De Mal Com a Vida





Fazia tempo que não dormia tão bem. Estava mais relaxada do que estivera em dias, graças aos montes de travesseiros que possuía embaixo de sua cabeça. As pilhas de tarefas dos quintanistas estavam transformando-a numa morta-viva, com constantes olheiras coloridas abaixo dos olhos, resultados de suas noites mal dormidas. E agora, ela conseguira encontrar a tão almejada serenidade de seu sono. Mas estava bom demais para durar muito. O estampido irritante e estridente do seu despertador tomou conta do silencioso quarto, onde outras quatro garotas dormiam tranquilamente até o momento. A dona do aparelinho - uma ruiva que tinha os cabelos desgrenhados espalhados pelo travesseiro, envolta por fronhas brancas - não se mexeu por um instante. Ainda era cedo (provavelmente metade do castelo ainda dormia) e ela estivera aproveitando muito bem o sonho que estava tendo. O sorriso besta que tinha nos lábios foi se desfazendo à medida que foi mais desperta pelo barulho incessante. Revirou-se algumas vezes, insistentemente de olhos fechados, tentando voltar a dormir, apesar de saber que isso era impossível já que tinha acordado abruptamente.

Sons de impaciência foram ouvidos por parte das outras garotas mas foi Joanne Cronwel quem falou primeiro.

- Gina, dá para desligar essa droga? - resmungou - Nós ainda queremos dormir, tudo bem para você?

Gina rangeu os dentes, mesmo sabendo que ninguém via ou ouvia. Joanne era a garota mais odiável que se podia conhecer. Odiável mesmo, porque ela bisbilhotava e fuçava sobre a vida de todos para depois fazer fofoquinha. Gina, particularmente, achava que ela daria uma ótima sonserina. Até o tom de voz dela para com os outros deixava-a louca. Derrotada, estendeu o braço e apalpou o criado-mudo para encontrar o aparelho. Quando enfim o fez, jogou-o no chão e, com uma pancada seca, ele foi destruído. Mas ela sabia que de nada adiantava, porque sua soneca já fora interrompida. As meninas respiraram aliviadas.

“Porcaria!” pensou amargamente, consultando seu relógio de pulso com o rosto enrugado, “Ainda deve ser de madrugada.”

Suspirou muitas vezes antes de se levantar e ir em direção à porta do banheiro, levando consigo seu roupão e uma toalha. Depois de somente lavar o rosto na pia, encarou seu reflexo pálido e amassado, os cabelos travando uma guerra particular, os olhos opacos e desanimados.
Depois de um banho revigorante, ela resolveu vestir-se e descer para o Salão mais cedo para tomar seu café sem ninguém para atrapalhar.

*

Ele levantou-se da cama. Manhã de Sábado e ele já estava acordado. Depois de tanto tempo encarando o teto abobadado, sem conseguir dormir direito, resolveu que precisava andar para pensar. Pensar nas coisas que vinham acontecendo ultimamente entre ele e Pansy.

Draco dirigiu-se ao banheiro, sob os roncos de Crabbe ou Goyle (era impossível que ele pudesse dizer qual, já que os dois roncavam muito, na mesma proporção). Encarou o espelho, que mostrava um garoto de rosto pontudo, cujos olhos pareciam conter uma névoa cinzenta que se adensava cada vez mais. Angústia. Somente infelicidade, constatou ele próprio. Draco poderia estar rodeado de garotas, montado no dinheiro, mas ainda assim ele sabia que isso não seria o suficiente. Havia um vazio dentro dele que ninguém preenchera e talvez ninguém viesse a fazê-lo, um dia. Nunca haveria nada que o completasse inteiramente, tinha certeza, e em todo caso, era besteira pensar que algum dia seria totalmente... feliz.

“Estou pensando como uma garota. Uma garota depressiva, por sinal.”

Draco alcançou o primeiro botão de seu pijama negro e teve uma visão repentina das mãos de Pansy fazendo o mesmo. A festinha dela não durou muito, porque ele a interrompera, mas se dependesse dela, talvez eles tivessem ido bem longe. Ele balançou a cabeça, desabotoando o resto da camisa.

Não soube quanto tempo deixou a água fria cair sobre ele pesadamente. Pretendia nunca mais sair dali, para não encontrar Pansy de novo. E, de novo, discutir a relação, como ela quisera fazer noite passada.

“Eu preciso terminar com isso. Logo. O mais rápido possível.”

Assim que saiu do banho, arrumou-se e rumou para o Salão Principal.

*

O Salão estava praticamente deserto. Ela dirigiu-se à mesa Grifinória e tomou seu café da manhã calmamente, até uma pessoa aparecer. Joanne.

- Você não queria dormir? - observou Gina desgostosamente.

Para alguém que detestava acordar cedo, Joanne parecia feliz demais. Sem contar que quem a acordara fora Gina.

- Pois é. Mudei de idéia. - sorridente, pôs um pedaço de biscoito na boca.

