Capítulo 5



Capítulo Cinco

A luz do sol banhou o quarto, através das janelas, ao mesmo tempo em que a brisa suave acariciou o rosto de Hermione. Em algum lugar perto dali, os cascos de um cavalo castigaram o cascalho e dois passarinhos pousaram no parapeito da janela, iniciando o que parecia uma ruidosa discussão sobre direitos territoriais. Tudo isso foi penetrando lentamente na mente de Hermione, despertando-a de sonhos alegres sobre seu lar.
Ainda semi-adormecida, ela virou-se de bruços e enterrou o rosto no travesseiro. Em lugar do tecido ligeiramente áspero que cobria seu travesseiro, em casa, cheirando a sol e sabão, seu rosto encontrou a seda macia. Tomando consciência de que não estava em sua própria cama, com sua mãe preparando o desjejum, lá embaixo, Hermione apertou os olhos com força, tentando recapturar os sonhos tranqüilos, mas era tarde demais. Com relutância, virou a cabeça e abriu os olhos.
À luz clara da manhã, observou as cortinas azuladas e sua mente clareou. Estava em Gryffindor Park. Dormira a noite inteira.
Afastando os cabelos dos olhos, sentou-se na cama e se reclinou nos travesseiros.
— Bom dia, senhorita — Angelina cumprimentou-a, postando-se ao lado da cama.
Hermione quase gritou de susto.
— Desculpe! Não tive a intenção de assustá-la — a criada explicou, apressada —, mas sua alteza está lá embaixo e pediu que eu perguntasse à senhorita se gostaria de tomar o café da manhã com ele.
Encorajada pela notícia de que seu primo, o duque, queria vê-la, Hermione afastou as cobertas.
— Passei os seus vestidos — Angelina disse, abrindo o armário. — Qual deles quer vestir?
Hermione escolheu o melhor dos cinco, um vestido de musselina preta, com decote quadrado, enfeitado nas mangas e na bainha com delicadas flores brancas, que ela mesma bordara durante a tediosa viagem de navio. Recusando a oferta de Angelina, que se prontificou a ajudá-la a se vestir, Hermione pôs o vestido e prendeu a faixa preta larga em torno da cintura delgada.
Enquanto Angelina arrumava a cama e limpava o quarto imaculado, Hermione sentou-se diante da penteadeira e escovou os cabelos.
— Estou pronta — anunciou ao se levantar. — Pode me dizer onde encontrar...sua alteza?
Afundando os pés no espesso tapete vermelho que cobria o corredor e as escadas, Hermione seguiu Angelina até uma porta dupla de mogno entalhado, guardada por dois lacaios. Antes que ela tivesse tempo de respirar fundo para se acalmar, os lacaios abriram a porta com um floreio silencioso e Hermione se viu na entrada de uma sala de, aproximadamente, vinte metros de comprimento, cujo centro era ocupado por uma mesa imensa, também de mogno, encimada por três gigantescos lustres de cristal. Em princípio, pensou que a sala estivesse deserta, enquanto passava os olhos pelas cadeiras de espaldar alto e assento de veludo dourado, alinhadas em torno da mesa interminável. Então, ouviu o farfalhar de papel e aproximou-se da origem do som.
— Bom dia — murmurou.
Sirius ergueu os olhos para fitá-la e empalideceu.
— Deus todo-poderoso! — exclamou, levantando-se devagar, os olhos esquadrinhando cada detalhe do rosto jovem e exótico a sua frente.
Viu Katherine, exatamente como a vira tantos anos antes. Ah, com que clareza, e com que prazer, se lembrava daquele rosto lindo, bem desenhado, com suas sobrancelhas arqueadas e cílios espessos circundando olhos da cor do mais intrigante castanho! Reconheceu os lábios suaves e sorridentes, o nariz pequeno e elegante, a fenda minúscula a repartir o queixo de linhas obstinadas, além dos gloriosos cabelos castanho-dourados que caíam sobre os ombros como uma cascata.
Pousando a mão esquerda no encosto da cadeira, a fim de se firmar, ele estendeu a direita para ela.
— Katherine... — murmurou.
Sem saber como agir, Hermione pousou a mão na dele, sentindo os dedos longos apertarem os seus.
— Katherine — ele repetiu, com um sussurro emocionado, enquanto lágrimas brilhavam em seus olhos azuis.
— O nome de minha mãe era Katherine — Hermione falou com suavidade.
