REPENSANDO CONCEITOS



Eu tive que acordar. Confesso que não estava tão desanima quanto pensei que estaria. Uma dessas conseqüências inexplicáveis de quando se tem uma boa noite de sono. Aliás, fui uma das últimas a acordar. Quando desci para o café da manhã até mesmo os marotos já não estavam mais no salão comunal. Sorri, eu quebrando Record?
Mal havia saído do salão quando me dei conta, ou melhor, me lembrei de que eu era a "mais nova monitora chefe de Hogwarts". Aquilo me sobressaltou, supostamente eu deveria ter acordado cedo e ajudado os primeiranistas com as localizações básicas de Hogwarts. Já era a segunda gafe desde que eu assumira oficialmente minha posição, 12 horas atrás. Remo definitivamente não deveria estar vendo bons ares com uma "parceira de trabalho" como eu. Resolvi que o mínimo que eu poderia fazer era me desculpar, mesmo que isso implicasse em "esbarrar com o Potter".
A primeira coisa que fiz ao entrar no salão principal foi pesquisar o local em busca dos marotos. Devo dizer que não foi exatamente difícil acha-los. Se um dia eu encontrar alguém nessa escola mais escandaloso do que o Tiago, eu terei que repensar seriamente todos os meus conceitos sobre ele.
Tentei me aproximar casualmente da mesa. Não precisava fingir, porque eu pertencia a Grifinória. O meu único problema seria apenas soar estritamente profissional ao conversar com Remo. De qualquer forma, ele era o único daqueles quatro com algum juízo.
Quando finalmente cheguei perto o suficiente para que eles me notassem aquele clima desconfortável parecia ter se instalado. Afinal, para que tudo aquilo? Pedro, ou pelo menos eu acho que esse é o nome dele, não pareceu se abalar com a minha presença. Black olhava para Tiago com uma cara de quem diz "Olha a sua gata, cara". Remo parecia alheio a minha presença, já que estava de frente para Tiago, de costas para mim. Potter sorria estupidamente, como ele sempre faz. Resolvi que era melhor eu me pronunciar, já que vi que nenhum deles parecia disposto a isso.
"Remo". Eu o chamei, fazendo com que ele - finalmente - me notasse. "Posso falar com você um minutinho?"
Nunca vi uma conjuntura mudar tão rapidamente. Black agora olhava com uma cara de quem iria rir a qualquer minuto, além de lançar um olhar "Lá se foi a sua gata, cara" à Tiago. Esse parecia ao mesmo tempo desapontado e chocado. E eu odeio admitir, mas estava me divertindo muito com aquilo tudo.
"Assuntos da monitoria”. Eu disse quando percebi que a situação não tendia a melhorar. Tão rápido quanto à tensão se formou ela se esvaiu. Nunca pensei que eles fossem tão instáveis.
"Claro Lily". Remo respondeu depois de tanto tempo que eu quase já não me lembrava mais da pergunta.
Nós não nos afastamos muito da mesa. Apenas o suficiente para que não fossemos interrompidos.
"Me desculpa por não ter feito nada que prestasse até agora". Eu fui bem direta, porém calma.
"Ah, isso? Não se preocupe Lily. Eu dei conta do primeiro ano. Na verdade, eu quase não fiz nada”.Ele respondeu, como sempre, simpático e eu fiquei bem mais aliviada. Tão aliviada que comecei a falar desenfreadamente. Quer dizer, onde estava o meu bom senso ou o meu simples "Tudo bem então. Eu vou indo...?” Porque eu tinha que falar tanto? Porque eu sempre tenho que falar mais do que o necessário?
"Ah que bom! Eu estava tão cansada. Não me lembrei das novas obrigações. Ainda não entrei no ritmo de ano. E ontem com toda aquela agitação e as minhas infinitas brigas com o Potter...”.
Nessa parte do meu discurso Remo riu disfarçadamente e eu entendi que não devia estar falando tudo aquilo, principalmente quando o receptor é um dos melhores amigos de Tiago Potter.
"Desculpa". Eu tenho certeza de que isso foi quase inaudível, mas Lupin ouviu, pois fez um gesto com a mão como quem diz "não se preocupe". Ouvidos mega potentes. "Certo. Eu vou indo então..." E parece que dessa vez eu acertei a resposta.
Remo se dirigiu ao seu lugar, porém o inevitável aconteceu. Eu tinha que passar pelo lugar do Potter e cia para poder chegar no lugar que estava acostumada a sentar. Infelizmente, Potter nunca perdia uma oportunidade.
