Uma Mudança na Atitude



Minhas lágrimas haviam quase parado, mas ao ouvir aquilo voltaram com força. Snape pareceu se surpreender muito com isso, mas não disse nada a respeito.
- Então agora o senhor me odeia ainda mais?
- Não odeio, srta. Granger – ele disse, som um suspiro, parecendo contrariado. – Só vim aqui lhe dizer que nunca, em nenhum momento, minha intenção foi agredir você com minhas palavras. Por mais cruéis que fossem, tudo o que eu queria era que você continuasse me enfrentando com aquele seu jeito de Sabe-Tudo insuportável, um ar de desafio que não vi desde o primeiro dia de aula. Talvez... a morte dos seus pais...
Ele parou de falar e esperou o que eu ia dizer, mas eu não disse nada.
- Então percebi que minha querida e detestada Hermione Granger simplesmente havia sido mudada por alguma coisa que eu fiz no passado, alguma coisa que eu fui – ele disse. A parte da “minha querida” foi a única coisa que consegui ouvir na frase, porque olhei para ele com um ar incrédulo.
- É, Granger, eu me odiei por ver que minha aluna preferida era uma grifinória...
- Sangue-ruim – completei, sem graça. Ele podia estar mentindo, mas aluna preferida era muito mais do que eu sempre esperara ouvir dele.
- Não, não, Granger, eu não sou partidário dessa história de pureza de sangues, até porque sou um mestiço – disse ele, sacudindo negativamente a cabeça. – Eu ia acrescentar melhor amiga de Harry Potter.
Pela primeira vez em sete meses, eu sorri. Ele retribuiu meu sorriso daquele jeito reservado dele.
- Mas você já não queria se exibir na minha aula, e nunca percebi o quanto sentiria falta disso. Eu me condenei por um dia ter ajudado o Lorde das Trevas, por ter permitido que ele chegasse a ter tanto poder, a ponto de tudo ter que terminar numa guerra como aquela.
- Isso é muito imbecil da sua parte, professor – murmurei, com voz muito fraca. – Voldemort sempre foi louco por poder. Sempre houve comensais e... ih, merda por que estou tentado fazer ele se sentir melhor?
Eu havia falado meu pensamento de modo inconsciente; Snape deu um sorrisinho.
- Porque você é muito esquisita, srta. Granger – respondeu ele, num tom meio zombeteiro.
Corei muito ao ver o que tinha falado, e fiquei com medo de soltar uma dessas que me comprometesse. Evitaria falar tanto quanto possível.
- Mas... o senhor... não vai ter raiva de mim por... por eu... Bom, talvez o Dumbledore fosse reagir quando soubesse o jeito que o senhor me tratava em sala, mas... Bom, foi uma distração minha que provocou isso tudo e...
Ele fez que não com a cabeça.
- Eu não acho que eu mereceria qualquer outra coisa, srta. Granger – disse Snape. – Dumbledore já fez muitas caridades por mim; está acima dele me manter no corpo docente, tendo em vista as circunstâncias atuais.
- Eu só queria entender por que me ferir tanto. Se quisesse ser desafiado, talvez usasse outras palavras. Algo do tipo “será que a Sabe-Tudo não sabe nada?” Seria horrível, mas suportável. Mas o que o senhor me dizia... eu...
Chorei ainda mais. Snape me olhava, mas não sei identificar qual o sentimento. Ou pena, ou remorso, ou qualquer coisa que o valha.
- Srta. Granger, eu... gostaria que você me perdoasse.
Olhei para ele com os olhos tão arregalados, tão espantada, que não pude responder de imediato. Snape nunca, nunca em toda a sua vida, pedira perdão a alguém que não fosse Dumbledore.
- Sei que não sou um bom homem. Ou um bom bruxo. Ou um bom professor. Mas, acima de tudo, sei que não sou uma boa pessoa, muito menos com você. Sei que não mereço perdão, mas ainda assim tenho obrigação de pedir. Nunca quis magoá-la de verdade, embora me esforçasse para isso.
Há um verso de um poeta brasileiro que resumiria muito bem o que me vinha à cabeça naquele momento. A hora mais bela surge da mais triste (Carlos Drummond de Andrade).
- Eu perdôo, professor – sussurrei, com a cabeça baixa, as lágrimas começando a secar. – O senhor não merece mesmo, não merece que uma só pessoa lhe estenda a mão, mas mesmo assim eu perdôo. Ou porque eu sou muito imbecil...
Eu me interrompi. É claro que eu não ia falar.
- Ou o que? – perguntou ele, mas não parecia suspeitar da resposta que viria.
- Ou eu sou uma pessoa muito boa – eu completei, embora não fosse isso que viesse à minha mente.
- Essa segunda opção parece melhor – ele comentou, e muito me pareceu que estava constrangido. Claro, não era de seu hábito me pedir desculpas.

