O bonde do Dudão




Capítulo três: O bonde do Dudão

Uma sucessão de imagens viajava rapidamente por a mente confusa de Harry. Um conjunto de gritos e choro preenchia o ambiente, cortando furiosamente o ar a sua volta. Feixes de luz percorriam o local, infestando-o de fagulhas vermelhas e verdes que, assim que acertam seu alvo, deixavam para trás destroços fatais, morte, dor, violência. Podia ouvir claramente os sussurros roucos de uma voz maléfica, sarcástica, sibilante.

Com um arrepio, reconheceu a voz como sendo sua, disparando notas geladas de sua própria boca. Seus pés moviam-se sozinhos, caminhando por uma trilha de terra batida, os galhos de árvore arranhando seu rosto mortalmente pálido. Impaciente, ele os afastava de si com seus longos dedos brancos, continuando seu caminho tortuoso.

Ao longe, podia avistar uma casa muito torta, feita de pedra, onde vários cômodos haviam sido acrescentados e cinco chaminés estavam encarrapitadas no alto do teto vermelho. Harry sentiu um sorriso crispar seus lábios assim que atingiu a porta de entrada da casa em alguns passos. Seus olhos vermelhos brilharam sinistramente quando leu o letreiro torto enfiado no chão, as palavras “A TOCA” destacadas em vermelho.

Ele ergueu a varinha, soltando sua risada tipicamente fria, aguda, sem nenhum resquício de calor humano. O vento cortante sacudiu sua longa capa negra assim que apontou a varinha para a porta, dizendo claramente:

- Alorromora!

Na mesma hora que o feitiço foi pronunciado, a porta escancarou-se, permitindo a visão do interior da residência sombria, assim como a sua entrada na mesma. Harry entrou na casa, sussurrando “Lumus!” para iluminar seu caminho. Logo atrás de si, pode ouvir o som de tropeços seguidos de um gemido alto e um cacarejo indignado. Olhando para trás, ele perguntou friamente:

- Façam silêncio, seus incompetentes! Querem que sejamos descobertos antes da hora?

- Desculpe, milorde – sussurrou uma voz mirrada e temerosa – Eu tropecei... Essas malditas galinhas...

Harry ergueu a varinha, iluminando o rosto do homem que revelou-se sendo Pedro Pettigrew. O comensal da Morte encontrava-se estatelado no chão em meio a uma montanha de botas de borracha, uma galinha castanha e gorda bicando sua careca reluzente entre os cabelos ralos e grisalhos que cresciam na lateral de sua cabeça. Pedro espantou-a com a varinha, aplicando-lhe um feitiço estuporante. Harry riu, olhando sarcasticamente para os olhos lacrimosos do servo.

- Isso, Rabicho, ao invés de poupar as suas forças para a luta com os Weasley, gaste sua energia com essa simples galinha. Sei que você não conseguirá executar nada mais produtivo que isso hoje, nem estuporar uma das crianças você conseguirá – zombou ele, fazendo uma onda de risadas serpentear o círculo de comensais ao redor de Pedro, todos usando máscaras e capuzes negros.

Rabicho baixou a cabeça, recolocando o capuz e máscara que haviam escorregado de seu rosto após a colisão com a galinha. Harry direcionou novamente a luz de sua varinha para o interior da casa, avistando uma pequena e apertada cozinha. Atravessou-a em três passos largos enquanto contornava a mesa de madeira escovada. Assim que saiu do cômodo, andou rapidamente por um corredor estreito que desembocava na sala da casa.

Ao avistar uma lareira ao canto, acendeu-a com um gesto da varinha. Imediatamente, chamas começaram a crepitar alegremente, iluminando o âmbito com sua luz abundante. Harry e seus servos caminharam pelo cômodo, observando tudo a sua volta com atenção, como caçadores a estreita da tão esperada caça. Até que Harry de repente estacou no meio da sala, fazendo com que um dos Comensais esbarrasse em suas costas esqueléticas. O homem na mesma hora afastou-se, pedindo desculpas inaudíveis.

