Capítulo I



Os raios do sol da manhã filtravam-se pela fina cortina da janela e enchiam o quarto de uma luz clara e suave. As gavetas da cômoda estavam no chão, quase vazias. Ao lado do móvel, uma grande pilha de discos embalada aguardava o momento da remoção. Numa pequenina mesa ao lado da cama estava a máquina de escrever portátil e uma verdadeira montanha de papéis: Sobre a cadeira, os antigos álbuns de fotos da família.

Os passarinhos cantavam lá fora, já em plena atividade e, um pouco distante, ouviam-se os latidos de um cão. O dia estava lindo, mas Hermione Granger relutava em levantar e enfrentá-lo. Tinha trabalhado até tarde da noite passada, arrumando as coisas para a mudança.

Era necessário empacotar tudo que pretendia levar, jogar fora as coisas inúteis e separar o que seria leiloado mais tarde. Não era tarefa agradável desfazer-se daquelas coisas que a rodeavam desde a infância, mas não havia outro jeito. Seu pai tinha morrido, Luna, melhor amiga mais velha que ela, estava vivendo no Canadá e Gina, outra melhor amiga de infância, morava longe dali. Assim, Hermione não via outra opção se não desocupar a casa onde morou a maior parte de sua vida e que agora era grande demais para uma pessoa só.

O telefone tocou na sala de estar, abalando o tranqüilo silêncio da residência, e Hermione levantou, resmungando para atender ao chamado.

- Ja vou indo — ela disse com certa irritação, enquanto vestia o robe de algodão e corria apressadamente para a sala. Perto do telefone, bateu com o joelho na madeira do sofá sentindo uma dor aguda e aflitiva. — Alô! Quem é? — perguntou, massageando o local machucado.

- Pelo que vejo, apesar da linda manhã o seu humor não é dos melhores! — Gina falou do outro lado.

- Ainda estava deitada — Hermione informou, com um tom menos agressivo.

- Ainda!? Puxa, já faz tanto tempo que eu levantei.

- Fui dormir muito tarde ontem à noite e...

- Alguma festa, talvez? — Gina brincou. Sabia muito bem que a amiga tinha se ocupado com a arrumação da mudança.

- Ora, Gina. não vejo graça em sua piada.

- Está bem. Desculpe... Mas também não é necessário perder o Senso de humor, não é, Hermione?

- É o que estou tentando...

- Hermione, querida, estou telefonando para dizer que Draco e eu tivemos uma longa conversa e chegamos à conclusão de que seria um enorme prazer se você viesse morar conosco até decidir o que pretende fazer.

- É muita gentileza da parte de vocês, mas...

- Nada de "mas", Hermione. — Gina interrompeu-a com a voz simpática. — Draco me disse para insistir se você hesitasse e é justamente o que pretendo fazer. Temos lugar de sobra em nossa casa e para mim não seria nada mal ter alguém para me ajudar com o nenê.

- Então é por causa da ajuda e não pela minha agradável companhia que você me convida, Gina? — Hermione provocou a amiga, zombeteiramente.

- Agora você está parecendo mais a Hermione que eu conheço. — Gina riu do outro lado da linha. — E então, posso dizer para Draco que concordou em vir para cá?

- Sim, está bem... E muito obrigada, Gina.

- Olhe, tenho uma pequena fofoca que quero lhe contar. — Gina abaixou a voz, em tom confidencial. — Harry Potter está de volta à High Ridgss e pelo que ouvi, pretende ficar algum tempo.

Sentimentos há muito adormecidos no coração de Hermione pareceram ganhar nova vida. Um nó começou a formar-se em sua garganta.

- Como foi que ficou sabendo disso?

- O capataz da fazenda de Harry, Sam Muller, trouxe ontem um dos tratores para reparo e, naturalmente, contou para Draco.

- Compreendo.

- Bem tenho que desligar pois vou até a cidade fazer umas compras.

Depois de se despedir da amiga, Hermione voltou ao quarto, caminhando devagar. Sentou-se na cama com as pernas encolhidas e, enquanto abraçava os próprios joelhos, deixou as lembranças se sucederem.