I think I’m drowning
Eu acho que estou
Asphixyated
Asfixiada
I wanna break the spell that you created
Eu quero quebrar o feitiço que você criou
You’re something beatiful
Você é algo bonito
A contradiction
Uma contradição
I wanna play the game
Eu quero fazer esse jogo
I want the friction
Eu quero atrito
You will be the death of me
Você será a minha morte
Yeah, you will be the death of me
Sim, você será a minha morte

Essa música me veio à cabeça. Não sei exatamente por quê. É de uma banda trouxa de rock alternativo, chamada Muse, e o nome da música é Time is Running Out. Não sei, a música parecia especial para mim naquela situação.
- Somos muito opostos, srta. Granger – ele acrescentou, me libertando dos meus devaneios.
Hum... tem uma lei física muito legal que fala dos opostos, professor, pensei, e acabei sorrindo.
- O que foi? – perguntou ele. – É muito engraçado ver o quanto sou diferente fora da sala de aula, não?
- Ahn... não foi bem isso que eu pensei, mas é bem mais fácil e menos constrangedor fingir que foi.
Ele fez cara de quem não entendeu – que bom!
- Bom, acho que tenho malas para arrumar – ele disse, levantando-se. – Agora que vou embora, trate de ver se come e fica com uma cara melhor. Está horrorosa.
E sorriu, um sorriso leve, que me pareceu pelo menos sincero. Eu ensaiei um sorriso de volta. Ele estava a caminho para fora da enfermaria – e eu estava mais leve que nunca! – quando o professor Dumbledore entrou acompanhado pela professora McGonagall.
Pela cara dos dois, vi que Snape não devia estar ali.
- O que está fazendo aqui, Severo? – perguntou Dumbledore, muito sério.
- Eu... apenas vim ver se o braço da srta. Granger já estava melhor, afinal foi na minha aula que ela se feriu – ele disse, reassumindo a postura superior e o olhar sério.
- Ah, sim, sim – disse o diretor. – Está melhor, srta. Granger?
Os três olharam para mim, e fiz que sim com a cabeça. Snape olhava-me, acho que tentando adivinhar se eu ia desmenti-lo, mas isso nem se passava pela minha cabeça.
- Está tudo bem, minha criança? – perguntou a vice-diretora, olhando para mim. – Foi isso mesmo que ele veio fazer aqui?
- Foi sim, senhora – respondi simplesmente.
Snape acenou para mim de leve com cabeça e disse que ia fazer as malas.
- Ah, Severo – disse Dumbledore. – Andei pensando. É claro que não posso manter você no corpo docente...
- Estou de acordo, diretor – disse Snape respeitosamente.
- Mas tenho que levar em conta todos os seus serviços pela ordem, todo o seu esforço e lealdade a mim em todos esses anos – acrescentou Dumbledore. – Por isso, em vez de mandar-lhe embora com uma mão na frente e outra atrás, convido você a se manter em Hogwarts. Até porque madame Pomfrey não aceita encomendar poções de ninguém que não seja você... E pelo que sei você tem muitas pesquisas estacionadas... Poderia recomeçá-las, teria mais tempo... E, eventualmente, quando Lupin estiver impossibilitado, dar umas aulas de DCAT. Que acha?
Snape sacudiu a cabeça.
- Não quero a sua piedade, professor, estou bem assim. Eu estava errado, sim, e não mereço uma quarta chance. É muito mais do que muitas pessoas têm.
Eu sei que fui imbecil, imprudente, mas me ajeitei na cama e disse:
- Fique, professor, por favor.
Os três olharam para mim, espantados, sim, mas nem Dumbledore nem McGonagall tanto quanto Snape.
- O que? – perguntou meu amado ex-mestre de Poções. – O que foi que a Pomfrey pôs nas suas poções de cicatrização, menina?
- Ahn... eu... eu só... Eu só não queria que... Ah, acho que tanto o senhor quanto eu temos Hogwarts como lar e... Seria uma pena que o senhor fosse embora e... Bom, acho que o castelo é grande o bastante para todos nós...
Gaguejei e me senti ridícula; vi Dumbledore me olhar por cima daqueles oclinhos meia-lua e sorrir – ele estava lendo a minha alma!
- Bastante convincente, srta. Granger – disse Snape, sarcástico. – Mas tenho que pensar melhor na sua proposta, diretor. Com licença.
Ele saiu da sala e McGonagall, depois de ver que eu estava bem, retirou-se. Dumbledore perguntou:
- Já se sente firme para caminhar? Ainda quero andar com você pelos jardins e conversar.
- Sim, senhor – eu disse. – Quando Snape entrou na ala hospitalar eu fiquei com tanto medo que levantei da cama rapidinho e quase voei para longe dele... Ainda bem que ele veio em missão de paz...
- Tem certeza de que o Severo veio aqui só para ver se você estava com o braço melhor?
- Na verdade, ele veio me pedir perdão também – resolvi ser sincera. Dumbledore não pareceu se surpreender. – Mas não quis falar isso na frente da professora McGonagall e dele; ele sempre me parece tão fechado, achei que não ia gostar de ficar exposto desse modo...