Ele apertou ainda mais a mão dela, sacudiu a cabeça e limpou a garganta.
— Sim, sim, claro. Você é a filha de Katherine.
Hermione assentiu, notando que o duque era um homem muito alto e muito magro, com olhos azuis-escuros que a estudavam em cada detalhe.
— Meu nome é Hermione.
Uma estranha ternura iluminou os olhos dele.
— O meu é Sirius Hermes Potter.
— Eu... compreendo — ela gaguejou.
— Não, você não compreende — ele a corrigiu com um sorriso afável. Então, envolveu-a em um abraço inesperadamente carinhoso. — Seja bem-vinda — declarou.
E Hermione foi invadida pela estranha sensação de estar em casa.
Ele a libertou com um sorriso tímido e puxou uma cadeira.
— Deve estar faminta. McLaggen! — ele chamou o lacaio que se encontrava plantado ao lado da mesa junto à parede, coberta de travessas de prata. — Estamos famintos, os dois.
— Sim, alteza — o lacaio respondeu prontamente, virando-se para servir dois pratos.
— Peço sinceras desculpas por não haver uma carruagem a sua espera, quando chegou — Sirius voltou a se dirigir a Hermione. — Não me ocorreu que pudesse chegar antes da data, uma vez que fui informado que os navios que vêm da América costumam se atrasar. Fez boa viagem? — perguntou, enquanto o lacaio colocava diante de Hermione um prato com ovos, batatas, rins, presunto e pãezinhos crocantes.
Lançando um olhar para o conjunto completo de talheres arranjado ao lado de seu prato, Hermione agradeceu em silêncio pela insistência de sua mãe para que ela e Ginny aprendessem a usar cada um deles da maneira apropriada.
— Sim, a viagem foi muito agradável — respondeu com um sorriso, antes de acrescentar com timidez: —, alteza.
— Pelo amor de Deus! — Sirius protestou e riu. — Não creio que tanta formalidade seja necessária entre nós. Se for assim serei obrigado a chamá-la de condessa de Ravenclaw, ou lady Hermione. E acho que não vou gostar muito disso. Prefiro ser “tio Sirius” e, você, Hermione. O que acha?
— Concordo plenamente. Tenho certeza de que jamais me lembraria de responder quando me chamasse de condessa de Ravenclaw, seja ela quem for. E lady Hermione não se parece comigo em nada! — ela respondeu de bom humor, descobrindo que a atitude gentil e amigável do duque já fazia brotar uma profunda afeição de seu coração.
Sirius fitou-a de maneira estranha.
— Mas você é tanto uma coisa, quanto outra. Sua mãe era filha única do conde e da condessa de Ravenclaw. Eles morreram quando ela ainda era uma criança, mas o título de origem escocesa passou para ela, por direito de herança. Sendo a filha mais velha de Katherine, o título é seu, agora.
Hermione pareceu se divertir com a informação.
— E o que devo fazer com ele? — indagou.
— Faça o que todos nós fazemos: ostente-o — o primo respondeu com uma risada e, então, fez uma pausa enquanto McLaggen finalmente serviu seu prato. — Na verdade, se não estou enganado, além do título você é herdeira de uma pequena propriedade na Escócia, mas não tenho certeza disso. O que sua mãe lhe disse?
— Nada. Mamãe jamais falava da Inglaterra, ou de sua vida aqui. Ginny e eu imaginávamos que ela fosse... bem, uma pessoa comum.
— Não havia nada de comum com relação a sua mãe — ele a corrigiu com voz emocionada, mas tratou de se esquivar das perguntas que Hermione estava prestes a fazer. — Um dia, prometo contar tudo a você. Agora, acho que devemos nos conhecer melhor.
Uma hora se passou com rapidez incrível, enquanto Hermione respondia às perguntas de Sirius. Quando terminaram o desjejum, ela se deu conta de que ele conseguira um relato preciso da história de sua vida, até o momento em que ela batera na porta da mansão Gryffindor, com um leitãozinho nos braços. Hermione havia falado dos residentes do vilarejo onde morara antes, do pai e de Draco. Por alguma razão que ela não pôde compreender, ouvir sobre os dois últimos havia deixado o duque ligeiramente abalado, embora ele houvesse se mostrado muito interessado em saber de ambos. Sobre Katherine, ele evitara qualquer interrogatório.
