Abracadabra e Hócus Pocus



Mia pegou o jornal sobre a escrivaninha do quarto e suspirou. Um mês se passou desde que tudo aconteceu, desde que ela e Hermes perderam Daniel. O Natal se aproximava e a falta de assunto na imprensa era evidente. Só podia ser isso, e Mia tentava se controlar para não amaldiçoar todos os jornalistas daqueles malditos tablóides sensacionalistas ingleses. Já não bastava a dor da perda? Não... eles tinham que forçá-la a conviver com isso quase que diariamente nas páginas dos jornais, nas fotos espalhadas pela internet e na televisão.

Tudo culpa daquela mulher maluca, Helena, a mãe de Daniel. Mia se lembrava como se fosse hoje o momento exato em que ela e Hermes, acompanhados por tia Gina, bateram à porta do sétimo andar do prédio de Kings Cross para dizer a uma preocupada mãe que seu filho era um bruxo e estava morto. Foi idéia de tia Gina dizer a verdade, e Mia ainda não compreendeu o porquê. Afinal, em se tratando de uma família trouxa, a atitude de Helena era até justificável, mas a mãe de Hermes batera o pé e, ao ver Helena abrir a porta do apartamento e não deixá-los entrar teve ainda mais certeza de que deveria dizer a verdade. Era algo que, com o tempo, Mia pretendia descobrir e entender.

Jogou o jornal no cesto de lixo próximo à escrivaninha, mas não acertou. As páginas se espalharam e aquela que Mia não queria ver ficou ali, aberta no chão, jogando em sua cara a manchete: ”Investigações sobre a morte de Daniel Barish apontam envolvimento em rituais de magia negra”.

”Ridículo!” - pensava Mia enquanto observava o jornal com uma foto de Daniel. - ”Quem desses malditos jornais sabe o que realmente é magia negra? Quem é que imagina como as Artes das Trevas estão prestes a dominar o mundo? São todos uns burros, estúpidos, toda essa corja de jornalistas trouxas!”

Mia engolira em seco e afastara os pensamentos daquilo, tentando se concentrar no trabalho que precisava entregar antes do recesso escolar de Natal. Olhou no relógio de pulso e constatou que Hermes já deveria ter chegado. Mas não se preocupou muito. Provavelmente o amigo estava enfrentando mais alguma briga dos pais naquele momento.

De acordo com o loiro, tia Gina e Draco Malfoy estavam em crise. O senhor Malfoy ficou extremamente irritado com a atitude do filho e com a audácia de seguir Mia até Azkaban. Alegava todo o tempo que eles não sabiam com lidavam, não faziam idéia do poder que o Lorde das Trevas era capaz de manipular. Tia Gina ficava irritada a cada menção do nome do bruxo das trevas e o senhor Malfoy parecia querer quebrar tudo dentro de casa quando o assunto Harry Potter e Renegados surgia.

Enquanto tentava se concentrar no dever, novamente sem sucesso, Mia ouviu uma voz conhecida entrar no apartamento. Vovó Molly recebeu Hermes com um aceno de varinha para abrir a porta. Graças aos Gêmeos e às suas Gemialidades, o apartamento onde viviam os Weasley agora estava protegido contra as intervenções da Polícia Negra.

O loiro entrou no quarto de Mia sem sequer cumprimentar a amiga. Tirou o casaco pesado e úmido da neve que caía lá fora e sentou na beirada da cama. Bufou, cruzou os braços e avistou o jornal largado próximo ao cesto de lixo. Como um exímio Malfoy, não se conteve e logo colocou para fora aquilo que o aborrecia:

- Ah, não! O que essa porcaria de jornal faz no seu quarto, Mia? Eu não agüento mais, juro que não agüento! – o loiro se levantou, recolheu o jornal do chão, amassou-o e jogou a bolota na lixeira.

- E você acha que é só você? – Mia, ainda sentada na escrivaninha, permanecia de cabeça baixa. – Essa mulher vai enlouquecer a gente! Não sei qual foi a idéia de tia Gina quando resolveu dizer a verdade para a senhora Barish. Era de se esperar que ela nos julgasse loucos! Não é todo dia que as pessoas ouvem falar sobre bruxaria e permanecem passivas quanto a isso.

Hermes parou ao lado de Mia. Enquanto a garota falava, sustentava o olhar no trabalho do colégio, a fim de evitar encarar os olhos acinzentados do loiro. Quando ele se aproximou, segurou o queixo da ruiva e deteve o olhar nas pálpebras marejadas da amiga. Hermes não chorou uma única vez desde a morte de Daniel. Estava sempre ao lado de Mia nos momentos em que ela desabava, e não foram poucos, mas ele mesmo permanecera forte, altivo. Sempre um Malfoy.