Eram imagens de uma infância feliz, apesar de sua mãe ter morrido quando ela tinha somente quatro anos. Afinal, seu pai sempre lhe dera amor e carinho suficientes para suprir a ausência materna. Harry Potter tinha sido presença constante durante todos aqueles anos que ela crescia e se transformava em adolescente. Era um homem muito bonito, alto, forte e com um charme natural que atraia enormemente as três melhores amigas da famílias das redondezas. Porém, foi Luna, a mais velha e, sem dúvida, a mais bonita, quem conseguiu cativar sua atenção.

O período de que se recordava com mais nitidez era a época em que completou dezesseis anos. Até então, Harry era um mito para Hermione, quase um herói. Nessa fase, porém, seus sentimentos haviam se transformado e ela sentia tanto afeto por ele que seu coração se derretia cada vez que o via. Riverside, a fazenda da família de Hermione, era vizinha a High Ridges, a fazenda de Harry, e por isso era comum se encontrarem. Claro que ele percebia os sentimentos que, involuntariamente, despertava em Hermione, mas ela fazia tudo para que ele nunca soubesse da verdadeira extensão daquelas emoções.

Harry tinha vinte e oito anos na época, e seu nome começava a destacar-se no campo da cirurgia. Era mais um dos muitos homens com os quais Luna tinha se envolvido, mas não havia entre os dois algo realmente sério e profundo. Luna tinha vinte e quatro anos e, de acordo com o pai, já estava pronta para casar. Entretanto, ela nunca se entusiasmava com a idéia de formar uma família, preferindo seguir um destino de maior liberdade e independência. Gina, dois anos mais jovem que Luna, não era tão bonita como ela, ainda que fosse muito simpática e agradável. Foi sua natureza tranquila e sensível o que mais atraiu Draco Malfoy, filho de escoceses, que tinha trabalhado arduamente até conseguir transformar-se em dono de uma oficina mecânica em Pietersburg.

Hermione sempre havia sido uma criança impossível e aos dezesseis anos, era um verdadeiro terror. Sua língua afiada sempre dizia o que ela pensava, sem medir as conseqüências. O que muitas vezes a levava a discutir com a família e com as amigas. Entretanto, tinha um segredo que jamais contaria para ninguém, e que dizia respeito aos sentimentos que nutria por Harry.

A grande festa de Natal da cidade, naquele ano, foi algo que ela jamais poderia esquecer. Todos os jovens de Riverside se divertiam juntos, e Cho Chang estava entre eles. Ela colocara os olhos e as garras sobre Harry, que naquele mesmo dia foi seduzido pela extraordinária beleza e charme da garota. Ele tinha caído como um patinho e Hermione sentia raiva da vitória fácil de Cho.

Desde então as coisas nunca mais foram como antes. Cho logo partiu para Johannesburg para continuar sua carreira de modelo e Harry a seguiu pouco tempo depois.

Nos seis anos que se seguiram, Hermione só o encontrou uma vez e muito rapidamente. Por ocasião de um acidente trágico que tirou a vida de seus pais, Harry voltou a High Ridges mas partiu logo depois do funeral. Cerca de um mês depois, Sam Muller e a família estavam instalados na fazenda, contratados por Harry para tomar conta. Uma pequena casa foi construída ao lado do rio, para que Harry ficasse ali quando viesse à High Ridges, mas isso nunca aconteceu.

Gina casou com Draco dois anos depois da morte dos pais de Harry e estabeleceram-se em Pietersburg. Luna foi para o Canadá, seguir sua carreira de publicitária, e Hermione foi morar na Universidade, onde licenciou-se em literatura. Depois de terminado o curso, recusou as ofertas de emprego que surgiram e voltou para a fazenda do pai onde pretendia realizar seu sonho de escrever histórias para crianças.

A princípio, o sr. Granger não tinha gostado da idéia, mas os livros de Hermione logo começaram a ser publicados e ter boa aceitação. Agora, seis meses depois da morte do pai, Hermione estava firmemente estabelecida como autora de contos infantis.

Em todo esse tempo, Hermione esperava com temor a notícia do casamento de Harry e Cho mas, ao que parecia, eles preferiam manter o relacionamento sem as restrições impostas pelo casamento. A notícia do noivado, chegada há quatro meses, deixou Hermione desolada. Ela começava a conformar-se quando soube do acidente com Harry, que o deixou com uma perna quebrada em vários lugares, costelas fraturadas, a mão seriamente danificada e sem Cho, que, como era de se esperar, o abandonou no momento em que Harry mais necessitava de apoio.