Mas Harry nem sequer o olhou, fazendo-o suspirar aliviado por escapar da recriminação. Harry tinha uma mão esticada ao lado do corpo, impedindo os servos de se aproximarem. As fendas que representavam suas narinas começaram a dilatar-se na tentativa óbvia de farejar algo ao longe. Tamanha era a sua concentração, que nem percebeu o movimento dos ponteiros do relógio de carrilhão acima de sua cabeça. Primeiro, o ponteiro dourado onde o nome “Gina” estava gravado, deu um giro completo no mostrador, saindo da posição “casa” para “perigo mortal”. Seguindo o exemplo da caçula da família, os outros ponteiros giraram até “perigo mortal” também, exceto o de Percy, que continuava parado em “perdido”.

No segundo seguinte, ouviram-se passos descendo a escada e o sorriso de Harry ampliou-se, satisfeito. Os Comensais entreolharam-se surpresos, erguendo as varinhas ao mesmo tempo, enquanto posicionavam-se para o duelo que provavelmente viria a seguir. Mas, ao contrário de seus servos, Harry nem se mexeu, permanecendo a fitar o topo da escada, de onde surgiu uma garota de seus quinze anos de idade, vestindo uma longa camisola branca, os cabelos vermelhos despenteados e os olhos castanhos inchados de sono.

- Fred, Jorge, são vocês aí embaixo? Por que acenderam a maldita lareira? Eu estou tentando dormir, sabiam? Vocês vieram roubar um pedaço de bolo escondidos, não é, seus safados? Vão ter de dividir comigo se não quiserem serem pegos pela mamãe! – esbravejou ela sonolenta, esfregando os olhos.

- Ora, ora, quem eu encontro aqui! Se não a pequena Gina! – riu-se Harry.

Gina parou no último degrau da escada, reconhecendo a voz. Sentindo o corpo inteiro congelar, ela ergueu os olhos para a figura do homem a sua frente, que a encarava divertidamente. Houve, repentinamente, uma brusca mudança na velocidade dos batimentos de seu coração.

- O que foi, Gininha? – ele provocou-a – Não está lembrada de mim?

Os músculos da face de Gina enrijeceram e ela começou a tremer violentamente. Os Comensais riram e foi o som daquelas risadas que a impulsionou a demonstrar uma reação quanto a provocação de Harry. Entreabrindo os lábios, ela disse com a voz trêmula, os dentes rilhados dentro da boca:

- Claro que estou, Tom, ou melhor, Voldemort.

As risadas dos Comensais cessaram instantaneamente diante da menção do nome do Mestre. Harry, entretanto, pareceu divertir-se com a ousadia da menina. Ele cruzou os braços, comentando suavemente, um sorriso brincando em seus lábios:

- Ora, mas vejam só: Parece que a pequena Gina cresceu, meus caros amigos. Onde foi parar a inocente garotinha que iludia-se facilmente? Onde está a Gininha da câmara secreta que não ousava pronunciar o meu nome?

- Ela morreu, Voldemort – Gina disse entredentes, recuando alguns degraus – Uma parte de mim morreu junto com o seu eu de dezesseis anos naquele fatídico dia...

- Pois então prepare-se, porque o resto de você morrerá essa noite – Harry disse com a voz rouca.

Gina arregalou os olhos, andando às cegas para trás, seus pés esbarrando nos degraus. Mas antes que ela pudesse dar mais um passo, Harry apontou a varinha para ela, derrubando-a da escada com um feitiço. Com um grito agudo, a menina rolou escada abaixo, indo parar aos pés de Harry sob os uivos de contentamento dos Comensais. Lentamente, com os braços tremendo, Gina ergueu os ombros alguns centímetros e em seguida o rosto.

- Eu te mato antes, se encostar um dedo em mim ou na minha família – ela disse rebeldemente.

- Eu não pretendo encostar em você e muito menos em sua família, Gina – Harry respondeu, abaixando-se até ficar do tamanho dela. – A última coisa que eu desejo é me infectar com os germes dos Weasley.

Agachado a frente da garota, ele encarou-a nos olhos, erguendo seu queixo com a ponta dos dedos. Gina fez uma expressão de nojo ao sentir as mãos geladas e pálidas tocarem sua face e, no mesmo instante, retirou-as de perto de si com um gesto brusco.

