A cidade do pecado



Era noite. As luzes da cidade acessas, e muitos prédios. O local inteiro parecia estar tomado pelo pecado. Um clima de agitação, euforia, alegria, aquilo era Las Vegas, a cidade das luzes de néon.
Quando Válter e Petúnia chegaram na cidade, ela acordou sobressaltada. Apenas a pouco conseguira dormir e já havia acordado. A luz dos grandes letreiros de cassinos e hotéis a acordou.
Válter, que estava a seu lado, parecia não ter sido incomodado. Continuava a dormir em um sono tranqüilo e calmo até o momento em que Petúnia o acordou com um doce beijo no rosto.

- Chegamos - disse ela docemente.

Válter olhou pela janela. Era verdade. Estavam em Las Vegas. Para ele a viagem havia sido curta, pois dormira desde de que o ônibus deixou Los Angeles. Mas para Petúnia parecia que tinham cruzado o país. Só dormiu trinta minutos. Se sentia cansada e não via a hora de se deitar em uma cama quentinha e descansar. Consultou seu relógio e viu por fim que horas eram. Ainda nem era duas da madrugada, mas com uma viagem tão cansativa parecia que ela não dormia a dias.
O garoto ao seu lado porém não parecia nem um pouco cansado. Estava fascinado com a vista que tinha da cidade pela janela do ônibus.
Quando finalmente chegaram na rodoviária e desceram do veículo foi que Válter e Petúnia se falaram.

- E então. O que faremos agora? - perguntou ela enquanto pegavam suas malas.
- Já é tarde. Vamos para um hotel e amanhã de manhã nós procuramos um lugar para ficar - disse ele enquanto caminhava para fora da rodoviária.

Preferiram não pegar um táxi pois era melhor economizar já que iriam passar uma noite em um hotel. Foram andando pela nova cidade, que para eles era desconhecida. Válter continuava encantado com todo o glamour de Las Vegas, mas Petúnia não queria perder tempo e mandou ele se apressar. Teriam muito tempo depois para fazer turismo.
Algumas quadras depois da rodoviária encontraram um lugar onde poderiam dormir. Um albergue que tinha uma placa na frente dele escrito “O LUGAR DO VERDADEIRO DESCANSO”.
Não era muito atrativo por fora, mas deveria dar para uma noite. Ao entrarem um senhor, já na casa dos sessenta anos, com os cabelos brancos e vestido pobremente, veio na direção deles.

- Boa noite - disse ele gentilmente - Parece que deram sorte, já íamos fechar.
- Eu achei estranho um albergue ficar aberto até a essa hora - disse Válter.
- É... - disse Petúnia - Geralmente eles não fecham mais cedo?
- Os albergues tradicionais sim - disse o velho com desdém - Mas nós estamos em Las Vegas, e a maioria de nossos clientes vem para cá só depois de uma longa noite em cassinos onde perdem fortunas naquelas mesas ou nas máquina.
- Aposto que sim, mas nós queremos ir dormir logo - disse Petúnia já quase caindo no chão de tão cansada que se sentia.
- Ah, claro, claro... Eu imagino, a essa hora até eu tenho sono - disse o velho entre um bocejo e outro.
- De quanto é a taxa? - perguntou Pet não podendo evitar também de bocejar.
- Quinze dólares cada - disse o homem por fim - Ah... É melhor terem cuidado com suas bagagens - disse ele apontando para as malas de Válter e Petúnia no chão - Nós não nos responsabilizamos por nenhum roubo aqui dentro - completou naturalmente.
- Rou...roubo? - perguntou Válter amedrontado.
- Sim, sim... Isso tem acontecido muito ultimamente - disse ele com desprezo - Nunca aconteceu nada mais sério, exceto aquele terrível assassinato, mas foi uma vez só.
- Assassinato? - perguntou Pet com um temor na voz - Já aconteceu assassinatos nesse mesmo albergue onde nós vamos dormir?
- É...bem..., era um cara que roncava muito alto e não deixava ninguém dormir aí então tiveram que matá-lo.
- Er... pensando bem, nós já estamos indo - disse Petúnia enquanto pegava suas malas.
- Por quê? - perguntou o homem - É por causa da taxa?
- Não, é mais por causa... - começou Válter mas Petúnia o interrompeu com um pisada em seu pé.
- É, é sim... Nós estamos com o orçamento um pouco apertado neste mês - disse ela.
- Ah... entendo - disse o velho - Bem, de qualquer modo, aproveitem sua estadia em Las Vegas.
- Iremos aproveitar sim - disse Petúnia quando já estava do lado de fora - Esse homem é maluco ou o quê? Assassinato? Roubo?
- Parece que isso é muito comum por aqui - disse Válter.
- Só que eu não quero na minha primeira noite em Las Vegas que roubem minhas coisas. Vamos procurar um lugar decente nem se tivermos que passar a noite em claro - concluiu Petúnia iniciando sua busca pela fria madrugada de Las Vegas.