No entanto, ao encarar o amigo agora, Mia percebeu que seus olhos estavam tão molhados quanto os dela. Ele abaixou a cabeça, e os cabelos loiros sem gel caíram pela testa. A ruiva levantou e pegou a mão do amigo de forma delicada, fornecendo amparo. De súbito, Hermes enlaçou o corpo da menina num abraço forte, abaixando os próprios ombros para alcançar o dela, onde aninhou a cabeça e chorou como uma criança.

Mia correspondia o carinho, obviamente chocada. Não se lembrava de ter visto Hermes demonstrar nenhum sentimento que não fosse alegria. Ele era sempre o dono do bom humor, muitas vezes sarcástico, e nem nas piores situações isto mudara. Mas agora era diferente. Eles haviam perdido Daniel. E a única coisa que dava forças a Mia para continuar era a sede de vingança. E não só por Daniel, mas por cada um dos bruxos e trouxas que morreram na lua contra o Lorde das Trevas.

- Hermes, por favor – ela passava a mão pelos cabelos desarrumados. – Se você não for forte, como eu posso ser?

O loiro fungou e limpou as lágrimas antes de tirar a cabeça do confortável apoio do ombro de Mia. O rosto do menino estava marcado e vermelho, mas mostrava uma força e determinação fora do comum. Os olhos de ambos se encontraram, castanho e cinzento, e um pequeno desconforto surgiu no ar. Estavam muito próximos. A ruiva foi a primeira a balançar a cabeça, como que para acordá-los de um transe que parecia eterno.

- Tudo bem, passou, passou – Hermes tentava sorrir, da maneira como sempre fazia quando as coisas pareciam complicar. – É que simplesmente não consigo acreditar. Foi tudo muito rápido, pequena – e nesse momento ele passou a mão pelo rosto de Mia para conter uma lágrima que fugia pela bochecha.

- Eu sei... mas, venha o que vier, sabemos que ele vai ser eterno. E vai nos dar força para atravessar qualquer montanha, tirar qualquer pedra do caminho.

- É... – e o olhar do loiro passeou por terras distantes dali enquanto ele concordava com um aceno de cabeça. – Acho que agora precisamos nos preocupar em aprender os tais patronos que podem vencer os dementadores.

Os patronos eram uma difícil missão. Fred e Jorge tentaram explicar o mecanismo para conjurá-los, mas era mais complicado para Hermes e Mia, que não faziam uso da varinha para executar magias. Mas, na opinião dos dois amigos, contrária à dos Gêmeos, o maior problema era pensar numa lembrança feliz. Tentavam se concentrar no tempo em que Daniel ainda estava ao lado deles, em alguma manhã de aulas não assistidas ou tarde de trabalhos não feitos. Mas lembrar do moreno logo fazia com que eles se sentissem tristes novamente, e incapazes de concentrar um fiapo de energia que fosse entre as mãos espalmadas.

- Se não pensarem numa lembrança suficientemente forte, não vão conseguir nunca! – Fred exclamou certa vez, quando os dois amigos estavam na mui antiga e nobre casa dos gêmeos Weasley, treinando na sala secreta.

- Vem cá, cara – o loiro olhava para Fred, visivelmente contrariado. – Você já tentou fazer isso com as mãos? – e então um raio azulado desarmou o ruivo, a varinha voando longe. A atitude provocou risadas em Jorge, que estava sentado próximo ao grupo, mexendo em algumas caixas onde se lia Gemialidades Weasley. O gêmeo depositou a caixa que estava aberta em seu colo na banqueta ao lado e dirigiu-se para Hermes.

- E como é que vocês dois fazem isso?

Hermes tentou pensar numa maneira racional de explicar ao tio o procedimento pelo qual ele e Mia realizavam a magia.

- Tudo é uma questão de concentrar a energia e mentalizar o que se deseja fazer – Hermes falava, enquanto mostrava a mão espalmada. – A palma da mão é o local onde a energia corporal pode ser canalizada antes de ser expelida do corpo. Não há palavras de ordem, todo o feitiço é realizado de forma não verbal e consiste apenas em nossa capacidade de manipular a força da natureza.

- Por isso, exige treino e autocontrole – Mia aproximou-se dos tios e do amigo. – Não depende apenas de ter uma varinha e saber a fórmula mágica, não tem nada de Abracadabra e Hócus Pocus.

Os gêmeos se entreolharam e foi quase como se uma lâmpada surgisse sobre as cabeças de ambos. Levantaram as sobrancelhas juntos e sorriram, balançando a cabeça em sinal de concordância. Era óbvio que as Gemialidades estavam prestes a entrar em ação.

- Está aí algo que pode ser o diferencial dos Renegados - Jorge dissera, e depois se calou mesmo diante dos questionamentos de Mia e Hermes. – Vocês têm que aprender a ser pacientes, oras!

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