"Lily”. Ele me chamou. Eu fechei os punhos e disse a mim mesma para ter calma.
"Sim Potter”.
"O que vocês tanto falaram?". Ele parecia estar com raiva, e eu realmente não entendi aquilo.
"Eu não vou lhe dizer Potter". Eu respondi descrente que ele realmente havia feito uma pergunta tão estúpida. Ele sabia qual seria a minha resposta.
"Não vai fazer diferença...".
"Bom para você..." Eu já estava preparada para me livrar de toda aquela cena quando ele disse...
"... porque se você não me contar, o Remo aqui vai”. Ele respondeu com um sorriso de superioridade e apontou para o amigo. Eu olhei para ele, depois mirei Remo, que não sabia se ficava surpreso, culpado ou sorria simpático.
"Pode contar Remo..." Eu respondi bem mais simpática do que suspeitaria que soaria. "O Potter..." agora o meu tom mudou para ácido. "Só se importa com ele mesmo. Eu não me surpreendo com mais nada".
Tiago parecia revoltado depois daquilo, mas eu realmente não me importo. Só sei que acabei perdendo todo e qualquer possível apetite. Segui direto para a minha primeira aula, e como havia acordado atrasada ela não demoraria a começar. O único problema da minha primeira aula é que ela era Transfiguração. Não estou dizendo que não gosto de Transfiguração. Eu gosto, mas dos resultados. Por exemplo, quando você transforma um pedaço de madeira em uma cadeira você adora o resultado. O problema é, conseguir fazer a transfiguração. Não posso dizer que sou péssima, porque eu, modéstia à parte, não sou péssima em nenhuma matéria, mas Transfiguração é a matéria que mais exige esforço da minha parte. Até mesmo em poções eu tenho mais facilidade. Transfiguração exige muita imaginação. É uma matéria que trabalha com paradoxos. Eu preciso transformar o abstrato, aquilo que eu penso, em concreto, o que eu quero que se transforme. Eu tenho que admitir que não sou exatamente uma pessoa que realiza mais do que sonha. Eu costumo sonhar mais do que posso realizar, ou simplesmente não realizar aquilo que sonho. Como o assunto foi desviar tanto?
Quando o sinal que dava início à aula bateu, a primeira a entrar na sala fui eu. Sentei na segunda carteira do lado esquerdo da sala e posicionei todos os meus livros a minha frente. Eu estava decidida a sair dessa aula com um novo ponto de vista a respeito de transfiguração. Mas aquilo que seria a realização de um sonhou se tornou um pesadelo quando eu notei quem havia se sentado ao meu lado.
"Oi Li..." Potter.
"O que você está fazendo aqui?".
"Aula?" Ele responde fingindo uma ingenuidade, que definitivamente, não tinha.
"Não finja que não entendeu o que disse. Você não deveria estar com o Black, Remo, Pettigrew”?
"Remo. Desde quando você o chama pelo primeiro nome?". Ele parecia bem entranho. Ele não podia para com aquilo?
"Falando em chamar pelo primeiro nome. Desde quando VOCÊ me chama de Lily".
"Você não respondeu a minha pergunta". Ele ignorou completamente o que eu disse.
"Você também não".
"Se Potter e Evans pararem de discutir, talvez nós possamos começar a aula".
Eu murmurei um "desculpa", cruzei os braços e escorreguei na cadeira. Potter fez quase a mesma coisa, com exceção do "desculpa".
Não vou narrar aquela aula, porque já foi aterrorizante de mais tê-la tido uma vez. Eu teria que aprender a ME transformar? Quer dizer, era muito abstrato para uma pessoa só! McGonagal disse que não teríamos que realmente nos transformar, mas teríamos que ser capaz de realizar alguns exercícios.
Eu devo ter feito uma cara de terror muito grande quando ela disso. "Estudaremos a arte da animagia", porque Potter olhou para mim e disse "Não se preocupe, é mais fácil do que você pode imaginar". Eu apenas o olhei e acenei. Eu não estava no meu juízo perfeito no momento. Sinceramente o comentário do Potter não é nada tranqüilizador. Quem vê pensa que ele sabe do que está falando. E apesar do Potter ser o melhor aluno de transfiguração junto com o Black, eles não têm realmente como saber se é "mais fácil do que eu posso imaginar" se os alunos só aprendem animagia no sétimo ano. Sério. Eu estou perdida. Como raios eu vou aprender a me transformar? Eu nunca nem passei por uma verdadeira metamorfose.
