Oclumência



Vovó Molly, a senhora Weasley e a senhora Longbottom tentaram acalmar uma tia Gina que continuava ajoelhada no chão, prestes a se desfazer em lágrimas. Enquanto isso, Mia voltava para a sala secreta, na tentativa de falar com o senhor Potter. Sabia que não era o melhor momento para tal, mas ao menos precisava tentar. Porém, ao entrar na sala, percebeu que ele não estava mais lá. Apenas tio Fred e tio Jorge arrumavam as bagunças de um treinamento que não tinha mais clima para continuar. Tio Fred se dirigia ao irmão:

- Não podíamos ter deixado o Malfoy entrar aqui de novo depois de nos insultar no Natal. Era óbvio que aquela serpente maldosa iria causar problemas.

- Olha, Fred, eu concordo com você – respondeu tio Jorge, enquanto arrumava as almofadas coloridas numa caixa de papelão. – Ele é o marido da nossa irmã, embora isso possa ser resolvido com uma simples separação – e aqui Jorge fez uma careta, pois tia Gina gritou com um ímpeto renovado. – Bom, talvez não tão simples, mas há uma solução. Porém, nós não podemos mudar...

- O fato de que ele é o meu pai... – Hermes entrou na sala logo atrás de Mia, os ombros ligeiramente caídos e um olhar de derrota que não combinava com ele.

Lúthien entrou logo em seguida, saltitando como uma lebre no meio do descampado. Aproximou-se da janela e comentou displicentemente:

- Está nevando. Ele vai congelar lá fora.

- Quem vai congelar, Lúthien? – Mia questionou, aproximando-se da amiga para observar o jardim. A loira não precisava, mas respondeu com o olhar perdido e um tom de voz óbvio, enquanto desenhava estranhas figuras no vidro embaçado da janela:

- Harry Potter.

Mia se precipitou para a saída, imaginando que seria seguida pelos outros. No entanto, ao virar o pescoço para encarar os amigos, percebeu que eles não haviam saído do lugar. Lúthien apenas sorriu, enquanto incentivava a ruiva com um aceno de cabeça. Hermes sequer a olhou, envolvido que estava com seus próprios problemas. Então, Mia seguiu para o jardim sozinha.

Ao abrir a porta da mui antiga e nobre casa, o vento cortante atingiu o rosto da menina, fazendo com que, instintivamente, ela fechasse o casaco e envolvesse a si mesma num abraço. O silêncio do lado de fora da casa era, ao mesmo tempo, tranqüilizante e opressor depois da movimentação intensa das últimas horas. A sensação que Mia tinha era de que fora transportada para outro mundo. Um mundo branco, gelado e solitário.

Talvez tenha sido essa a sensação que o homem de olhos verdes e cicatriz na testa havia buscado. Um refúgio de sua própria existência. Uma maneira de esquecer aquilo que vivia. Mesmo sem recuperar suas memórias, o senhor Potter parecia saber muito bem o que sentia em relação à tia Gina. E mais ainda em relação a Draco Malfoy.

A ruiva se aproximou com cautela e, sem quebrar o silêncio que os rodeava como numa redoma de vidro, sentou-se ao lado dele. Era como se ele não tivesse notado a presença de Mia, pois continuava com os olhos verdes perdidos no branco dos flocos de neve. Era quase como uma cegueira ao contrário, branca e voluntária, um véu claro de esquecimento e falsa paz.

- Senhor Potter...

- Pode me chamar de Harry, Mia – ele respondeu, sem tirar os olhos da neve. – Eu já devia ter dito isso antes para você.

- Harry, eu...

- Você tem tido sonhos, Mia?

A pergunta repentina sobressaltou a menina. Como ele poderia saber algo sobre seus devaneios? Era apenas isso que eles eram: sonhos, uma manifestação inconsciente, que nada tinha de real ou premonitório. Mesmo porque não se tratavam de figuras conhecidas, embora cada uma delas lhe fosse absolutamente familiar, a ponto de ela se reconhecer como a dama de vermelho.

- Não precisa se justificar – Harry continuava falando, ainda sem deixar de encarar a fofa neve que recobria o jardim, como se adivinhasse a confusão dos pensamentos da menina. – Eu só quero que tenha cuidado. Voldemort é um bruxo muito astuto, ele sabe como nos fazer perecer. Somos movidos por amor, um sentimento que ele despreza.

- Como o senhor... quer dizer, você, se lembra disso tudo? – questionou a menina, olhando diretamente para ele.

- Há certas coisas, minha cara – e, nesse momento, ele finalmente a encarou – que não se esquecem. O Obliviate apaga memórias, mas os sentimentos são muito mais complexos. Eles não deixam marcas visíveis e é impossível enxergá-los se você nunca os sentiu. Voldemort pode ter excelentes obliviadores, mas jamais conseguiria apagar o fato de que Rony e Hermione se amam. Ou ainda o sentimento materno de Molly em relação à Gina.

- Ou ainda os seus próprios sentimentos em relação a ela e Draco Malfoy – Mia completou quase que involuntariamente, e Harry apenas concordou com um aceno de cabeça, voltando a fitar a neve em seguida.

- Acho que você deve aprender Oclumência.

