O segredo de Draco



Meio sem graça, Hermes sorveu o conteúdo da xícara, não sem produzir uma careta ao sentir o gosto amargo da poção para curar bebedeiras. Mas, depois de encarar o sabor esquisito do líquido, já estava se sentindo tão bem como se não tivesse tomado absolutamente nenhuma gota de vinho dos elfos. A única sensação que persistia no fundo do estômago era um vazio, e ele percebeu que estava com fome. Mia também se sentia assim, afinal, não comeu nada do delicioso banquete preparado para as comemorações de Natal. Mas não havia tempo para nada disso agora. Era preciso entender o que eles viram, o que significava tudo aquilo e por que o senhor Malfoy simplesmente era odiado por todos. Como tia Gina, que era irmã de Rony, tinha se casado com Draco, afinal? Como se lesse as angústias dos pensamentos de Hermes, principalmente, Wyrda voltou-se para ele:

- Teu pai não era uma pessoa boa, Hermes Wyrdness.

- Do que você me chamou? – Hermes questionou, intrigado.

- Wyrdness – foi Mia quem respondeu, ligeiramente sem graça por não ter ainda explicado ao amigo sobre a forma como O Oráculo os chamava. – Quer dizer Renegados na língua antiga. É o que nós somos...

- Isso mesmo, Mia Wyrdness. Como eu dizia, Draco Malfoy não era bom...

- É... isso eu fui capaz de notar – o loiro não pôde deixar de imprimir à sua própria voz um tom aborrecido.

- No sexto ano em Hogwarts, aos dezesseis anos de idade, Draco Malfoy se alistou nas fileiras do Lorde das Trevas, sendo para sempre tatuado com a Marca Negra no antebraço esquerdo – Hermes abriu a boca para contestar, tentando dizer que nunca havia visto tatuagem nenhuma no braço do pai, mas Wyrda não se deixou interromper – Nem sempre ela está visível, principalmente para os Renegados, que tiveram seus vínculos cortados com o Lorde. Mas o fato é que Draco recebeu uma importante missão para a causa da Magia Negra: matar Dumbledore.

- Quem é Dumbledore? – Mia questionou, como se o nome não lhe fosse totalmente estranho.

- Dumbledore foi um dos melhores bruxos e um dos mais queridos diretores que Hogwarts já teve. Foi morto pelas mãos de um dos professores da Escola de Magia e Bruxaria...

- Mas você disse que meu pai deveria matá-lo – Hermes interrompeu, ansioso por entender a história que seus pais nunca lhe contaram. – E acredito que, com dezesseis anos, ele não pudesse ser mais que um estudante.

- E ele era apenas isso, Hermes. Mas Severo Snape, Mestre de Poções e posteriormente professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, fez um Voto Perpétuo com tua avó, Narcisa Malfoy, para que protegesse Draco caso o filho não conseguisse cumprir a missão destinada pelo Lorde das Trevas. Teu pai não conseguiu matar Dumbledore. Ele não era mau o suficiente, mas apenas condicionado a seguir o lado negro da magia. Nascido e criado num lar que exaltava este tipo de prática desde a tenra infância, Draco foi levado a acreditar que atuava do lado certo, principalmente pelas pressões e influências de teu avô, Lúcio Malfoy. No entanto, Draco se descobriu numa grande enrascada quando viu que sua coragem não seria suficiente para matar o diretor.

- Meu pai era um covarde, então? Como Harry Potter falou? – Hermes parecia consternado e pressionava a palma da mão na testa, como se a dor de cabeça não tivesse sido apagada pela poção do Oráculo.

- Não foi isso que eu disse, Hermes. Coragem para matar não é uma virtude – e o loiro engoliu em seco ao reconhecer a verdade nas palavras de Wyrda. – Então, Snape teve que cumprir sua parte no trato, assassinando Dumbledore em Hogwarts, na presença de Harry Potter.

- Por que Harry não fez nada para impedir? – agora era a vez de Mia interromper, a pergunta escapando dos lábios como se tivesse vida própria.

- Porque ele estava imobilizado pelo próprio Dumbledore. E isto foi uma coisa que Harry nunca entendeu bem. Dumbledore confiava em Snape, e mesmo assim o professor foi o responsável por pronunciar a Maldição que o mataria. Embora eu não possa deixar de citar que Dumbledore já estava envenenado por uma poção que havia bebido.

- Mas... e meu pai? O que aconteceu com ele? – Hermes voltou ao assunto.