***

Era manhã. Um dia cinza e nublado começava. Petúnia, que estava sentada na cama, via tudo isso pela janela do quarto. Com certeza hoje choveria.
Já passavam das onze da manhã e Válter ainda dormia na cama ao lado. Petúnia não queria acorda-lo porque sabia que a noite anterior não havia sido nada fácil para os dois.
Depois de saírem de um albergue, eles vagaram em busca de um hotel barato e onde não houvesse o perigo de serem roubados enquanto dormiam. Isso não foi nada fácil quando se considerava que estavam na cidade do pecado e ainda mais por não conhecerem o lugar.
Mas por fim encontraram um hotel que externamente parecia estar caindo aos pedaços mas por dentro não era de todo o mal. Além disso, era o único que cabia no apertado orçamento do jovem casal.
Na noite anterior, mal chegaram no quarto e já se jogaram na cama. Nem tiraram a roupa. A exaustão lhe tomava seus corpos. Não falaram nenhuma palavra. Não era preciso. Os dois sabiam o quanto tinha sido difícil encontrar aquele rústico hotel.
Porém Petúnia mal conseguiu dormir novamente. Teve muitos pesadelos com seus pais e em certos momentos até imaginou que eram reais. Acordou diversas vezes em sobressalto e finalmente desistiu de tentar dormir e se levantou.
Petúnia achava lindo ver Válter dormir, mas teve que acordá-lo. Ele protestou.

- Que foi, Pet? - perguntou ele sonolento.
- Já é hora de acordar - disse ela docemente - Daqui a pouco é hora do almoço.
- Nossa, nem parece! Eu nem sinto que dormi - disse ele se levantando.
- Nem me fale. Eu não dormi nada a noite inteira - disse ela se levantado de sua cama e se preparando para partir.
- Nós vamos assim? - perguntou Válter - Com a mesma roupa que dormimos?
- Eu quero sair daqui logo. Nós temos que procurar um lugar definitivo para ficarmos e além disso vamos ter que arranjar algum emprego.
- Então parece que o dia vai ser longo...

Mal sabia ele o quão longo o dia seria. Logo que saíram do hotel começaram a procurar um lugar para morar. Já que teriam que viver algum tempo na cidade, deveriam arrumar um lar, não poderiam viver aquele tempo todo em um hotel.
Não foi tão difícil achar lugares baratos onde se morar, o problema maior era a qualidade. Durante a busca, Válter e Petúnia, estiveram em cada local pior do que o outro. Já estavam se desanimando e, mesmo que internamente, passou pela cabeça de Petúnia um possível retorno para Los Angeles.
Mas, quando o dia já começava a acabar e a noite se aproximava, Petúnia suspirou aliviada. Havia encontrado um lugar onde morar.
Nada muito sofisticado ou luxuoso, era verdade, porém era o suficiente para um jovem casal ter uma estadia tranqüila em Las Vegas.
Era uma pensão que ficava um pouco afastada do centro da cidade, mas para os lados do subúrbio. A dona dela era uma senhora gorda e já de certa idade, mas muito bondosa que deu um desconto a eles quando Válter e Petúnia contaram a ela a história do casal.

- Mas vocês formam realmente um lindo casal - disse Sra. Murphy, a dona da pensão - É uma pena que tenham sido obrigados a fugir. Mas, de qualquer modo, se sintam a vontade para passarem o tempo que quiserem por aqui - disse ela maternalmente - E podem ficar tranqüilos que os outros hóspedes não ficaram sabendo da história de vocês.
- Muito obrigada, Sra. Murphy, muita obrigada mesmo - disse Petúnia grata - Nós não sabemos como lhe agradecer.
- O prazer é todo meu em ter vocês aqui - disse ela carinhosamente - Mas então... - disse ela batendo palmas em sinal de reverência - Eu acredito que vocês devam estar cansados, pois passaram o dia inteiro procurando um lugar para ficar, não é mesmo? Pois bem, o quarto de vocês é o três - disse a Sra. Murphy lhes entregando uma chave - Se quiser eu posso ajuda-los a levar as malas para o quarto.
- Queremos sim - disse Petúnia feliz pelo carinho com qual a Sra. Murphy lhe tratava - Ah...! - disse ela se lembrando de algo - Válter, eu preciso que você vá lá fora e compre o jornal para nós. Precisamos olhar as ofertas de empregos.
- Está bem - disse Válter.
- Não há necessidade - disse a Sra. Murphy risonha - Podem pegar o meu - falou enquanto tirava da gaveta o jornal e entregava para Válter.
- Muito obrigada, de novo, Sra. Murphy - disse Petúnia agradecida.