— Confesso que estou confuso quanto ao seu noivado com Draco Malfoy — Sirius admitiu, quando ela terminou. — A carta que recebi de seu amigo, o doutor Dumbledore, não fazia nenhuma menção a isso. Ao contrário, dizia que você e sua irmã encontravam-se sozinhas no mundo. Seu pai chegou a dar permissão para que ficassem noivos?
— Sim e não — Hermione respondeu com honestidade, perguntando-se por que o assunto parecia perturbá-lo tanto. — Draco e eu nos conhecemos desde que éramos crianças, mas papai acreditava que eu deveria esperar até completar dezoito anos, para então ficar noiva. Na opinião dele, trata-se de um compromisso sério demais para ser assumido antes disso.
— Um homem muito sensato, seu pai. Por outro lado, você completou dezoito anos antes de ele morrer, mas ainda não está formalmente noiva de Malfoy. Estou certo?
— Bem, sim.
— Seu pai estava relutante em dar seu consentimento?
— Não, exatamente. Pouco antes do meu décimo oitavo aniversário, a senhora Malfoy, mãe de Draco, propôs a meu pai que Draco fizesse uma versão abreviada do Grand Tour, a fim de testar nossos sentimentos e, também, para dar a ele sua última chance de desfrutar da vida de solteiro. Embora Draco considerasse a idéia completamente sem sentido, papai concordou plenamente com a senhora Malfoy.
— Ao que me parece, seu pai definitivamente relutava em permitir que você se casasse com esse rapaz. Afinal, se vocês já se conheciam há anos, não havia a menor necessidade de um teste de sentimentos. Isso mais me parece uma desculpa do que uma razão. Ao mesmo tempo, tive a impressão de que a mãe de Draco se opõe ao noivado.
Como o duque desse mostra de estar assumindo posição também desfavorável a Draco, Hermione descobriu-se obrigada a explicar a embaraçosa verdade.
— Papai não tinha nenhuma reserva quanto à perspectiva de Draco ser um excelente marido para mim. Porém, tinha sérias dúvidas quanto a minha vida com minha futura sogra. Ela é viúva e muito ligada a Draco. Além disso, está sempre se achando doente e, em conseqüência, nunca está de bom humor.
— Ah! — o duque exclamou, finalmente compreendo a situação. — E as doenças dela são graves?
Hermione corou.
— Segundo o que meu pai disse a ela em uma ocasião, quando eu estava presente, todas as doenças da senhora Malfoy não passavam de fingimento. Quando jovem, ela realmente sofria de uma certa fraqueza do coração, mas papai afirmou que sair da cama ajudaria muito mais a saúde dela do que enclausurada, mergulhada em autopiedade. Como pode imaginar, eles não se davam muito bem.
— Não só imagino, como também compreendo os motivos! Seu pai estava certo ao fazer objeções ao seu casamento, minha querida. Sua vida teria sido muito infeliz.
— Não serei infeliz — Hermione afirmou, convicta, decidida a se casar com Draco com ou sem a aprovação do duque. — Draco está consciente de que a sua mãe usa as doenças para tentar manipulá-lo e não permite que tal ardil o impeça de fazer o que quer. Só concordou com a viagem porque meu pai insistiu que seria o melhor para nós.
— Você recebeu alguma carta dele?
— Só uma, mas Draco partiu apenas quinze dias antes do acidente de meus pais, há três meses. As cartas enviadas para a Europa demoram mais ou menos o mesmo período para chegar ao seu destino. Escrevi para ele, contando o que aconteceu e, ainda outra vez, pouco antes de tomar o navio para cá, a fim de lhe dar meu endereço aqui. Imagino que ele esteja voltando para casa agora, certo de que está indo ao meu encontro. Eu queria ficar em Nova York e esperar por ele, mas o doutor Dumbledore não me deu ouvidos. Por alguma razão, ele estava convencido de que os sentimentos de Draco não resistiriam ao teste de tempo. Sem dúvida, foi o que a senhora Malfoy disse a ele. — Hermione suspirou e olhou para a janela. — Ela prefere que o filho se case com alguém de maior importância do que com a filha de um médico sem vintém.
— Eu diria que ela prefere que o filho não se case com ninguém e permaneça preso ao leito da mãe — o duque arriscou. — Uma viúva que se finge doente só pode ser uma mãe possessiva e dominadora.
Como não pudesse negar tal afirmação, em vez de condenar a futura sogra, Hermione decidiu guardar silêncio sobre o assunto.
— Algumas das famílias da vizinhança me ofereceram hospedagem, até Draco voltar, mas não era uma boa solução. Entre outras coisas, se Draco me encontrasse na casa de um deles, ficaria furioso.
