Uma cilada para Marco



Capítulo um: Uma cilada para Marco




Dudão é mau
Dudão é mau, au, au
Ele curte a vida e o que tem de bom
É nosso campeão e ganha de montão!
Tem uns mano aí que também caem no pau
Mas não tem nada igual, porque...
Dudão é mau
Dudão é mau, au, au...




A música latejava com força nos ouvidos de Harry Potter. Ele virava de um lado para o outro na cama, sem qualquer resquício de sono ao escutar a sinfonia desafinada de notas agudas. Resmungando mal-humorado, o rapaz focalizou os olhos verdes no teto do quarto, as pernas e braços abertos, o corpo estirado.

Soltou um bufo audível, pressionando o travesseiro contra o ouvido quando ouviu mais uma vez o refrão da canção, cantado por Pedro, melhor amigo de seu primo Duda. Pedro era o vocalista da banda "Boca de Lixeira", composta pela patota inteira de Duda. E Harry achava sinceramente que fora uma péssima escolha colocar o garoto como cantor, já que sua voz de taquara rachada era de furar os tímpanos de qualquer um.

Até agora, o grupo tinha uma lista interminável de canções inacabadas, pois não tinham capacidade mental suficiente para terminá-las. As músicas prontas resumiam-se em somente um item: "O Dudão é mau", um monte de notas desafinadas agrupadas que a banda carinhosamente apelidara de "música oficial". Na verdade, era uma homenagem que o "compositor" do grupo, Malcolm, fizera para Duda, seu líder, quando o rapaz tornara-se bi-campeão de peso-pesado júnior no Torneio de Boxe Interescolar da Região Sudeste.

A letra da "música" era muito grosseira e fazia uma crítica muito malfeita sobre ganhar e perder, acabando com o espírito de "O melhor é competir". Certamente, a "canção" fazia com que o ego de Duda alcançasse dimensões inimagináveis, fazendo o menino ficar mais cheio de si ainda, arriscando-se até a provocar Harry uma vez, o que não acabou nada bem para ele. Fora realmente muito divertido ver Duda guinchando feito um porco e correndo para esconder-se embaixo da saia da mãe, morrendo de medo da ameaça de ter sua paixão secreta pelas Spice Girls revelada. Obviamente que, como conseqüência, Harry tivera de cortar a grama sob um sol escaldante quando Tia Petúnia descobrira sua provocação sob o filho.

Harry esfregou os olhos, irritado. Sua garganta estava incrivelmente seca e seus olhos recusavam-se a fecharem-se, e por mais que Harry tentasse de todas as maneiras recusar-se a servir de platéia para a sinfonia de Duda, o barulho afugentava seu sono. E foi quando a contagem de carneirinhos do rapaz alcançara o número 1347, que a música vinda do andar de baixo cessara.

Franzindo a testa, Harry abriu os olhos abruptamente, estranhando. Normalmente os "Boca de Lixeira" tocavam até altas horas da madrugada durante as férias, acarretando várias reclamações dos vizinhos. Queixas estas que Tio Válter e Tia Petúnia faziam questão de ignorar, orgulhosos por terem um "artista" na família, espalhando para todo o bairro que o "Dudinha" deles era um menino prodígio.

Mas parecia que aquela noite a batucada acabara mais cedo. Pedro parara de cantar e os instrumentos pararam de ressoar na noite que tornara-se silenciosa novamente. Harry supôs que o concerto seria adiado para outra noite e a patota de Duda provavelmente iria sair para mais uma noitada de vandalismo, ou melhor, os meninos iriam sair para "tomar chá na casa de seus amiguinhos" , como Duda costumava mentir para os pais.

Erguendo-se da cama, Harry calçou os chinelos, pôs os óculos e caminhou até a porta, disposto a descer até a cozinha e tomar um copo de água, talvez até assistir um pouco de televisão para ver se pegava no sono, já que sabia que não dormiria tão cedo aquela noite. Sabia que se o ensaio barulhento dos "Bocas de Lixeira" acabara, logo os roncos da casa iriam duplicar de tamanho, porque Duda iria juntar-se ao pai na nobre tarefa de fazer as paredes estremecerem com seu ronco.

Harry abriu a porta sem fazer barulho, mas sentiu-se idiota depois disso, afinal, se Tia Petúnia e Tio Válter não acordaram após uma sessão de "Dudão é mau", não acordariam com o ligeiro ranger de uma porta sem aberta. Mas assim que ele abriu uma fresta da porta para poder passar, ouviu vozes e passos subindo a escada. Num gesto quase que mecânico, ele fechou a porta com um baque.

