Prólogo



Prólogo


“As coisas estão realmente difíceis e confusas para mim. Tão difíceis e confusas a ponto de eu seguir seu conselho e tentar dizer o que estou sentindo para um pedaço amarelado de pergaminho. Então aqui está, Hermione. Antes de tudo, eu estou com raiva. Raiva da cicatriz na minha testa, raiva de ter sido escolhido por Voldemort, raiva de todas as conseqüências disso. Raiva por não poder estar com quem eu amo, raiva porque tudo que eu um dia amei foi retirado de mim. Eu também estou com medo, apesar de nunca admitir isso para você nem para o Ron. Estou com medo por mim e por vocês, e por todas as outras pessoas que ainda me restam. Eu estou apavorado. Mas principalmente essa noite eu estou com ódio de você e sua maldita mania de tentar ser a minha consciência.”



Jogou o papel para o lado. Ainda se perguntando como ele aparecera tão repentinamente no meio de tantas coisas guardadas na sua casa. Na verdade não só ele, mas toda uma caixa de pergaminhos empoeirados e esquecidos. E fora com saudosismo e curiosidade que ele se sentara em uma poltrona confortável, acendera um cigarro e começara a lê-los.

Riu, um riso falso e irônico. O Harry Potter de dez anos atrás não era nada mais que um adolescente típico, revoltado e com um ridículo senso de heroísmo. Cansou-se rapidamente dos relatos, ainda mais uma vez que eles estavam totalmente desorganizados.Talvez pedisse para que sua secretária desvendasse a ordem dos acontecimentos e os catalogasse. Mas por hora limitou-se a se esticar na cadeira de seu escritório, bagunçar o cabelo e ler alguns dos memorandos empilhados sobre sua mesa.

Suspirou enquanto abria um dos envelopes roxos. Passou os olhos rapidamente pelo papel, e quando terminou balançou a cabeça. Era a quinta vez que o departamento de artefatos mágicos pedia para que ele mandasse alguém da sua sessão na ‘Borgin e Burkes’ para apreender objetos repletos de magia negra. O motivo para ter recusado o pedido nas outras quatro vezes fora o mesmo, o fato de que esse trabalho era do próprio departamento, não havendo motivo para ele deslocar alguém do seu esquadrão para lá. Mas a verdade é que eles tinham razão, sendo o trabalho dos aurores lidar com qualquer assunto relacionado às artes das trevas.

Olhou no seu relógio. Faltava pouco tempo para seu horário de almoço, e uma ida ao Beco Diagonal era o que ele precisava para espairecer. Vencido, levantou-se da sua mesa, pegou o casaco em uma das cadeiras e saiu do escritório, avisando sua secretária que ia pessoalmente tratar do problema na loja. Saindo do prédio pensou em aparatar diretamente para a travessa do tranco, mas mudou de idéia ao constatar que o dia estava agradável e que a curta caminhada até lá o ajudaria a por os pensamentos em ordem.

Enquanto andava pelas ruas de Londres, percebia o quanto sua vida mudara em dez anos. O fim da guerra trouxera conseqüências imediatas para ele, como o convite para o cargo de auror, o reconhecimento total de toda a comunidade bruxa e o aumento da sua popularidade e da sua conta em gringotes. Tudo isso, por mais absurdo que pudesse parecer para aqueles que estiveram ao seu lado durante a batalha, afetara em muito a personalidade de Harry. Afinal o menino que sobrevivera era tão normal quanto qualquer outro ser humano, e uma vez que seu maior problema fora derrotado, ele tornara-se tão sucessível a certas tentações quanto qualquer homem era.

E foram por motivos assim que ele acabara se afastando de seus antigos amigos e aliados. Também, com Ron internado no Saint Mungus devido um ataque que sofrera enquanto lutava, e o conseqüente afastamento de Hermione para o que ela definira como “Um tempo para ficar sozinha”, não havia muito que ainda o prendesse a sua antiga vida.

Mas o beco diagonal sempre o lembrava as vezes que ele estivera ali com os amigos, momentos como quando fora com Hagrid comprar seu material para Hogwarts e tivera seu primeiro contato com o mundo mágico, quando se hospedara em seu terceiro ano no caldeirão furado após ter fugido da casa dos tios, e todas as vezes que acompanhara os Weasleys em suas visitas ao lugar antes do início do ano letivo. Aquela rua estava repleta lembranças felizes, assim como uma de suas travessas o lembrava das vezes que encontrara os Malfoys ali.

Alguns olhares o seguiram quando ele virou na Travessa do Tranco, que obviamente não era um lugar onde as pessoas esperavam ver o famoso Harry Potter. A ruela estreita mudara desde sua última visita, sendo que agora voltara a ser muito freqüentada por pessoas do tipo mais estranho possível e a estar repleta de lojas de aspecto sombrio. Mas seu objetivo ali era outro, mais especificamente uma loja com as vitrines repletas de coisas obviamente ilegais, todas com um aspecto sujo, e com nenhum cliente dentro.

Harry entrou com o barulho do sino em cima da porta, e segundos depois um velho com cabelo oleoso e andar meio inclinado aparecia olhando para ele.

—Bom dia, senhor Borgin. Eu sou Harry Potter, chefe do departamento de aurores e estou aqui em nome do Ministério da Magia devido uma denúncia de que sua loja estaria vendendo objetos proibidos por lei.

O homem o encarou por um breve momento, resmungou alguma coisa que ele não entendeu e foi até porta, onde virou a placa de “fechado”. Depois se sentou no balcão e começou a mecher em alguns dos seus produtos.

A experiência de Harry dizia para ele ficar parado, esperando silenciosamente até o homem dizer alguma coisa. Se isso demorasse muito ele apenas entregaria ao dono da loja um mandato para que comparecesse ao ministério e confiscaria os objetos.

Mas essa atitude não foi necessária, visto que quando ele já começava a vasculhar os bolsos em busca do papel o Senhor Borgin começou a falar.

—Vocês... Uma vez por década aparecem aqui para pegar o que é meu, alegando que o que eu vendo é ilegal e apreendendo tudo, que no final vai parar no departamento de mistérios ou na casa de alguns funcionários. Ah! O que eu tenho aqui não é nada mais do que o que as pessoas querem, mas que se o ministério permitisse que elas tivessem perderia todo o seu poder.

Harry estava pronto para aproveitar a pausa no discurso e fazer o que ele viera fazer, mas a voz arrastada do velho voltou a soar pela loja.

—Veja você, senhor Potter. O que faria se eu te desse a chance para voltar no tempo para mudar os acontecimentos, e consertar o que está errado na sua vida? O que faria se eu dissesse que tenho o que pode fazer você salvar tantas pessoas queridas, e até mesmo evitar que seu destino se concretizasse?

Os olhos do homem brilhavam doentiamente agora, e tudo que Harry queria era sair logo dali.

—Eu diria que o senhor está louco, Senhor Borgins, e além desse mandato te daria o conselho de procurar assistência médica.

Estendeu o papel com o logotipo do ministério, que ele pegou com uma calma anormal, enquanto assentia com a cabeça.

Cinco minutos depois o sino da porta tintilava novamente, e Harry saia em disparada pela rua. O discurso absurdo do velho não saia da sua mente, preenchendo cada pensamento com a pergunta “O que você faria se pudesse mudar o passado?”.

O que ele faria se pudesse mudar o passado?

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