— Com você?
— Não. Com a mãe, por ela não ter me acolhido em sua casa.
— Ora, o jovem parece um modelo de virtude — Sirius murmurou, contrafeito, mesmo depois de todas as explicações de Hermione, que deveriam redimir Draco de qualquer culpa.
— Sirius pousou a mão na dela.
— Vamos esquecer Draco e ficarmos felizes por você estar na Inglaterra. Conte-me o que está achando daqui.
Hermione lhe disse que havia gostado muito do que vira e Sirius se pôs a descrever a vida que havia planejado para ela. Para começar, ele queria que ela tivesse um novo guarda-roupa, bem como uma criada treinada para assisti-la. Hermione estava prestes a recusar as duas sugestões, quando viu a figura assustadora encaminhando-se para a mesa com a firmeza de um selvagem perigoso, vestindo calça de couro de gamo colada às pernas musculosas e uma camisa branca, aberta no colarinho. Ele lhe pareceu ainda mais alto e forte do que na véspera. Os cabelos negros eram espessos e levemente bagunçados, o nariz reto, os lábios bem desenhados. Não fosse a arrogância da linha do queixo e o cinismo indisfarçável daqueles olhos verdes e frios, Hermione o teria considerado o homem mais atraente que já vira.
— Harry! — Sirius cumprimentou-o com entusiasmo. — Permita-me apresentá-lo formalmente a Hermione, Harry é meu sobrinho — explicou virando-se para ela.
Sobrinho! Ela havia cultivado a esperança de que ele fosse um mero visitante e, agora, descobria que se tratava de um parente, que provavelmente vivia com Sirius. A constatação a deixou desolada, ao mesmo tempo em que o orgulho a forçou a empinar o queixo e sustentar o olhar de desafio de Harry. Ele a cumprimentou com um breve aceno de cabeça, antes de se sentar e virar-se para McLaggen.
— Restou alguma comida para mim? — indagou com frieza.
O lacaio hesitou.
— Sim, milorde. Há bastante comida, mas já está fria. Vou até a cozinha, agora mesmo, para providenciar algo quente.
Com isso, saiu da sala de jantar quase correndo.
— Harry — Sirius falou —, acabei de dizer a Hermione que ela deve contar com uma criada particular, além de providenciar um guarda-roupa apropriado a...
— Não — Harry o interrompeu.
O ímpeto de fugir imediatamente superou todos os demais instintos de Hermione.
— Se me der licença, tio Sirius, eu... tenho algumas coisas a fazer.
Sirius lhe lançou um olhar de gratidão e ao mesmo tempo de pedido de desculpas. Então, como um verdadeiro cavalheiro levantou-se. O sobrinho, porém, reclinou-se na cadeira, observando-a sair com ar de tédio.
— Nada disso é culpa de Hermione — Sirius protestou, assim que os lacaios começaram a fechar a porta atrás dela. — Você tem de compreender...
— Compreender? — Harry voltou a interrompê-lo. — E, por acaso, aquela mendiga chorona compreende que esta é a minha casa e que não a quero aqui?
A porta se fechou, mas Hermione já ouvira o bastante. “Mendiga chorona!” Uma onda de humilhação tomou conta dela. Aparentemente, Sirius a convidara sem o consentimento do sobrinho.
Quando Hermione entrou no quarto, com rosto pálido, mas controlado, encaminhou-se até seu baú e o abriu.
Na sala de jantar, Sirius tentava persuadir o homem frio e cínico a sua frente.
— Harry, você não compreende...
— Foi você quem a trouxe para a Inglaterra. Se a quer tanto leve-a para Londres a fim de morar com você.
— Não posso fazer isso! — Sirius argumentou com veemência. — Ela ainda não está pronta para enfrentar a ton. Há muitas providencias a tomar, antes que ela possa debutar em Londres. Entre outras coisas, Hermione vai precisar de uma acompanhante, em nome das aparências.
Harry fez um sinal impaciente para o lacaio, que mantinha o bule de café suspenso no ar, esperando pela permissão do patrão para servi-lo. Então, virou-se para Sirius e vociferou:
— Quero-a fora daqui amanhã! Fui claro? Leve-a para Londres ou mande-a de volta para casa, mas tire-a daqui! Não gastarei um centavo com ela. Se quer proporcionar a ela uma temporada londrina, encontre outro meio de arcar com as despesas.