E Harry não disse mais nada. Mia não conseguia entender porque perdia a coragem diante dele. Tinha um enorme respeito por aquele homem e por tudo o que ele já tinha passado na vida. Talvez esse respeito traduzisse até um medo guardado dentro dela, um temor de não conseguir fazer nem metade do que ele tinha feito para enfrentar Voldemort. Mesmo depois de tanto lutar, e sendo um grande bruxo, ele havia perecido. O que ela poderia fazer contra as forças do Mal que fatalmente estava destinada a enfrentar?

- Eu também acho que Daniel está vivo – disse Mia, sem poder se conter.

- Eu sei disso – e, pela primeira vez, pelo menos que a menina se lembrava, Harry Potter estava sorrindo. – E é por isso que deveríamos aprender a trancar a nossa mente. Talvez eu ainda possa te explicar como fazer. Nunca fui muito bom nisso, mas é o melhor que temos.

- Sim...é o melhor que temos... – Mia apenas concordou, e desta vez foi ela que fitou o horizonte esbranquiçado à procura de respostas que ainda estavam muito distantes.




Mia entrou novamente na casa, deixando Harry envolto em seus próprios pensamentos. A mente da ruiva estava longe dali, passeando por lembranças que ela não queria mais conter. Seus passos a levaram instintivamente à sala secreta, onde ela entrou sem sequer bater, imaginando que não haveria ninguém ali. Quando fechou a porta atrás de si, deu com Hermes sentado numa das poltronas, os olhos fixos na figura da menina.

- Conversou com ele? – a voz do menino estava gelada e cortante quando falou. – Já combinaram uma viagem mirabolante para recuperar o corpo de um morto?

A dor não podia ser maior. Do que Hermes estava falando? Como ele ousava se referir a Daniel daquela maneira?

- Hermes, acho que você foi longe demais – Mia se aproximou do amigo, que tinha o rosto fechado, cada músculo contraído enquanto a encarava com uma expressão feroz. – Está chateado pelo que aconteceu com seu pai, mas isso não quer dizer que você tem o direito de insultar Daniel só porque ele é filho do Harry. Eu já expliquei milhares de vezes os motivos pelos quais eu acredito que nosso amigo está vivo. Você deveria ser menos cético e passar a considerar o que eu digo com a luz da razão.

Sem perceber, a ruiva deixou que o tom de voz dela crescesse enquanto se aproximava de Hermes. O loiro se levantou, visivelmente alterado, encarou-a no fundo dos olhos e começou a falar:

- Claro, é fácil deixar de ser cética quando a magia só traz benefícios, como é o seu caso – enquanto falava, Hermes apontava o dedo para Mia, quase o encostando ao rosto da amiga. - Mas olhe para mim! Essa porcaria de poder destruiu minha família e tirou do meu convívio o meu melhor amigo! E eu tenho que agüentar uma maluca que fica dizendo o tempo inteiro que o cara está vivo, vê se pode!

- Não tenho a intenção de criar falsas ilusões, Hermes – Mia agarrou involuntariamente o pulso do amigo, irritada que estava com a atitude de desafio dele. – O que eu digo é o que eu sinto!

- Ah, Mia, estou cansado dessas baboseiras de mulheres – e o loiro puxou o pulso com força para se livrar, sendo arranhado sem querer pela menina. – Há certas coisas que não devem ser revividas, lembranças que não devem ser remoídas, certos fatos que precisam ser esquecidos!

- Eu jamais vou me esquecer de Daniel, você pode dizer o que quiser! E acho que estou muito mais certa que você, agindo com esse ímpeto de esquecer tudo e deixar para lá, como se o Daniel fosse uma antiga doença já curada e que merece ser esquecida!

- Chega de inventar histórias, Mia! Daniel está morto. Morto! – Hermes afirmava, já aos berros.

- Ele está vivo! – Mia repetiu, com convicção. – Eu tenho certeza disso!

Ambos se encararam nos segundos que se seguiram, os rostos muito próximos, as respirações ofegantes no mesmo compasso. Os olhos cinzentos de Hermes faiscavam de fúria reprimida tanto quanto os de Mia, e uma aura vermelha e azul começou a envolvê-los, cada elemento lutando para vencer o seu oponente, ar e fogo num duelo para ver quem era o mais poderoso entre os dois.

Mia e Hermes sequer perceberam o momento em que ambos cederam e se entregaram a um profundo beijo, os corações batendo como tambores que anunciavam o fim do mundo enquanto seus elementos se fundiam numa explosão de cores que fazia o chão da mui antiga e nobre casa tremer.




N/A: Pessoal, desculpe a demora para postar esse capítulo, mas estava rolando um problema com a Floreios & Borrões e eu não conseguia atualizar nada! Mas agora aí está, um pouco mais de tensão Hermes/Mia para vocês, e a história se aproximando do fim.

Agora estou de férias da faculdade, mas com dois empregos. Mesmo assim, fiquem atentos porque vou atualizar a fic uma vez por semana, toda sexta-feira a partir de hoje.

E, claro, aguardo o comentário de vocês! Espero que estejam gostando e não deixem de opinar: Daniel vivo ou morto?

Beijos!

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