- Tsk, Tsk, Tsk, Gina! – Harry repreendeu-a, erguendo-se novamente – Seus pais não te deram educação, não? Você está sendo muito má hospitaleira com os seus visitantes. Acho que terei de disciplina-la eu mesmo. Primeiro irei repreende-la pelos maus tratos. Um pouco de dor não faz mal a ninguém...

Ele apontou a varinha para Gina, sussurrando:

- Crucio!

A menina gritou de dor, contorcendo-se no chão. As risadas dos Comensais misturaram-se aos gritos da garota que confundiam-se ao berro de um menino que acabara de acordar assustado. A cicatriz em forma de raio queimando na testa, o suor escorrendo pela face, os batimentos cardíacos acelerando-se.

Harry abriu os olhos bruscamente, ofegando. Tudo a sua volta encontrava-se mergulhado na escuridão, porém uma música alta batucava em seus ouvidos, fazendo sua dor-de-cabeça aumentar intensamente. Abençoando o som alto vindo do andar debaixo, que abafara seu grito, ele sentou-se na cama com dificuldade, colocando a mão sobre o peito. Podia escutar as batidas furiosas de seu coração enquanto revia o sonho em sua mente, assistindo de camarote a tortura de Gina, vendo-a agonizando no chão...

Até que tudo ao seu redor ficou claro demais, ofuscando sua vista ao contrastar fortemente com a escuridão que encontrava-se anteriormente. Ele apertou os olhos para a luz que invadira o quarto repentinamente. Colocando o braço sob os olhos, Harry tentou proteger-se da claridade que o cegava. Pôde ouvir uma voz preocupada soar perto de si e o som de passos aproximando-se da cama em que estava deitado.

Temeroso, ele retirou o braço da frente do rosto, enquanto respirava com esforço. Harry pressionou o corpo contra o colchão, esquivando-se instintivamente de quem quer que fosse. Tomando coragem, piscou os olhos várias vezes seguidas para tentar acostumar-se com a luz. E quando finalmente acostumou-se com a claridade, conseguiu enxergar o rosto embaçado de uma garota, que ele demorou para perceber quem era.

- Sarah! – exclamou Harry, levando um susto. Sobressaltando-se, ele sentou-se ereto sob a cama, suas mãos correndo até a mesa de cabeceira para apanhar os óculos. Depois de colocá-los, finalmente percebeu que Sarah era real e não fazia parte do sonho que acabara de ter. Sua ex-amiga estava bem ali, ao lado de sua cama, de pé, olhando para ele com uma expressão bastante assustada no rosto pálido de surpresa – O que você está fazendo aqui?

- Vim dar uma passadinha na festa do seu primo e acabei subindo – ela respondeu apressadamente, para logo perguntar, visivelmente preocupada – Mas o que aconteceu com você? Você está bem?

- Uma pergunta de cada vez, por favor – ele pediu, soltando um gemido ao sentir tudo a sua volta rodar – Estou um pouco tonto.

- Desculpa – Sarah desculpou-se desajeitada. E, mesmo estando em estado de parcial desligamento do mundo, Harry estranhou que ela estivesse falando com ele daquele modo gentil, uma vez que, na última vez que eles se viram, durante o reencontro de ambos e a briga de sacudir as estruturas, ela não parecera nada feliz com a presença dele perto de si.

- Não foi nada – ele respondeu, ainda surpreso – Só... só um sonho...

Ele tentou sorrir para tranqüilizar Sarah, mas não conseguiu desempenhar o movimento, pois seus lábios tremiam freneticamente, demonstrando todo o seu nervosismo. Sendo assim, ele apenas olhou-a profundamente, tentando transmitir uma mensagem silenciosos à ela, indicando que estava tudo bem. Mas, definitivamente, não estava tudo bem, e Sarah pareceu perceber isso, já que apertou os olhos em sua direção, numa clara demonstração de que não havia acreditado nele.