Sirius massageou as têmporas.
— Harry, sei que não é tão insensível e desumano quanto está tentando parecer. Deixe-me ao menos lhe contar sobre ela.
Recostando-se na cadeira, Harry fitou-o com ar contrariado, mas ouviu o que Sirius tinha a dizer.
— Os pais dela morreram há alguns meses em um acidente. Em um único dia, Hermione perdeu a mãe, o pai, o lar, a segurança... tudo.— Como Harry permanecesse em silêncio, Sirius perdeu a paciência. — Diabos! Já se esqueceu de como se sentiu quando perdeu Jaime? Hermione perdeu as três pessoas que mais amava, incluindo o jovem com quem iria ficar noiva. Ela é ingênua o bastante para acreditar que o rapaz virá correndo buscá-la dentro de algumas semanas, mas a mãe dele não aprova o casamento. Pode escrever minhas palavras: ele vai ceder às pressões da mãe, agora Hermione está separada dele por um oceano. A irmã se encontra aos cuidados da duquesa de Claremont. Portanto, até mesmo a companhia da irmã é negada a Hermione, agora. Pense em como ela se sente, Harry! Você sabe o que é enfrentar a morte e a perda... ou já se esqueceu da dor?
Percebendo que suas palavras haviam exercido o efeito desejado, pois Harry estremeceu diante das lembranças amargas, Sirius suavizou o tom de voz.
— Ela é uma criança inocente e perdida, Harry. Não tem mais ninguém no mundo além de mim... e de você , goste disso ou não. Pense nela como pensaria em Jaime nas mesmas circunstâncias. Mas Hermione possui coragem e orgulho. Por exemplo, embora ela tenha rido ao me contar, percebi que a recepção que teve aqui, ontem, a humilhou terrivelmente. Se Hermione sentir que não é desejada, encontrará um meio de partir. E se isso acontecer, jamais serei capaz de perdoá-lo, Harry.
Com expressão sombria, Harry se levantou.
— Por acaso, ela é mais um de seus filhos bastardos?
Sirius empalideceu.
— Meu Deus! Claro que não! Pense no que está dizendo! Acha que eu anunciaria o noivado de vocês, caso ela fosse minha filha?
Em vez de acalmar Harry, o argumento o fez lembrar do anúncio de noivado que o enfurecera.
— Se o seu anjinho é tão corajoso e inocente, por que aceitou entregar o corpo para mim em troca de um casamento?
— Ora, ela não tem conhecimento do anúncio que fiz — Sirius replicou, como se aquele fosse um detalhe sem a menor importância. — Pode-se dizer que eu me entusiasmei demais com a idéia. Garanto uma coisa: Hermione não tem o menor desejo de se casar com você.
A expressão glacial de Harry começou a amolecer e Sirus se agarrou à oportunidade.
— Duvido que Hermione o aceitasse, mesmo que você a quisesse. Você é muito cínico e endurecido para uma moça idealista e tão bem-educada quanto ela. Hermione admirava o pai e me disse abertamente que pretende se casar com um homem como ele: sensível, gentil e idealista. E você , meu caro, não é nada disso. Arrisco-me a dizer que se Hermione soubesse que está supostamente noiva de você, preferiria a morte a...
— Acho que já entendi — Harry o interrompeu, irritado.
— Ótimo — Sirius concluiu com um sorriso satisfeito. — Agora, posso sugerir mantermos o anúncio de noivado em segredo por enquanto? Pensarei em uma maneira de rescindi-lo, sem causar embaraços a nenhuma de vocês dois, mas não podemos fazer isso imediatamente. Ela é uma criança, Harry, uma criança orgulhosa e cheia de coragem, que está se esforçando para sobreviver em um mundo cruel, para o qual não está preparada. Se revogarmos o noivado cedo demais, ela vai ser objeto de chacotas em Londres. Vão dizer que você bateu os olhos nela e desistiu do compromisso.
A visão de um par de olhos castanhos, circundados por cílios longos e espessos, em um rosto bonito demais para ser real, ocupou a mente de Harry. Ele se lembrou do sorriso encantador que lhe curvara os lábios, pouco antes de ela se dar conta da presença dele na sala. Pensando melhor, Hermione realmente parecia uma criança vulnerável.
— Por favor, fale com ela — Sirius implorou.
— Farei isso — Harry concordou em tom seco.
— Mas tente fazê-la se sentir bem-vinda.
— Isso vai depender de como ela vai se comportar quando eu a encontrar.