Enquanto caminhavam pelo curto percurso entre a sala de entrada da pensão e o quarto número três, Petúnia reparou no quão zelosa a Sra. Murphy era com sua pensão. Apesar da decoração toda ser muito brega, tudo ali era muito bem conservado. O papel de parede estava inteiro e não rasgado como vira em outras pensões, o assoalho, que era de tábuas de madeira, estava muito bem polido e não rangia a cada passo além de que havia em quase todos os cantos da pensão alguma planta ornamental que era muito bem cuidada pela proprietária pois não estavam secas mortas como as das pensões que tinha visto.
Quando Petúnia adentrou no quarto tomou um susto. Pensou até em perguntar a Sra. Murphy se a tinha levado ao quarto certo, mas desistiu.
O espanto de Pet não foi à toa. O quarto era muito simples, porém muito limpo, muito conservado, igualmente a toda a pensão. Havia nele uma cama de casal, uma pequena televisão e um armário não muito grande. Logicamente não era o quarto dos sonhos dela, mas se comparado a sua situação, aquilo era perfeito.

- Então... eu vou deixar vocês à sós - disse a Sra. Murphy fechando a porta.

Pet ficou sem falar por alguns segundos, apenas admirando o seu novo lar. Válter parecia ter gostado também, pois já desfazia as malas.

- Nossa! Esse quarto é ótimo! Tem até cabides no armário - disse ele guardando uma calça jeans dentro do guarda-roupa - E você? Não vai desfazer as suas malas também? - perguntou ele.
- Agora não - disse ela se sentando em uma das camas - Vou procurar ofertas de emprego no jornal - disse abrindo o mesmo e procurando os classificados.
- E você não vai desfazer as suas malas? - perguntou ele retardadamente.
- Lógico que não! - repreendeu ela fortemente - Foi o que eu acabei de dizer - explicou-se.
- Então, as suas malas vão ficar fechadas?
- Não - disse ela docemente - Você vai desfazer elas para mim.
- Nossa! Você é muito mimada - falou ele bravamente.
- Você vai fazer exatamente isso o que eu falei porque você me ama - falou delicadamente.
- Está bem, está bem... - disse entre os dentes - Eu faço, eu faço...

E assim passaram a noite. Válter desfazia as malas e guardava a roupa no armário enquanto Petúnia procurava no jornal algum trabalho para ela e para Válter. De cinco em cinco minutos Petúnia supervisionava o trabalho de Val. Queria ver se ele não estava fazendo algo errado. Numa dessas vezes Válter se irritou.

- Se você quer bem feito, por que não faz você mesma? - perguntou Válter furioso.
- Em que você acha que eu poderia trabalhar? - perguntou Petúnia olhando fixamente para o jornal, ignorando o que Válter disse.
- Do jeito que você gosta de trabalhar... - disse ironicamente.
- Essa daqui me parece boa - disse ela enquanto fazia com uma caneta um círculo em um anúncio - Veja só... Secretária, boa aparência, idade máxima de vinte e cinco anos, não é necessário experiência, salário de oitocentos dólares.
- Até parece que vão lhe contratar - disse Válter com desdém.
- Por que não? Eu tenho tudo o que eles precisam - esclareceu Pet - Eu acho que tenho chances.
- E para mim? - perguntou Válter - Tem alguma coisa?
- É difícil encontrar algo - explicou ela - Parece que todos os empregos para homens são de crupiê de cassino.
- E qual é o problema disso. Eu acho que daria um bom crupiê - disse ele se gabando.
- Pois bem - disse ela jogando o jornal em cima dele - Procure você mesmo. Eu tenho que ligar para saber daquele emprego de secretária e marcar uma entrevista.

Pouco tempo depois Válter encontrou uma oferta interessante para ser o crupiê de um cassino chamado “Star Blue”. Ligou para o telefone do anúncio e marcou uma entrevista já para depois de amanhã, segunda-feira seguinte. Petúnia também marcou sua entrevista para depois de amanhã. Ela era candidata ao emprego de secretária de um advogado.
Com tudo já resolvido, Petúnia e Válter deitaram na cama para assistir um pouco de televisão, já que em breve ambos iriam trabalhar e não teriam mais muito tempo para ficar juntos.
Com o passar da noite Petúnia foi ficando com sono, fruto de uma noite mal dormida. Válter também já estava bocejante. Deitaram na cama, e nem a ansiedade da entrevista na segunda os impediu de dormir pesadamente.

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