... ... ... ... ... ...
Isso foi uma tentativa infeliz de mostrar que eu passei os últimos vinte minutos pensando se deveria colocar uma repentina conclusão que me passou pela cabeça. Eu resolvi que colocaria. Apenas para começar a realizar mais o que se passa pela minha cabeça. É uma maneira de estudar Transfiguração, não?
As pessoas podem errar, não? Quer dizer, as pessoas são seres humanos, e humanos erram e julgam. Às vezes até mesmo inconscientemente. E eu percebi que talvez estivesse julgando mais do que deveria. Quer dizer, as pessoas têm que conviver com as máscaras que criam para si mesmo e para aquilo que as rodeia, e as vezes rotulam de um jeito e simplesmente não conseguem ver de outro. Mas esse é o que causa um rótulo, não? O que eu estou querendo dizer é que eu deveria parar de simplesmente olhar uma pessoa e acionar o dispositivo no meu cérebro para buscar o histórico de tal pessoa na minha memória. Talvez eu devesse analisar cada situação separadamente, sem já ter um pré-conceito embutido.
Isso me pareceu razoável depois de uma coisa que Potter disse...
"Você vai ficar aqui a aula toda?" Eu murmurei quando a professora virou-se para passar a matéria no quadro.
"O que você espera? Que eu saia no meio da aula e diga 'a Evans está incomodada, então eu estou me mudando'...?".
"Porque você veio sentar aqui, em primeiro lugar?" Eu perguntei, e parecia estar mesmo agonizando.
"Você não vai poder mudar esse fato...".
Eu, pela primeira vez no dia, o olhei nos olhos. Ele havia pegado no meu ponto fraco. E sempre quando pegam no seu ponto fraco você não fica feliz.
"Não me diga o que eu posso ou não fazer, Potter.". Ele sorriu, e a única coisa que eu pude pensar é do que ele estava sorrindo. Eu o olhei com desprezo.
"Lily, a questão aqui não é o que você pode ou não mudar..." Ele soou tão maduro que eu me assustei.
"Do que você está falando?"
"Mudança só vale a pena se for para o bem...". E agora ele realmente sorria intensamente. O que ele estava querendo dizer, afinal de contas? Que se ele saísse do lugar a mudança seria para o mal? Eu me pergunto, para o bem e mal de quem? Ele realmente acreditava que eu não ficaria satisfeita? Que cara modesto.
"Você é um grande convencido, isso sim!". Eu respondi perdendo todo o meu interesse naquela conversa. Ele estava soando tão maduro, como se existe alguma coisa útil por de trás daquilo tudo, mas eu devia ter desconfiado que a única coisa que poderia estar "escondida" era ele mesmo.
"Lily, um dia você vai ter que ver que eu sou um cara legal...". Disse simplesmente. Como se aquilo foi a coisa mais óbvia, conhecida e aprovada por sufrágio universal. Isso veio acompanhado do sinal que anunciava o final da aula. Ele não me deu tempo de resposta. Pegou o seu material e saiu da sala discretamente.
"Um dia você vai ver que eu sou um cara legal...". Sabe aquelas frases que dão o último empurrãozinho? Eu finalmente percebi que talvez eu pudesse estar vendo o Tiago com os mesmos olhos que eu via desde o primeiro ano. E aquilo me assustou tanto que eu comecei a pensar em tudo com que eu posso ter feito o mesmo. Será que eu sou uma pessoa tão ruim assim? Que julga as pessoas dessa maneira? Talvez eu só esteja sendo paranóica por isso se tratar de uma descoberta recente, mas não me impede de considerar que o meu mundo começou a desmoronar. Seria isso o começo de uma metamorfose? Se sim, eu espero que pelo menos me ajude a ir melhor em Transfiguração, porque alguma coisa positiva tem que ter.
Talvez o Potter realmente não seja um cara tão ruim. Talvez eu não esteja completamente errada no conceito que tenho dele. Talvez eu esteja completamente errada. E talvez as coisas não sejam tão radicais. Talvez eu esteja certa e ao mesmo tempo errada. Ninguém nunca está completamente certo, isso quer dizer que também não está completamente errado. E se eu não estou completamente errada, mas estiver parcialmente errada isso quer dizer que em algum lugar de trás do cara infantil e arrogante existe um cara legal. Não completamente legal, mas não totalmente insuportável. Talvez seja exatamente essas duas coisas coexistindo que façam do Potter o Potter. E isso deve valer para qualquer outra pessoa. Inclusive para mim...

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