Agora, três meses depois do trágico acidente, Hermione era informada de que Harry voltara à High Ridges. Seu futuro como cirurgião estava comprometido e a mulher que ele amava tinha partido para a Europa com um homem muito mais velho.

Pobre Harry!, Hermione pensou, enquanto se levantava e ia para o banheiro tomar uma ducha. Talvez mais tarde, ainda hoje, lhe fizesse uma visita.

A tarde já estava no fim quando ela finalmente pegou a bicicleta e pedalou para High Ridges. Sem saber por quê, sentia que estava nervosa agora que se aproximava do portão que ligava as duas propriedades. Há muitos anos atrás, aquele portão era usado por Harry e pelas meninas com frequência, mas agora estava trancado com cadeado, como para indicar que as pessoas deviam se manter afastadas

Hermione encostou a bicicleta junto á uma grande árvore e agilmente começou a pular a cerca de madeira. Mas antes que colocasse o pé no chão do outro lado, percebeu um movimento junto ao grande flamboyant, a alguns metros de distância.

Era Harry! Seu coração acelerou da mesma maneira de antes. Ele se apoiava numa bengala, a cabeça baixa, e tinha um ar de fraqueza e cansaço. Estava tão entretido nos próprios pensamentos que não a viu chegar. Depois de uma breve hesitação, Hermione falou, ainda sentada sobre a cerca de madeira:

- Bem-vindo à casa, Harry!

Ele virou rapidamente e o sorriso morreu nos lábios de Hermione quando ela fitou aqueles olhos verdes, frios como aço. Havia neles uma hostilidade que ela não podia compreender... Os cabelos dele começavam a ficar brancos nas têmporas, ela notou, e Harry parecia ter dez anos mais que sua idade real.

Ele também a estudava, certamente notando seu ar de moleque, vestida com calça jeans e uma camisa branca, de algodão. Mas não havia nada de infantil em seus seios redondos e suaves, salientes sob a camisa, e nos cabelos presos atrás da cabeça com um grande laço de fita amarela.

- O que você quer? — ele perguntou, num tom de voz estranhamente duro e frio.

- Bem, acho que um simples "boa-tarde" bastaria para começar.

- Então, boa tarde e até logo!

Aquela rudeza a espantou. Os olhos cor de mel denunciaram sua perplexidade, mas ela tentou recuperar o bom humor:

- Você não é muito sociável...

- Por que não vai para casa brincar com suas bonecas?

- Tenho vinte e dois anos, Harry, e garotas da minha idade não costumam mais brincar com bonecas.

- Sim, elas brincam com homens e o jogo consiste em ver quantos elas conseguem prender com suas garras afiadas até mandá-los embora!

- Acho que não gostaria de ter um homem preso em minhas garras afiadas... — Hermione replicou, divertida — ...seria muito desconfortável. Principalmente para o homem!

Apesar do esforço que fazia para tornar a situação descontraída, não houve sombra de sorriso no rosto de Harry. Ele apontou para a cerca, com a bengala, e perguntou:

- E então, vai ficar a vida inteira sentada aí em cima?

- Bem, posso descer, contanto que você prometa não me acertar com essa bengala ameaçadora!

- Com a cerca entre nós dois, seria difícil isso acontecer.

- Então, não vai me convidar para entrar?

- Não, não vou!

Aquele homem hostil e rude não podia ser o Harry Potter que ela conhecera há tantos anos. Hermione se recusava a acreditar que ele tivesse mudado tanto.

- Antes você era muito mais amigável, Harry. Lembra-se de uma vez em que...

- Tudo isso foi há muito tempo atrás.

- Sim, há muito tempo, antes que você tivesse sido tolo o suficiente para se envolver com Cho Chang. — Hermione falou com certa rapidez, mas imediatamente percebeu o que estava fazendo e sentiu vontade de morder a própria língua, odiando seu impulso de dizer sempre o que lhe passava pela cabeça.

- Saia daí e, se sabe o que é melhor para você, nunca mais apareça por aqui! — Os olhos de Harry brilhavam como se algo dentro dele estivesse a ponto de explodir.