Não sentia mais medo do primo há tempos, desde que descobrira-se um bruxo. Desde que soubera que poderia acabar com qualquer desafeto com um simples gesto de sua varinha, capaz de afetar muito mais do que um soco potente de Duda. Mas mesmo assim não seria inteligente de sua parte correr o risco de ser expulso por usar magia para vingar-se da gangue fiel do primo. Além do que, depois de tudo que passara no ano anterior, aprendera a pensar duas vezes antes de agir, pois sabia que atos mal pensados ás vezes poderiam ter sérias conseqüências...

- Que barulho foi esse? - perguntou Malcolm do lado de trás da porta. Com o ouvido colado na mesma, Harry pôde ouvir perfeitamente a conversa dos brutamontes.

- Deve ter sido o Harry, ele anda meio perturbado, sabe? - Duda respondeu, a voz tremendo ligeiramente diante da desconfiança dos amigos.

- E desde quando aquele seu primo não anda perturbado? - Pedro disse ironicamente,

- arrancando risadas dos colegas. Somente o riso de Duda escondia uma certa aflição, Harry notou satisfeito - Eu ainda me lembro de quando eu e Duda fomos ao zoológico e ele ficou conversando com uma jibóia!

Mais uma onda de risadas preencheu o corredor.

- Que eu posso dizer? Ele é louco, todos sabem! Um doido de carteirinha, internado num hospício! - comentou Górdon.

Harry soltou um resmungo alto demais, censurando-se mentalmente ao ouvir Malcolm comentar novamente:

- Que barulho foi esse?

- Já disse, deve ter sido o Harry, agora vamos nos apressar... - começou Duda tentando mudar de assunto, mas o resto da turma parecia interessado nos tais barulhos:

- O que ele deve estar fazendo? - perguntou Dênis maliciosamente, sua voz aproximando-se cada vez mais da porta.

- Nada, ele só deve estar tendo... pesadelos! - Duda disse sem fôlego, pensar rápido não era bem o seu forte.

- Pesadelos? - debochou Pedro rindo - Uh, é melhor acordar ele então, Dudão, se não ele pode molhar a cama de medinho...

Harry soltou uma exclamação furiosa, abafada pelo riso temeroso de Duda.

- Melhor não, gente. Ele é doido, pode tentar fazer.... alguma coisa... com a gente...

- Como o que? - riu Malcolm - Nos acertar com os travesseiros ou algo assim? Ele não teria coragem...

- E mesmo se tivesse, ele iria receber uma surra daquelas se tentasse alguma coisa contra a gente! - acrescentou Dênis cheio de si.

- É! - concordou Pedro.

- Mesmo assim, pessoal. Eu não acho uma boa idéia... - argumentou Duda exasperado.

- Por que não? - perguntou Malcolm desconfiado.

- Porque não! - retrucou Duda irritado.

- O que aconteceu com você, Dudão? Virou protetor do frangote agora, é?

- Não! - negou Duda com nojo.

- Então? Vamos lá! Será divertido! Como nos velhos tempos, nós quatro atormentando o frangote!
<>- Já disse que não! Agora vamos sair daqui, se não ficará muito tarde para eu ir falar com ela. - mandou Duda, fazendo todos calarem-se, atendendo o pedido do líder.

Harry ergueu somente uma sobrancelhas, intrigado. Quem era ela? Quem era a tal moça que Duda se referira? Uma namorada? Não! - pensou, rindo mentalmente da própria idéia enquanto ouvia os pés pesados dos garotos arrastando-se pelos degraus da escada - Duda não arranjaria uma namorada, não sendo ele quem era, não sendo ele tão... Duda!"

Mas foi aí que lembrou de que o Duda era o Duda e por isso mesmo que ele poderia ter "comprado" uma namorada com o dinheiro da mesada que ganhava do pai (apesar de Harry duvidar seriamente que o primo preferisse torrar sua mesada em garotas do que gastá-lo em guloseimas diversas) ou até mesmo forçar uma garota a namorá-lo. A hipótese poderia parecer absurda para quem não conhecesse Dudley Dursley, mas era perfeitamente aceitável para alguém que o conhecesse bem e que não negasse sua quantidade esmagadora de defeitos, como seus pais.

