Vinho dos elfos demais



- Renervate!

A voz de tia Gina, murmurando o contrafeitiço para tentar acordar o senhor Malfoy, era o único som que se ouvia na sala secreta da mui antiga e nobre casa. Ao lado da mulher, Hermes e Lúthien acompanhavam cada movimento, enquanto Mia abandonava o espelho e se aproximava do grupo. A loirinha conservava um sorriso ingênuo nos lábios, como se achasse bastante engraçado o fato de tia Gina apontar uma ripa de madeira para o marido e falar uma palavra estranha em outra língua repetidas vezes.

Os olhos do senhor Malfoy pareceram se mover nas órbitas, mas ele não os abriu. Murmurou algumas palavras desconexas que fizeram com que tia Gina voltasse a ter os olhos molhados pelas lágrimas. Com uma expressão de determinação no rosto, virou-se para o filho:

- Hermes, vou levar seu pai de volta para casa. Preste atenção em tudo o que for necessário, depois tentarei voltar. Caso não consiga, quero que fique como porta-voz dos Malfoy nas discussões desta noite, está bem? Embora eu ache que elas foram totalmente interrompidas depois de tantos acontecimentos.

- Tudo bem, mãe – Hermes respondeu com a voz meio engrolada, como se tivesse comido algo seco e não terminado de engolir. Fez menção de continuar a falar, mas logo pousou os olhos novamente no corpo do pai que, no minuto seguinte, sumia com um craque juntamente com tia Gina.

Mia ficou observando Hermes, que continuava ajoelhado. Não percebeu que Lúthien se deslocava pela sala e examinava os estranhos objetos dispostos nela. Passou pelo armário sumidouro, pelas caixas da Gemialidades e, somente quando parou em frente ao espelho foi que Mia se deu conta da presença da menina.

- Ei! Este espelho é bem legal! Olha só, eu estou vendo e...

- Lúthien, não mexa nisto! – a voz de Mia estava embargada pelo medo, pois a ruiva não queria que a loirinha a questionasse sobre as visões refletidas no estranho objeto. Mia imaginava que Lúthien veria o mesmo que ela.

- Tudo bem – disse a loira no momento seguinte, perdendo todo o interesse no espelho, como se ele não estivesse ali de verdade. - Então, o que faremos agora?

- Como assim o que faremos agora? – Mia olhava para a menina, que sustentava o ar de indagação divertida no rosto e, ao mesmo tempo, enrolava uma mecha do cabelo loiro no dedo indicador. – Você vai voltar para a ceia de Natal enquanto eu vou conversar com o Hermes, tá?

Da forma mais educada possível, Mia pegou a mão de Lúthien sem sequer olhar para o espelho, trancando a porta em seguida. A loira não teve tempo de protestar. Mia respirou fundo antes de voltar os olhos para Hermes novamente, e o que viu a deixou em estado de choque. Ele estava deitado no chão, meio desfalecido, as pernas posicionadas num ângulo bastante estranho. O casaco estava aberto e mostrava a camisa que ele usava por baixo meio levantada na lateral. A pele da parte de baixo das costas estava exposta por conta da posição desconfortável. Era branca como leite e tinha uma textura lisa e macia, mesmo observada daquela distância. A testa estava molhada de suor e os olhos fechados, um meio sorriso a iluminar os lábios, como se sonhasse.

Mia correu até ele, o coração ribombando de desespero. Pensou no que poderia ter acontecido para que o loiro resolvesse desmaiar naquele momento, como se a manifestação corporal dependesse da vontade dele. Então lembrou-se da garrafa de vinho dos elfos que Hermes havia bebido e constatou, de maneira mais aliviada, que aquilo provavelmente era apenas uma reação ao excesso de álcool no sangue. Em silêncio, retirou o pesado casaco de inverno do corpo do menino e jogou-o na cadeira mais próxima, afinal, ele suava. Depois, sentou-se ao lado do amigo e posicionou a cabeça dele em seu colo. Impôs a mão direita sobre a testa de Hermes e um filete de luz vermelha desprendeu-se dela enquanto absorvia as energias azuladas do loiro. O sorriso dele pareceu se intensificar antes que abrisse os olhos e encarasse a amiga de ponta cabeça. Respirou profundamente antes de balbuciar:

- Mia...