Ele não esperou para ver se Hermione ficava ou partia. Deu-lhe as costas e caminhou em direção a casa. Aturdida, Hermione afinal saltou ao chão. Suas pernas tremiam tanto que mal conseguiam sustentá-la.

Confusa e espantada, ela voltou para casa. Suas intenções amigáveis tinham sido confundidas e rejeitadas... E claro que ela não tinha o direito de dizer nada, ainda mais da maneira como o fez. Agora, como resultado, a propriedade dos Battersby estava proibida para ela.

- Quando vai aprender a segurar essa língua? — era Gina quem perguntava ao telefone, naquela noite, depois de Hermione contar o que tinha se passado entre ela e Harry. — Você devia mandar-lhe uma carta pedindo desculpas.

- Acho que vou fazer melhor que isto... Farei uma visita formal e pedirei desculpas pessoalmente.

- Não sei... É óbvio que Harry prefere ser deixado sozinho.

- Ele precisa de ajuda, Gina.

- Não seja ridícula, Hermione! — Gina parecia francamente irritada. — Harry sempre foi auto-suficiente e acho que o melhor é deixá-lo sozinho até conseguir superar tudo isso.

Hermione não escutou o conselho da amiga e, na tarde do dia seguinte, voltou à fazenda de Harry. Depois de pular a cerca, andou até a pequena casa ao lado do rio. Antes de se aproximar, molhou o lenço na água e passou-o sobre o rosto, para suavizar o calor daquela tarde de verão. Foi nesse momento que percebeu que não estava sozinha.

- Harry — ela murmurou, enquanto fitava aquele, homem que se aproximava devagar, meio mancando. Tinha perdido muito peso mas seus músculos ainda eram fortes e a pele bronzeada.

- Pensei que tivesse lhe avisado que...

- Eu vim para me desculpar. — Ela interrompeu-o rapidamente. — Como sempre, acabo dizendo aquilo que não devo. — Hermione fitou-o com um sorriso tranquilo e amigável. — E então, será que estou desculpada?

Ele não respondeu imediatamente. Hermione pôde perceber como estava tenso e perturbado.

- Vá para casa, Hermione.

- Pelo menos você ainda se recorda de meu nome. Estava começando a temer que tivesse esquecido!

- Você não mudou muito — ele falava com um ar de cansaço. — Sempre foi uma menina impossível e pelo visto, transformou-se numa mulher impossível.

- "Hermione, o terror da família Granger". Sou eu mesma! — Ela sorriu abertamente, sentindo que talvez estivesse começando a quebrar o gelo que Harry insistia em manter entre eles.

- Você se lembra disso?

- Lembro-me de tudo que já disse Harry — ela murmurou com serena honestidade. — Será que se esqueceu de que eu tinha uma grande queda por você, nos meus dezesseis anos?

Aquela confissão, obteve o efeito que Hermione desejava e a frieza dos olhos de Harry foi substituída por um ar de divertida ironia.

- Você já superou isso, eu espero...

- Oh, sim! Como meu príncipe encantado, você caiu em desgraça no dia em que o vi beijando minha melhor amiga, Luna, na estufa de plantas, perto do mar!

- Penso que você já encontrou outro príncipe encantado, que valha mais a pena.

- Bem, não andei procurando um príncipe — ela disse e desviou o olhar, fitando o horizonte. Mas a sensação de que Harry a observava a fez virar-se mais uma vez, quando então notou o machucado na mão dele. — Dói muito, Harry?

- Não se meta onde não é chamada!

- Ora, não seja tão insensível, Harry.

- Não preciso e nem quero compaixão.

- Está bem! Que tal se nos sentássemos um pouco, ali perto do rio?

Harry concordou com a cabeça e começou a caminhar. Foi com grande dificuldade que conseguiu afinal abaixar-se para sentar. Hermione teve que reprimir o impulso de ajudá-lo.

Ela sentou-se perto dele, observando-o. Harry tinha um olhar vago e perdido. Será que era verdade que sua carreira como cirurgião estava destruída? Seus olhos percorreram a mão machucada de Harry e ela se lembrou da maneira como ele agitara fortemente a bengala no dia anterior. Aquilo bastava para mostrar que, afinal, sua mão não tinha perdido toda a agilidade. Ela gostaria de perguntar-lhe a respeito, mas não ousava.