No quarto, Hermione retirou mais algumas roupas do armário e atirou-as no baú, enquanto as palavras de Harry Potter ecoavam em sua mente. Mendiga chorona... Não a quero aqui.. Mendiga chorona... Deu-se conta, mais uma vez se sentindo à beira da histeria, de que não encontrara um novo lar. O destino estivera apenas fazendo uma brincadeira cruel com seu coração. Endireitou-se para voltar ao armário e retirar o restante de suas roupas, mas teve um sobressalto ao deparar com a figura ameaçadora à porta, de braços cruzados. Furiosa consigo mesma por ter permitido que ele percebesse o seu susto, Hermione empinou o queixo com ousadia, determinada a impedir que ele voltasse a intimidá-la.
— Alguém deveria tê-lo ensinado a bater antes de entrar — declarou.
— Bater? — ele repetiu em tom sarcástico. — Mesmo quando a porta estiver aberta? — Baixou os olhos para o baú. — Está de partida?
— É evidente que sim.
— Por quê?
— Porque não sou uma mendiga chorona e detesto ser um fardo para quem quer que seja.
Em vez de se mostrar culpado por ela ter ouvido suas palavras cruéis, Harry reprimiu um sorriso divertido.
— Ninguém a ensinou a não ouvir atrás das portas?
— Não fiz isso! — Hermione protestou, irada. — Você assassinou o meu caráter em voz tão alta, que devem ter ouvido em Londres!
— Para onde pretende ir? — ele perguntou, ignorando a crítica.
— Não é da sua conta.
— Responda a minha pergunta! — Harry ordenou com frieza.
Hermione estudou-o da cabeça aos pés. Apoiado no batente da porta, ele parecia perigoso e invencível. Na verdade, parecia disposto a arrancar aquela resposta a qualquer preço. Em vez de lhe proporcionar tal satisfação, ela declarou:
— Tenho algum dinheiro. Encontrarei um lugar para morar na vila.
— É mesmo? — ele indagou com sarcasmo. — Só por curiosidade, o que vai ser quando esse “algum dinheiro” acabar?
— Vou trabalhar!
Harry continuou a encará-la com ar irônico.
— Que idéia emocionante! Uma mulher que realmente deseja trabalhar! Diga-me que tipo de trabalho sabe fazer. Pode puxar um arado?
— Não...
— Pregar uma tábua?
— Não.
— Ordenhar uma vaca?
— Não!
— Vejo que é inútil, tanto para si mesma, quando para qualquer outra pessoa.
— Não é verdade! — Hermione defendeu-se. — Sou capaz de fazer muitas coisas, como costurar, cozinhar e...
— E fazer com que todos os habitantes da vila comentem sobre o monstruoso Potter, que a expulsou da sua propriedade? Esqueça. Não vou permitir.
— Não me lembro de ter pedido a sua permissão — Hermione retrucou com arrogância.
Apanhado de surpresa, Harry permaneceu em silêncio por alguns instantes. Homens adultos raramente se atreviam a desafiá-lo, mas ali estava uma garota que não hesitara em fazê-lo. Se não estivesse tão contrariado com a situação, Harry teria lhe dado um tapinha no ombro, com um sorriso de admiração pela coragem. Reprimindo o impulso incomum de suavizar o tom de voz, tratou de mantê-lo frio.
— Se está tão ansiosa para pagar pelo próprio sustento, o que eu duvido, pode fazer isso aqui mesmo.
— Sinto muito — ela anunciou com calma estudada —, mas não vai dar certo.
— Por que não?
— Porque simplesmente não consigo me imaginar fazendo reverências, me encolhendo e tremendo de medo, toda vez que você passa, como seus criados fazem. Aquele pobre homem com o dente inflamado quase desmaiou quando você...
— Quem? — Harry indagou, confuso.
— O senhor McLaggen.
— E quem é o senhor McLaggen?
Hermione revirou os olhos.
— Nem sabe os nomes de seus criados, não é? O senhor McLaggen é o lacaio que foi providenciar o seu desjejum e está com o rosto tão inchado...
Harry girou nos calcanhares.
— Sirius quer que você fique aqui. Ponto final. — Já à porta, virou-se para fitá-la com seu olhar duro e ameaçador. — Se está pensando em partir, contrariando minhas ordens, devo avisá-la para não fazê-lo. Vai me obrigar a persegui-la e garanto que não vai gostar nem um pouco do que acontecerá quando eu a encontrar. Acredite em mim.