Dumbledore sorriu.
- Sim, sim, é verdade. Você fez o certo, só para variar um pouco.
Corei com essa afirmação, mas procurei disfarçar tentando me levantar. O diretor me ajudou e andamos bem devagar, lado a lado, rumo aos jardins.
- Então, srta. Granger, qual é o nome do rapaz que está lhe causando isso tudo?
Olhei para ele escandalizada; ele apenas riu e disse:
- Sou muito velho, minha cara srta. Granger, e já vi de tudo nessa vida. Pode ser que o que Severo tem dito pra você tenha deixado você nesse estado, mas isso começou com um amor não correspondido. Vai desmentir ou me contar a verdade?
- É verdade, senhor, o que dizem por aí: impossível esconder algo de Alvo Dumbledore – concordei. – A imbecil da Hermione Granger está sofrendo de um amor platônico por alguém que a odeia, mas não vou dizer quem é.
Dumbledore sorriu.
- Acho que ele se chama Severo Snape – disse ele com um ar divertido.
Parei bruscamente, irritada.
- Não é para usar legilimência em mim, diretor!
- Não estou fazendo feitiço nenhum, posso jurar. Mas é que tem coisas que eu vejo. Por exemplo, um professor que é como o Severo, que, apesar de ser uma criatura detestável, é um excelente professor, e tem várias admiradoras, por mais que não pareça.
Sorri ao imaginar várias menininhas do terceiro ano correndo atrás dele e ele fugindo delas. Dumbie continuou:
- Além disso, como homem inteligente que é, tem muitas chances de despertar interesse em alguém como você, que aprecia pessoas inteligentes, que conhecem muito.
- Raciocínio lógico o seu – comentei calmamente. Já estava acostumada que Dumbledore soubesse tudo, mesmo o que não devia saber.
- Agora o estranho é como esse negócio chamado amor age nas pessoas – prosseguiu Dumbledore, daquele jeito “viagem na maionese” dele. – Porque Severo nunca tratou você bem. Mas parece que, no seu caso, o respeito virou admiração, que virou afeto, que virou carinho, que virou amor. Tudo sem você perceber, estou certo?
Fiz que sim com a cabeça em silêncio.
- E dentro da sala ele transformou a sua vida em um “inferno”, como você descreveu. Com isso, você sofreu mais, porque estava sendo duplamente desprezada.
- Daria um belo psicólogo, professor – eu disse secamente. – Mas não gosto de falar das minhas fraquezas.
Ele riu.
- Está falando como uma sonserina, e estamos entre grifinórios, srta. Granger.
Fiz uma careta para ele; meu humor já estava melhor como não ficava havia meses.
- Ai, meu rosto está doendo – eu comentei. – Fazia tempo que eu não sorria. E fiz isso muitas vezes em tão pouco tempo!
- Bom, temos que treinar isso melhor, então – disse Dumbledore. – Acho que você vai ter que conversar com o Harry mais tarde. Pedir desculpas para ele seria um bom começo. Ah, você vai para Hogsmeade amanhã? Faz tempo que você não vai, acho que seria uma boa diversão.
Fiz uma cara desanimada.
- Ah, diretor, me desculpe... Eu acho que não quero ir... Só sou amiga do Harry, e não vou ficar de vela com ele e a Gina.
- Entendo... Bom, você pode ir sozinha, comprar alguma coisa de que esteja precisando... Talvez umas roupas novas, melhorar essa carinha triste... Melhor... Chocolate! As mulheres adoram chocolate...
Eu sorri. Já podia sentir que minha cara não estava tão feia quanto antes.
- Ora, está bem! Vou a Hogsmeade amanhã, mesmo que não seja acompanhada. Vamos ver se ainda consigo voltar a ser aquela insuportável Sabe-Tudo.
- Claro que consegue, você é a melhor aluna que Hogwarts já viu!
Corei muito com esse elogio. Eu havia ficado um pouquinho mais modesta por causa da depressão. Mas é impressionante o que a depressão faz com uma pessoa. E é ainda mais impressionante o efeito que pessoas amigas têm sobre a depressão; ela passa a inexistir de uma hora para outra.
- Agora, acho que vai ter que cuidar da sua alimentação. Não quero que você morra por causa de algo como anemia – disse ele, mais sério. – Vai me prometer que vai a todas as refeições, sem nenhum exceção, e vai parar de estudar durante todas as horas do seu dia. Quero você à toa por pelo menos umas duas horas por dia, que não seja as suas horas de sono.
Eu sorri de novo.
- Ora, está bem... Acho que posso fazer isso. Bom, vou ir até o meu guarda-roupa e ver o que tenho que jogar fora e o que tenho que comprar...
- E vê se arruma o cabelo... Você já é maior... Severo já não é professor... – olhei para ele com os olhos arregalados; ele me deu uma piscadela.
- Tá louco? – minha voz saiu mais alta do que eu gostaria, mas eu pedi desculpas logo e acrescentei baixinho: – Ele me odeia!
- Eu acho que não, mas, mesmo que odiasse, quem, além de você, poderia mudar isso? -
ele me deu outra piscadela e saiu andando, me deixando a sós com meus pensamentos.