Enquanto escutava a gangue afastando-se, Harry ficou parado em frente a porta, sentindo a curiosidade tomar conta de seu peito e circular por suas veias, queimando-o de vontade de seguir o bando de garotos e descobrir quem era a tal dama misteriosa de quem Duda falara. Seria ela a primeira garota a conquistar o coração de pedra, ou melhor, de gordura, de Duda?
Será que o primo estava apaixonado? Será? Será?

Após muitos "serás" avaliados, Harry resolveu deixar-se levar pela curiosidade e não mais pela razão. Sabia que já se meterá em bastante confusões quando invertera as posições e guiara-se pela curiosidade, mas não conseguiu se controlar. Correndo até o malão aos pés de sua cama, ele começou a remexe-lo, procurando por sua capa da invisibilidade. Encontrou o tecido prateado no final da mala e jogou-o rapidamente sobre o corpo, ficando invisível.

Abriu a porta devagar, pisando leve através do corredor. Assim que alcançou as escadas, pulou o degrau que rangia e andou o mais rápido possível até Duda e os amigos que abriam a porta de entrada. Prendendo a respiração, Harry esperou ansioso enquanto o primo saia porta a fora. Ele precisava encontrar uma brecha entre a passagem de um menino e outro para poder esgueirar-se pela porta e sair junto deles sem ser percebido, afinal, ele estava invisível, mas não imaterial. Mas sua tarefa era muito difícil, já que a maioria dos garotos eram corpulentos como Duda, somente um deles era magricela: Pedro.

Ele esperou todos passarem, esgueirando-se pela porta nas pontas dos pés assim que Pedro passou, deixando uma brecha razoavelmente espaçosa após sua passagem. Puxando a capa para mais perto do corpo para não esbarrar em ninguém, Harry concentrou-se em não pisar nos pés enormes dos garotas para não provocar desconfianças. Desconfiança esta que já tornara-se evidente no rosto confuso de Molcolm que ouvira e sentira a respiração ligeiramente ofegante e nervosa de Harry em seu pescoço.

Harry seguiu o grupo em direção a rua, após atravessar a frente da casa e pular por cima da mureta do jardim com muito cuidado para não ser descoberto pela capa e deixar de ser invisível, seria realmente embaraçoso se a turma de Duda avistasse somente sua cabeça flutuando no meio do nada. Seria engraçado, não podia negar ao imaginar as caras de terror dos pentelhos que lhe atormentaram a infância inteira ao darem de cara com a suposta "assombração", mas apesar das gargalhadas que provavelmente soltaria (risos estes que há muito tempo não dava... ), teria de dar muitas explicações e certamente não acabaria bem para ele, outro processo de expulsão não seria nada agradável, tinha certeza.

Os meninos atravessaram o largo das Magnólias para tomar a rua de mesmo nome, parando na entrada de uma das inúmeras casas grandes e quadradas com gramados perfeitamente cuidados. As cortinas das janelas estavam fechadas, não permitindo uma melhor visualização do interior da residência; somente podia-se enxergar um ponto luminoso vindo de dentro da sala, indicando que uma lâmpada estava acesa e provavelmente algum morador estava acordado.

Harry observou a casa com uma expressão pensativa povoando o rosto. Apesar de serem muito parecidas umas com as outras, ele tinha a impressão de que conhecia o dono daquela residência. Seus olhos correram até o número da casa e suas suposições se confirmaram. Ele conhecia quem vivia naquele lugar, era Marco Evans, um menino de 11 anos de idade que costumava apanhar de Duda e sua gangue, era o saco de pancadas favorito dos meninos, substituindo o lugar que fora de Harry quando ele tinha a mesma idade de Marco.

Marco geralmente era vítima de surras quase que semanais da turma de Duda, pois o menino era extremamente corajoso e não tinha medo de falar o que pensava, mesmo que o preço de sua sinceridade fosse um olho roxo ou uma fratura, já que, na maioria das vezes, os pensamentos de Marco eram insultos dirigidos contra Duda e sua patota. Harry de certa forma admirava o garoto, pois ele lembrava um pouco dele mesmo quando era criança, sempre solitário, convivendo com a ameaça de Duda que afastava quem quer que fosse por temerem contrariar os brutamontes.