- Shhhhhh! – a menina levou a mão esquerda aos lábios de Hermes, para impedi-lo de continuar. – Não fale agora, descanse e sinta a energia que eu te forneço.

- Pequena, eu...

- Quieto, Hermes! Pelo menos uma vez na vida deixe alguém cuidar de você sem que queira ser o dono da situação!

A troca de energia foi interrompida quando, de súbito, Hermes levantou o corpo e segurou a mão de Mia entre as suas. Os olhos acinzentados estavam úmidos nas bordas, e ele os fechou por um momento, como se tomasse coragem para o que estava por vir. Quando os abriu, Mia viu pequenas gotas de lágrimas nos cantos, que indicavam o quanto ele estava emocionado. As linhas de expressão faziam com que os olhos pequenos ficassem menores ainda. A boca do loiro tinha um contorno perfeito e uma coloração avermelhada, como se escondesse algo muito doce em meio a ela. Sem parar para pensar no que faziam, Mia sentia apenas o sobe e desce do próprio peito, a respiração ofegante. Hermes soltou a mão da menina, que ficou pairando no ar, e concentrou-se em afagar os cabelos ruivos e cacheados, posicionando a mão suavemente em sua nuca. Um arrepio percorreu toda a extensão do corpo da menina e, antes mesmo que ela pudesse se dar conta, Hermes puxou-a para si e pousou os lábios sobre os dela.

Fogo e ar. Explosão de energia, um alimentando o outro. As línguas se procuravam enquanto o sistema nervoso de ambos experimentava um misto de emoções. Hermes puxava Mia para junto de si, como se sua própria sobrevivência dependesse daquela união. Depois de um longo tempo em que ambos se exploraram mutuamente, a ruiva começou a sentir seus membros ficarem cada vez mais tensos e a culpa dominou a situação. Então, Mia muniu-se de toda a coragem que conseguia juntar naquele momento de fragilidade e afastou Hermes, encarando-o em seguida. No entanto, ele não se intimidou com a censura estampada no rosto da menina, como um bom Malfoy:

- Há muito que eu queria fazer isso – começou ele, ignorando o olhar escandalizado da amiga. – E não me venha com esta cara de surpresa, porque eu conheço você suficientemente bem para saber que também estava caidinha por mim.

- Hermes! – Mia estava indignada. Se já se sentira culpada antes em relação ao que acabara de acontecer, agora estava furiosa.

- Ah, priminha, relaxa – Hermes continuou, de forma zombeteira. – Eu sei que é impossível resistir ao charme dos Malfoy!

Mia não acreditava nas palavras que seu cérebro decodificava. Enquanto permanecia sem ação, encarando o olhar convencido do loiro, a imagem de Daniel se formou nitidamente em seu pensamento, fazendo com que o sentimento opressivo de culpa ficasse ainda pior. Sentindo que seria incapaz de controlar as emoções, deixou que uma lágrima perdida rolasse pela face, o que fez com que o olhar de Hermes mudasse rapidamente.

- Ei! Também não é para tanto. Eu... eu não tive a intenção...

- Ora, cale a boca, Hermes Malfoy! Cale a sua grande boca! Por que você nunca consegue ficar calado? – Mia protestava em altos brados, descontrolada.

- Nossa! – surpreendido pela reação anormal da amiga, sempre tão pacífica, Hermes subiu o tom de voz para revidar. – Parece até que eu falei alguma mentira! Ou você não acha que as coisas mudaram entre nós dois desde que... bem.... desde que aconteceu tudo aquilo em Azkaban?

- Você é o legume mais insensível que eu tive o desprazer de conhecer, Hermes.

E dizendo isso, Mia rumou para a porta de saída da mansão, decidida a cruzar o limiar e permanecer rigorosamente brigada com o loiro até segunda ordem. No entanto, não houve tempo para sair antes que a porta do armário sumidouro se escancarasse e uma voz conhecida começasse a ecoar pelo aposento.

- Wyrdness... preciso falar com vocês.

No segundo seguinte, Mia e Hermes estavam rodopiando de costas um para o outro pelo armário sumidouro, os rostos ainda muito emburrados pelo desenrolar dos últimos acontecimentos e os braços cruzados.

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