Eu estava indo para o salão comunal da Grifinória quando encontrei Harry no caminho, parece que indo para o mesmo lado.
- Harry – chamei.
Ele parou e olhou para trás. Logo que me viu, sorriu muito abertamente.
- Mione! Você está bem? Como se sente? Está melhor?
- Calma, Harry – eu disse, ao alcançá-lo. – Eu... queria pedir desculpas... Acho que... falei com você de um jeito muito grosso lá na ala hospitalar e... você me desculpa, Harry?
Ele fez uma careta.
- Como você é besta, Mione – disse ele, rindo. – Você tava alterada, eu entendo isso. E você sempre defende os professores, mesmo que eles não mereçam. Já estou acostumado. Agora, se o Snape vier falar merda pra você na próxima aula...
- Harry, o Dumbledore tirou o Snape do corpo docente de Hogwarts – eu disse, me controlando para não começar a chorar.
O sorriso que Harry abriu foi algo indescritível. Foi um sorriso realmente alegre.
- Nossa, essa é a melhor notícia que já recebi, desde a confirmação de que eu tinha mesmo matado o Voldemort.
Fiz uma careta e sorri para ele; ele abriu um sorriso maior ainda e me abraçou.
- Há quanto tempo eu não via você sorrindo! – ele exclamou, parecendo muito feliz. E apertou o abraço. – Minha irmãzinha, sabe que eu te amo, né?
- Claro, né, Harry – eu disse, e ele me soltou, apenas para me encontrar sorrindo e me abraçar de novo.
- Agora você vai fazer um feitiço muita legal pra sumir com essas olheiras, né? – ele perguntou, quando finalmente me soltou.
- É, acho que sim... O Dumbledore me mandou ir pra Hogsmeade amanhã comprar umas roupas novas e disse pra eu voltar a ser a Hermione Granger de sempre...
- Não precisa exagerar, né – ele disse, em absoluto tom de pilhéria, e começou a rir muito.
Eu ri junto.
- Nossa, Mione, você tá até mais bonita – ele disse. – Vamos lá pro salão comunal pra você ir trocar de roupas... Tá quase na hora do jantar.
Fomos andando, mas eu tive quase certeza de que ouvi um farfalhar de capa. Olhei para trás, alarmada, mas só o que vi foi sombras.



MEIONE PREPARADA PARA A GUERRA...

QUE SERÁ QUE ISSO VAI DAR????

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