— Não tenho medo das suas ameaças — Hermione mentiu, tentando pensar depressa nas alternativas de que dispunha. Não queria magoar Sirius com sua partida, mas seu orgulho não lhe permitia ser uma “mendiga” na casa de Harry. Ignorando o brilho perigoso naqueles fascinantes olhos verdes, declarou: — Ficarei, mas pretendo trabalhar pelo meu sustento.
— Certo — Harry falou, com a estranha sensação de que ela estava saindo vitoriosa daquele conflito.
Virou-se para sair, quando Hermione perguntou em tom profissional:
— Posso saber quanto vou receber de salário?
Harry respirou fundo, preste a perder a paciência.
— Está tentando me irritar?
— De maneira alguma. Só quero saber quanto vou ganhar, a fim de poder fazer meus planos para o dia em que... — Hermione calou-se ao vê-lo sair sem dizer mais nada.
Sirius mandou a criada convidá-la para almoçar com ele. O almoço foi muito agradável, uma vez que Harry estava ausente. Porém, a tarde se arrastou lentamente e, sem mais suportar a inquietação, Hermione decidiu sair para um passeio. Ao vê-la descer a escada, o mordomo abriu a porta da frente. A fim de mostrar a ele que não guardava ressentimento pelo que acontecera na véspera, Hermione sorriu.
— Muito obrigada, senhor...
— Slughorn — ele completou com expressão cuidadosamente contida.
— Slughorn? — Hermione repetiu, na tentativa de puxar conversa. — É seu nome de batismo ou sobrenome?
— É... meu sobrenome, senhorita — ele respondeu, parecendo surpreso e constrangido.
— Há quanto tempo trabalha aqui? — ela persistiu.
Slughorn cruzou as mãos atrás das costas com ar solene.
— Há nove gerações, minha família serve os Potter, senhorita. Espero cumprir essa tradição honrosa como meus antepassados.
— Compreendo — Hermione murmurou, contendo o impulso de rir diante do profundo orgulho que ele revelava pelo trabalho que parecia não envolver nada mais que abrir e fechar portas para as pessoas.
Como se pudesse ler seus pensamentos, ele acrescentou:
— Se tiver qualquer problema com os criados, basta me comunicar, senhorita. Como chefe da criadagem, cabe a mim providenciar para que quaisquer falhas sejam imediatamente remediadas.
— Tenho certeza de que isso não vai acontecer. Todos aqui são muito eficientes — Hermione elogiou com gentileza.
Eficientes demais, pensou, ao sair para o jardim banhado pelo sol.
Atravessou os gramados e deu a volta na casa, decidida a visitar os estábulos e conhecer os cavalos. Como pretendesse se aproximar deles, lembrou-se de que maças eram excelentes para amansá-los. Assim, encaminhou-se para a cozinha, seguindo as orientações fornecidas pelos jardineiros.
A cozinha gigantesca encontrava-se repleta de criadas. Umas preparavam massa de pão, outras mexiam em panelas ou cortavam verduras. No centro da confusão, um homem muito gordo, vestindo um imenso avental branco e empunhando uma colher de pau, gritava instruções em inglês e francês.
Hermione se aproximou de uma mulher que trabalhava na mesa mais próxima.
— Por favor, pode me dizer onde encontrar maças e cenouras?
A mulher lançou um olhar hesitante para o homem do avental branco, que fitava Hermione como se estivesse prestes a atacá-la com sua colher. Então, desapareceu por uma porta, retornando um minuto depois trazendo duas maças e duas cenouras.
— Obrigada, senhora...
— Slughorn, senhorita — a mulher informou, constrangida.
— Ora, já conheci o seu marido, o mordomo — Hermione comentou com um sorriso —, mas ele não me disse que a senhora também trabalhava aqui.
— O senhor Slughorn é meu cunhado — a outra corrigiu-a,
— Ah, sim — Hermione murmurou, percebendo a relutância da mulher em conversar diante do homem gordo e temperamental que parecia ser o chefe. — Bem, tenha um bom dia, senhora Slughorn.
Um caminho de pedras que seguia ao lado do bosque levava aos estábulos. Hermione caminhou sem pressa, admirando a vista dos gramados e jardins espetaculares a sua esquerda. De repente, um movimento súbito a poucos metros dali a fez parar. Próximo ao local onde, entre o caminho e o bosque, parte do lixo era tratado para se transformar em adubo, um grande animal cinzento farejava o chão. Ao sentir a presença de Hermione sentiu o sangue gelar. Era um lobo!