Harry desviou o olhar da garota, deixando-o vagar sem rumo pelo quarto enquanto sua mente trabalhava furiosamente, seu cérebro absorvendo amargamente o sonho que tinha acabado de ter. Novamente, havia sonhado com Voldemort, ou melhor, seu sonho mostrava ele, Harry, na pele de Voldemort, falando como o Lord das Trevas, agindo como o Lord das Trevas. E, daquela vez, o bruxo negro havia atacado a Toca. Sendo assim, consequentemente, ele havia atacado a casa dos Weasley, conversado com a caçula da família e torturado-a com a maldição Cruciatus.

Um arrepio desceu vagarosamente por suas costas, fazendo com que o pavor e a apreensão multiplicassem-se rapidamente em seu consciente. Sua cabeça doía, latejando, sua cicatriz formigava. Ele queria falar com Rony, tinha que falar com o amigo, precisava saber o que estava acontecendo. Porém, assim que ouviu os passos hesitantes de Sarah aproximando-se de si, notou o quão ridículo estava sendo.

Estava preocupando a garota à toa! Mesmo que não se preocupa-se com isso... bom, talvez se preocupasse um pouco, sim – teve de admitir para si mesmo, contrariado – Tá bem, tá bem! Se preocupava muito com isso – admitiu totalmente, sem meias verdades – Mesmo após a briga com a garota, ainda sentia algo por ela, um sentimento que não sabia descrever, mas que o atingia por completo sempre que a via. Não queria preocupá-la com algo tão idiota como um sonho, não queria que ela o visse como um maricas que morria de medo de um pesadelo.

“Mas seu sonho não foi um mero pesadelo” – uma vozinha maldosa sussurrou no fundo da sua mente, preocupando-o – “Você sonhou que estava torturando a Gina, como acha que os Weasley reagiriam com a notícia de que você teve uma premonição de que estava tentando matar a caçula da família?” Harry sacudiu a cabeça, espantando os pensamentos perturbados que formavam-se em sua cabeça. “Cale-se!” – ele gritou mentalmente para a vozinha que imediatamente calou-se. Mas, para seu desespero, assim que ela desapareceu, sua mente foi tomada por suposições sobre o que a voz havia dito. “E se ela estiver certa? – pensava apavorado –

“E se Gina realmente estar sendo torturada neste exato momento? E se Voldemort te possui novamente e foi você que a amaldiçoou?” “Não! – Harry gritou consigo mesmo – “Não era eu! Era o Voldemort! Voldemort estava torturando a Gina...

E foi aí que seu estômago embrulhou violentamente, uma forte ânsia de vômito dominando-o enquanto sentia todo o corpo tremer, o suor frio escorrendo por suas têmporas. “Mas o que eu penso que estava fazendo?” – pensou desesperado, sentindo as mãos de Sarah o sacudirem com força pelos ombros, a voz apavorada dela próxima o seu ouvido, chamando-o insistentemente – “Gina está sendo torturada nesse exato momento e eu estou aqui conversando com a minha própria cabeça? Que tipo de idiota que eu sou? Tenho que ir lá, tenho que saber o que está acontecendo!

Harry sentiu um enorme impulso de apanhar a sua vassoura e voar desvairado até a Toca, mas a voz de Sarah cortou sua linha de pensamento, atraindo sua atenção para o rosto aterrorizado da garota que e o encarava trêmula. As mãos agarravam com força os braços dele, os nós dos dedos brancos. Engolindo em seco, ele notou que ela tentava de todas as maneiras permanecer no estado frio e indiferente de sempre, mas seus olhos arregalados a denunciavam.

- Harry, fale comigo, por favor... você está me assustando... por favor, não faça isso comigo... – ela suplicava com a voz miúda, sacudindo-o. Tentava bravamente segurar as lágrimas que teimavam em brotar de seus olhos, embaçando sua visão. Mas seu esforço foi em vão.

Harry sentiu-se o pior de todos os crápulas. Sarah, a garota mais durona que já havia conhecido, estava chorando e pior, chorando por causa dele. De novo. Ele percebeu que, mesmo inconscientemente, havia deixado-a num estado de total desespero. E, erguendo o rosto dela com as mãos, fez menção de limpar as lágrimas que escorriam pelo rosto dela. Mas, orgulhosa como só ela, a garota não permitiu, limpando desajeitadamente os traços de lágrimas marcadas em sua face. As mãos dela escorregaram dos ombros dele até o peito, deixando-se cair no colchão.

