O Chá das Cinco



Capítulo Oito

O CHÁ DAS CINCO

Nos últimos dias, Andi vinha se perguntando o que teria na sala que Dumbledore lhe falara que poderia ser do seu interesse. Jamais chegou a uma resposta, no entanto.

E, quando ela finalmente viu a sala, encontrou-se completamente surpresa.

Andi agora estava olhando para um enorme salão.

O chão daquele cômodo era revestido por um escuro assoalho de madeira envernizada – o qual fazia um belo contraste com o piso de pedra que cobria todo o resto do castelo. As paredes eram forradas de madeira escura até mais ou menos um metro e meio de altura; todo o resto era pintado com um delicado azul-claro, que parecia ter sido esfumaçado. No teto muito alto, destacavam-se dois enormes candelabros, cada um deles com pelo menos vinte velas enfileiradas. E, à frente dela, no final do cômodo, altas e estreitas janelas em estilo francês aparentavam abrir-se para uma varanda.

Por essas janelas vinha um nebuloso e empoeirado foco de luz do sol, como um tremeluzente holofote que recaía sobre o ponto principal do quarto:

Um grande piano de cauda.

Andi soltou a maçaneta e caminhou, quase sonhadora, até o piano.

Lentamente, retirou a lona que cobria o piano e seus olhos estreitaram-se. Um Beckstein.

Como ele sabia? Como Dumbledore poderia saber?

Levantou a tampa do teclado e passou os seus dedos pelas teclas marfim, produzindo um som qualquer.

O som do piano era maravilhosamente rico e ressonante.

Avidamente, ela caminhou em volta do piano, descobrindo-o mais. Quando a lona estava completamente no chão, ela abriu o piano, expondo as suas cordas, e voltou a sentar-se e concentrar-se nas teclas.

As notas musicais ecoavam no vazio do salão. Logo Andi soube o que tocar: com uma grande confiança conseguida com muitos anos de prática, ela começou a tocar Satie(1) - primeiro o Gymnopedie 1, passando por Gnossienne 1 e 5.

Como de costume, os seus olhos se fecharam ao ouvir aquela melodia que tanto lhe tocava. Os dedos deslizavam naturalmente pelo teclado e a música de Satie fantasmagoricamente ecoava pelo salão – exatamente como deveria.

Andi sempre deixava sua parte favorita para o final...

Faltavam apenas cinco notas, quando ela por um acaso abriu os olhos...

... e gritou.

Andi pulou do banco. Suas mãos instintivamente foram à sua garganta para sentir o seu coração que batia descompassado.

Parados ao longo da parede (entre ela e a porta, Andi notou subconscientemente), havia uma platéia – vários homens e mulheres em diferentes vestimentas, todos a observando em silêncio.

E cada um deles era transparente.

Um deles, trajando fraque e babados, aproximou-se de Andi – que recuou até as suas costas encostarem-se contra a parede.

- Por favor, não se assuste – o homem disse num tom muito educado e gentil. – Nós fomos atraídos para este lugar por este belo som.

- Essa sala não é usada há anos – disse um outro, caminhando até ficar lado-a-lado com o primeiro. – Por favor, você poderia continuar a tocar?

Morrendo de medo, Andi choramingou.

- V... v... vocês são fantasmas!

- Sim, somos – o primeiro homem concordou. – Mas ainda sabemos apreciar uma boa música.

- Jeremiah – disse maternalmente uma mulher que trajava um vestido armado. Ela repousou uma mão no braço do primeiro homem. – A jovem senhorita é uma trouxa, ela não está acostumada conosco. – Voltou-se para Andi e sorriu gentilmente. – Por favor, é tão raro que ouçamos tal música. Qual a peça que estavas tocando?

- Je... Je te veux – Andi balbuciou, mas já estava se acalmando; a voz macia da mulher lhe fez perceber que eles não estavam ali para machucá-la.

- Por favor... – a mulher gesticulou para o piano.

Com muita hesitação e sem tirar os seus olhos da platéia, Andi sentou-se ao piano, deslizou seus dedos pelas teclas e recomeçou a tocar.

A música ficava cada vez mais intensa, e os fantasmas começaram a formarem pares e deslizar pelo salão. Em choque, Andi quase perdeu o compasso; mas ela não parou e maravilhou-se aos poucos com as formas fantasmagóricas pairavam o chão.

Ela tocou duas peças. Um sorriso estampava-lhe o rosto quando parou.

- Eu lembro ter valsado em Veneza com uma música maravilhosa – disse uma jovem mulher de cabelos cheios e cacheados.

- Strauss(2)? – andi perguntou?

A mulher ofegou, pondo a mão em sua garganta, sobre o seu colar.

- Oh, se você pudesse tocar...

Andi tocou The blue danube, feliz ao ver o prazer no rosto dos fantasmas.

Depois, foi a vez de Chopin.