Paralisada pelo terror, Hermione ficou onde estava, com medo de fazer qualquer movimento ou ruído. Os pêlos cinzentos do lobo, apesar de muito espessos, não escondiam suas costelas protuberantes, o que indicava magreza excessiva. Portanto, a conclusão de Hermione foi que o animal estava faminto e, provavelmente, disposto a comer o que encontrasse. Inclusive ela mesma. Cuidadosamente, Hermione deu um passo para trás, na direção da casa.
O animal rosnou, erguendo o lábio superior, exibindo os dentes enormes e brancos. Hermione reagiu automaticamente, atirando as maças e as cenouras na direção dele, a fim de distraí-lo da intenção óbvia de atacá-la. Porém, em vez de se atirar sobre o alimento, como ela esperava, o lobo correu para o bosque, com o rabo entre as pernas. Hermione girou nos calcanhares e correu na direção da casa, entrando pela primeira porta que avistou. Então, foi até a janela e descobriu que o animal, parcialmente escondido pelas árvores, observava as maças e cenouras com olhar faminto.
— Algo errado, senhorita? — um lacaio perguntou , interrompendo sua caminhada apressada na direção da cozinha.
— Vi um animal — Hermione explicou, ofegante. — Acho que é um... — Viu o lobo deixar sorrateiramente seu esconderijo, abocanhar os alimentos atirados por ela e correr de volta para o bosque, ainda com o rabo entre as pernas. Ora, ele estava assustado! E faminto. — Vocês têm cães aqui? — perguntou, achando que poderia ter cometido um erro que a faria parecer extremamente ignorante.
— Sim, senhorita, muitos.
— Algum deles é grande, magro e cinzento?
— Esse é o velho cachorro do lorde, Bichento. Está sempre por aí, implorando comida. Não é perigoso, se é isso o que a preocupa. A senhorita o viu?
— Sim — Hermione respondeu, sentindo a raiva crescer dentro de si, ao se lembrar do pobre animal procurando por comida em meio ao lixo. — Ele está morrendo de fome! Alguém deveria alimentá-lo.
— Bichento sempre se comporta como se estivesse faminto — o lacaio esclareceu em tom indiferente. — O lorde diz que se ele comer mais, vai acabar gordo demais para andar.
— Se comer menos, ficará fraco demais para viver — Hermione retrucou, furiosa.
Não era difícil imaginar aquele sujeito sem coração deixando o próprio cachorro morrer de fome. Irada, voltou à cozinha e pediu mais maças, cenouras e um prato com restos de comida.
Apesar da simpatia que sentia pelo animal, Hermione teve de lutar para dominar o medo, enquanto se aproximava do bosque, de onde ele a observava. Lembrando-se da garantia do lacaio sobre o cachorro, sim, apenas um cachorro, não ser perigoso, ela se aproximou o máximo que sua coragem lhe permitiu, estendendo o prato.
— Aqui, Bichento — chamou com voz suave. — Trouxe comida para você.
Com passos tímidos, aproximou-se mais um pouco. Bichento empinou as orelhas e voltou a exibir os dentes afiados. Perdendo de vez a coragem, Hermione deixou o prato no chão, virou-se e correu para os estábulos.
Jantou com Sirius e, como Harry estivesse ausente de novo, a refeição foi muito agradável. Porém, quando Sirius se retirou, ela se viu mais uma vez sem ter o que fazer. Além do passeio até os estábulos e de sua aventura com Bichento, Hermione não fizera nada além de passear para lá e para cá, completamente ociosa. Decidiu começar a trabalhar na manhã seguinte. Estava habituada a estar ocupada e precisava desesperadamente encontrar um modo de preencher o seu tempo. Não mencionara a Sirius sua intenção de trabalhar por seu sustento, se sentiria aliviado pelo fato de ela se tornar útil, poupando-o de novas explosões iradas do sobrinho temperamental.
Subiu para o quarto e passou o resto da noite tentando escrever uma carta alegre e otimista para Ginny.

N/A: Bichento de cachorro, rsrsrs, eu sei que muita gente vai estranhar, mas tenho que seguir com o acontece no livro. Eu sei que o Harry tá meio rude, mas ele tem ótimos motivos pra ser assim, que vcs só vão descobrir bem mais pra frente. O próximo capítulo sai logo.
Bjs,
Jéssica Malfoy



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