Gina voltou à sua torrada e estava quase se perdendo em seus próprios pensamentos quando Joanne pigarreou. Decididamente havia algo errado.

- Hum... Você sabe onde está Thomas? - levantou uma sobrancelha, sorrindo suavemente.

- Não. - disse, sem importar-se - Ele deve estar dormindo, não? Ainda é cedo.

- Ohh, pode Ter certeza que ele não está dormindo. Para falar a verdade, ele está bem acordado...

Gina franziu o cenho.

- O que você quer dizer com isso?

- Você quer mesmo saber?

- Quero.

Joanne abriu um sorriso ainda maior, que perturbou Gina num primeiro instante. Joanne era sempre muito carrancuda e sorrir não era realmente algo que ela apreciava. Para falar a verdade, ela parecia repudiar o tipo de pessoa que fazia isso com freqüência. Gina estava desconfiada.

- Então venha. - ela puxou a mão de Gina, fazendo-a levantar-se à força.

Caminhando rapidamente para acompanhar os passos apressados de Joanne, Gina cruzou o Salão Principal. Elas andaram por bastante tempo, quando finalmente Joanne parou diante de uma sala próxima à entrada do Salão Comunal. Ela olhou Gina um segundo, suas pupilas dilatando-se em excitação.

- Prepare-se para o que vai ver.

Joanne murmurou o feitiço para destrancar a porta. Ouve um clique suave e Joanne escancarou a porta, mostrando a cena mais temida por qualquer garota comprometida. Dino Thomas estava beijando-se com uma menina qualquer, entrentanto afastou-se dela no momento em que a porta abriu-se. A capa negra do uniforme dela estava jogada ao chão, seu cabelo estava desalinhado, seu rosto transparecendo culpa. Dino balbuciou, afastando-se da garota.

- Gina, não é nada di---

Gina balançou a cabeça, descrente, e virou-se, saindo da vista de todos e correndo para qualquer lugar longe.

*

Gina sentiu as lágrimas quentes escaparem-lhe dos olhos e percorrerem sua bochecha. Estava sentada numa das torres mais distantes e menos visitadas. No início, era apenas um local desabitado, mas como Gina constantemente ia passar um tempo sozinha lá, acabou conjurando algumas contelações e sistemas Solares em tamanho médio. Observava o movimento dos planetas enquanto precisava organizar as idéias. Agora, era seu local favorito em todo castelo.

A luz tênue que o seu Sol emanava iluminava seu rosto úmido e sua expressão desanimada e misturava-se com os raios naturais de Sol que entravam pela janela.

“Por que quando as coisas estão entrando nos eixos, algo tem que dar errado?”, pensou amarguradamente, limpando o rosto. Ficou mais algum tempo ali, até que resolveu sair. Ficar ali, naquela fossa não ajudaria em nada. Aliás, ela não sabia por que estava assim. Quando terminara com Corner, não se sentira tão mal e por que com Dino seria de outro modo?

“Bem, Dino me traiu. Isso torna as coisas diferentes...”

Desceu as escadas desanimadamente e voltou ao dormitório, na Torre da Grifinória, onde pegaria seus livros para ir à biblioteca. Quando desceu as escadas encontrou Dino. Era inevitável, ela sabia.

- Gina, vamos conversar?

Ela olhou-o por alguns segundos e disse um sonoro “Não”.

- Olhe, foi tudo um terrível engano. Eu... Eu não queria... Mas é que a carne é fraca...

Gina boquiabriu-se.

- Como é que é? Você vem até aqui para me dizer a frase mais manjada do últimos tempos? - ela riu nervosamente e foi embora, deixando-o lá. - “A carne é fraca”. Que papinho mais furado! - comentou consigo enquanto passava pelo retrato e descia as escadas.

- Gina!

Ela sentiu alguém puxar-lhe o braço e viu Dino novamente. Retirou seu braço das mãos dele com violência e desceu o último lance da escada. Atrás dela, Dino tagarelava sem parar.

- Você não entende, eu sabia que não entenderia! Eu sou homem, você sabe. E fazia tempo que a gente não---

- Não ponha a culpa em mim, Thomas. - falou, sem se virar.

Ele continuou a pedir desculpas pelo resto do caminho, até ela chegar à biblioteca.

- Ok, agora chega. - disse, enfim encarando-o - Eu não quero saber de mais nada, entendeu? Eu quero que você suma da minha frente e nunca mais apareça, ouviu bem? Passar bem. - e deu as costas a ele.

*

Draco estava sentado em um lugar afastado, onde geralmente ninguém ia. Mas um colega da Sonserina estava vindo em sua direção.

- O que é? - perguntou duramente, quando o rapaz estava perto o suficiente para ouvi-lo, sem desprender os olhos do livro de Poções.

- Parkinson está que nem doida atrás de você.

- E...?

- Achei que devia saber.

- Muito obrigado por me informar, Welsh. - ele não soou nada agradecido - Agora, vá embora e me deixe sozinho.