"Mas pelo menos o Marco tem uma família legal" - pensou ele, lembrando-se de Pierry e Willemina Evans, os pais do garoto. Eles sempre lhe pareceram pessoas muito legais, sempre foram gentis com ele, diferente do resto do bairro que o via como um delinqüente de pior espécie que freqüentava o centro St. Brutus para Meninos Irrecuperáveis. Lembrava-se de quando era pequeno e sentava-se num cento isolado do parque, apenas observando os pais brincando os filhos. Tinha uma tendência a observar Marco jogando basquete com seu pai, pois a imagem de pai e filho juntos remetia-lhe o retrato de uma família perfeita, família esta que sempre sonhara ter. Até que um dia o Sr. Evans o pegara observando-os e o convidou para jogar com eles, apoiado por um sorridente Marco. A partir daquele dia fizera amizade com os dois, até que sua tia descobriu e o mandou afastar-se da família.

Sacudiu a cabeça para livrar-se das tais lembranças que passavam como um flash em frente a seus olhos. Não gostava de pensar na sua infância. Pensar naquela fase de sua vida trazia-lhe lembranças dolorosas de um passado que ele esforçava-se para esquecer. Esforçando para retornar ao presente, ele olhou para a porta da casa de Marco, avistando o menino saindo de casa. Foi aí então que sentiu-se patético por ter deixado-se guiar pela curiosidade, afinal, provavelmente não existia nenhuma "ela" e sim "ele". Duda deveria ter utilizado o pronome feminino para referir-se a Marco somente para desmoralizado, como sempre fazia.

- Olha só quem vem vindo, gente! O frangote! - Malcolm apontou para Marco, que recebera o apelido de "frangote", assim como Harry.

Marco arregalou os olhos azuis, suas bochechas corando enquanto o rubor alastrava-se por seu rosto, confundindo-se com o ruivo de seus cabelos flamejantes. Duda riu alto, acompanhando os amigos.

- O que vocês querem aqui? - perguntou ele, a voz num misto de desafio e temor.

- Só queremos conversar - Duda disse com um sorriso sarcástico.

- Conversar, é? Bem, isso é novidade para mim! - Marco disse - Na verdade é a descoberta do século: Porcos finalmente aprenderam a conversar! Não é o máximo?

A turma de Duda não pareceu compreender muito bem o significado na piada, mas perceberam na hora que fora algo ruim, pois rosnaram em conjunto, avançando em direção ao garoto que recuou, encostando as costas na porta. Duda colocou as mãos gorduchas na parede ao lado da cabeça de Marco, impedindo-o de tentar fugir. Os olhos assustados do menino correram até a janela atrás de si e Pedro soltou uma risada pelo nariz.

- O que foi, frangote? Vai gritar pela mamãe, é? - perguntou Duda caçoando.

- Eu não sou você para fazer isso - respondeu Marco.

Duda fechou a cara , um músculo começando a tremer em seu queixo. Ele fechou os olhos, respirando fundo para se acalmar. Harry franziu a testa, perguntando-se o porquê de Duda já não ter metido um soco na cara de Marco, já que a única pessoa que ele temia bater era ele mesmo por ser um bruxo, mas Marco? O que estaria impedindo Duda de bater no menino?

- Olha aqui, Evans - começou Duda mal-humorado - Eu não vim aqui para brigar, mas você está pedindo para levar umas...

- Se você não veio aqui para brigar, o que veio fazer então? - Marco não acreditou nas intenções de Duda, olhando de canto de olho para os outros três "armários" que circundavam o líder da turma.

- Já disse, vim para conversar. - Duda repetiu.

- Conversar o que? - estranhou Marco. Harry, de sua posição no jardim da casa, preparava-se para interceder por Marco se Duda tentasse alguma coisa contra o menino.

- Conversar sobre a minha festa de aniversário. - Duda respondeu com um brilho estranho nos olhos de porco.

- O que? Por acaso você vai me convidar para sua "festinha"? - ironizou Marco, suando frio.

- É claro que não! Frangotes não vão em minhas festas - respondeu Duda.

- Então acho que toda essa sua turminha não vai poder entrar, sinto muito... E a sua família vai ter de ser expulsa da casa também, inclusive você... - caçoou Marco. Duda deslizou as mãos até o pescoço dele, apertando-o de leve.

- Olhe aqui, seu frangote, eu só não te dou uma surra agora porque...

- Porque é medroso demais para isso? - sugeriu Marco. Duda intensificou o aperto em torno do pescoço dele, deixando marcas avermelhadas na pele.

- Não - disse Duda entredentes - Porque eu preciso que você me faça um favor.

- Favor? Eu nunca vou fazer um favor para você! - Marco ergueu o queixo, desafiante.

- Pois experimente para ver se eu não quebro a sua cara - rosnou Duda enquanto fechava os punhos.

- Ah, que medo! - exclamou Marco em tom de falsete.