Harry sentiu um arrombo de desespero ao sentir-se mais desnorteado que nunca, sem saber o que fazer, sem saber para onde ir. Não sabia como agir com Sarah, não sabia como agir com Gina. Somente sabia que estava precisando de um pouco de paz, um pouco de conforto. Sentimentos esses que sabia onde encontrar, mas não tinha coragem de seguir até o lugar reconfortante. Sentia medo de ser rejeitado, medo de se machucar.

Fechou os olhos, tentando fugir dos próprios sentimentos. Mas já era tarde demais. Já tinha sido vencido por eles. Completamente derrotado. E, num rompante, ele fez algo imprudente, inexplicável, inadmissível, mas tão espontâneo que nem se repreendeu depois de fazê-lo: Harry abraçou Sarah com amizade, carinho, ternura. Agarrando-se a ela como se a menina fosse sua salvação, sua última esperança. E ele se sentiu aliviado por estar próximo a ela, apesar de todos os problemas que se mostravam insolúveis a sua frente.

Sarah ficou sem ação durante alguns instantes, apenas sentindo o garoto abraçá-la afetuosamente. No momento seguinte, quando ela finalmente pareceu entender o que estava acontecendo entre os dois, seu corpo inteiro tornou-se rígido. E Harry ficou esperando pela rejeição. Mas esta, surpreendentemente, não veio. Sarah correspondeu fervorosamente ao abraço, suspirando, como se rendesse-se aos sentimentos que guardava dentro de si. Com as mãos trêmulas, ela enlaçou o pescoço dele, apertando-o contra seu corpo.

Ambos tentavam matar a saudade durante aquele abraço, os braços envolvidos em torno do outro, quentes, confortadores. O toque ainda era hesitante, um tanto em jeito, para falar a verdade, mas ainda assim era uma sensação maravilhosa, inebriante, entorpecente. Os dois mantinham os olhos fechados, apenas deixando-se levar pelos sentimentos que explodiam em seu peito, alegrando-os, aquecendo-os.

Permaneceram abraçados por um bom tempo, até Sarah soltar uma exclamação em tom baixo, afastando-se assustada. Harry olhou-a interrogativamente, mas ela nada respondeu, apenas fitou-o assombrada, os lábios tremendo. O garoto começou a ficar preocupado com o estado da menina, mirando-a insistente, ele ergueu a mão, tocando suavemente a face dela, mas ela esquivou-se de seu toque, engatinhando de costas até o extremo inferior da cama, onde ficou, abraçando as pernas.

- Sarah, o que aconteceu? – ele perguntou, aproximando-se com cuidado.

- Não! – ela disse veementemente, saltando de cima da cama e andando de ré até a porta, encostando-se nela – Não se aproxime de mim, não se aproxime.

- Por quê? – Harry perguntou espantado, dando um passo cauteloso na direção dela.

- Porque não – Sarah respondeu em tom de falso esclarecimento – Nós não podíamos ter feito... isso. A gente não... eu não... nós não podemos... ser amigos novamente, entende? É errado. Eu sou uma sonserina, você é um grifinório, nossa relação seria incompatível... Incompatibilidade de personalidades.

Harry ficou observando-a em silêncio por alguns instantes, sem piscar. Sua mente processando lentamente a informação que acabara de receber. Seu rosto contorceu-se em incredulidade enquanto suas sobrancelhas erguiam-se. Mirando-a descrente, sentiu como se algo gelado inundasse a boca de seu estômago, fazendo com que calafrios multiplicassem-se por sua espinha. Tentando controlar a raiva que explodia em seu interior, ele forçou um sorriso irônico e indiferente, como se o que ela dissera não houvesse o afetado.

- E quem disse que eu quero ser amigo de uma sonserina como você? – ele mentiu com a voz arrastada, assustando-se ao perceber que falara exatamente como Malfoy. Sentiu nojo de si mesmo ao notar que a comparação que Sarah fizera dele e Draco há dias atrás estava correta em certo ponto. Ele estava começando a agir como o loiro, estava começando a agir como um sonserino.