Wyrda caminhou até a bacia de pedra e fixou o olhar por um tempo nela, como se tentasse lembrar os pormenores de uma história que aconteceu há muito tempo. As linhas finas que maculavam o canto de seus olhos e enrugavam sua testa conseguiam evidenciar uma missão que talvez fosse pesada demais para apenas uma pessoa carregar. Mia pensou na responsabilidade do Oráculo. Era como se ele tivesse as angústias do mundo nas costas e fosse obrigado a carregá-las sem ser antes questionado sobre seu desejo. Era um dom e um fardo ao mesmo tempo. A ruiva desceu os olhos e fixou-os nas mãos de Wyrda, apoiadas na bacia de pedra, os nós dos dedos brancos por conta do esforço. Ele estava tentando se segurar na borda da Penseira? Os pensamentos da menina foram interrompidos pela voz do Oráculo, que recomeçava a falar:

- O jovem Malfoy não pôde voltar ao convívio dos Comensais da Morte, pois era considerado um traidor. Sendo assim, fugiu e ficou sob a proteção de Narcisa por um breve período de tempo, até que ela foi encontrada e assassinada pelas mãos da própria irmã, Belatriz Lestrange.

- A mesma Belatriz de Azkaban? – Mia questionou, lembrando-se da mulher que viu na prisão bruxa.

- Sim, Wyrdness, a mesma.

Mia e Hermes pareciam incrédulos. Como aquela mulher tão forte, com um senso de direção e mobilidade acentuados, poderia ter, no mínimo, a idade de Vovó Molly? Era impossível que um ser humano normal pudesse ser conservado de maneira tão perfeita, a não ser por meio de alguma magia que a dupla desconhecia. O Oráculo voltou a contar a história como se não tivesse sido interrompido:

- No entanto, Draco conseguiu escapar das garras da tia antes que ela pudesse exterminá-lo também. Com a ajuda de Snape, foi levado para a sede da Ordem da Fênix, no Largo Grimmauld, em Londres. Lá, ele era mantido praticamente como prisioneiro, sem poder participar de qualquer reunião ou ação discutida e executada pela Ordem. Ninguém confiava nele. Depois que Draco chegou, a Ordem providenciou que o Fiel do Segredo para se entrar no Largo Grimmauld fosse trocado. Afinal, eles temiam que Snape liderasse uma frente de Comensais da Morte para atacar o local. Com o conhecimento da versão de Harry Potter sobre a noite da morte do diretor, só podiam deduzir que Snape foi quem deixou Draco no Largo Grimmauld. Os membros da Ordem suspeitavam que Draco estivesse ali a mando do Lorde, e não acreditavam que vinha sendo considerado um traidor pelos Comensais. Só o aceitaram mesmo porque Harry garantiu que Dumbledore havia assegurado a Draco que a Ordem o protegeria caso ele deixasse o lado das trevas. Draco, por sua vez, passou a viver em constante contradição: odiava Potter com todas as forças por saber que vivia na casa que era dele, mas ao mesmo tempo reconhecia que, sem a ajuda da Ordem, àquela altura já estaria morto.

- Mas e tia Gina? – a ruiva continuava curiosa, sem entender como o relacionamento entre os dois havia começado.

- Sim, e a minha mãe? Porque se todos odiavam meu pai, é certo que ela também não gostava dele. Então, por que se casaram?

- Aconteceu algo inusitado com tua mãe, Hermes. No início ela não comparecia às reuniões da Ordem, pois ainda freqüentava as aulas em Hogwarts. Apesar de poucos alunos terem retornado para a escola depois da morte de Dumbledore, ela reabriu para receber aqueles que queriam continuar seus estudos. Gina permanecia afastada do grupo porque havia terminado recentemente um relacionamento com Harry, mas...

Hermes interrompeu Wyrda com um engasgo seguido de uma tosse muito forte. Mia batia nas costas do loiro, enquanto perguntava aquilo que obviamente ele não teve a oportunidade de completar antes de se engasgar:

- Tia Gina foi namorada de Harry Potter?