- Cala essa boca, moleque! Eu já te surrei uma vez e posso fazer isso de novo, ouviu bem? Eu sou campeão de boxe e já levei a nocaute caras bem mais velhos que você! - irritou-se Duda, a voz gotejando raiva reprimida.

- Pois para mim você parece mais um lutador de sumô! - Marco disse, olhando para as gordurinhas sobressalentes na barriga de Duda.

- Eu disse para você calar a boca, se não eu te esfolo!

- Por que você não vende esses seus "pneusinhos" para uma fábrica especializada? Poderia faturar uma fortuna com a quantidade de gordura que cê tem aí! - riu Marco, enfurecendo Duda, que retirou uma das mãos da parede e enfiou-a no bolso da calça, procurando algo.

- Pegue isso logo, antes que eu te quebre! - gritou ele, enfiando na mão de Marco um cartão azul.

- O que é isso? - Marco olhou para o cartão surpreso.

- É o convite do meu aniversário. Quero que você entregue para a sua prima.

Harry arregalou os olhos. O que Duda queria com a prima de Marco? Ele a conhecia o suficiente para saber que ela não era o tipo de garota por qual Duda se interessaria, pelo menos há alguns anos atrás... Mas e agora? Como estaria a menina que um dia fora sua melhor amiga? E quando Duda a vira? Sua cabeça estava doendo e ele não conseguia mais raciocinar direito.

- Você quer que eu entregue o convite para Sarah? O que você quer com ela, desgraçado?

- Nada que lhe interesse - respondeu Duda, observando as maças do rosto de Marco ganharem uma coloração rósea de raiva.

- Você está flertando com ela? - A turma riu ao perceber o ciúme emanar da voz trêmula de Marco que irritou-se, acrescentando grosseiramente - Fale, seu desgraçado!

- E se eu estiver, qual é o problema? - Duda disse com um sorriso traquinas.

Marco rosnou, espumando de raiva. E, num ímpeto, ele livrou-se das mãos que apertavam seu pescoço e empurrou Duda com toda a força que conseguira arrumar, fazendo o garoto tombar no chão. Duda arregalou os olhos, espantado com o acesso de um ciumento e protetor Marco. Os outros também pareciam surpresos demais para moverem um só músculo para ajudar o amigo, estavam todos de boca aberta, assistindo impressionados ao desempenho de Marco que aproximou-se de Duda, colocando o pé sobre a pança dele, fazendo o tênis afundar em meio as banhas que ainda não haviam sido eliminadas com a dieta.

- Olha aqui, Dursley, eu não quero saber de você jogando charme para cima da minha prima, ouviu bem? Você não é homem para ela, entendeu ou quer que eu repita, seu lesado? Se você ousar flertar com ela, eu...

Duda fez uma careta furiosa e segurou a perna de Marco com uma mão, derrubando-o no chão também. Com dificuldade, Duda ergueu-se, caminhando até Marco e, segurando-o pela colarinho da camiseta, ergueu-o no ar, chocando as costas dele contra a porta com força. O menino começou a ficar vermelho assim que sua respiração trancou nos pulmões, começando a asfixiar.

- Você vai fazer o que?

- Ele vai contar com a minha ajuda para acabar com a sua raça - disse Harry, retirando a capa de invisibilidade e tornando-se visível novamente.

Todos olharam para ele. Duda arregalou os olhos ao mirar a expressão raivosa do primo e imediatamente tratou de soltar Marco. O menino escorregou pela parede e caiu estatelado no chão, a respiração acelerada e as mãos cobrindo o pescoço dolorido.

- Ora, mas vejam só! Um frangote defendendo o outro! - riu Dênis.

- Cale a boca que a minha conversa não é com você - disse Harry grosseiramente - O meu assunto é com o seu amiguinho Dudinha aqui.

- Hei, Dudão! - Pedro chamou o amigo em tom descrente - O frangote tá puxando briga, cê não vai fazer nada?

Duda engoliu em seco audivelmente, espantando os amigos que o miravam confusos, esperando que o líder iniciasse uma briga com Harry, o que não aconteceu.

- Dudão? O que aconteceu com você? Dá uma porrada nele! - Malcolm instigou o amigo que tinham os lábios contraídos e o rosto corado.

- É, Dudinha! Você por acaso tem medo de mim? - perguntou Harry com a voz gotejando sarcasmo. Duda bufou, erguendo os punhos enormes e preparando-se para socar o primo, mas ele foi mais rápido. Sua mão voou até o bolso da jaqueta que usava, segurando a varinha firmemente por dentro dele. Duda estacou, empalidecendo ao perceber o que significava o movimento de Harry.