Sarah ficou estática, apenas olhando o rapaz à sua frente, aparentemente não conseguindo acreditar no que ouvira. Sacudindo a cabeça, tentou esconder sua decepção nas palavras frias e repletas de veneno que pronunciara, extravasando toda a raiva que mantivera entalada na garganta por muito tempo:

- Pois não parecia há segundos atrás.

Harry soltou uma risada rouca, sem vida, que fez gelar o corpo inteiro de Sarah, arrepiando-a e eriçando os pêlos de sua nuca. Seu riso amedrontou até mesmo o próprio Harry, que engoliu em seco diante de sua recém adquirida frieza.

- Ah, a arrogância! Sentimento típico de sonserinos, se me permite dizer...

- Wow, cale a boca! – ela gritou, seu acesso de irritação sendo abafado por mais uma dose de “Dudão é mal” – Lave essa boca antes de falar qualquer coisa sobre a Sonserina. Você não conhece a minha casa, como eu conheço. Você não conhece os sonserinos como eu conheço. Portanto, você não pode falar mal de quem não conhece. E muito menos generalizar uma turma inteira pelo exemplo de um aluno só. Eu não sou como o Malfoy, meus amigos não são como o Malfoy. Então você não pode dizer que a Sonserina inteira é ruim só por que os alunos conhecidos que estudam lá são idiotas feito o Draco ou o Snape ou até mesmo aquele maníaco do Você-sabe-quem!

Sarah parou para respirar por um instante, pegando ar. Harry ia dizer alguma coisa, mas ela não deixou, continuando a falar sem parar:

“Foi na Sonserina, a casa que você tanto repudia, que eu passei os melhores anos da minha vida, foi lá que encontrei meus melhores amigos. Amigos de personalidade difícil, de índole duvidosa, têm de admitir, mas amigos verdadeiros. Pessoas que sempre me apoiaram em meus momentos difíceis, caçoando um pouco de meus erros, mas mesmo assim me ajudando a concertá-los.”

“A pessoa mais incrível que eu já conheci estuda na Sonserina, mas, no entanto, ela é uma ótima garota, é meiga, delicada, decidida. E sabe o que mais? Ela é filha de um Comensal da Morte, é! É filha de um servo do Lord das Trevas! Mas mesmo assim ela não é como o pai, ela pode até mostrar-se irritante aos seus olhos, aos olhos dos seus amiguinhos grifinórios, porém, ela é melhor do que vocês todos juntos. Mas veja só: Ela é uma tão temível sonserina! Filha de um Comensal! Ohhhhhhh! Como é possível?

Harry olhou-a transtornado. Ela parou de falar subitamente, respirando com dificuldade. O menino sentiu uma pontada de remorso queimar dentro do peito. Abaixou a cabeça, ligeiramente arrependido do que tinha dito, mas ainda não convencido do que Sarah dissera. Suas convicções sobre a Sonserina eram inabaláveis e não desmoronariam somente por causa de algumas palavras decididas pronunciadas por uma estudante da casa das serpentes. No entanto, sabia que dera um ataque estúpido e desnecessário, afinal, se estivesse no lugar de Sarah, ouvindo falarem mal da Grifinória, certamente reagiria como ela.

- É difícil de acreditar... – ele sussurrou constrangido.

- Pois saiba que eu não preciso que você acredite em mim – Sarah retrucou, os olhos faiscando – Eu só precisava dizer isso, se não iria me engasgar com tudo que estava preso em minha garganta. Agora que já disse o que pretendia dizer, eu vou indo.

A garota colocou a mão na maçaneta, girando-a e abrindo uma fresta da porta. Mas Harry não permitiu que ela concluísse o movimento, colocando uma mão na porta, ao lado da cabeça da menina, impedindo-a de escapar. Ela arregalou os olhos, incrédula e irritada.

- Eu não vou permitir que você saia assim, sem mais nem menos. Nós precisamos conversar.

- Não temos nada para conversar – Sarah disse, tentando livrar-se do aprisionamento, mas sua tentativa foi em vão, pois Harry cercou-a do outro lado também, barrando-a por completo.

