seriamente perturbada por tamanha proximidade. Harry aproximou-se ainda mais.

- O que faria se eu a beijasse? — ele perguntou com suavidade, fitando os lábios vermelhos de Hermione de uma maneira que a deixava amedrontada, ainda que não se permitisse demonstrar isso.

- Provavelmente sairia correndo como um coelho assustado.

- Será que a idéia de ser beijada a apavora tanto?

- Beijar é uma coisa séria, que não deve ser como mero passatempo.

- E é dessa maneira que você acha que eu o faria? — Harry tinha um brilho perigoso nos olhos.

- Bem, acho que não vai querer que eu pense que possui sérias intenções a meu respeito, não é?

- Você certamente sabe como esfriar o ardor de um homem, não é? — Ele sorriu, soltando-lhe os cabelos. — É sempre assim tão franca ou só quando se vê num beco sem saída?

- Você já sabe que não consigo deixar de dizer aquilo que penso. — Hermione sentiu que seu coração começava a recobrar a calma.

- E como poderia ter me esquecido? — ele perguntou, com ar brincalhão.

Já era hora de terminar a visita, Hermione decidiu. Ela se levantou e pegou a bandeja com as xícaras vazias.

- Vou levar isso para dentro antes de ir embora... Você terá que se arrumar com comida enlatada até amanhã.

- Hermione...

- Compro algumas coisas quando vier para cá e depois você me paga — ela falou sem dar tempo para que Harry dissesse algo.

- Tem certeza que é realmente isso que deseja fazer?

- Você não vai tentar me impedir, não é? — ela encarou-o, com uma expressão de desafio.

- A idéia de uma bisteca frita com legumes é boa demais para que eu tente isso — Harry brincou.

— Não vou me esquecer dessa sugestão de almoço — Hermione disse, carinhosa. Pouco tempo depois, enquanto dirigia pela estrada, ia pensando no que cozinharia para Harry no dia seguinte.


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