- Você está estranhamente quieta. — Harry finalmente quebrou o silêncio.

- Não pensei que estivesse com muita vontade de conversar.

- E não estou mesmo.

- Então, não conversaremos.

Hermione deixou seu olhar perder-se pelos campos das redondezas, lembrando cenas da infância passadas naqueles lugares. Pouco depois, ouviu a respiração pesada de Harry, que tinha se deitado sobre a grama e agora estava adormecido. Dormindo, ele parecia muito mais o Harry que ela havia conhecido e amado quando era uma jovem de dezesseis anos. Se não fossem aqueles poucos fios de cabelos brancos, poderia jurar que estava de volta àqueles dias cheios de infortúnios, mas mesmo assim felizes, antes que Cho Chang aparecesse em cena. Cho é quem o tinha levado embora e, agora, seis anos depois, devolvera-o triste e amargo à High Ridges.

Um nó se formou na garganta de Hermione e ela desviou o olhar de Harry, fitando o céu, onde algumas nuvens cinzas começavam a se acumular. Seria bom que chovesse à noite, para amainar aquele calor e umedecer a terra ressecada.

- Eu dormi? — A voz de Harry a trouxe de volta à realidade.

- Sim — ela respondeu e, olhando o céu, sugeriu: — Acho que é melhor eu voltar para casa.

- Seu pai deve estar preocupado...

- Meu pai morreu há seis meses — Hermione explicou, enquanto se punha de pé.

- Eu não sabia. . . sinto muito!

- Nossa fazenda, Riverside, foi vendida, mas os novos donos permitiram que eu ficasse até o fim do mês. Isso significa que tenho mais duas semanas para desocupar a casa. Devo confessar que está sendo uma tarefa difícil decidir o que levarei comigo e o que deixarei para ser leiloado.

- E para onde vai? — Harry perguntou, enquanto mexia em um galho seco

- Ficarei com Gina em Pietersburg por algum tempo. Eles se ofereceram para me hospedar até que decida o que vou fazer e para onde irei.

Um pequeno silêncio seguiu-se até que ele olhou para cima e confirmou as previsões de Hermione.

- Acho que há uma tempestade se formando.

Muito mais do que imagina, ela pensou consigo mesma. Entretanto, tudo que disse foi:

- Gostaria de receber sua visita em Riverside, enquanto ainda estiver por lá.

- Obrigado.

- Mas você não pretende ir, não é? — ela replicou, sentindo a rejeição do convite amigável. — Prefere ficar sozinho do que em companhia de outras pessoas, não é mesmo?

Hermione mordeu os lábios ao perceber que mais uma vez dissera aquilo que não devia. De qualquer maneira, agora já estava feito e não havia meio de voltar atrás.

- É melhor você partir, Hermione, ou a chuva vai pegá-la antes que chegue em casa.

Sua voz era educada mas ácida, e Hermione esboçou um inútil gesto de desculpa antes de virar-se e começar a caminhar em direção à bicicleta. Ela pulou a cerca, consciente de que Harry seguia todos os seus movimentos, e saiu pedalando rapidamente, incomodada por sentir-se observada.

Hermione esteve muito ocupada nas duas semanas seguintes e não teve muito tempo para pensar em Harry, apesar de intimamente desejar que ele aceitasse o convite e viesse até sua casa, se é que podia chamar de casa o caos que a cercava. De qualquer maneira, com o tempo todo tomado pela arrumação das coisas para a mudança, ela não estava mesmo no melhor dos humores para receber possíveis visitantes.

Chovia muito no dia do leilão, o que não impediu que uma multidão tomasse a casa de assalto. Hermione sentia-se irritada em meio a todo aquele movimento e de tempos em tempos ia até o quintal, para escapar à frenética agitação do interior da residência.

Duas intermináveis horas depois, tudo estava acabando e o leiloeiro veio comunicar-lhe que tudo fora vendido, sem exceção de nenhuma peça. Esta seria sua última noite ali, rodeada daqueles objetos familiares. A mobília seria retirada na manhã seguinte e então ela seguiria com suas poucas coisas pára a residência de Gina, em Pietersburg. Seus olhos se encheram de lágrimas, mas ela afastou-se prontamente, pois aquela não era ocasião adequada para sentir-se triste.