- Pois eu discordo de você – ele disse sério – Nós temos que resolver a nossa situação.

Ela abriu a boca para soltar uma resposta atravessada, porém o barulho da porta sendo escancarada fez-se ouvir, no exato momento em que a música parava no andar inferior. Com o impacto, Sarah acabou por ser impelida para a frente, atirando-se em cima de Harry e empurrando-o para trás. Os dois, então, caíram estatelados no chão. Pernas, braços se enroscando. Ambos gemeram, sentindo os membros doerem com o tombo.

- Ah, desculpem. Pensei que fosse o banheiro – desculpou-se uma voz masculina, claramente nauseada.

Harry e Sarah, ainda prostrados um sobre o ombro sob o tapete do quarto, olharam irritados para o garoto loirinho de cabelos arrepiados que os olhava envergonhado, a mão tapando a boca enquanto seu rosto tornava-se cada vez mais esverdeado, indicando que encontrava-se enjoado. Ouviram-se risadas às costas do menino. Sarah bufou, tentando se levantar de cima de Harry, mas antes que conclui-se o movimento, um grito histérico soou, ecoando fortemente pelas paredes do cômodo:

- O que está acontecendo aqui? Saía de cima dela, seu canalha!

Harry e Sarah olharam surpresos para a porta, onde Duda acabara de empurrar o loirinho para o lado, fazendo-o cair com tudo no chão. Duda ocupava todo o espaço limitado da porta com seu corpanzil, parecendo maior que nunca. Seus olhos estavam esbugalhados, destacando-se no rosto vermelho berrante de tanta raiva. A boca escancarada deixava escapar um esgar de fúria por entre os dentes trincados.

Harry e Sarah entreolharam-se e a garota saiu de cima dele num salto, assustada. O menino ergueu-se em seguida, postando-se, num pulo, do lado da moça. Duda bufava, os punhos cerrados, o corpo tremendo. Com um urro furioso, ele alcançou o primo em dois passos, dando um soco no nariz dele, seguido de outro muito bem encaixado no estômago. Harry gritou de dor, levando uma das mãos à barriga e outra ao nariz, totalmente sem ar.

Sarah gritou, tapando a boca com as mãos, completamente incrédula. Harry caiu no chão, curvando-se de dor. Com um gemido, ele ergueu o rosto, olhando o borrão que era Duda a sua frente, já que seus óculos haviam caído no chão, as lentes estilhaçando-se. Duda soltou outro urro e, comportando-se como um louco, segurou o primo pelo colarinho das vestes com uma das mãos, enquanto socava cada parte do corpo de Harry que conseguia alcançar.

- Dursley, pare! Pare, Dursley! Seu maníaco, solte ele! Solte! – como se vinda de um universo paralelo, a voz de Sarah soou perto de si, mas, estranhamente, o seu tom era baixo, como se ela estivesse longe dele, porém, sentia a respiração dela perto de seu ouvido.

Sentindo os olhos fechando-se lentamente, Harry enxergou um vislumbre do corpo de Sarah saltando sobre Duda, na tentativa de retirá-lo de cima do ex-amigo. Mas, obviamente, o turrão era bem mais forte que ela, e, com um puxão, ele retirou-a de cima de suas costas, atirando-a para trás com extrema facilidade. A garota soltou um resmungo indignado, tentando levantar-se novamente, porém novamente foi condita, desta vez por Pedro e Malcolm.

Tudo aconteceu tão rápido em seguida, que Harry mais tarde não saberia narrar todos os fatos com clareza. Só soube que sentiu seu corpo ser arremessado porta à fora, para depois ser jogado pelas escadas, fazendo-o rolar pelos degraus. Quando finalmente atingiu o último lance de escadas, seu corpo estava completamente quebrado, sentia seus membros formigarem, circundando a dormência permanente que rondava em sua mente.

E a última coisa que ele viu antes de mergulhar na inconsciência foi Duda e sua turma aproximando-se novamente para mais uma rodada de surra, até que uma luz muito forte ofuscou seus olhos e o barulho de uma buzina gozada soou em seus ouvidos...

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