Após ter tocado mais ou menos uma dúzia de músicas enquanto os fantasmas dançavam, a porta do salão se abriu e um elfo-doméstico entrou carregando uma bandeja com um grande serviço de chá e bolos.

- Sim, sim, descanse, minha querida. Tome um pouco de chá – o fantasma insistiu.

Andi encaminhou-se para a pequena mesinha.

Na bandeja havia uma grande variedade de bolos e sobremesas. Alguns dos fantasmas estavam esvoaçando sobre elas.

Andi pegou uma xícara, pires e a jarra de prata de leite e se preparou para servir-se. Duas fantasmas que estavam próximas dela sobressaltaram-se.

- O quê? – Andi disse alarmada.

- Non, non, non! – disse a que usava um vestido muito justo e cabelo alto, balançando o dedo para Andi. – Essa xícarra de chá é d’ porrcelana limoges! Nunca sirva o leite prrimeiro numa Limoges!

E agora ela estava tomando lições de etiqueta de uma fantasma!

- Tá... Tá bom. – Andi serviu-se de chá, para somente então colocar o leite.

Levando consigo o chá, Andi encaminhou-se às grandes janelas. Seus olhos vagaram do gramado do castelo para o grande lago, que brilhava a luz do sol.

Um fantasma de aparência austera quase desapareceu no ar ao entrar em contato com a luz que entrava na janela, ao se aproximar de Andi. O seu rosto era comprido, destacando-se nele oclinhos pendurados em seu nariz, e ele usava uma peruca com rabo-de-cavalo.

- Obrigado por tocar tão maravilhosamente, minha querida. Tem sido uma tarde muito revigorante. Eu estava imaginando... Qual o tipo de música que os jovens gostam nos dias de hoje?

- Nada parecido com o que eu estive tocando – Andi sorriu, não mais se sentindo mal com a presença dos fantasmas.

O homem sorriu cheio de expectativa.

Andi ponderou: os fantasmas certamente não estavam prontos para ouvir Eminem. Mas, como ela havia trabalhado no circuito teatral amador, tocando para a orquestra, talvez ela pudesse mostrar algumas das músicas usadas em peças.

Ela começou com um pouco de Gilbert e Sullivan(3), para então tocar músicas de Amor, sublime amor, My Fair Lady – minha bela dama e Eles e elas.

Andi se surpreendeu quando, apenas por brincadeira, começou a tocar músicas de ‘Grease – nos tempos da brilhantina’. Os fantasmas ficaram tão extasiados com ‘Summer Nights’ que ela teve de tocar quatro vezes enquanto eles se dividiam em homens/mulheres, e cada grupo tentou aprender o máximo possível da letra da música.

Isso é surreal!

Uma bela jovem logo aprendeu a letra de Hopelessly devoted to you, e cantou de uma maneira tão bela que algumas fantasmas chegaram a chorar.

- Agora nós deveríamos dançar mais uma vez – disse um fantasma que parecia um general, esquentando suas mãos.

- Está bem – Andi disse e, completamente relaxada, riu. – Eu lhe ensinarei Time warp.(4) Acho que é apropriado.

Eles estavam se divertindo tanto enquanto dançavam ‘Time Warp’, e o salão estava tão barulhento por causa do piano, das risadas e da cantoria, que ninguém notou a porta se abrindo... Até que duas fantasmas deram um pequeno grito, chamando a atenção de todos. A festa logo se dispersou para os cantos do salão e Andi parou de tocar.

- Oh, professor – disse Andi, triste em ver seus novos amigos, um a um, dissolverem-se pelas paredes. – Eu não vi que você estava aqui.

Estraga-prazeres!

- São oito horas – ele disse. O seu rosto parecia ter uma leve expressão de surpresa quando ele abriu a porta, mas agora ele já tinha voltado ao seu usual aspecto severo.

- Sério! – Andi olhou para o céu através da janela. – Eu não fazia idéia.

Snape não respondeu: apenas continuou parado à porta, deixando claro que eles deveriam ir jantar.

Por que ela estava se sentindo como uma estudante que fora pega fumando?

Recusando-se a deixar que Snape a irritasse, Andi caminhou para fora do salão sem conseguir conter um meio-sorriso.

Ela tivera uma ótima tarde.

XxXxXxX

Desculpem-me pela demora! Eu juro que não vai se repetir!

Reviews, por favor!


1 Eric Satie foi um compositor e pianista francês nascido em 1886. Foi um dos precursores do minimalismo, abolindo as estruturas complexas e sofisticadas com absoluto despojamento e simplicidade da forma.

2 Johann Strauss Jr. foi um grande compositor austríaco. Entre a sua obra estão mais de duzentas valsas e diversas operetas, como Uma Noite em Veneza e Sangue Vienense.

3 Willian Gilbert e Arthur Sullivan, por volta de 1870, ditaram as bases do Musical contemporâneo ao aliar música, letra e enredo pela primeira vez.

4 Dança hilária presente no musical The Rocky Horror Picture Show, de 1975.

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