O garoto moreno olhou-o com estranheza e atendeu ao pedido. Draco suspirou e levantou-se, fechando o livro e se dirigindo até uma estante afastada. Ouviu uma pequena fungada do fim mal-iluminado do local.

Apertou os olhos. Apesar de estar cedo e da biblioteca ser iluminadíssima, aquelas prateleiras eram as menos visitadas de todo o aposento, além de serem distantes. Avistou alguém com uma mão estendida, prestes a pegar um livro e que chorava silenciosamente. Os cabelos estavam ocultando sua face, e ele não podia enxergar o brasão de sua casa nem nada que pudesse distinguir cores.

- Quem é você? - não conseguiu evitar. No entanto, sua voz não saíra exatamente monótona como de costume - havia saído um tanto preocupada.

Os livros que estavam ali eram de magia avançada e só podia retirar um livro quem tivesse autorização. A garota tentou engolir o choro e puxou um livro, ao mesmo tempo que uma mão livre penetrava por entre os cabelos, parecendo limpar as lágrimas, mesmo que Draco não as pudesse ver.

- Cai fora. - disse a menina, numa voz embargada.

Draco não se lembrava de já Ter ouvido-a em qualquer lugar que fosse. Mesmo contida, tinha uma nota de doçura que ele não pôde deixar de reparar. Lentamente, aproximou-se mas a garota, percebendo seu movimento, afastou-se.

- Você tem autorização para pegar os livros daqui?

- Tenho.

Ele tentou identificar o livro de longe e pela capa soube que era “Vênus: O Fantástico Pentagrama Astronômico”. Já havia lido-o. Uma idéia lhe veio à cabeça, e ele fez menção de pegar a varinha, porém, ela parecia adivinhar cada movimento seu.

- Não use-a. Eu não quero usar a minha varinha em você.

Draco olhou para os cabelos dela, tentando lembrar se já o vira em algum lugar. Contudo, seria besteira porque ele não era de reparar nos cabelos das garotas. Tinha outras coisas para olhar. A garota, ainda escondendo seu rosto, começou a folhear o livro no escuro. E Draco não conseguia pensar em algo para dizer, apenas queria saber quem era a dona daquela linda voz e porque estava chorando. A silhueta dela que se destacava no escuro mostrava um corpo delgado que ele não conseguia reconhecer. Avançou um ou dois passos e dessa vez ela não se mexeu.

- Por que estava chorando? - e porque sua voz continuava estranha a seus ouvidos?

Ele não sabia porque estava perguntando aquilo, porque ele nunca se importava com o que ninguém estivesse sentido, mesmo que estivesse chorando. Todavia, parecia que algo o impelia a fazer aquilo.

A garota, que tinha cabelos bastante lisos, ele percebeu, virou-se para a prateleira que estava às suas costas. Draco ainda não tinha visto seu rosto.

- Não importa.

Ela encostou-se e devagar sentou-se ao chão, encostando a cabeça nos joelhos. Draco não disse nada. Ele andou até ela e agachou-se, encostando um joelho no chão. Estendeu uma mão hesitante, e depois pousou-a sobre o cabelo dela.

Estava surpreso.

Sentiu finos e sedosos fios, agradáveis ao toque, roçarem em sua mão. Não sabia porque estava fazendo aquilo, mas lá estava ele. A garota mexeu a cabeça minimamente e ele retirou a mão depressa. Ela virou o rosto para ele, seus olhos quase invisíveis.

- Estava bom.

Eles mal conseguiam enxergar-se. Estava tudo na mais alta penumbra agora, e Draco agradeceu por isso. A voz dela fê-lo sentir-se estranho e extático. Somente agora havia percebido o quão perto estavam um do outro. Ele engoliu e forçou os olhos, para tentar guardar pelo menos um traço dela. Mas não dava.

Então precipitou-se para frente e procurou os lábios dela, atritando a boca na maçã do rosto dela. Como era macia a pele dela. Porém não demorou-se nesse pensamento, porque um segundo depois estava beijando-a, sua respiração entrecortada e pesada. Fora o beijo mais diferente que já havia experimentado. Nenhuma garota beijara-o daquela maneira tão deliciosa. Buscou a língua dela com suavidade, nunca mais querendo separar-se da garota. As mãos dela que estavam nos joelhos, agora tocavam seu ombro, estreitando o espaço entre eles, entrementes Draco acariciava os cabelos e a nuca dela. Sentiu algumas vezes um gosto salgado, que deveria ser das lágrimas. Ele beijou o queixo, as bochechas, depois a orelha e a nuca.

Foi aí que ela interrompeu tudo, afastando-se.

- Erm... Eu acho... É melhor... Eu ir...

Draco ia protestar, ia segurá-la e retornar ao beijo mas ela já estava levantando-se e ajeitando as vestes. Antes que ele pudesse raciocinar, ela pegou o livro e saiu às costas dele. Quando virou-se para perguntar o nome dela, achando-se um pouco idiota por isso, notou que ela já havia ido embora. Entretanto, uma coisa assustou-o.

Ele vira uma mecha de cabelo vermelho brilhante.


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