- Sim, meus caros. Mas o relacionamento deles acabou logo depois da morte de Dumbledore. Harry se afastou dela, tentando em vão protegê-la. O que posso lhes dizer é que Gina estava determinada a ajudar de alguma forma. Então, fornecia informações importantes de dentro de Hogwarts para Hermione, secretamente. Ambas se correspondiam por corujas, até que Gina foi enganada por um falso chamado de Hermione para que ela comparecesse a Hogsmead. Ela saiu de Hogwarts escondida e foi raptada em plena luz do dia por Comensais da Morte. Neste momento, Hogwarts afundou e a Guerra enfim irrompeu com força total. Draco foi seqüestrado do Largo Grimmauld e enviado a Azkaban como prisioneiro. Snape convenceu Voldemort a não matá-lo com um argumento cruel: torturá-lo seria retardar o sofrimento, uma boa forma de pagar pela traição que havia cometido. Voldemort aceitou e o manteve prisioneiro. Snape mais uma vez interveio de forma a colocar os dois seqüestrados, vossa mãe e vosso pai, Hermes, juntos na mesma cela.

- E então minha mãe resolveu ficar com meu pai? Só porque ele estava ali, preso junto com ela?

- Hermes, nada é tão simples quanto parece. Draco foi o responsável por salvar a sua mãe das garras de Voldemort. Depois, também foi ele quem ajudou-a a encontrar e proteger Harry Potter, mesmo o odiando. Quando Gina partiu para ajudar Harry pela última vez, Draco ficou furioso.

- Então é isso! O motivo pelo qual meu pai anda tão irritado e briga sempre com minha mãe! Ele está com medo de perdê-la. Quando viu novamente os Renegados reunidos, relembrou as antigas disputas e pensou que mamãe poderia reencontrar Harry, se ele ainda estiver vivo.

- Tu pensas de forma lógica, Wyrdness, mas te esqueces de que ninguém manda nos desígnios do coração...

Um silêncio constrangedor tomou conta da sala. Mia queria falar, questionar o Oráculo, mas ao mesmo tempo achava que não deveria intervir. Hermes precisava digerir os novos fatos que descobria sobre a própria família. Então, ele mesmo quebrou o silêncio:

- Tudo bem, agora entendo algumas coisas sobre o relacionamento dos meus pais. Mas sobre o que os pais de Mia e Harry Potter falavam naquela casa? Horcruxes. O que é isso, afinal?

Wyrda apertou com mais força ainda a borda da bacia de pedra, e seu rosto se contorceu num esgar de dor, rapidamente repelido pelo próprio auto controle. Em seguida, respirou profundamente antes de prosseguir:

- Voldemort só conseguiu vencer a guerra porque é imortal - a simplicidade da declaração quase arrancou o ar dos pulmões da dupla.

- Como assim imortal? – Mia foi a primeira que conseguiu falar. – Se ele não pode morrer, porque os Renegados estão se reunindo novamente? É guerra perdida!

- Não, Mia, não é – Wyrda começou a explicar, os olhos fixos na massa rodopiante da bacia de pedra. – Voldemort submeteu sua alma a uma das mais negras magias de que se tem conhecimento. Poucos bruxos fariam o que ele fez: Voldemort dividiu a alma em sete pedaços e encerrou-os dentro de relíquias preciosas para ele. Sendo assim, ele teria sete vidas, aproximando-se mais do que nunca da imortalidade. Para matá-lo, é necessário primeiro se certificar da destruição das outras partes, o que o tornaria novamente mortal.

- Mas basta isso para ser imortal? – os olhos de Hermes brilhavam de ambição. – Dividir a alma e guardar os pedaços dentro de coisas?

- Não é tão simples quanto parece, Hermes – O Oráculo olhava carinhosamente para o loiro, como se explicasse um assunto de adultos para uma criança. - O encantamento proferido para realizar a magia é tão forte que apenas bruxos muito experientes conseguem utilizá-lo. Além disso, a alma só se divide de uma forma: quando você mata um ser humano. Para ter uma horcrux, é preciso ser um assassino.

Hermes engoliu em seco. O brilho da ambição sumiu do olhar do loiro e deu lugar à incredulidade e a uma constatação que o fez tremer: Voldemort matou pelo menos seis vezes para fazer suas horcruxes.

- Harry e a Ordem conseguiram destruir quase todas as horcruxes, menos uma. Acredita-se que ela seja a única que resta depois que Harry caiu. Voldemort não se importou em fazer outras, afinal, não havia mais o que temer com o sumiço do único que poderia vencê-lo, de acordo com uma antiga profecia. E Voldemort sempre deu muita importância às profecias.

- E que relíquia é esta que falta para destruir? – a voz de Mia soava bastante ansiosa, mas era como se algo dentro dela já soubesse a resposta.

- A relíquia que pertenceu a Rowena Ravenclaw. A fundadora que emprestou seu nome à Casa de Corvinal em Hogwarts.







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