- Largue isso! - mandou nervosamente.

- Largar o que, Dudão? - indagou Pedro confuso.

- Não, você! Ele! - Duda apontou para Harry que riu baixinho, fazendo-se de desentendido:

- Não se faça de idiota! Aquilo! Largue a coisa que você guarda escondida e me enfrente como homem!

- Mas eu estou te enfrentando como homem, Dudinha! Estou te enfrentando como o homem que eu sou!

- Do que ele está falando, Dudão? - perguntou Dênis.

- Nada - Duda apressou-se a responder, mas Harry interrompeu-o, comentando:

- Mentindo para os amigos, Dudinha? Que feio! Se você não tem coragem para contar, deixe que eu mesmo conto, afinal, será muito divertido quando eles te abandonarem assim que souberem você é parente de um bru...

- Cale a boca! - berrou Duda, vermelho de raiva - Queria só ver se você me enfrentaria se não carregasse essa coisa...

- Coisa? Que coisa? A minha va...

- Eu mandei você calar essa boca! - gritou Duda.

- Bom, eu acho que você não está em posição de me mandar fazer coisa alguma, Dudinha - Harry sacudiu a cabeça, apertando com mais força a varinha entre os dedos - Eu estou no comando aqui, entendeu?

- Dudão! Você vai deixar ele ficar te desafiando desse jeito? - surpreendeu-se Malcolm.

Duda arrepiou-se, olhando dos rostos surpresos dos amigos para o sorriso maroto no rosto de Harry. O primo olhou-o profundamente, começando a puxar a varinha de dentro do bolso, revelando aos poucos o pedaço fino de madeira. Duda parecia prestes a ter um colapso nervoso, a dúvida expressa nos pequenos olhos negros. Até que ele soltou um urro, voltando-se para os amigos que assustaram-se, dando um passo para trás.

- Vamos embora daqui - mandou ele com a voz trêmula, puxando os colegas pelas vestes em direção a rua.

- Mas, Dudão... - começou Pedro, mas Duda cortou-o asperamente:

- Nada de mas. Vamos embora daqui, já!
Harry acenou alegremente para o primo que rugiu, fuzilando-o com o olhar. Sorrindo, ele girou nos calcanhares assim que o bando de garotos desapareceu de vista, voltando-se para Marco que erguera-se com o apoio da parede.

- Você está bem? - perguntou Harry preocupado.

- Estou, graças à você, não é? - Marco riu ligeiramente envergonhado. - Obrigado - disse sinceramente, os lábios curvando-se num sorriso verdadeiro.

- Que isso... - Harry dispensou o comentário com a mão, corando.

- Bom, acho que lhe devo uma, né? - Marco disse, sofrendo visivelmente um doloroso conflito interior - Ah, que se dane! Preciso te mostrar uma coisa.

- Coisa? Que coisa? - Harry encarou-o intrigado.

- Surpresa! - respondeu animado, começando a empurrar o rapaz em direção a rua - Vamos, estou ansioso para assistir esse reencontro...

- Reencontro? - Harry ergueu as sobrancelhas, uma breve idéia do que Marco planejava surgindo em sua mente.

- Deixa pra lá! - sorriu Marco.

Ele seguiu empurrando-o até aproximar-se de uma casa de dois andares que parecia não ver uma boa pintura há tempos. Ao sentir um forte odor de gatos emanar da residência, soube na mesma hora a quem ela pertencia.

- Por que você me trouxe até a casa da Sra. Figg? - Harry perguntou, dirigindo-se à Marco que ampliou o sorriso, dizendo misteriosamente:

- Você vai ver.

Marco o guiou até a entrada da casa, ficando na ponta dos pés para tocar a campainha. Harry cruzou os braços, lançando um olhar de canto de olho para o menino sorridente que era vários centímetros mais baixo que ele. Assim que a chave girou na fechadura, Harry esperou rever o rosto envelhecido de Arabella Figg, mas, ao contrário do que imaginava, quem abriu a porta fora uma garota de aparentemente 14 ou 15 anos de idade, com cabelos castanhos presos numa trança delicada, a franja lisa caiando sobre os olhos profundamente azuis.

- Harry? - ela indagou espantada, reconhecendo o visitante.

Harry a encarou de queixo caído, dizendo com a voz fraca:

- Sarah? Meu Deus... Você realmente voltou!

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