Dormiu profundamente aquela noite e já estava de pé na manhã seguinte quando o caminhão veio afinal buscar a mobília. Por volta de meio-dia partiu para Pietersburg no confortável carro que o pai deixara, levando o que pôde. Sabia que ainda seria necessário voltar à tarde para buscar o resto de seus pertences pessoais.

Pouco tempo depois estacionava na garagem de Gina e a empregada veio correndo ajudá-la a tirar as coisas do carro.

- Vamos sair desse calor! — Gina convidou, levando-a pelo braço até o interior da casa, fresca e confortável. — Você parece exausta.

- Acho que poderia dizer o mesmo a seu respeito. — Hermione replicou, notando que a amiga também tinha um ar cansado.

- Esse menino na minha barriga já está ficando pesado demais! — Gina disse sorrindo, enquanto sentavam-se no confortável sofá da sala de estar.

- Você parece ter certeza de que será um menino.

- Draco é quem tem absoluta certeza disso! Eu não me importo, desde que seja uma criança sadia e venha logo!

- Bem, agora já está quase na hora.

- Hermione — Gina deu um grande sorriso —, nesse estado, uma semana pode parecer mais comprida que um ano! — Seus olhos se encontraram nesse momento. — Sinto muito que você tenha sido obrigada a fazer tudo sozinha.

- Ora, não havia outra maneira. — A venda de Riverside era um assunto que as desagradava, e Gina tentou contorná-lo.

- Você tem visto Harry?

- A última vez que o vi foi quando fui a sua casa, desculpar-me por ter dito aquela tolice. . . Ele está tão mudado, Gina!

- Como assim?

- Bem, além de parecer muito mais velho do que realmente é, transformou-se num homem amargo e até meio cínico.

- E você também não ficaria assim se a mesma coisa lhe acontecesse?

- Suponho que sim, mas... Ora, Gina, também não é o fim do mundo, não acha?

- Você tem que dizer isso a ele, minha querida.

- Quer saber de uma coisa? Acho que é justamente o que vou fazer.

Mais tarde, depois do almoço, Hermione voltou para Riverside para pegar o resto de suas coisas enquanto partia definitivamente, tomou a estrada secundária que levava a High Ridges.

A pequena casa de Harry, de paredes brancas e telhado vermelho, ficava linda em meio às árvores e ao lado do rio. Hermione sentiu-se meio nervosa ao ver o Jaguar branco de Harry estacionado perto da casa. Foi com o coração batendo forte que ela subiu os degraus da varanda e bateu à porta. Estava aberta, depois de bater novamente, ela resolveu entrar.

A casa estava numa imensa confusão, com uma grossa camada de poeira sobre os móveis. Na cozinha, toda a louça disponível estava suja, atravancando a pia. Um cheiro forte de mofo impregnava todos os aposentos da casa. Hermione nunca tinha visto nada como aquilo antes, e sentiu que devia tomar alguma atitude.

- Bem, acho que tenho de começar por algum lugar. — ela disse alto, enquanto colocava a bolsa sobre uma cadeira, antes de ir até a pia da cozinha.

Uma hora mais tarde não havia ainda sinal de Harry, mas a cozinha já estava bem mais apresentável, assim como a pequena sala de estar, livre agora da poeira e dos grande cheiro forte de mofo dos guarda-roupas.

Hermione não se sentia muito à vontade em invadir daquela maneira a privacidade de Harry, mas não teria sido capaz de partir deixando a casa naquele estado. Era estranho que Sam Muller não houvesse providenciado a limpeza mas de qualquer maneira, ela não tinha nada a ver com isso.

Não poderia esperar muito mais tempo. Começava a se preparar para deixar um bilhete quando um som às suas costas a fez virar-se.

Harry estava de pé, parado sob o umbral da porta da cozinha, e seu olhar não deixava dúvida de que seu humor era o pior possível. Ele fitou Hermione de alto a baixo, com os olhos frios de sempre. Ela nada disse, preparando-se para o que quer que fosse acontecer a seguir.




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